Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MANUELA FIALHO | ||
Descritores: | COMISSÃO DE SERVIÇO AVISO PRÉVIO INDEMNIZAÇÃO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/25/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | N | ||
Texto Parcial: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | ALTERADA A SENTENÇA RECORRIDA | ||
Sumário: | 1.– A cessação de comissão de serviço pode ocorrer mediante aviso prévio. 2.– A falta de aviso prévio constitui o faltoso na obrigação de indemnizar. 3.– Sendo a cessação acompanhada de manutenção do contrato de trabalho, a indemnização deve cingir-se ao efetivo prejuízo decorrente da inobservância do prazo de aviso prévio. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa. BBB, Ré nos autos acima e à margem identificados, tendo sido notificada da sentença, e não se conformando com a mesma, vem dela interpor Recurso de Apelação. Pede a revogação da sentença recorrida. Funda-se nas seguintes ordens de razão que apresentou como conclusões: (…) AAA, A. nos autos supra referenciados, notificada da interposição de recurso contra a sentença, vem apresentar as suas contra-alegações defendendo a manutenção da mesma. O MINISTÉRIO PÚBLICO manifestou-se no sentido da confirmação da decisão recorrida. * Segue-se um breve resumo dos autos para cabal compreensão: AAA o demandou BBB Formulou os seguintes pedidos: – A quantia indemnizatória em dívida no montante de 8.661,46€ (oito mil, seiscentos e sessenta e um euros e quarenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento; – Juros compulsórios à taxa anual de 5% calculados sobre as quantias indemnizatórias e respetivos juros de mora, contados desde a data do trânsito em julgado da sentença e até efetivo e integral cumprimento. Alega a Autora, em síntese, que no quadro da conclusão do processo de implementação de uma nova estrutura organizacional da BBB no dia 23 de Outubro de 2020 foi-lhe comunicada a denúncia do acordo de comissão de serviço que tinham com a Ré, com efeitos a partir do dia 25 de outubro de 2020. Acontece que a Ré entende que a denúncia da comissão de serviço, sem ser cumprido o devido aviso prévio não tem consequências indemnizatórias pois os diretores mantêm a retribuição base que auferiam. Assim decidiu a Ré indemnizar apenas a parte respeitante à perda do subsídio de Isenção de Horário de Trabalho. A A. não aceitou nem se conforma com o entendimento seguido pela R. A R. apresentou contestação, sustentando a veracidade dos factos alegados pelo A. e explicando que no seu entender uma comissão de serviço com garantia de emprego, em que o autor da denúncia é o empregador e em que não se extingue a relação de trabalho, os danos correspondem ao que o trabalhador perde em consequência de, durante o tempo do aviso prévio, não se ter mantido a exercer as funções correspondentes à atividade prestada ao abrigo do acordo de comissão de serviço. Ora, se quando terminou a comissão de serviço, a Ré manteve a retribuição base (no valor de € 6 364,47) e as diuturnidades (de € 99,30) que auferia, não sofreu qualquer dano com a inobservância do prazo de aviso prévio. O único dano será o subsídio de isenção de horário que receberia caso a denúncia da comissão de serviço tivesse sido antecedida de aviso prévio. Desse modo garantiu-se que a A. ficou na situação em que estaria caso não ocorresse a denúncia irregular, sendo indemnizada pelos prejuízos que efetivamente sofreu. Foi proferido saneador sentença que julgou a presente ação procedente por provada e, consequentemente condenou a Ré no pagamento à Autora: – Da quantia de 8.661,46€ (oito mil, seiscentos e sessenta e um euros e quarenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento; – Nos juros compulsórios à taxa anual de 5% calculados sobre tais quantias contados desde a data do trânsito em julgado da sentença e até efetivo e integral cumprimento. *** As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso. Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, é a seguinte a questão a decidir, extraída das conclusões: – Denunciada a comissão de serviço em incumprimento do prazo de aviso prévio, com manutenção do contrato de trabalho, a indemnização respetiva tem por medida o valor deixado de auferir em razão daquele? *** FACTOS PROVADOS: Com relevo para a decisão mostram-se apurados os seguintes factos (factos expressamente admitidos ou não impugnados, e resultando ainda dos documentos juntos aos autos, e cujo teor não foi impugnado): 1.–A A. foi admitida ao serviço da R., em 01/04/2003, para desempenhar as funções inerentes ao cargo de Diretora da Direção de Informação e Consumidores, em regime de comissão de serviço. 2.–Em contrapartida do exercício do seu cargo, a A. auferiu em outubro de 2020 uma retribuição integrada, entre outras prestações, por “vencimento” (6.364,47€), “diuturnidade” (99,30€) e “subsídio isenção horário” (2.133,04€). 3.–No quadro da conclusão do processo de implementação de uma nova estrutura organizacional da BBB que implicou o termo de todas as comissões de serviço dos seus diretores, a R. comunicou à A. “nos termos e para os efeitos da Cláusula 22.ª, n.º 3, do Acordo de Empresa, a denúncia do acordo de comissão de serviço, com efeitos a partir do dia 25 de outubro de 2020” e bem assim que “como previsto na cláusula 2.ª do acordo de comissão de serviço e no artigo 7.º, n.º 5, do Regulamento de Carreiras, anexo ao Acordo de Empresa, deixará de auferir o inerente subsídio de isenção de horário de trabalho”. 4.–A A. recebeu aquela comunicação por email, “para conhecimento antecipado”, no dia 23/10/2020. 5.–A mesma comunicação executou a deliberação do Conselho de Administração da BBB do dia 13/10/2020, na qual, sobre a cessação das comissões de serviço dos seus diretores e entre o mais, não obstante reconhecer que o “artigo 401.º do CT [Código do Trabalho] estabelece que quem não cumpra, total ou parcialmente, o prazo de aviso prévio deve pagar uma indemnização de valor igual a retribuição base e diuturnidades correspondentes ao período em falta, sem prejuízo de indemnização por danos causados pela inobservância do prazo de aviso prévio ou de obrigação assumida em pacto de permanência”, segue o entendimento de que “...a denúncia da comissão [de serviço] sem ser antecedida de qualquer aviso não tem consequências indemnizatórias pois os diretores mantêm a retribuição base que auferiam durante a comissão de serviço”, sendo que, “no entanto, não podemos esquecer que a nomeação em comissão de serviço também implica a atribuição de um subsídio de IHT, o qual, não sendo retribuição base, deve ser considerado para todos os efeitos como retribuição (sendo pago 14 vezes ao ano)”, e assim “não sendo cumprido o pré-aviso legal, (...) deve ser paga uma indemnização pelo incumprimento do aviso prévio de valor igual ao subsídio de IHT” 6.–Em decorrência das referidas deliberação e comunicação, a A. passou a auferir a partir de novembro de 2020 uma retribuição integrada por “vencimento” (6.364,47€) e “diuturnidade” (99,30€), cessando o pagamento de “subsídio isenção horário”; e recebeu sucessivamente nos meses de novembro e dezembro de 2020 as quantias de 2.559,65€ e 1.706,43€ a título de “Indemnização perda IHT 36 dias” e “Indemnização perda IHT 24 dias”, respetivamente. 7.–A A. nunca aceitou nem se conformou com o entendimento seguido pela R. para cômputo do valor indemnizatório devido pela falta de cumprimento do aviso prévio 8.–A A. solicitou à R., em 30/10/2020 e 25/11/2020, a revisão do seu (da R.) entendimento e o pagamento do valor indemnizatório em falta, não tendo tais solicitações tido atendimento. *** O DIREITO: A questão supra enunciada prende-se com a indemnização por falta de aviso prévio na cessação de comissão de serviço. Perspetiva-se-nos um caso em que não foi cumprido o prazo legal de aviso prévio, mantendo-se o contrato de trabalho com todas as componentes remuneratórias, exceto o subsídio por isenção de horário de trabalho, que caiu com a cessação daquela. A Apelante, reconhecendo o incumprimento do prazo de aviso, indemnizou a Apelada pelo valor correspondente ao que seria devido pela isenção de horário de trabalho, única regalia perdida. Pretende a Apelada, que lhe é devida indemnização tendo por base o valor global da retribuição – retribuição base e diuturnidades. A comissão de serviço cessou em 25/10/2020, pelo que é aplicável o CT na sua versão atual, designadamente quanto se dispõe no Artº 163º. Ora, de acordo com tal dispositivo legal, qualquer das partes pode pôr termo à comissão de serviço, mediante aviso prévio por escrito, com antecedência mínima de 30 ou 60 dias, consoante aquela tenha durado, respetivamente, até dois anos ou período superior. A falta de aviso prévio não obsta à cessação da comissão de serviço, constituindo a parte faltosa na obrigação de indemnizar a contraparte nos termos do Artº 401º. Conforme nos dá nota Maria do Rosário Palma Ramalho “a lei é clara ao estatuir que o desrespeito pelo tempo de aviso prévio não obsta à cessação da comissão de serviço, apenas investindo a parte em falta na obrigação de indemnizar a outra parte no período correspondente ao tempo de aviso prévio em falta, sem prejuízo do direito a indemnização superior…” (Tratado de Direito do Trabalho, Parte IV, Almedina, 200). Diz a lei que a indemnização é aferida conforme o disposto no Artº 401º do CT. O Artº 401º, norma inserta na secção correspondente à denúncia de contrato de trabalho pelo trabalhador, dispõe que o trabalhador que não cumpra, total ou parcialmente, o prazo de aviso prévio estabelecido no artigo anterior deve pagar ao empregador uma indemnização de valor igual à retribuição base e diuturnidades correspondentes ao período em falta, sem prejuízo de indemnização por danos causados pela inobservância do prazo de aviso prévio ou de obrigação assumida em pacto de permanência. Donde, adaptando-se a norma à realidade que se nos apresenta temos que, cessada a comissão de serviço com inobservância do prazo de aviso prévio, a estatuição é no sentido de o empregador indemnizar o trabalhador com um valor igual à retribuição base e diuturnidades correspondente ao período em falta ou, havendo maiores danos a compensar, pelo valor dos mesmos. Não se prevê aqui qualquer redução do valor indemnizatório, presumindo-se que o incumprimento do prazo de aviso prévio causa, só por si, dano indemnizável e estatuindo-se que o ressarcimento desse dano deve equivaler, pelo menos, ao valor correspondente à retribuição base e diuturnidades que seriam devidos no período em falta. Argumenta a Apelante que a situação é materialmente distinta, porquanto ali a denúncia provém do trabalhador tendo como consequência a extinção da relação laboral. O argumento é impressivo. No caso da cessação da comissão de serviço reportada nos autos, o contrato de trabalho manteve-se, havendo lugar à perda do subsídio de isenção de horário, pelo que, tendo a Apelante compensado tal perda com indemnização correspondente ao valor que seria devido no tempo em causa, não há qualquer dano para a Apelada. A questão que se coloca é, pois, a de saber se a remissão operada pelo Artº 163º/2 do CT consente uma interpretação que distinga situações de cessação pura e simples do contrato de trabalho das situações de manutenção deste com regalias (e responsabilidades) inferiores. Propendemos a dar razão à Apelante, sufragando a sua tese de que a solução legal não pode ser transposta acriticamente e que há uma diferença substancial entre um contrato de trabalho mantido e um cessado com a infração ao período de aviso. Mantendo-se o contrato de trabalho – como é o caso – o prejuízo que advém ao trabalhador é apenas e tão só o equivalente à perda de certa componente retributiva. Ora, qualquer indemnização se destina a compensar um dano, configurando-se o dano como um dos vários pressupostos da responsabilidade civil. E o que se dispõe no Artº 163º/2 do CT é que a parte faltosa se constitui na obrigação de indemnizar a contraparte. Sendo aquele o dano, não fere os princípios gerais atinentes à interpretação das normas jurídicas, a solução propugnada. Donde, remetendo-se para o disposto no Artº 401º, e vindo o mesmo a aplicar-se numa situação distinta daquelas para as quais foi pensado, haverá que fazer as necessárias adaptações e indemnizar o trabalhador pela irregularidade verificada dentro da medida e extensão do dano sofrido. Assim, tendo a Apelada sido ressarcida do valor do subsídio perdido, mantendo-se o contrato de trabalho com a retribuição correspondente àquela que auferia quando exercia em regime de comissão de serviço, nada mais lhe é devido. Contrapõe esta que as regras de interpretação jurídica – que cita louvando-se na transcrição de extrato do Ac. do TC nº 182/2020-, nomeadamente o Artº 9º do CC, não permitem um tal entendimento por o mesmo não ter na letra da lei um mínimo de correspondência. Não nos convence o argumento pelas razões já aduzidas, muito especialmente por se tratar de aplicar norma que não contempla uma situação como a presente e porque a indemnização deve, no nosso sistema jurídico-legal corresponder ao dano sofrido. Razões que nos impelem, em obediência ao disposto no Artº 9º/1 do CC, a não nos cingirmos à letra da lei e a apelar à unidade do sistema jurídico, não se vislumbrando aqui alguma interpretação contra legem pois assegura-se indemnização pelo prejuízo sofrido. Contrariamente ao invocado pela Apelada não vemos que o incumprimento da antecedência no caso concreto tenha juridicamente um desvalor idêntico ao de qualquer outro incumprimento de aviso prévio. A continuidade do vínculo com manutenção das demais condições laborais é relevante, sendo dificilmente compreensível que, não tendo havido um concreto prejuízo haja lugar a ressarcimento em aplicação de uma ficção legal. Procede, pois, a apelação. **** As custas deverão ser suportadas pela Apelada, parte vencida no caso (Artº 527º do CPC). * *** * Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência revogar o saneador sentença, absolvendo a R. do pedido. Custas pela Apelada. Notifique. * Lisboa, 25/05/2022 MANUELA BENTO FIALHO SÉRGIO ALMEIDA FRANCISCA MENDES | ||
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