Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
275/23.7YHLSB.L1-PICRS
Relator: CARLOS M. G. DE MELO MARINHO
Descritores: PROPRIEDADE INTELECTUAL
MARCA
FUNÇÃO DISTINTIVA DA MARCA
REPRODUÇÃO DA MARCA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Face ao estabelecido no n.º 1 do art.º 627.º do Código de Processo Civil, o que são objecto dos recursos são as decisões judiciais. E, quando se diz «decisões judiciais», refere-se o efectivamente decidido e não o que, após a sua prolação, tenha parecido proveitoso que tivesse sido avaliado;
II. Os Tribunais de recurso não conhecem, por regra, de questões que não tenham sido previamente apreciadas no nível de jurisdição anterior;
III. No âmbito do estabelecido nas alíneas que compõem o n.º 1 do art.º 238.º do CPI, a marca registada considera-se imitada ou usurpada quando se preencham, cumulativamente, os pressupostos: a. prioridade; b. coincidência de objecto; e c. susceptibilidade de confusão, erro ou associação.
IV. É insofismável o predomínio cognitivo dos elementos verbais no acto de consumo;
V. Porém, o consumidor relevante não deixa de atender aos elementos gráficos e fá-lo com tanta mais intensidade quanto esses elementos possuam a virtualidade de convocar a sua atenção em virtude de efeitos tais como a surpresa, o carácter impressivo do novo e a força atrativa do chocante ou do distinto. O elemento gráfico, pode ser, pois, componente referenciador de uma distinção de produtos e proveniências;
VI. O consumidor é, nas situações comuns, um agente não particularmente atento e eventualmente descontraído que actua num contexto lúdico ou, ao menos, mais relaxado, no momento da aquisição de bens ou serviços;
VII. No cotejo de vocábulos, a retenção em memória é pouco precisa e rigorosa, sempre desfocada pela nebulosidade da memória, que se constrói sobre o trinómio «impressão», «repetição» e «associação»;
VIII. É a aparência distinta o que possui a virtualidade de gerar a retenção na memória sempre associada à distinção.
IX. A ponderação do consumidor no acto de consumo não se faz de forma linear e homogénea. Antes é desequilibrada e atende mais a uns elementos do que a outros.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção de Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I. RELATÓRIO                   
HOSPITAL DA LUZ ARRÁBIDA, S.A., com os sinais identificativos constantes dos autos, interpôs recurso de decisão do INPI que deferiu o registo da marca n.º 693839 “ORTOPEDIA D'ARRÁBIDA”.
O Tribunal «a quo» descreveu os contornos da acção nos seguintes termos:
HOSPITAL DA LUZ ARRÁBIDA, S.A., com sede no Complexo Arrábida Shopping, Praceta …, Vila Nova de Gaia, veio, ao abrigo dos artigos 38º e seguintes do Código da Propriedade Industrial, interpor recurso do despacho do Director de Serviços de Marcas do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), proferido em 20 de Junho de 2023, que deferiu o pedido de registo da marca Nº 693839 “ORTOPEDIA D'ARRÁBIDA” requerido por FARMÁCIA D'ARRÁBIDA SA, com fundamento que aquela marca estabelece, confusão com o seu logótipo Nº 29670 “HOSPITAL DA ARRÁBIDA” e a sua marca nacional Nº 393139 “HOSPITAL DA ARRÁBIDA”.
Regularmente citada, veio a Recorrida pugnar pela manutenção do despacho, alegando que a Recorrida e a Recorrente têm convivido pacificamente explorando respetivamente os estabelecimentos “Farmácia d’Arrábida” e “Hospital da Arrábida” localizados no mesmo centro comercial – o Arrábidashopping, em Vila Nova de Gaia e que, procurando neutralizar quaisquer hipóteses de risco de confusão, veio reduzir o âmbito do pedido de registo para a classe 10 da Classificação de Nice.

Foi proferida sentença que decretou:
Nos termos e pelos fundamentos supra consignados, indefere-se o recurso apresentado, mantendo-se o despacho recorrido proferido em 20 de Junho de 2023, que deferiu o pedido de registo da marca Nº 693839 “ORTOPEDIA D'ARRÁBIDA”.

É dessa sentença que vem o presente recurso interposto por HOSPITAL DA LUZ ARRÁBIDA, S.A., que alegou e apresentou as seguintes conclusões e pedido:
a) A marca da recorrida é constituída pela expressão “ORTOPEDIA D’ARRÁBIDA”;
b) Tal expressão é puramente descritiva, destituída da necessária capacidade distintiva;
c) As marcas assim classificadas são insusceptíveis de registo conforme estipulado no art.º 209º, al. a) e c) do Código da Propriedade Industrial;
d) A marca Nº 693839 devia assim ter sido recusada por força do disposto no nº 1 al. b) do art.º 231º do Código da Propriedade Industrial;
e) A Recorrente é titular da marca Nº 393139 “HOSPITAL DA ARRÁBIDA” requerida em 2005 e destinada, entre outros, aos seguintes serviços da Classe 44ª: “serviços médicos”;
f) É ainda titular do registo de Logótipo Nº 29670 “HOSPITAL DA ARRÁBIDA” requerido em 2002 e destinado a actividades de estabelecimentos de saúde;
g) O pedido de registo de marca Nº 693839 “ORTOPEDIA D’ARRÁBIDA” foi requerido em 19 de Outubro de 2022 e destina-se a produtos da Classe 10ª;
h) Verifica-se, assim, a prioridade dos direitos da Recorrente;
i) Os sinais em litígio destinam-se a assinalar actividades e produtos manifestamente complementares e acessórios;
j) Com efeito, tanto os cuidados de saúde (prestados por médicos, hospitais e outros prestadores de cuidados médicos) como os aparelhos e instrumentos médicos ou os produtos ortopédicos têm, entre si, uma grande proximidade (cf. Ac. TRL de 25/02/2014);
k) Os cuidados de saúde, que os médicos, os hospitais e os enfermeiros e outros profissionais de cuidados médicos prestam aos utentes, envolvem, necessariamente, o emprego de aparelhos e instrumentos médicos ou artigos ortopédicos, deste modo á manifesta a complementaridade e acessoriedade entre ambos.
l) Os direitos em confronto são constituídos pelas expressões “HOSPITAL DA ARRÁBIDA” e “ORTOPEDIA D’ARRÁBIDA”;
m) Entre aqueles sinais estabelece-se inevitável confusão;
n) Com efeito, tendo o Hospital da Arrábida a especialidade de ortopedia o consumidor será levado a pensar que se trata de um produto ou serviço do Hospital, criando-se a inevitável confusão;
o) A marca registanda constitui, por consequência, manifesta imitação da marca e do logótipo da Recorrente;
p) Tais situações levam a que o público consumidor seja induzido em erro ou confusão sobre a titularidade e origem dos serviços a que a marca se destina;
q) As fortes semelhanças existentes entre os direitos da Recorrente e a marca da ora Recorrida, na sua concreta composição, são de molde a que o consumidor médio pense tratar-se de um direito da Recorrente que já conhece, ou, pelo menos, que a associe a esta, julgando estar perante uma outra marca da mesma empresa.
r) Levando a que o eventual uso da marca possibilite à Recorrida, mesmo independentemente da sua intenção, a prática de actos de concorrência desleal;
s) Com efeito, tendo o Hospital da Arrábida a especialidade de ortopedia e estando situado no mesmo espaço físico o consumidor será levado a pensar que se trata de um produto ou serviço do Hospital, criando-se a inevitável confusão;
t) Deveria, assim, a referida marca ter sido recusada com base no artigo 232º, nº 1, alíneas b) e e) do Código de Propriedade Industrial. A douta sentença recorrida ao manter o despacho que deferiu o pedido de registo de marca Nº 693839 violou os referidos preceitos legais pelo que a mesma não pode manter-se.
Nestes termos e nos mais de direito deve ser considerado procedente o presente recurso e recusado o pedido de registo de marca Nº 693839 “ORTOPEDIA D’ARRÁBIDA” (...)

FARMÁCIA D’ARRÁBIDA, S.A., respondeu às alegações de recurso concluindo e sustentando:
A. A Recorrente interpôs recurso de apelação da sentença do TPI que julgou improcedente o seu anterior recurso, confirmando o despacho do INPI que indeferiu a sua reclamação e concedeu o registo da Marca Nacional nº 693839 “ORTOPEDIA D’ARRÁBIDA” (nominativa).
B. A Recorrente alega, sem razão, que se encontram preenchidos, os requisitos cumulativos do conceito de imitação (art.º 238.º do CPI) e ainda que a marca da Recorrida deveria ter sido recusada por força do disposto na al. b) do art.º 231º/1 do CPI.
C. Porém, é consabido que a capacidade distintiva de uma marca pode surgir da combinação de elementos que isoladamente não a têm, como sucede com os sinais distintivos ora em confronto, que têm caráter distintivo, não se verificando o fundamento de recusa previsto no artigo 231.º/1, al. b) do CPI.
D. Para se concluir pela existência de imitação de marca ou logótipo, como pretende a Recorrente, é necessário que estejam verificados, cumulativamente, os três pressupostos estabelecidos, no artigo 238.º/1.
E. Tanto a marca como o logótipo da Recorrente têm data de pedido anterior à data do pedido de registo da marca da Recorrida, gozando de anterioridade.
F. Porém, não existe afinidade (e muito menos identidade) entre os produtos e serviços assinalados pela marca da Recorrida e os serviços assinalados pela marca da Recorrente, ou a atividade por esta desenvolvida sob o logótipo invocado.
G. Os sinais em confronto no presente caso destinam-se a produtos e serviços de natureza distinta, que não têm a mesma utilidade e finalidade da perspetiva do consumidor médio, logo não concorrem entre si.
H. Aparelhos e materiais ortopédicos, como os que constam da lista de produtos assinalados pela marca da Recorrida na classe 10, não têm, a mesma utilidade e fim que serviços de “cuidados médicos e de higiene”, na classe 44, ou “estabelecimentos de saúde”.
I. Importa apenas confrontar o âmbito dos produtos e serviços, de acordo com o respetivo registo, sendo despicienda a alegação de que o Hospital da Arrábida tem “a especialidade médica de ortopedia” e se situa no mesmo centro comercial em que a Recorrida tem o seu estabelecimento. (onde, diga-se, não há casos registados de confusão)
J. Nem a marca nem o logótipo da Recorrente,respeitam a produtos ou materiais ortopédicos ou serviços de ortopedia. Nessa medida, não se encontra verificado o pressuposto exigido pela alínea b) do artigo 238.º/1.
K. O terceiro pressuposto da imitação é que os sinais em confronto tenham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.
L. Ora, o consumidor médio de produtos e serviços nas áreas da medicina e da ortopedia tem um grau de atenção elevado. Logo, pequenas diferenças entre os sinais em confronto bastam para dissipar o pretenso risco de confusão.
M. Entre os sinais em causa nestes autos há uma única coincidência, que consiste na utilização da palavra “Arrábida”, que é utilizada em Portugal na designação de um conjunto vasto de lugares, em diferentes regiões.
N. A jurisprudência e doutrina são unânimes no sentido em que se deve ignorar a coincidência quanto a elementos banais e desprovidos de carácter distintivo como, neste caso, “Arrábida”.
O. As palavras “Ortopedia” e “Hospital”, presentes no início dos sinais em confronto, são marcadamente diferentes no plano fonético, visual e conceptual.
P. Além disso, a marca da Recorrida faz uso de um apóstrofo e os sinais da Recorrente não, o que contribui para gerar, na comparação entre os sinais, uma impressão de conjunto bastante diferente.
Q. Por isso, não existe um grau de semelhança entre os sinais em confronto que permita preencher o requisito do artigo 238.º/1, alínea c) do CPI e, também por isso, não podem dar-se por verificados os fundamentos de recusa do registo estabelecidos no artigo 232.º/1, alíneas b) e d) do CPI.
R. Não estando verificados os pressupostos legais da imitação, é evidente que a marca da Recorrida não lhe permite mover concorrência desleal à Recorrente, nem esta é possível independentemente da intenção da Recorrida, pelo que também não se verifica o fundamento de recusa previsto no artigo 232.º/1, alínea h) do CPI (conjugado com o disposto no artigo 311.º/1, alínea a)).
Nestes termos e pelos referidos fundamentos, deve o presente recurso de apelação ser totalmente indeferido, sendo consequentemente mantida a sentença do TPI que, julgando improcedente o recurso judicial anteriormente interposto pela Recorrente, confirmou o despacho do INPI que concedeu o registo da marca nacional n.º 693839 “ORTOPEDIA D’ARRÁBIDA”.

Cumprido o disposto na 2.ª parte do n.º 2 do art.º 657.º do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir.
Dado que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil) – sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art.º 608.º, n.º 2, por remissão do art.º 663.º, n.º 2, do mesmo Código) – são as seguintes as questões a avaliar:
1. O registo da marca n.º 693839 devia ter sido recusado por força do disposto no n.º 1 al. b) do art.º 231.º do Código da Propriedade Industrial?
2. Entre os sinais em apreço nos autos estabelece-se inevitável confusão, constituindo a marca registanda manifesta imitação da marca e do logótipo da Recorrente, pelo que deveria ter sido recusado o seu registo face ao disposto no artigo 232.º, n.º 1, alíneas b) e e) do Código de Propriedade Industrial?

II. FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
Vem provado que:
1 – Por despacho de 21 de junho de 2023, publicado no Boletim da Propriedade Industrial Nº 123/2023, em 27/06/2023, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) concedeu o registo de marca Nº 693839 “ORTOPEDIA D'ARRÁBIDA” à Recorrida FARMÁCIA D'ARRÁBIDA SA.
2 – A marca em causa é exclusivamente constituída pela designação “ORTOPEDIA DA ARRÁBIDA” e destina-se a assinalar os produtos e serviços da 10ª classe da Classificação Internacional de Nice: ortóteses; ortóteses (ortopédicas) medicinais; ortóteses para o pé; calçado ortopédico; sapatos ortopédicos; aparelhos ortopédicos; instrumentos ortopédicos; artigos ortopédicos; suportes ortopédicos; adesivos ortopédicos; implantes ortopédicos; implantes ortopédicos artificiais; calibres [talas] ortopédicos; aparelhos ortopédicos vertebrais; goniómetros para uso ortopédico; palmilhas para calçado ortopédico; solas para calçado [ortopédico]; almofadas para uso ortopédico; ligaduras para uso ortopédico; aparelhos para uso ortopédico; ligaduras de suporte ortopédico; implantes ortopédicos em silicone; solas para sapatos [ortopédicos]; tacões para calçado [ortopédicos]; encaixes para sapatos [ortopédicos]; talas para fins ortopédicos; suportes para os dedos dos pés [ortopédicos]; suportes para os calcanhares para uso ortopédico; suportes de compressão ortopédicos; suportes para o arco plantar para sapatos ortopédicos; separadores de dedos do pé para fins ortopédicos; separadores ortopédicos para os dedos dos pés; reguladores para dedos [ortopédicos]; ligaduras de gesso para fins ortopédicos; ligaduras de gesso para uso ortopédico; palmilhas para calçado para uso ortopédico; palmilhas para uso ortopédico em sapatos; artigos de malha ortopédicos; botas para exercício físico [calçado ortopédico]; cintas para fins ortopédicos; colchões insufláveis para fins ortopédicos; dispositivos de suporte ortopédicos; dispositivos ortopédicos de silicone; acessórios de proteção para os dedos dos pés para inserir no calçado [ortopédicos]; acessórios ortopédicos para os pés; acessórios para o arco plantar [ortopédicos]; almofadas para o arco plantar [ortopédicos]; aparelhos de apoio ao tratamento ortopédico; aparelhos ortopédicos para pés tortos; apoios ortopédicos para os calcanhares; apoios ortopédicos para os pés; apoios para os calcanhares para uso ortopédico; próteses ortopédicas; joelheiras ortopédicas; solas ortopédicas; palmilhas ortopédicas; talas ortopédicas; ligaduras ortopédicas; almofadas ortopédicas; cintas ortopédicas; palmilhas ortopédicas amovíveis; palmilhas macias [ortopédicas]; dispositivos de fixação ortopédica; palmilhas ortopédicas para calçado; palmilhas de correção [ortopédicas]; próteses ortopédicas para a anca; palmilhas ortopédicas com suportes para o arco plantar incorporados; lençóis ortopédicos adaptados para uso durante operações ortopédicas; suportes para o arco plantar para botas ortopédicas; aparelho de condução ortopédica para prevenção do ronco; próteses ortopédicas para implante de articulações; acolchoado para ligaduras de gesso ortopédicas; instrumentos cirúrgicos destinados à cirurgia ortopédica; ligaduras ortopédicas para as articulações; joelheiras ortopédicas para uso médico; cotoveleiras ortopédicas para uso médico; próteses ortopédicas para o fémur; almofadas ortopédicas para os pés; ligaduras ortopédicas para o joelho.
3- A Recorrente Hospital da Luz Arrábida, SA, é titular do Logótipo nº 29670 registado desde 15.01.2004 “HOSPITAL DA ARRÁBIDA”.
4 - É também titular da Marca Nacional Nº 393139 “HOSPITAL DA ARRÁBIDA”,



registada desde 04.07.2006 e destinada a assinalar serviços das classes 43ª - alojamento temporário - e 44ª - serviços de cuidados de saúde para pessoas; serviços de higiene e cuidados de beleza para pessoas; cuidados de higiene e beleza para seres humanos; cuidados de higiene e de beleza para seres humanos.

5- A marca Nº 693839 d “ORTOPEDIA DA ARRÁBIDA” pedira inicialmente o registo para as classes 10ª, 41ª e 44ª , mas posteriormente veio requerer apenas o registo para a classe 10ª, desistindo quanto às demais, tendo o INPI concedido o registo apenas para a Classe 10ª Classificação Internacional de Nice.

Fundamentação de Direito
1. O registo da marca n.º 693839 devia ter sido recusado por força do disposto no n.º 1 al. b) do art.º 231.º do Código da Propriedade Industrial?
Face ao estabelecido no n.º 1 do art.º 627.º do Código de Processo Civil, o que são objecto dos recursos são as decisões judiciais. E, quando se diz «decisões judiciais», refere-se o efectivamente decidido e não o que, após a sua prolação, tenha parecido proveitoso que tivesse sido avaliado.
A questão proposta não é de conhecimento oficioso e não foi arguida nulidade pelo seu não conhecimento pela primeira instância, não tendo sido brandido o regime da al. d) do n.º 1 do art.º 615.º do apontado encadeado normativo.
Não se extrai da análise da sentença impugnada que o Tribunal «a quo» tenha apreciado a questão agora suscitada.
Este Tribunal Superior não conhece de questões em primeira instância. Tal contrariaria o Direito adjectivo constituído e, particularmente, a norma invocada em primeiro lugar nesta análise.
Sobretudo, a aceitação da estratégia ilegal da Recorrente levaria à supressão e atropelamento do equilíbrio e funcionamento articulado dos diversos graus de jurisdição, elementos imprescindíveis para o bom desempenho do sistema, normativamente definidos.
Face ao exposto, atenta a muito flagrante inadequação e contrariedade à lei da proposta de análise que gerou a pergunta acima lançada, não se conhece desta questão.

2. Entre os sinais em apreço nos autos estabelece-se inevitável confusão, constituindo a marca registanda manifesta imitação da marca e do logótipo da Recorrente, pelo que deveria ter sido recusado o seu registo face ao disposto no artigo 232.º, n.º 1, alíneas b) e e) do Código de Propriedade Industrial?
O Tribunal «a quo» fez, na sentença criticada, o enquadramento jurídico das noções subjacentes e pressuponentes da análise que se propunha realizar, designadamente dos conceitos de marca, sua função, critérios realtivos à sua composição, fundamentos da recusa de registo, requisitos da materialização da confusão ou associação e passou em revista as condições de preenchimento, «in casu», de tais requisitos.
Essa matéria não vem posta em crise não se colocando, no caso em apreço, dificuldades específicas ao nível da caracterização dos signos em confronto.
O mesmo órgão jurisdicional identificou correctamente preceitos relevantes para a análise que realizou e deu o devido relevo e sentido ao disposto nesses preceitos legais. Nada há a reparar neste domínio, não se justificando, também, qualquer aditamento, face à suficiência do invocado e indiscutibilidade nos autos das noções associadas.
Neste quadro circunstancial, seria ocioso, logo inútil, logo proscrito pelo direito adjectivo constituído – cf. o disposto no art.º 130.º do Código de Processo Civil e o princípio da economia processual aí enunciado – tecer alargadas considerações, sempre redundantes, sobre a matéria não proposta para discussão nem colocada em crise.
É seguro que estamos perante duas marcas já que tais sinais são subsumíveis à fattispecie do art.º 208.º do Código da Propriedade Industrial (CPI).
Não se materializa qualquer das excepções referenciadas no art.º 209.º do mesmo encadeado normativo.
No âmbito do estabelecido nas alíneas que compõem o n.º 1 do art.º 238.º do CPI, a marca registada considera-se imitada ou usurpada quando se preencham, cumulativamente, os pressupostos:
a. Prioridade;
b. Coincidência de objecto; e
c. Susceptibilidade de confusão, erro ou associação.

Face aos factos colhidos nos autos, o Tribunal concluiu, com acerto, pelo preenchimento dos dois primeiros requisitos.
Não há dificuldades remanescentes quanto à anterioridade dos signos distintivos da ora Recorrente e seu registos e não as há também no que se reporta à coincidência de objectos e, consequentemente, de mercados, mostrando-se correcta a análise feita na sentença, incidente sobre a noção de identidade de produtos.
Resta, pois, para avaliação, o requisito definido na al. c) do apontado número e artigo, ou, como equacionou o Tribunal «a quo», a existência de imitação.
Estão alinhados para comparação os seguintes referentes identificativos alegadamente colocados em relação de colisão:
A. “ORTOPEDIA D'ARRÁBIDA” (a marca pretensamente invasora do espaço da Recorrente) e o logótipo e a marca mista com o grafismo indicado entre os factos provados
B.  “HOSPITAL DA ARRÁBIDA” e “HOSPITAL DA ARRÁBIDA”,




Neste quadro, importa começar por referir que comparamos um logótipo e uma marca mista com uma marca estritamente nominal, o que introduz, de imediato, relevante factor de distinção perante o olhor do consumidor/utilizador de serviços no que se refere ao par marca-marca.
O grafismo escolhido, apesar de apenas bi-cromático, revela originalidade e é susceptível de ser retido na memória por tal razão.
Ao nível das palavras utilizadas, importa mencionar que é hoje insofismável o predomínio cognitivo dos elementos verbais no acto de consumo.
Porém, o consumidor relevante não deixa de atender aos componentes gráficos e fá-lo com tanto mais intensidade quanto esses elementos possuam a virtualidade de convocar a sua atenção em virtude de efeitos tais como a surpresa, o carácter impressivo do novo e a força atrativa do chocante ou do distinto. O elemento gráfico, pode ser, pois, componente referenciador de uma distinção de produtos e proveniências.
É, de qualquer forma, certo e seguro que a abordagem psicológica do mundo circundante é feita mediante a conversão mental dos objectos vistos em palavras ou conceitos nominais, o que determina que seja o verbo o elemento gnoseológico representativo e substitutivo do objecto avaliado pela mente humana.
Este dado da psicologia do conhecimento conduz-nos à certeza de que o que consumidor mais e melhor recorda são as palavras que constituem as marcas que compare. O elemento gráfico só convocará a sua atenção se for muito chamativo e dominar a impressão visual produzida (o que ocorrerá por diversas vias: associação ao conhecido relevante, ligação a objecto de gostos e afectos, capacidade de chocar ou divergir do comum, apelo ao humor ou a sentimentos fortes, etc.) – vd., neste sentido, os acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia  T-54/12 - K2 Sports Eur ope v OHMI - Karhu Sport Iberica (SPORT), § 40, T-312/03 Wassen International v OHIM – Stroschein Gesundkost (SELENIUM-ACE), § 37, e T-517/10 Pharmazeutische Fabrik Evers v OHIM – Ozone Laboratories Pharma (HYPOCHOL), § 32.
No caso em apreço, o grafismo tem relevo diferenciador.
Na comparação dos signos, a operação a realizar pelo julgador, em situações do presente jaez, consiste na reconstituição do olhar do consumidor médio do mercado concreto apreciado. Este é, nas situações comuns, um agente não particularmente atento, eventualmente descontraído, que actua num contexto lúdico ou, ao menos, geralmente relaxado, no momento da aquisição de bens ou serviços.
Sendo inelutável o referido predomínio da parte nominativa, não é menos verdade que, no cotejo de vocábulos, a retenção em memória é pouco precisa e rigorosa, sempre desfocada pela nebulosidade da memória que se constrói sobre o trinómio «impressão», «repetição» e «associação». Ou seja, uma reminiscência é tanto mais forte quanto mais intensa e firme tenha sido a implantação inicial (o que se consegue, por exemplo, através da novidade, originalidade e contexto distinto). E será mais profunda se o signo for marcante ou estiver presente com grande repetição. A retenção a longo prazo no espaço cerebral sempre beneficia da possibilidade de ligar o elemento a conservar a um outro anteriormente conhecido, assim produzindo o apontado efeito de associação.
É a aparência distinta o que possui a virtualidade de gerar a retenção na memória sempre associada à distinção; na verdade, retemos o que destrinçamos.
É central o relevo da análise de conjunto no momento da ponderação da capacidade de produzir impacto e sensibilizar, sendo certo que «o consumidor médio» «apreende normalmente uma marca como um todo e não procede a uma análise das suas diferentes particularidades» – vd., neste sentido, os acórdãos do TJUE C-251/95, SABEL, C-39/97, Canon, C-108/97 e C-109/97, Windsurfing Chiemsee Produktions, C-342/97, Lloyd Schuhfabrik Meyer, C-425/98, Marca Mode e do Tribunal de Primeira Instância T-292/01, Phillips-Van Heusen e T-112/03, L'Oréal.
Por outro lado, a ponderação não se faz de forma linear e homogénea. Antes é desequilibrada e atende mais a uns elementos do que a outros.
A avaliação central que se pede ao julgador em situações do presente jaez é bem mais psicológica do que jurídica, já que se lhe requer que reconstitua e intua o olhar do consumidor perante os signos que exornem a apresentação comercial e económica dos actores de um certo mercado. E é assim porque se visa salvaguardar a livre e equilibrada concorrência e, como metas derradeiras, garantir iguais oportunidades para todos os potenciais agentes, a protecção do consumidor e o eficaz funcionamento da economia. Há, pois, aqui, no que tange à teleologia, um marcante balanço entre os direitos individuais e as finalidades colectivas.
No caso em apreço, ao olharmos as marcas alinhadas nos termos lançados supra (logo de forma mais privilegiada do que a disponível, por regra, para o consumidor, que tem, bastas vezes, de activar a memória, ou seja, comparar o que tem presente com o que simplesmente recorda) extraímos, de forma directa e linear, a noção de que as impressões de conjunto são muito distintas. E tal ocorre, sobretudo, em virtude do apontado grafismo.
Mas não só. Também ao nível onomástico a diferenciação é manifesta.
As marcas e o logótipo comungam a palavra «Arrábida» (e tão só). Esta, porém, não tem qualquer relevo distintivo autónomo. Trata-se de vocábulo integrante da toponímia lusa, logo inapropriável, sobre o qual a Recorrente não tem qualquer direito emergente do Registo.
A indicada protecção reporta-se, unicamente, ao conjunto onomástico de relevo marcário «HOSPITAL DA ARRÁBIDA».
E a protecção pedida pela Recorrida também não incide sobre a referida menção toponímica mas sobre o conjunto verbal «ORTOPEDIA D'ARRÁBIDA».
E são estes conjuntos o objecto da avaliação globalizante do consumidor, acima referida, sendo que a distintividade da marca da Recorrente não é maior do que a da Recorrida, o que significa que, se a marca da Recorrida não fosse registável também a da Recorrente o não seria.
Ora, procurando o olhar do referido consumidor, temos que não é razoável admitir que «ORTOPEDIA D'ARRÁBIDA» seja visto como um serviço ou departamento ou parte, ou elemento integrante do negócio da Recorrente.
Perante os signos comparados, o consumidor o que vê são duas marcas, uma referenciando um hospital e a outra uma farmácia ou uma loja especializada.
Se a marca da Recorrida pretendesse designar um hospital, seguramente que seria do género: «Hospital Ortopédico da Arrábida», como ocorre em situações bem conhecidas e notórias do mercado de saúde nacional tais como «Hospital Ortopédico de Sant’Ana», «Hospital Ortopédico Santiago do Outão» ou «Hospital Ortopédico José de Almeida».
Nenhuma unidade de saúde especializada em ortopedia se intitula ou intitularia «Ortopedia de (Localidade)» sendo que, quando lê «Ortopedia», bem sabe o consumidor estar perante entidade comercial orientada para a venda de material ortopédico.
Claro que existem em hospitais serviços de ortopedia. O que não têm é a autonomia que parece subjazer à tese da Recorrente, nem se intitulariam «Ortopedia do sítio S» mas «Serviços de Ortopedia do Hospital H ou da localidade L».
Não se materializa a possibilidade de erro, confusão ou associação referida na al. c) do n.º 1 do  art.º 238.º do Código da Propriedade Industrial não se aceitando a tentativa de apropriação da Recorrente de palavra que é de todos, que integra o património geográfico e cultural do País, ou seja, do vocábulo Arrábida quando surgisse associado a algo que, ainda que remotamente, lhe lembrasse a área da saúde, ainda que situado no domínio das vendas e não da sua, que deverá ser a da prestação de cuidados de saúde.
Neste quadro, também não se preenchem as previsões das normas indicadas na pergunta a que se responde.

III. DECISÃO
Pelo exposto, julgamos o recurso improcedente e, em consequência, negando-lhe provimento, confirmamos a sentença impugnada.
Custas pelo Apelante.
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Lisboa, 11 de Setembro de 2024
Carlos M. G. de Melo Marinho
Eleonora M. P. de Almeida Viegas
Bernardino J. Videira Tavares