Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ALVES DUARTE | ||
Descritores: | NOTA DE CULPA DECISÃO DE DESPEDIMENTO INVALIDADE DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR INQUÉRITO CRIMINAL QUESTÃO PREJUDICIAL PROVA DOCUMENTAL PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/14/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA EM PARTE | ||
Sumário: | I. O empregador pode fundamentar a decisão de despedir o trabalhador remetendo para a nota de culpa ou para outro documento (v.g., o relatório do instrutor do processo que anteceda a decisão). II. A descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador em termos de modo, tempo e de lugar pode ser feito em termos de aproximação, desde que não comprometa o seu entendimento para disso se poder defender. III. A pendência de processo-crime contra a ré de um processo laboral em que o autor invoca a resolução do contrato de trabalho por justa causa não constitui fundamento para a suspensão da instância laboral porque a decisão desta não depende daquela (art.º 92.º, no 1 do CPC); e o mesmo ocorre se estiver pendente inquérito criminal, pois que não estará pendente em juízo, mas sim no Ministério Público (art.º 272.º do CPC). IV. A parte pode reclamar do despacho que define o objecto do litígio enuncia os temas da prova, mas desse despacho não cabe apelação autónoma (art.º 596.º, n.º 3 do CPC). V. A parte deve indicar os factos que pretende provar com um documento em poder da contraparte (art.º 7.º e 417.º e 429.º do CPC); se não indicar, tendo em conta os fins do processo, o princípio da cooperação e a identidade com a previsão legal para o depoimento de parte, o juiz deve convidá-lo a e só indeferir se o não fizer (art.ºs 202.º, n.º 2 da CRP e 2.º, n.º 1, 410.º, 7.º, n.ºs 1 e 4, 417.º, n.º 1 e 452.º, n.º 1 do CPC). (sumário da autoria do Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório. Notificado o despacho saneador-sentença proferido pela Mm.ª Juiz a quo na presente acção declarativa, com processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, que AA intentou contra Centro Social de BB, ambas as partes apelaram autonomamente, sendo: a) a ré, pedindo que (i) se considere a questão prejudicial de foro penal, declare a suspensão do processo em primeira instância até à sua decisão final e (ii) se declare a nulidade do despacho saneador/sentença na parte que fundamentos e decisão, considera o despedimento ilícito e o procedimento disciplinar invalido, revogando-o nesse tocante e substituindo-o por outro pré saneador que ordene a realização de audiência prévia, ou saneador e após a organização da matéria de facto para sujeição a inquirição das testemunhas arroladas, também à matéria do despedimento, sentido amplo, entre as quais os menores indicados e consequentemente a audiência final, concluindo assim a alegação: "1. Foi entendimento da Mm.ª Juiz a quo, que à A. foi vedado o direito de defesa por não ter sido referido nem descriminado na Nota de Culpa, o tempo, o modo e lugar em que os factos imputados terão ocorrido. 2. Parece-nos não ter razão, pois é aludido na nota de culpa a colocação da Recorrida da casa de Acolhimento Residencial, que é o lugar por definição da infracção disciplinar. 3. Teve a Recorrente conhecimento em 07/07/2022, que a Recorrida batia fisicamente em três crianças, os menores CC e suas duas irmãs, DD e EE; tais ofensas ocorreram nos trinta dias anteriores aquela data referida, não tendo sido possível concretizar um pouco mais. 4. Jamais o seria, porquanto o facto de as crianças estarem num procedimento de promoção e proteção que evoluiu para processo de adopção nos quais a confidencialidade garantida impediu e impediria o conhecimento da identificação e morada dos pais adoptivos em vista a autorizarem a audição necessária. 5. Quanto ao modo as ofensas foram cometidas no isolamento com a Recorrida sozinha com as crianças, intui-se que utilizou as mãos ou os pés para agredir o tronco, a cabeça ou os membros deles. 6. Entende-se, assim haver uma definição suficiente dos circunstancialismos de tempo, modo e lugar. 7. Ao permitir a audição dos menores em sede de audiência de discussão e julgamento e ao tomar a decisão de declarar ilícito o despedimento, o despacho saneador / sentença, por ambíguo viola o art.º 615.º, n.º 1 al. c) do Código processo civil aplicável ex vi do art.º 1.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo de Trabalho, sendo nulo. 8. Foram as ameaças da Recorrida sobre a colega de trabalho FF, as quais foram proferidas no dia 07/07/2022, entre as 8h e as 16h, na casa de acolhimento residencial. 9. A Mm.ª Juiz a quo viu aqui falta de circunstancialismo de modo, tempo e lugar, parecendo-nos que é mais que suficiente a definição destes aspectos para considerar as ameaças como facto susceptível de despedimento com justa causa. 10. Não existe a falta de circunstancialismo total que a Mm.ª Juiz a quo invoca no despacho saneador e que constitui um exagero. 11. Consideramos o processo disciplinar não atingido por invalidade, violando o despacho saneador o art.º 615.º, n.º 1, al. d) do Código do Processo Civil, aplicável ex vi do art.º 1.º, n.º 2 al. a) do Código de Processo de Trabalho. 12. A Recorrida não se quis defender. 13. Os factos relatados na Nota de Culpa em português claro para um homem médio permitiam que compreende-se o seu significado. 14. Preferiu escudar-se em argumentos formais, contornando, e assim ficando sem enfrentar um histórico que a deixou sem resposta e defesa de fundo. 15. O legislador no art.º 382.º, n.º 2, al. a) do Código do Trabalho, não exige um detalhe irrealizável da definição de modo, tempo e lugar como elementos do circunstancialismo, bastando-se por uma definição suficiente. 16. A Mm.ª Juiz a quo, optou por exigir da Recorrente um pormenor demasiado preciso do tempo, modo e lugar, logrando por em causa a finalidade do procedimento disciplinar, violando esse preceito legal. 17. Assim, a acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento deve ser usada com a abrangência adequada a não sacrificar valores de justiça, preferível a acolher critérios formais de decisão. 18. Falar em controlo judicial, inclui, sobretudo a apreciação do despedimento em sentido material, tendo em vista critérios de legalidade da apreciação do procedimento disciplinar mas também a sujeição ä legalidade do comportamento do trabalhador. 19. Doutra forma, condutas graves de trabalhadores ficam sem a "censura" judicial e a resposta social de justiça material. 20. O juízo do tribunal a quo, sobre o despedimento ocorrido, em prognose prematura, sem ouvir os menores mantendo a possibilidade de as ouvir, o que se afigura inútil quando já considerou o despedimento ilícito, numa contradição, faz mais uma vez recair no despacho saneador / sentença parcial o vicio de nulidade, assim o devendo declarar os Venerandos Desembargadores. 21. Mesmo sem terem sido ouvidas as crianças no procedimento disciplinar, a Nota de Culpa e a decisão de despedimento, contem factos suficientes para os submeter aos testemunhos. 22. Parece-nos que apoiando-se em critérios formais tão só, se encosta a decisão judicial a um modo de denegação de justiça material. 23. Sem ouvir as demais testemunhas arroladas úteis, não poderá a Mm.ª Juiz a quo saber, relativamente ao crime de ameaças perpetrado pela Recorrida sobre a sua colega, se afigura a insuficiência da matéria para dar à prolação o despacho saneador, relevando aqui o dito vicio de nulidade deste, tendo em conta o não pronunciamento judicial sobre este tema. 24. Entende a Recorrente que o despacho aludido padece de dois vícios que acarretam a nulidade do mesmo, um por contradição, obscuridade e ambiguidade entre a possibilidade conferida de ouvir os menores, a sua inutilidade vazado no despacho saneador / sentença e o outro vicio na insuficiência da matéria sobre o qual o despacho não se pronunciou sobre as ameadas proferidas pela recorrida. 25. Acresce que estando em causa os mesmos factos que sustentaram o despedimento da Recorrida e o inquérito que corre no Ministério Público – Procuradoria da República da Comarca de Lisboa – DIAP secção do Montijo, se devem evitar decisão contraditórias de ambas as jurisdições em causa e sendo necessário analisar alegada difamação e crimes de ofensas corporais e de ameadas, o foro competente com prejuízo da jurisdição do Tribunal judicial da comarca de Lisboa – Juízo do Trabalho do Barreiro – Juiz 1, e o do Ministério Publico do Montijo versus tribunal criminal territorialmente competente". A autora contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso da ré. b) a autora, pedindo que seja revogado, ordenando-se a sua notificação para, no prazo a fixar, indicar os concretos factos alegados que pretende provar com a junção dos aludidos documentos, formulando as seguintes conclusões: "I. O douto despacho recorrido é nulo por ausência de fundamentação de facto e de Direito quanto à rejeição do pedido de condenação da Recorrida no pagamento das horas de formação profissional não ministradas à Recorrente e em indemnização por discriminação directa e assédio moral. II. Pese embora o douto despacho tenha admitido, liminarmente, o pedido reconvencional, da análise do objecto do litígio resulta que essa concreta parte do pedido reconvencional foi rejeitada. III. Sem que o douto tribunal a quo fundamente as razões de facto e de Direito de tal rejeição. IV. O douto tribunal a quo indeferiu a prova por documentos em poder da parte contrária, com fundamento no artigo 429.º do CPC, por a Recorrente não ter indicado os concretos factos que pretendia provar com tais documentos. V. O douto despacho, neste segmento, viola o disposto no artigo 61.º, n.º 1 do CPT e o artigo 590.º, n.ºs 2 e 3 do CPC". A ré não contra-alegou. Admitidos os recursos na 1.ª Instância para subir imediatamente e em separado dos autos e remetido a esta Relação, foram os autos com vista ao Ministério Público, tendo a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta do seguinte parecer: "A nota de culpa é peça processual essencial no processo de despedimento, na mesma se estabelece o fundamento do despedimento. O fundamento do despedimento tem que ser claro, inequívoco, devendo ser esclarecedor acerca do motivo do mesmo, circunstanciando o tempo, lugar e modo da actuação que determina a sanção mais exigente do processo disciplinar – o despedimento. Nesse sentido e como ensina a Professora Maria do Rosário Ramalho (vide tratado de direito do trabalho, 9.ª edição, pág. 991 e 992) na nota de culpa são de destacar os seguintes aspectos: - tem de revestir forma escrita; - Da nota de culpa tem que constar a descrição circunstanciada dos factos imputáveis ao trabalhador, susceptíveis de integrar o conceito geral de justa causa, constante do art.º 351.º, n.º 1 e das infracções disciplinares a que factos correspondam (art.º 353.º n.º 1, parte final), o que se justifica para assegurar a efectividade do direito de defesa do trabalhador. Deste preceito resulta que o conteúdo da nota de culpa deve obrigatoriamente integrar as seguintes indicações: - Uma descrição completa e detalhada (i.e. circunstanciada) dos factos concretos que consubstanciam a violação do dever por do trabalhador, não bastando, pois, uma simples referência ao dever violado, nem, muito menos, a mera remissão para a que comina tal dever; - A referência à infracção a que corresponde o comportamento faltoso do trabalhador; tendo em conta que o comportamento do trabalhador pode ser um comportamento extra-laboral (nos termos acima indicados), é, nestes casos, especialmente importante o estabelecimento, na nota de culpa, do nexo entre aquele comportamento e o dever laboral relevante para efeitos do despedimento; - a aferição da gravidade e da culpa do trabalhador na pratica de tal infracção, de acordo com os critérios gerais da justa causa para despedimento enunciados no art.º 351.º, n.ºs 1 e 3. E em nota de rodapé refere a Professora, Apesar do modo exigente como a lei se refere à nota de culpa, a jurisprudência tem admitido que as deficiências da nota de culpa se considerem sanadas desde que, na sua defesa o trabalhador mostre ter compreendido o teor da nota de culpa (…) é uma posição que se subscreve, tendo em conta a finalidade das exigências de indicação circunstanciada dos factos na nota de culpa visando estas indicações assegurar o direito de defesa do trabalhador, se este se defende em relação a um facto não completamente circunstanciado, mostra que o conhecia, pelo que a finalidade da norma se deve considerar cumprida. O professor Monteiro Fernandes fala de aptidão funcional da nota de culpa enquanto suporte de defesa do arguido. (vide Direito do trabalho, 21.ª edição, pág. 736). Igualmente neste sentido se escreve no ac. do STJ de 14-11-2018, proferido no processo 94/17.0T8BCL-A.G1.S1por consulta em www.dgsi.pt: I - A nota de culpa deve conter a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador, em termos de modo, tempo ainda que aproximado, e de lugar, de forma a permitir que aquele organize, de forma adequada, a sua defesa, sob pena de invalidade do procedimento disciplinar. Da decisão proferida nestes autos lê-se: Da excepção peremptória de nulidade do procedimento disciplinar por violação do direito de defesa, Pronuncia-se a decisão recorrida no seguinte sentido: Do exposto resulta não constar da nota de culpa o enquadramento temporal, espacial e forma de execução dos factos imputadas à Autora relativamente às alegadas ofensas à integridade física de menores. Está, assim, vedada à Autora defender-se de tais factos por total omissão do circunstancialismo necessário à cabal defesa (neste sentido cfr. Por todos Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18.10.2021, in www.dgsi.pt). Verifica-se, assim, padecer parcialmente a nota de culpa do vício apontado - violação do direito de defesa. (fim de citação) Relativamente à decisão final do processo disciplinar pronuncia-se a decisão recorrida nos seguintes termos: Entende, assim, o tribunal que se verifica a violação do direito da Autora, nos termos do disposto nos artigos 382º, n.ºs 1 e 2 alínea d) e 357.º, n.º 4 ambos do Código do Trabalho, pelo se conclui pela invalidade do procedimento disciplinar. (fim de citação) Conforme decorre do teor do disposto no artigo 375.º, n.º 5 do Código de trabalho, a decisão de despedimento deve revestir a forma escrita e estar fundamentada de facto e de direito. Ensina a professora Maria do Rosário Ramalho 'Nesta fundamentação devem ser ponderadas as circunstâncias relevantes no caso, deve ser avaliado o grau de culpa do trabalhador para concluir sobre a adequação da sanção do despedimento ao caso (ou seja, deve ser aplicado o princípio geral da proporcionalidade entre a infracção e a sanção disciplinar, enunciado no art.º 330.º, n.º 1 [do Código de trabalho]) e devem ser tidos em conta os pareceres a que houver lugar (art.º 357.º n.º 4) ‒ em suma, trata-se de uma fundamentação muito detalhada. O aspecto mais importante da fundamentação da decisão de despedimento é o da circunscrição deste fundamento aos factos alegados na nota de culpa e na resposta do trabalhador, a não ser quanto a novos factos que atenuem a responsabilidade do trabalhador (art.º 357.º, n.º 4, parte final). Este aspecto evidencia, de novo, a importância central da nota de culpa no processo de despedimentos.' (fim de citação) Ora, da leitura da decisão proferida no procedimento disciplinar ressalta imediatamente a falta de fundamentação de facto e de direito da mesma, como aliás é reconhecido no despacho saneador. Tais omissões acarretam a violação do disposto no artigo 357.º, n.ºs 4 e 5 do Código de trabalho e 382.º, n.º 2 al. a do mesmo diploma, como reconhecido no despacho saneador. Entendemos assim improceder o recurso da decisão apresentado pela Ré. * Do recurso da autora AA No despacho saneador, na identificação do objecto do litígio refere o despacho recorrido: 'Objecto do litígio: - Do montante da indemnização pela ilicitude do despedimento a que a Autora tem direito; Se são devidos à Autora os créditos laborais peticionados, com excepção das horas de formação.' (fim de citação) Como acima referido a autora recorre do despacho proferido nos seguintes termos: 'O douto despacho recorrido é nulo por ausência de fundamentação de facto e de Direito quanto à rejeição do pedido de condenação da recorrida no pagamento de horas de formação profissional não ministradas à Recorrente e em indemnização por discriminação directa e assédio moral. Pese embora o douto despacho tenha admitido, liminarmente, o pedido reconvencional, da análise do objecto do litígio resulta que essa concreta parte do pedido reconvencional foi rejeitada. Sem que o douto tribunal a quo fundamente as razões de facto e de Direito de tal rejeição.' 'O douto tribunal a quo indeferiu a prova por documentos em poder da parte contrária, com fundamento no artigo 429.º do CPC, por a Recorrente não ter indicado os concretos factos que pretendia provar com tais documentos. O douto despacho, neste segmento, viola o disposto no artigo 61.º, n.º 1 do CPT e o artigo e artigo 590.º, n.ºs 2 e 3 do CPC.' (fim de citação) Relativamente à rejeição do pedido de condenação da recorrida no pagamento de horas de formação profissional não ministradas à Recorrente e em indemnização por discriminação directa e assédio moral efectuado na reconvenção efectivamente o despacho é omisso relativamente aos fundamentos da não admissão do pedido atinente ao pagamento das horas de formação, bem como relativamente à ausência de pronúncia relativamente à alegada discriminação directa e assédio moral. Entendemos que assiste neste particular razão à recorrente com os fundamentos aduzidos no seu recurso. Relativamente ao indeferimento da prova por documentos em poder da parte contraria. O indeferimento do alegado foi indeferido em virtude de a Mm.º juiz em virtude de a autora não ter indicado os factos que pretendia provar com os documentos solicitados em poder da parte contrária, como preconizado no artigo 429.º do CPC. Como alegado pela autora, deveria o Mm.º juiz ter convidado ao aperfeiçoamento do requerido nos termos previstos no artigo 590.º, n.º 3 do CPC, o que não efectuou. Assim entendemos também nesta parte assistir razão à recorrente". Nenhuma das partes respondeu ao parecer do Ministério Público. Colhidos os vistos, cumpre apreciar o mérito do recurso, delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente e pelas questões de que se conhece ex officio. Assim, importa apurar: a) na apelação da ré, se: • a nota de culpa se mostra adequadamente circunstanciada quanto ao tempo, modo e lugar da pretendida comissão dos factos imputados à trabalhadora; • deve ser suspensa a instância por prejudicialidade do inquérito criminal em curso contra a trabalhadora; a) na apelação da autora, se: • a nulidade do despacho saneador-sentença por falta de fundamentação da rejeição do pedido reconvencional de condenação da ré no pagamento de horas de formação profissional não ministradas e na indemnização por discriminação e assédio moral; • a ilegalidade do indeferimento da requerida prova documental por não indicar os factos a provar, sem prévio convite para que o fizesse. *** II - Fundamentos. 1. Dados processuais relevantes: 1.1 O despacho recorrido: "DESPACHO SANEADOR I. Da invocada questão prejudicial: Veio a Ré invocar existir um processo-crime em curso, na sequência de queixa efectuada pela Autora relativamente a expressões reputadas de difamatórias junto do Ministério Publico. O proferimento de tais expressões reputadas como difamatórias foi igualmente alegado pela Autora para efeitos de impugnar o despedimento promovido pela Ré. Conclui, assim, ser o referido processo-crime prejudicial relativamente aos presentes autos, requerendo, por isso, a suspensão da instância ao abrigo do disposto no art.º 92.º do Código de Processo Civil. Exercendo o contraditório, pela Autora foi pugnada a improcedência do pedido. Cumpre apreciar e decidir: Nos termos do disposto no art.º 92.º n.º 1 do Código de Processo Civil: '1 - Se o conhecimento do objecto da acção depender da decisão de uma questão que seja da competência do tribunal criminal ou do tribunal administrativo, pode o juiz sobrestar na decisão ate que o tribunal competente se pronuncie". Importa, em primeiro lugar, identificar o objecto da acção no âmbito dos presentes autos: Os presentes autos configuram uma acção especial, de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, tendo a Autora iniciado a acção através da apresentação do competente formulário e a Ré apresentado articulado motivador do despedimento. Nos termos do disposto no art.º 351.º n.º 1 do Código do Trabalho: '1 - Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho'. Nos termos do disposto no art.º 387.º n.ºs 1 e 2 do mesmo código: '1 - A regularidade e licitude do despedimento só pode ser apreciada por tribunal judicial. 2 - O trabalhador pode opor-se ao despedimento, mediante apresentação de requerimento em formulário próprio, junto do tribunal competente, no prazo de 60 dias, contados a partir da recepção da comunicação de despedimento ou da data de cessação do contrato, se posterior, excepto no caso previsto no artigo seguinte'. Assim, o objecto da presente acção consiste em aferir se a cessação do contrato por iniciativa da Ré, entidade empregadora, teve origem num comportamento da Autora, trabalhadora, integrante do conceito de justa causa. Com a queixa efectuada junto do órgão de polícia criminal competente pretende a Autora ver condenados os denunciados pelas expressões alegadamente imputadas àquela. Do exposto resulta que, atenta a decisão a proferir, esta em nada depende da decisão que vier a ser proferida no âmbito do processo de inquérito a correr termos no DIAP. Em face do exposto, indefere-se a requerida suspensão. *** II. Da admissibilidade da reconvenção: Veio a Autora, em sede de reposta ao articulado motivador do despedimento apresentado pela Ré, peticionar: a) Ser julgado ilícito o despedimento da A. por nulidade do processo disciplinar, com as legais consequências; ou, assim não se entendendo; b) Ser julgado ilícito por ausência de motivação, com as legais consequências; c) Ser julgada abusiva a sanção disciplinar de despedimento e ser a R. condenada a pagar a A. a quantia de € 17.042,40 a título de indemnização substitutiva da reintegração acrescida de juros de mora vincendos, a taxa legal, desde o trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo ate efectivo e integral pagamento; d) Ser a R. condenada a pagar à A. as remunerações que deixou de auferir desde a data do despedimento ate ao trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo; e) Ser a R. condenada pela prática de discriminação e condenada a pagar a A. a quantia de €5.000,00 acrescida de juros de mora vincendos, a taxa legal, desde o trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo ate efectivo e integral pagamento; f) Ser a R. condenada pela prática de assédio moral e condenada a pagar à A. indemnização não inferior a €10.000,00 juros de mora vincendos, a taxa legal, desde o trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo ate efectivo e integral pagamento; g) Ser a R. condenada a pagar à A., a título de diferenças salariais por trabalho suplementar, a quantia de €656,29 acrescida de juros de mora vencidos desde 1 de Fevereiro de 2022, a taxa legal de 4%, no valor de €25,68 e juros vincendos ate efectivo e integral pagamento; h) Ser a R. condenada a pagar à A. a quantia de €932,00 [€4,66/hora x 200] correspondente a 200 horas de formação profissional não ministrada, a que acrescem juros de mora vencidos desde 20 de Outubro de 2022, a taxa legal de 4%, no valor de €9,81 e juros vincendos ate efectivo e integral pagamento; i) Ser a R. condenada a pagar à A. a quantia de €821,87, a título de subsidio de ferias proporcional ao trabalho prestado em 2022, a que acrescem juros de mora vencidos desde 20 de Outubro de 2022, a taxa legal de 4%, no valor de € 8,65 e juros vincendos ate efectivo e integral pagamento. Alega, em síntese: - Ter sido despedida sem justa causa pela Ré; - Consubstanciar o despedimento uma sanção abusiva; - Com a sua conduta a Ré causou danos não patrimoniais a Autora; - Não ter a Ré procedido ao pagamento de créditos laborais vencidos na vigência do contrato celebrado. A Ré apresentou réplica, impugnando a factualidade alegada em sede de reconvenção. Nos termos do disposto no art.º 98.º-L n.º 3 do Código de Processo do Trabalho: '3 - Na contestação, o trabalhador pode deduzir reconvenção nos casos previstos no n.º 2 do artigo 274.º do CPC, bem como para peticionar créditos emergentes do contrato de trabalho, independentemente do valor da acção'. A remissão supra referida deve ser entendida como sendo feita para o actual art.º 266.º do Código de Processo Civil. Nos termos do n.º 2 deste preceito: '2 - A reconvenção e admissível nos seguintes casos: a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento a acção ou a defesa; b) Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas a coisa cuja entrega lhe é pedida; c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor; d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter". Tem sido discutida na doutrina e na jurisprudência a questão de saber se, no âmbito do disposto no art.º 98.º-L n.º 3 do Código de Processo do Trabalho, a reconvenção abrange necessariamente todas as consequências da ilicitude do despedimento (nomeadamente a reintegração e os salários intercalares) ou se apenas esta em causa o que não seja consequência imediata da invalidade do despedimento gerada pela ilicitude. Da leitura conjugada do regime atinente às consequências da falta de apresentação de articulado motivador por parte da entidade empregadora ou de contestação por parte do trabalhador (art.º 98.º-J. n.º 3 do Código de Processo do Trabalho) parece resultar, interpretação com a qual concordamos, que a reconvenção apenas e exigida para os pedidos que extravasam as consequências legais da declaração ilícita do despedimento, sendo elas a reintegração/indemnização em substituição da reintegração e o pedido de pagamento dos salários intercalares. Efectivamente, quanto a estes, o tribunal terá sempre que conhecer no âmbito da sua função jurisdicional, independentemente de ser peticionado, como resulta da leitura do preceito ora referido. Já no que tange ao demais peticionado, o seu conhecimento por parte do tribunal esta dependente da alegação dos factos que os integram, sendo estes emergentes do facto que serve de fundamento à acção. Assim, o facto jurídico que serve de fundamento ä defesa e a ilicitude da cessação do contrato de trabalho; o facto jurídico que serve de fundamento ao pedido reconvencional e a mesma cessação. Em face do exposto, ao abrigo do disposto no art.º 98.º-L n.º 3 do Código de Processo do Trabalho o tribunal admite liminarmente o pedido reconvencional formulado. *** III. Saneamento O tribunal e competente. Inexistem nulidades que invalidem todo o processado. As partes gozam de personalidade judiciária, capacidade judiciária e tem legitimidade. As partes estão devidamente representadas. Inexistem excepções dilatórias ou nulidades processuais que impeçam o conhecimento do mérito da causa. * Da excepção peremptória de nulidade do procedimento disciplinar por violação do direito de defesa: Veio a Autora invocar a referida excepção peremptória alegando, em síntese: - Terem sido feitas na nota de culpa acusações genéricas e abstractas relativamente aos factos que integram a justa causa de despedimento, não podendo a Autora defender-se das mesmas; - Não terem sido elencados, na decisão final, os factos concretos praticados pela trabalhadora que se julgam provados e não provados; - Não constar da decisão final qualquer pronúncia sobre os factos invocados pela Autora nos artigos 12.º a 17.º na resposta a nota de culpa. Exercendo o contraditório, pela Ré foi pugnada a improcedência da referida excepção. Cumpre apreciar e decidir: Nos termos do disposto no art.º 381.º do Código do Trabalho, sob a epígrafe Fundamentos gerais da ilicitude do despedimento: 'Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes ou em legislação especifica, o despedimento por iniciativa do empregador e ilícito: a) Se for devido a motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que com invocação de motivo diverso; b) Se o motivo justificativo do despedimento for declarado improcedente; c) Se não for precedido do respectivo procedimento; d) Em caso de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador durante o gozo de licença parental inicial, em qualquer das suas modalidades, se não for solicitado o parecer prévio da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres'. Acrescenta o art.º 382.º, sob a epígrafe Ilicitude de despedimento por facto imputável ao trabalhador: '1 - O despedimento por facto imputável ao trabalhador e ainda ilícito se tiverem decorrido os prazos estabelecidos nos n.ºs 1 ou 2 do artigo 329.º, ou se o respectivo procedimento for inválido. 2 - O procedimento e inválido se: a) Faltar a nota de culpa, ou se esta não for escrita ou não contiver a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador; b) Faltar a comunicação da intenção de despedimento junta a nota de culpa; c) Não tiver sido respeitado o direito do trabalhador a consultar o processo ou a responder a nota de culpa ou, ainda, o prazo para resposta a nota de culpa; d) A comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento e dos seus fundamentos não for feita por escrito, ou não esteja elaborada nos termos do n.º 4 do artigo 357.º ou do n.º 2 do artigo 358.º". O processo disciplinar, na medida em que pode desembocar no despedimento do trabalhador, põe em causa o direito fundamental de segurança no emprego, consagrado pelo artigo 53.º° da Constituição da República Portuguesa, pelo que ter-se-á de submeter ao princípio da defesa. Aqui chegados, cumpre aferir relativamente a cada um dos fundamentos invocados: Da factualidade alegada em sede de nota de culpa: Nos termos do disposto no art.º 353.º n.º 1 do Código do Trabalho: '1 - No caso em que se verifique algum comportamento susceptível de constituir justa causa de despedimento, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que o tenha praticado a intenção de proceder ao seu despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados". Com descrição circunstanciada dos factos pretendeu o legislador consagrar a possibilidade de identificação do tempo, modo e lugar em que os factos imputados terão ocorrido. Apenas desta forma e possível ao trabalhador exercer a possibilidade de exercer, plena e eficazmente, o respetivo direito de defesa relativamente aos comportamentos que, na perspectiva da sua entidade empregadora, consubstanciam violação dos deveres laborais, possuindo gravidade suficiente para quebrarem, irremediavelmente, a relação de confiança existente e fundarem a imediata cessação do contrato de trabalho. Acresce que, na esteira do que tem sido defendido pela doutrina e jurisprudência, ainda que se verifique omissão de descrição circunstanciada dos factos, não há invalidade do processo disciplinar se se demonstrar que o trabalhador compreendeu o teor da acusação (cfr. por todos Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05.12.2016, in www.dgsi.pt). Da análise da nota de culpa constata-se terem sido imputados a Autora os seguintes factos: 'No passado dia 07/07/2022, no turno das 8.00 horas às 16.00 horas do CAR a funcionária AA num ambiente pesado que criou começou a gritar para a Directora Técnica Dra. GG, dizendo praticamente a 'berrar ' 'você sabe muito bem que não dá fins de semana a ninguém'. 'Você já aqui está há tempo demais e tal como já tem acontecido a outras directoras vai ser afastada desta casa'. 'Vai ter de responder a quem de direito'. Nesse dia de manha dirigindo-se à funcionária FF disse que 'Um dia faço-te a folha'. 'Enfio uma coisa na cabeça e ela (GG) não e mais ninguém na vida', assim como a AA disse que jogava a FF pelas escadas abaixo 'para se por a pau '. Aquela cena de gritaria passou-se em frente as 11 crianças e em frente da funcionária JJ. Na sequência a Directora Técnica dirigiu-se a AA para se acalmar e sair ao que a mesma respondeu de imediato que 'não sairia' voltando a frisar que GG 'se encontra há tempo demais no serviço'. Sucede ainda que no dia 07/07/2022 a GG teve conhecimento de que a funcionária AA 'bate nos meninos ' e que lhes afirma 'se disser o que quer que seja sobre ela (AA) terão de se ver com ela (AA)". Foi o menor Código Civil que verbalizou esta realidade à Dra. GG bem como à Dra. HH e quando conversou com a GG o CC começou a chorar convulsivamente e em pânico, tendo contado também à Professora II que a AA lhes bate e que os amedronta, a ela CC de 9 anos, a DD de 7 anos e a EE de 5 anos. (...)'. Do exposto resulta não constar da nota de culpa o enquadramento temporal, espacial e forma de execução dos factos imputadas à Autora relativamente às alegadas ofensas ä integridade física de menores. Esta, assim, vedada à Autora defender-se de tais factos por total omissão do circunstancialismo necessário à cabal defesa (neste sentido cfr. por todos Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18.10.2021, in www.dgsi.pt). Verifica-se, assim, padecer parcialmente a nota de culpa do vício apontado. Da ausência de factos provados e não provados em sede de decisão final: Está em causa o disposto na alínea d) do n.º 2 do art.º 382.º do Código do Trabalho. A propósito dos elementos que tem que constar da nota de culpa, o art.º 357.º n.ºs 4 e 5 do Código do Trabalho consagra a seguinte norma: '4 - Na decisão são ponderadas as circunstâncias do caso, nomeadamente as referidas no n.º 3 do artigo 351.º, a adequação do despedimento a culpabilidade do trabalhador e os pareceres dos representantes dos trabalhadores, não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade. 5 - A decisão deve ser fundamentada e constar de documento escrito'. Impõe-se, assim, pela remissão do n.º 4 para o n.º 3 do art.º 351.º, que da decisão final conste a descrição circunstanciada dos factos imputados à Autora. A decisão final proferida no âmbito do procedimento disciplinar que deu origem aos presentes autos, no que tange ä factualidade considerada, tem a seguinte redacção: 'Dão-se por parcialmente provados os factos inseridos na nota de culpa comunicada atempadamente a colaboradora, sustentadas na declaração ínsita na participação feita pela directora técnica da Casa X e no aditamento na esta participação ambas de autoria da referida directora e não comprovadamente contraditadas na defesa apresentada que não ofereceu probatório, a saber: Não se dão por provadas as ameaças à directora técnica Dra. GG melhores descritas na nota de culpa por se afigurarem as mesmas contraditadas na defesa da colaboradora quando invoca o assédio moral que muito embora não comprove parecem-nos ter suficiência para não darmos relevo nesta decisão as alegadas ameaças proferidas sobre a aludida directora técnica. No entanto, na defesa apresentada pela colaboradora não se encontram contraditadas as ameaças proferidas sobre a trabalhadora FF consistente na expressão dirigida pela colaboradora a esta 'um dia faço-te a folha', jogo-te pelas escadas abaixo', 'para te pores a pau', ameaças que constituem crime e que se dão aqui por provadas oferecendo-se como provas desse fato a declaração ínsita na participação e aditamento da referida directora técnica, as quais se encontram previstas e punidas pelos art.º 153.º e 305.º do Código Penal'. Este é o excerto da decisão final, comunicada a trabalhadora, no qual e referida a prova parcial de factos, sem, no entanto, serem os factos descriminados quanto ao tempo, lugar e modo da sua execução (ao contrário do que sucedeu com a nota de culpa). Ao contrario do que se fez constar relativamente a nota de culpa, em que o vício se verificava apenas parcialmente relativamente a um conjunto de factos imputados, a decisão final e totalmente omissa nesse tocante, inexistindo qualquer factualidade relativamente a qual a Autora pudesse exercer o seu direito de defesa por via da impugnação do despedimento. Entende, assim, o tribunal que se verifica a violação do direito da Autora, nos termos do disposto nos artigos 382.º n.ºs 1 e 2 alínea d) e 357.º n.º 4 ambos do Código do Trabalho, pelo que se conclui pela invalidade do procedimento disciplinar. Da invocada omissão de pronúncia da decisão final: Considerando a argumentação esgrimida pela Autora para este efeito, e ainda as causas de invalidade do procedimento disciplinar como descritas no art.º 382.º do Código do Trabalho o fundamento invocado não integra qualquer das alíneas nem é o mesmo susceptível de violar o direito de defesa da Autora. * Atenta a análise supra, ao abrigo do disposto no art.º 382.º n.ºs 1 e 2 alínea a) do Código do Trabalho o tribunal decide declarar procedente a excepção peremptória de invalidade do procedimento disciplinar e, consequentemente, declarar a ilicitude do despedimento da Autora promovido pela Ré. *** IV. Identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova: Objecto do litígio: - Do montante da indemnização pela ilicitude do despedimento a que a Autora tem direito; - Se são devidos a Autora os créditos laborais peticionados, com excepção das horas de formação. Atenta a simplicidade da selecção da matéria de facto, o tribunal abstém-se de enunciar os temas da prova. *** V. Requerimentos de prova e programação dos actos a realizar na audiência final: Prova documental: Por legais e tempestivos, admitem-se os documentos juntos. * Prova testemunhal arrolada pela Autora: Ao abrigo do disposto no art.º 64.º° do Código de Processo do Trabalho, por legal e tempestivo, o tribunal admite os róis apresentados. * Prova testemunhal arrolada pela Ré: Por legal e tempestivo o tribunal admite o rol apresentado. Sem prejuízo, e considerando o objecto do litigio, a circunstancia de as testemunhas indicadas nos pontos 7 e 8 do articulado motivador do despedimento serem menores e a matéria relativamente a qual o seu depoimento poderia contribuir para a descoberta da verdade, notifique a Ré para, em 5 dias, indicar se pretende a inquirição de tais testemunhas e, em caso afirmativo, qual a matéria (por reporte a factos concretos alegados) a que as pretende inquirir. Esta menção deve constar expressamente do texto da notificação. * Prova por documentos em poder da contraparte: Veio a Autora requerer a notificação da Ré para juntar aos autos: - Contrato de Trabalho e comunicação da admissão a SS da trabalhadora FF; - Documento comprovativo da categoria profissional das trabalhadoras …; - Documento comprovativo das habilitações literárias das trabalhadoras indicadas na alínea a) e b); - Mapas de horário de trabalho dos anos 2020, 2021 e 2022. Não indica quais os factos que tais documentos visam sustentar. Nos termos do disposto no art.º 429.º do Código de Processo Civil: '1 - Quando se pretenda fazer uso de documento em poder da parte contrário, o interessado requer que ela seja notificada para apresentar o documento dentro do prazo que for designado; no requerimento, a parte identifica quanto possível o documento e especifica os factos que com ele quer provar. 2 - Se os factos que a parte pretende provar tiverem interesse para a decisão da causa, e ordenada a notificação". Não obstante a indicação dos documentos, a Autora não indicou os factos que com eles pretende provar. Em face do exposto, indefere-se o requerido. *** VI. Audiência final: Para realização da audiência final no âmbito dos presentes autos, e atenta a extensão da prova a produzir, sugere-se: - O dia 17.10.2023, pelas 9h30m para inquirição das testemunhas da Autora; - O dia 17.10.2023, pelas 14h para inquirição das testemunhas da Ré; De salientar que, não obstante o art.º 98.º-M consagrar que a prova se inicia pela oferecida pelo empregador, entende o tribunal que, nas circunstâncias em que o tribunal decide a ilicitude do despedimento em sede de saneador e a prova consiste na aferição das consequências da ilicitude e apreciação do pedido reconvencional, sendo factos constitutivos do direito do trabalhador, a prova se deve iniciar pela oferecida pela Autora. Notifique, sem prejuízo do disposto no art.º 151.º n.º 2 do Código de Processo Civil. * Notifique as partes nos termos e para efeitos do disposto no art.º 596.º n.º 2 do Código de Processo Civil e 63.º n.º 2 do Código de Processo do Trabalho". 2. A apreciação das apelações. 2.1 A apelação da ré. 2.1.1 Vejamos então como decidir as questões suscitadas na apelação da ré, começando pela primeira. Insurge-se a apelante ré contra a decisão da Mm.ª Juiz a quo de julgar "procedente a excepção peremptória da invalidade do procedimento disciplinar e, consequentemente, declarar a ilicitude do despedimento da autora promovido pela ré". A fundamentação do decidido consistiu, em síntese, na consideração de que a exigência constante do n.º 1 do art.º 353.º do Código do Trabalho exige que o empregador comunique, por escrito, ao trabalhador a intenção de proceder ao seu despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos imputados deve ser entendida como a possibilidade do trabalhador identificar o tempo, o modo e o lugar em que os mesmos terão ocorrido e que isso não foi feito no caso sub iudice. Porque se tem como pacífico o entendimento da lei expresso naquele singelo passo colhido do despacho recorrido nada mais se referirá além da adesão ao mesmo, reservando o maior esforço na indagação de saber se também merece acolhimento a conclusão a que nele chegou a Mm.ª Juiz a quo, com o aplauso, diga-se, não só da apelada autora como do Ministério Público. Todavia, será conveniente desde logo esclarecer que se concorda inteiramente com a jurisprudência afirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 06-12-2017, no processo n.º 434/14.3TTBRR.L1.S2, publicado em http://www.dgsi.pt e que aqui se tem por relevante, segundo a qual "a fundamentação da decisão de despedimento pode ser efectuada por remissão para a nota de culpa ou para outro documento (v.g., o relatório do instrutor do processo que antecede a decisão)";[1] jurisprudência essa que sem rebuço se pode dizer que corresponde a um entendimento bem sustentado no tempo, de que são exemplo o acórdão do próprio Supremo Tribunal de Justiça, de 13-01-2010, no processo n.º 1321/06.4TTLSB.L1.S1[2] e do acórdão da Relação de Coimbra, de 15-12-2021, no processo n.º 5016/20.8T8CBR.C1, ambos publicados em http://www.dgsi.pt.[3] E isto porquanto se é verdade que o essencial das exigências de forma e de substância de que desde sempre a lei se envolveu reside na necessidade de permitir a cabal compreensão pelo trabalhador dos factos que o empregador lhe imputa e assim lhe assegurar os direitos de defesa, tudo isso é conseguido se na decisão final do processo disciplinar este remeter para a nota de culpa de que previamente lhe deu conhecimento.[4] É que, como referiu o acórdão da Relação do Porto, de 07-05-2001, no processo n.º 0140269, publicado em http://www.dgsi.pt, a propósito, é certo, de um caso em que o empregador omitiu a declaração de intenção de despedir o trabalhador na decisão final que fizera constar da nota de culpa, mas que é replicável no que ora nos ocupa, "o intérprete não deve cingir-se à letra da lei, devendo antes reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo (art.º 9.º do CC) e não nos parece que o entendimento perfilhado pela recorrente esteja de acordo com a ratio subjacente à obrigação que é imposta ao empregador. A comunicação visa alertar o trabalhador para a gravidade da sanção que lhe pode vir a ser aplicada, a fim de que ele não descure a organização da sua defesa. Tal objectivo é perfeitamente atingido se a entidade patronal fizer constar da nota de culpa a sua intenção de o despedir. Não nos parece essencial que a comunicação daquela intenção tenha de constar de uma declaração autónoma. O direito de defesa do trabalhador não fica prejudicado se aquela intenção só for expressa na nota de culpa, uma vez que esta deve ser lida por ele com a devida atenção". Por outro lado, mas navegando ainda nas balizas deste pressuposto, convém igualmente ter presente que como em qualquer processo se deve seguir uma regra de razoabilidade, pelo que se alinha com o decidido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14-11-2018, no processo n.º 94/17.0T8BCL-A.G1.S, publicado em http://www.dgsi.pt, na aceitação da proposição de que "a nota de culpa deve conter a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador, em termos de modo, tempo ainda que aproximado, e de lugar, de forma a permitir que aquele organize, de forma adequada, a sua defesa, sob pena de invalidade do procedimento disciplinar". Ou seja, se na decisão final (ou, por remissão desta, na nota de culpa) o empregador imputar a prática de certo facto ao trabalhador entre as horas a e b, no lugar y e z, tal não colide com a possibilidade do conhecimento por este dos factos nem com o seu direito de defesa, pois que, além da própria negação da sua prática, a não os ter como verdadeiros, naturalmente (ou seja, que entre as horas a e b estivesse no lugar y e z), sempre poderia demonstrar que nesse período de tempo se encontrava noutro lugar; ou que aí esteve mas noutro lapso de tempo; ou até mesmo que isso ocorreu com as pessoas que tal lhe imputam e que por isso deles não poderiam saber. Presentes estas considerações, podemos agora baixar ao caso concreto e desde logo dizer que se há-de procurar a ausência das referidas circunstâncias de tempo, lugar e modo não apenas na decisão final, mas também na nota de culpa, se para esta aquela tal remeteu. Ora, como o saneador-sentença refere, a apelante consignou na decisão final do processo disciplinar que: "Dão-se por parcialmente provados os factos inseridos na nota de culpa comunicada atempadamente a colaboradora, sustentadas na declaração ínsita na participação feita pela directora técnica da Casa X e no aditamento na esta participação ambas de autoria da referida directora e não comprovadamente contraditadas na defesa apresentada que não ofereceu probatório, a saber: Não se dão por provadas as ameaças à directora técnica Dra. GG melhores descritas na nota de culpa por se afigurarem as mesmas contraditadas na defesa da colaboradora quando invoca o assédio moral que muito embora não comprove parecem-nos ter suficiência para não darmos relevo nesta decisão as alegadas ameaças proferidas sobre a aludida directora técnica. No entanto, na defesa apresentada pela colaboradora não se encontram contraditadas as ameaças proferidas sobre a trabalhadora FF consistente na expressão dirigida pela colaboradora a esta 'um dia faço-te a folha', jogo-te pelas escadas abaixo', 'para te pores a pau', ameaças que constituem crime e que se dão aqui por provadas oferecendo-se como provas desse fato a declaração ínsita na participação e aditamento da referida directora técnica, as quais se encontram previstas e punidas pelos art.º 153.º e 305.º do Código Penal". Por seu turno, a apelante inserira na nota de culpa comunicada à apelada que: "No passado dia 07/07/2022, no turno das 8.00 horas às 16.00 horas do CAR a funcionária AA num ambiente pesado que criou começou a gritar para a Directora Técnica Dra. GG, dizendo praticamente a 'berrar ' 'você sabe muito bem que não dá fins de semana a ninguém'. 'Você já aqui está há tempo demais e tal como já tem acontecido a outras directoras vai ser afastada desta casa'. 'Vai ter de responder a quem de direito'. Nesse dia de manha dirigindo-se à funcionária FF disse que 'Um dia faço-te a folha'. 'Enfio uma coisa na cabeça e ela (GG) não e mais ninguém na vida', assim como a AA disse que jogava a FF pelas escadas abaixo 'para se por a pau '. Aquela cena de gritaria passou-se em frente as 11 crianças e em frente da funcionária JJ. Na sequência a Directora Técnica dirigiu-se a AA para se acalmar e sair ao que a mesma respondeu de imediato que 'não sairia' voltando a frisar que GG 'se encontra há tempo demais no serviço'. Sucede ainda que no dia 07/07/2022 a GG teve conhecimento de que a funcionária AA 'bate nos meninos ' e que lhes afirma 'se disser o que quer que seja sobre ela (AA) terão de se ver com ela (AA)'. Foi o menor CC que verbalizou esta realidade à Dra. GG bem como à Dra. HH e quando conversou com a GG o CC começou a chorar convulsivamente e em pânico, tendo contado também à Professora II que a AA lhes bate e que os amedronta, a ela CC de 9 anos, a DD de 7 anos e a EE de 5 anos. (...)". Lidas as duas peças em questão, resulta claro para um declaratário normal na posição da apelada (considerando o disposto no n.º 1 do art.º 236.º do Código Civil) que a apelante considerou como não provada a passagem relativa à Directora Técnica Dra. GG, ou seja, que "No passado dia 07/07/2022, no turno das 8.00 horas às 16.00 horas do CAR a funcionária AA num ambiente pesado que criou começou a gritar para a Directora Técnica Dra. GG, dizendo praticamente a 'berrar ' 'você sabe muito bem que não da fins de semana a ninguém'. 'Você já aqui está há tempo demais e tal como já tem acontecido a outras directoras vai ser afastada desta casa'. 'Vai ter de responder a quem de direito' (…)"; e como provada a referente à passagem em que alega "Nesse dia de manha dirigindo-se à funcionária FF disse que 'Um dia faço-te a folha'. 'Enfio uma coisa na cabeça e ela (GG) não e mais ninguém na vida', assim como a AA disse que jogava a FF pelas escadas abaixo 'para se por a pau'". E que dizer da alegada malapata respeitante à falta das ditas circunstâncias de tempo, modo e lugar, perguntar-se-á se afinal se verificava ou não; e a resposta também se afigura dever ser negativa. Veja-se: o tempo está ali referido como "Nesse dia de manha" e, portanto, suficientemente caracterizado atendendo ao que antes ali se referiu "No passado dia 07/07/2022, no turno das 8.00 horas às 16.00 horas", pelo que o dia é por demais evidente que é o referido 07/07/2022 e as horas entre as 08:00 horas e as 12:00 horas (ou seja, as 08:00 horas porque vimos ser o início do turno e as 12:00 horas, pois que corresponde ao período da manhã ‒ por isso o generalizado latinismo, internacionalizado como anglicismo, am / ante meridiem e pm / post meridiem, vale dizer, antes ou depois da tarde, tratando-se de facto notório e que por isso não precisa de alegação e prova, ex vi do art.º 412.º, n.º 1 do Código de Processo Civil); o local é, manifestamente, as instalações da apelante, isto pese embora tal ali se não diga expressamente está pressuposto nas passagens "Nesse dia de manha dirigindo-se à funcionária FF disse (…), assim como a AA disse que jogava a FF pelas escadas abaixo (…) Aquela cena de gritaria passou-se em frente às 11 crianças e em frente da funcionária JJ. Na sequência a Directora Técnica dirigiu-se a AA para se acalmar e sair (…)"; por fim, o modo, esse, está expressamente identificado: "dirigindo-se à funcionária FF disse…", ou seja, verbalizou aquelas expressões. Já o mesmo se não pode dizer da passagem segundo a qual "no dia 07/07/2022 a GG teve conhecimento de que a funcionária AA 'bate nos meninos' e que lhes afirma 'se disser o que quer que seja sobre ela (AA) terão de se ver com ela (AA)'", isto porque apesar de a decisão final continuar (logo após o parágrafo atrás citado iniciado por "Foi o menor CC") com a afirmação de que "tambem a defesa da colaboradora não contradita as ofensas corporais por si inftigidas sobre três utentes, os menores CC de 9 anos, DD de 7 anos e EE de 5 anos, as quais foram verbalizadas pelo primeiro à Dra. GG e que constituem violencias físicas sobre criancas indefesas sob proteção do CSSPA; as mesmas ofensas foram infligidas sobre os menores com intenção de molestar e refletem a culpa da colaboradora", a verdade é que essa passagem é totalmente desprovida de circunstancialismo de tempo e lugar. Como está bem de ver, uma coisa é dizer-se que "no dia 07/07/2022 a GG teve conhecimento de que a funcionária AA 'bate nos meninos' (…)" e outra quando isso (eventualmente) terá ocorrido (há um dia, um mês ou um ano, etc. o que não permite saber, desde logo, se já correu ou não o prazo da caducidade do exercício do direito de acção a que alude o art.º 329.º do Código do Trabalho; isto considerando que a apelada trabalha para a apelante desde Março de 2010, conforme aquela alegou no art.º 35.º da contestação e consta da nota de culpa). Em conclusão, no que concerne aos factos atrás referidos pode dizer-se que a decisão os considerou provados, ao contrário dos demais e por isso permitem apreciar o bem ou mal fundado da decisão da apelante despedir a apelada, pelo que nessa medida não deveria a excepção peremptória ter sido julgada procedente antes determinado o prosseguimento dos autos para julgamento, pelo que nesta parte se concederá a apelação. 2.1.2 A segunda questão suscitada na apelação da ré consiste em saber se deve ser suspensa a instância por prejudicialidade do inquérito criminal em curso contra a trabalhadora no Ministério Público (secção do DIAP do Montijo). A este propósito releva considerar que o Código de Processo Civil estabelece no n.º 1 do art.º 92.º que "se o conhecimento do objecto da acção depender da decisão de uma questão que seja da competência do tribunal criminal ou do tribunal administrativo, pode o juiz sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie" e no n.º 1 do art.º 272.º que "o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado". No primeiro caso a lei processual não exige que a questão esteja já pendente no tribunal criminal ou administrativo, mas apenas que seja da competência desses tribunais ("…depender da decisão de uma questão que seja da competência do tribunal…"); por sua vez, no segundo caso já é pressuposto da suspensão que a questão prejudicial já lá esteja pendente ("…dependente do julgamento de outra já proposta…"). Relativamente à primeira situação, é evidente que se não verifica a precisão normativa uma vez que a decisão criminal que um dia poderá eventualmente correr em juízo não é prejudicial da questão que forma o objecto nesta acção. Dito de outro modo, o destino daquela não condiciona o desta, pois bem pode a apelada ali ser absolvida da prática do crime que lhe possa vir a ser imputado que ainda assim aqui poderá soçobrar e ver validado o seu despedimento pela apelante. De resto, este modo de ver as coisas tem sido assertivamente reconhecido pela jurisprudência, como a título de exemplo ocorreu nos seguintes casos: II - A pendência de processo criminal contra um trabalhador pela prática de factos criminosos e ao mesmo tempo capazes de preencher o conceito de justa causa, invocado como determinante do seu despedimento, não constitui causa prejudicial relativamente à acção de impugnação do despedimento intentada pelo trabalhador contra a entidade patronal. Deste modo, a instância nesta acção não deve ser suspensa por virtude da pendência do processo-crime. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20-03-1996, no processo n.º 96S003, publicado em http://www.dgsi.pt I - O procedimento disciplinar laboral, pese embora a sua natureza privada e o facto de ser levado a cabo por um dos sujeitos de uma relação jurídica obrigacional (…) e que culmina sempre num 'acto de parte', poderá considerar-se um processo (em sentido amplo) de natureza sancionatória (…), sendo-lhe, por isso, extensíveis os direitos de audiência e de defesa, constantes do art.º 32.º, n.º 2 da CRP. II - A referida extensão, ainda que os factos imputados constituam ilícito criminal e tenha sido instaurado nas instâncias judiciais o respetivo procedimento, não acarreta a prejudicialidade do processo-crime relativamente ao procedimento disciplinar, ou qualquer situação de dependência entre eles. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 04-07-2018, no processo n.º 235/16.4T8VLG.P1.S1, publicado em http://www.dgsi.pt A pendência de processo-crime contra a Ré (empregadora) de um processo laboral – em que o A. (trabalhador) invoca a resolução do contrato de trabalho por alegada justa causa – não constitui, por si só, fundamento para a suspensão da instância laboral. Acórdão da Relação do Porto, de 30-05-2011, no processo n.º 307/10.9TTVNF-A.P1, publicado em http://www.dgsi.pt I - Quando, numa acção cível, os factos que integram a causa de pedir são os mesmos que integram o objecto do julgamento penal, a correr paralelamente, não existe relação de prejudicialidade entre elas. II - Não se justifica a suspensão da acção cível até ao julgamento do processo penal. Acórdão da Relação de Évora, de 18-10-2018, no processo n.º 2536/17.5T8STR.E1, publicado em http://www.dgsi.pt Ou seja, o processo disciplinar é totalmente alheio às vicissitudes do processo criminal ao considerar, como lembrou o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13-01-2010, no processo n.º 1321/06.4TTLSB.L1.S1, publicado em http://www.dgsi.pt ao decidir que "o alargamento do prazo de prescrição nos termos referidos não depende do efectivo exercício da acção penal, nem do exercício do direito de queixa-crime, quando o exercício daquela esteja dependente desta". É ainda mais nítida a falta de fundamento para a suspensão pretendida se considerado for o art.º 272.º do Código de Processo Civil; é que, como a própria apelante sustentou, não está pendente em juízo nenhuma questão de natureza criminal, mas sim no Ministério Público; e entre este e os tribunais vale o princípio das barras paralelas, isto é, podem andar juntos, mas não se tocam (note-se que o inquérito nem sequer é uma causa, mas sim uma fase necessária mas não concludente do processo criminal, como se vê do art.º do Código de Processo Penal: o seu fim não é sequer recolher prova para acusar, mas sim decidir sobre a acusação e essa pode passar, naturalmente, pela decisão contrária de arquivamento); é isto também o que resulta da circunstância da Constituição da República estatuir no art.º 202.º, n.º 1 que "os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo" e no n.º 1 do art.º 219.º que "ao Ministério Público compete representar o Estado e defender os interesses que a lei determinar…". Ou seja, os tribunais apreciam e decidem as questões que lhe são apresentadas (as causas, que passam a estar pendentes), enquanto o Ministério Público além do mais patrocina junto daqueles os direitos que a lei lhe comete representar (eventualmente introduzindo causas em juízo). É o que também foi decidido nos seguintes arestos: I - Uma causa é prejudicial a outra quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda. II - Uma simples participação criminal ao Ministério Público ou à polícia não reveste, para fins do art.º 279.º do CPC, a natureza de causa e muito menos a de causa já proposta. III - Não é de suspender a instância na acção cível, imediatamente antes da organização da especificação e do questionário, se ainda não tiver sido instaurada a acção penal considerada prejudicial e estando apenas a correr processo de inquérito, pois os prejuízos da suspensão superam as vantagens. Acórdão da Relação de Coimbra, de 22-06-2010, no processo n.º 163/07.4TBIDN-A.C1, publicado em http://www.dgsi.pt IV - Um inquérito que corre termos nos Serviços do Ministério Público com vista à averiguação das circunstâncias e autoria do incêndio em causa nos autos – inquérito que nem sequer corre contra pessoa determinada e que até já havia sido arquivado, tendo sido agora reaberto a pedido da Ré – não constitui causa prejudicial que possa legitimar a suspensão da instância ao abrigo do disposto no art.º 272.º, n.º 1, 1.ª parte, do CPC. Acórdão da Relação de Coimbra, de 15-09-2015, no processo n.º 131/13.7TBFCR.C1, publicado em http://www.dgsi.pt Deste modo, nesta parte não se poderá conceder a apelação da ré. 2.2 A apelação da ré. 2.2.1 Por seu turno, a autora também suscita na apelação que interpôs duas questões, consistindo a primeira em saber se o despacho saneador-sentença é nulo, por falta de fundamentação da rejeição no despacho saneador do pedido reconvencional de condenação da ré no pagamento de horas de formação profissional não ministradas decorrente da sua exclusão da definição do objecto do litígio e da omissão deste da indemnização por discriminação e assédio moral, pese embora antes ter admitido liminarmente o pedido reconvencional por ela deduzido contra a apelada. E passando à sua apreciação dir-se-á que se está em crer que a apelante não podia sequer apelar autonomamente dessas questões, mas apenas reclamar para a Mm.ª Juiz a quo e incluir essa temática em eventual recurso a interpor da decisão final, como de resto claramente resulta do estatuído pelo n.º 3 do art.º 596.º do Código de Processo Civil. O que de todo o modo em nada castiga processualmente a apelante uma vez que, como decidiu o acórdão da Relação do Porto, de 24-10-2022, no processo n.º 1916/21.6T8OVR-A.P, publicado em http://www.dgsi.pt, "a errónea identificação do objecto do litígio no despacho intermédio previsto no art.º 596.º CPC não impede a sua correcta delimitação e tratamento em sentença posterior". O mesmo se passa, de resto, com a enunciação dos temas da prova, pois que, como decidiu a Relação do Porto, no acórdão de 23-11-2021, no processo n.º 8994/19.6T8VNG.P1, publicado em http://www.dgsi.pt, "os limites da factualidade a considerar não derivam dos termos em que foram elencados os temas de prova, mas antes da causa de pedir invocada pelo autor e das excepções arguidas pelo réu"; ou ainda no acórdão de 11-07-2018, no processo n.º 75/08.4TVPRT.P1, publicado em http://www.dgsi.pt, "por aplicação do disposto no art.º 195.º n.º 1 CPCiv, se a actividade instrutória se processa agora dentro dos limites resultantes da causa de pedir e das excepções deduzidas, sem constrições e com a consideração de toda a matéria de facto com relevo para a decisão da causa, a omissão do despacho a identificar o objecto do litígio e os temas da prova não vem a influir no exame ou na decisão da causa, uma vez que a instrução sempre terá de recair sobre toda a factualidade alegada e necessitada de prova". Tudo isto levando Rui Pinto a sustentar, no Código de Processo Civil, Anotado, 2018, Almedina, volume II, página 134, que "o despacho compósito previsto no n.º 1, ainda que seja objecto de reclamação, não faz caso julgado formal;"[5] ou Abílio Neto, no Novo Código de Processo Civil, Anotado, 2015, 3.ª edição, Ediforum, Lisboa, página 707, a considerar que "o parâmetro a para aferir dom excesso de pronúncia ou da condenação em objecto diverso não nos é dado com referência ao despacho identificador do objecto do litígio, mas sim e apenas ao definido pelas partes nos articulados, que constituem um sobrevivente reduto do princípio do dispositivo, mesmo em matéria cível. Salvo, pois, mais abalizado entendimento, o despacho em apreço não passa de um acto inútil". É certo que esta questão deveria assim ter sido decidida pelo relator aquando da prolação do despacho inicial, conforme resulta do disposto nos art.ºs 652.º, n.ºs 1 e 2, alínea b) e 655.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. Porém, como pacificamente se tem entendido, sobre as questões objecto do despacho inicial do relator não se forma caso julgado, sendo a decisão meramente provisória porquanto a competência para conhecer do recurso cabe afinal ao colectivo, incluindo as objecto de decisões singulares pois que estas são sempre susceptíveis de reclamação para a conferência.[6] Em todo o caso e face ao exposto, fica claro que nesta parte se não pode conceder a apelação da autora. 2.2.2 Finalmente, importa agora apreciar a segunda questão suscitada na apelação da autora, a qual, recorda-se, consiste em saber se foi ilegal o indeferimento pela Mm.ª Juiz a quo do seu requerimento de prova documental tendo por fundamento não indicar os factos a provar, sem prévio convite para que o fizesse. O art.º 429.º do Código de Processo Civil estabelece no n.º 1 que "quando se pretenda fazer uso de documento em poder da parte contrária, o interessado requer que ela seja notificada para apresentar o documento dentro do prazo que for designado; no requerimento, a parte identifica quanto possível o documento e especifica os factos que com ele quer provar" e no n.º 2 que "se os factos que a parte pretende provar tiverem interesse para a decisão da causa, é ordenada a notificação". Esta possibilidade processual é apropriadamente assinalada como uma "manifestação do princípio geral da cooperação material no campo da instrução do processo", em geral elencado nos art.ºs 7.º e 417.º do Código de Processo Civil.[7] Certo é que a ratio das exigências estabelecidas na lei para a parte que pretenda fazer uso de documento em poder da contraparte são bem claras: por um lado, permitir-lhe a sua identificação para poder avaliar se e efectivamente o tem em seu poder e depois da sua pertinência para a prova do facto a que foi indicado; por outro, habilitar o juiz a avaliar essa situação com vista a determinar ou não a sua junção e a retirar as consequências, quer da junção (art.os 374.º e 376.º do Código Civil), quer da eventual recusa em fazê-lo (art.º 417.º, n.º 2 do Código de Processo Civil). Em todo o caso, e como se já viu assinalado, "o facto de tal mecanismo estar dependente da verificação de determinados requisitos, destinados a aferir da pertinência e utilidade da junção requerida, não constituiu uma limitação ao direito de defesa ou uma violação do direito à prova".[8] Em todo o caso, é sabido que qualquer processo judicial tem sempre em vista uma solução justa do litígio, a instrução a que para isso nele se procede tem por objecto os factos necessitados de prova e que para tal se alcançar devem também o tribunal e as partes cooperar entre si (art.ºs 202.º, n.º 2 da Constituição da República e 2.º, n.º 1, 410.º, 7.º, n.ºs 1 e 4 e 417.º, n.º 1 do Código de Processo Civil). Tudo isto levou já à consideração de que na situação paralela em que seja requerido o depoimento de parte, como por identidade de razão exige o n.º 1 do art.º 452.º do Código de Processo Civil, "não sendo indicados os factos quando se requerer o depoimento, o juiz deve ainda convidar a parte a fazer a indicação".[9] E nenhuma razão existe para que as coisas sejam tratadas de modo diferente na situação da falta respeitar aos requisitos legais para a junção de documentos em poder da parte contrária, como de resto também te sido assinalado pela jurisprudência. Assim: "Quando se pretenda fazer uso de documentos em poder a parte contrária, o interessado deve, para além do mais, especificar os factos que com eles quer provar. Se o não fizer, deve ser convidado a fazê-lo, sob pena de indeferimento (art.ºs 429.º, 146.º, n.º 2 e 590.º, n.º 3, todos do CPC)". Acórdão da Relação de Lisboa, de 07-08-2017, no processo n.º 19439/11.0T2SNT-XC.L1-2, publicado em http://www.dgsi.pt "4. No caso de a petição inicial revelar insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, a situação de revelia absoluta em que o réu se encontre não impede o juiz de proferir despacho de aperfeiçoamento, desde que a manutenção do seu conteúdo original ponha em causa a procedência da acção, o que significa que sempre que os factos articulados na petição inicial e considerados confessados ou admitidos, sejam insuficientes ou imprecisos tendo em vista o efeito jurídico pretendido pelo autor, deve o juiz convidá-lo a completar ou corrigir o inicialmente produzido, o mesmo sucedendo quando o demandante não tiver procedido à junção de documentos necessários à demonstração dos factos alegados na petição inicial, caso em que o julgador deve proferir despacho a convidá-lo a proceder à sua junção (art.º 590.º, n.º 2, al. c), do C.P.C.)". Acórdão da Relação de Lisboa, de 28-09-2021, no processo n.º 1336/20.0T8FNC.L1-7, publicado em http://www.dgsi.pt "Quando pretenda fazer uso de documentos em poder da parte contrária, o interessado deve, além do mais, especificar os factos que com eles quer provar, e, se o não fizer, deve o juiz convidá-lo a suprir tal deficiência, sob pena de indeferimento". Acórdão da Relação de Guimarães, de 07-11-2019, no processo n.º 2556/18.2T8GMR-A.G2, publicado em http://www.dgsi.pt Em conclusão se dirá, pois, que nesta parte deve conceder-se a apelação da autora. *** III - Decisão. Termos em que se acorda: a) na apelação da ré, conceder-lhe parcial provimento e, em consequência: i. revogar o despacho saneador-sentença na parte em que julgou procedente a excepção peremptória da invalidade do processo disciplinar por não circunstanciar quanto ao tempo, modo e lugar os factos imputados à apelada nos termos atrás referidos e declarou a ilicitude do despedimento da apelada; e determinar que nessa parte a acção prossiga seus termos; ii. confirmar o indeferimento nele decidido do pedido de suspensão da instância, por se não verificar a existência de causa nem de questão prejudiciais da que constitui o objecto da acção; b) na apelação da autora, conceder-lhe parcial provimento e, em consequência: i. rejeitar a sua apreciação no que concerne à invocação arguição da nulidade, por falta de fundamentação, da rejeição no despacho saneador do pedido reconvencional de condenação da ré no pagamento de horas de formação profissional não ministradas decorrente da sua exclusão da definição do objecto do litígio e da omissão deste da indemnização por discriminação e assédio moral; ii. revogar o despacho saneador na parte em que indeferiu o seu requerimento para junção de documentos em poder da parte contrária e determinar que seja notificada para indicar os factos que assim pretende provar. Custas em cada apelação por ambas as partes, na proporção de metade (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais). * Lisboa, 14-12-2023. Alves Duarte Francisca Mendes Paula Santos _______________________________________________________ [1] Ou até remetendo para documento externo ao próprio empregador, como é o caso de uma acusação criminal deduzida contra o trabalhador (lá esta, desde que junte e entregue cópia com a nota de culpa para que possa conhecer o seu conteúdo no processo disciplinar), como decidiu o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28-10-1998, no processo n.º 98S115, publicado em http://www.dgsi.pt. [2] Assim sumariado, na parte relevante: "6. A intenção do empregador proceder ao despedimento não tem de constar de comunicação autónoma, podendo ser expressa na nota de culpa. 7. A fundamentação da decisão de despedimento pode ser feita por mera adesão à fundamentação contida no relatório final elaborado pelo instrutor do processo disciplinar". [3] Com o seguinte sumário: "I) A decisão final proferida no procedimento disciplinar que aplique a sanção de despedimento deve ser fundamentada sob pena de invalidade do procedimento e consequente ilicitude do despedimento. II) A fundamentação pode ser feita com remissão para a nota de culpa ou para o relatório final do instrutor, caso este exista, desde que nestas peças se encontrem devidamente individualizados os factos concretos imputados ao trabalhador, com indicação das circunstâncias de tempo e de lugar em que foram praticados e estejam explicitadas as razões que levaram o empregador a optar pela aplicação da sanção de despedimento". [4] Neste sentido decidiu o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11-12-2002, no processo n.º 02S2239, publicado em http://www.dgsi.pt. Assim: "A exigência legal de que a nota de culpa contenha uma descrição circunstanciada dos factos que são imputados ao arguido tem por óbvia finalidade permitir a este o perfeito conhecimento dos factos (faltas disciplinares) que lhe são atribuídos, a fim de poder organizar adequadamente a sua defesa, daí que, embora elaborada deficientemente a nota de culpa, se constatar, através da defesa apresentada pelo arguido, que o mesmo entendeu convenientemente a acusação, deverá considerar-se sanado aquele vício, em virtude de se mostrar alcançado o fim tido em vista com aquela exigência legal". [5] Cfr. tb. o acórdão da Relação de Guimarães, de 29-01-2015, no processo n.º 80/12.6TBBCL-G.G1, publicado em http://www.dgsi.pt. [6] Art.º 652.º, n.º 3, 659.º, n.ºs 1 a 3 e 663.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. Neste sentido, na doutrina, Abrantes Geraldes, em Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2014, páginas 194 e seguinte e, na jurisprudência, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 11-06-2002, no processo n.º 3919/00, de 29-09-2020, no processo n.º 18391/17.2T8LSB-A.L1.S1 e de 27-09-2022, no processo n.º 435/13.9TBVLC-C.P1.S1 e da Relação do Porto, de 24-01-2018, no processo n.º 131/16.5T8MAI-A.P1, o primeiro publicado em http://www.pgdlisboa.pt/jurel/stj_mostra_doc.php?nid=12033&codarea=3 e os demais em http://www.dgsi.pt. [7] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, no Código de Processo Civil Anotado, 2017, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, volume 2.º, página 247. [8] Acórdão da Relação de Coimbra, de 21/04/2015, no processo n.º 124/14.1TBFND-A.C1, publicado em http://www.dgsi.pt. [9] Solução também propugnada pelos acórdãos acórdão da Relação de Lisboa, de 24-03-2011, no processo n.º 167/10.0TTLRS-A.L1-4, se 31-05-2022, no processo n.º 6660/21.1T8LSB-A.L1-7 e da Relação do Porto, de 28-04-2014, no processo n.º 220/13.8TTBCL-A.P1, publicado em http://www.dgsi.pt. |