Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | FRANCISCA MENDES | ||
Descritores: | DESPEDIMENTO INADAPTAÇÃO FORMALIDADES | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/19/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A SENTENÇA | ||
Sumário: | 1– Tendo a entidade empregadora emitido declaração escrita de despedimento por inadaptação, o contrato cessou por despedimento, pelo que deveriam ter sido juntos pela entidade empregadora documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, sendo irrelevantes, quer a intenção de readmitir o trabalhador, quer a posterior invocação em sede resposta de um contrato de prestação de serviços. 2– Justifica-se, assim, a condenação da entidade empregadora nos termos previstos no art. 98º-J, nº3, a) e b) do CPT. (Elaborado pela relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa. I–Relatório: AAA instaurou acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra “BBB, Lda”, pedindo que seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do despedimento, com as legais consequências. Juntou a seguinte declaração : « A empresa BBB Lda, contribuinte nº…, vem por este meio declarar que, à data de 22 de Setembro de 2017, rescindiu o contrato de trabalho entre si e o seu funcionário, AAA, contribuinte fiscal nº …, por motivo de inadaptação de posto de trabalho. O funcionário, com a profissão de motorista de táxi, deixou, por motivos pessoais, de ter disponibilidade para se responsabilizar por tarefas necessárias à gestão diária das viaturas, nomeadamente a guarda e posterior entrega dos valores monetários recebidos e indicação da indicação da informação decorrente desses mesmos recebimentos.» BBB Lda, invocando a sua qualidade de empregadora, apresentou articulado alegando que não ocorreu despedimento e que o trabalhou cessou por mútuo acordo. Alegou ainda que a entidade empregadora sempre disse ao trabalhador que tinha a “porta aberta” e que, caso o “processo de subsídio de desemprego” não corresse bem, o trabalhador seria readmitido. Concluiu pela improcedência da acção e pela condenação do trabalhador como litigante de má-fé. Juntou um declaração assinada por “BBB, Lda” e pelo trabalhador, na qual consta que « terminou a relação contratual entre a empresa e o seu funcionário (…) tendo todos os valores em dívida e a receber sido devidamente saldados por ambas as partes, nada mais havendo a receber ou a pagar.» O trabalhador contestou, alegando que foi despedido pela entidade empregadora e que o legal representante desta entidade disse, em data incerta, ao trabalhador : “vá procurando outra coisa, tens uma semana para arranjares outro carro”. Mais informou o trabalhador : “Como a tua vida vai dar um balanço, para não ficares prejudicado eu passo o papel para o fundo de desemprego”. Alegou ainda que não ocorreu acordo, mas antes « uma decisão unilateral de rescisão do contrato individual, sem justa causa ( legal) procurando assim, de forma a ilidir um despedimento ilícito, entregar uma declaração de rescisão por inadaptação». Concluiu pela procedência da acção e pela condenação da entidade empregadora no pagamento ao trabalhador de uma indemnização, a fixar pelo tribunal entre 15 e 45 dias de retribuição base, nos termos do disposto no art. 391º do CT. O trabalhador requereu ainda que a entidade empregadora seja condenada a: - Reconhecer que o trabalho realizado a partir das 11 horas até às 15 horas é trabalho suplementar; - Pagar ao A. a importância de €11837,02, a título de trabalho suplementar realizado; - Reconhecer que o trabalho realizado a partir das 3 horas até às 7 horas é trabalho nocturno; - Pagar ao A. a importância de € 8768,16, a título de trabalho nocturno; - Pagar ao A. a importância de € 1265,91, a título de subsídios de férias, - Pagar ao A. a importância € 1265,91, a título de subsídios de Natal; - Pagar ao A. juros de mora, vencidos e vincendos, até integral pagamento. “BBB, Lda.” respondeu, pugnando pela improcedência do pedido reconvencional e alegando que foi celebrado entre as partes um contrato de prestação de serviços. Requereu ainda a condenação do A. como litigante de má-fé. Pelo Tribunal a quo foi proferido despacho saneador/ sentença, no qual deu como assentes os seguintes factos: 1- A R. subscreveu a declaração datada de 22 de Setembro de 2017, contendo os seguintes dizeres : “A empresa BBB, Lda, contribuinte nº(…)vem por este meio declarar que, à data de 22 de Setembro de 2017, rescindiu o contrato de trabalho entre si e o seu funcionário, AAA, contribuinte fiscal nº (…), por motivo de inadaptação de posto de trabalho. O funcionário, com a profissão de motorista de táxi, deixou, por motivos pessoais, de ter disponibilidade para se responsabilizar por tarefas necessárias à gestão diária das viaturas, nomeadamente a guarda e posterior entrega dos valores monetários recebidos e indicação da indicação da informação decorrente desses mesmos recebimentos”- fls. 3 2- A R. subscreveu a declaração de situação de desemprego, junta a fls. 16, datada de 22 de Setembro de 2017, na qual indicou, como motivo de cessação do contrato de trabalho o despedimento por inadaptação superveniente ao posto de trabalho. 3- À data de 22 de Setembro de 2017 o A. exercia as funções de motorista de táxi, por conta, sob ordens, direcção e fiscalização da R..- fls. 3 4- À data de 22 de Setembro de 2017 o A. auferia a remuneração mensal ilíquida de €557, 00.- fls. 14. 5- Por requerimento apresentado em formulário, datado de 2 de Novembro de 2017, entrado em juízo em 10 de Novembro de 2017 o A. opôs-se ao despedimento promovido pela R..- fls. 2 6- Por despacho de fls. 4 foi designada data para realização da audiência de partes, a qual teve lugar em 20 de Dezembro de 2017, tendo comparecido os ilustres mandatários das partes ( fls. 9 e 9 v.) 7- Não tendo sido possível a conciliação das partes, foi determinada a notificação da entidade empregadora nos termos do disposto no art. 98-I, nº4, al.a) do CPT, tendo sido designada data para audiência final. 8- Em 4 de Janeiro de 2018 a R. apresentou articulado motivador do despedimento, mas não fez acompanhar o mesmo das comunicações previstas no artigo 376º do CT, do procedimento descrito nos arts. 377º e 378º do CT, nem do documento comprovativo de ter posto à disposição do trabalhador despedido, até ao termo do prazo de aviso prévio, a compensação por ele devida a que se refere o artigo 366º por remissão do nº1 do artigo 379º e os créditos vencidos ou exigíveis em virtude da cessação do contrato de trabalho. 9- O A. optou pela indemnização em substituição da reintegração na contestação que apresentou. O Tribunal a quo entendeu que deveria ser declarada a ilicitude do despedimento do A. ( atenta a falta de junção aos autos do procedimento conducente ao despedimento por inadaptação do A. essencial à aferição e controlo da regularidade e licitude de tal despedimento) e proferiu a seguinte decisão: «1- Declara-se ilícito o despedimento do trabalhador, AAA; 2- Condena-se a empregador, BBB, Lda. a pagar ao mesmo trabalhador: 2.1.- uma indemnização em substituição da reintegração, correspondente a trinta dias de retribuição base e diuturnidades, por cada ano completo ou fracção de antiguidade, até ao trânsito em julgado da presente decisão, não podendo ser inferior a 3 meses da retribuição base e diuturnidades; 2.2.- As retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde o dia 22.09.2017, até ao trânsito em julgado da presente decisão - art. 390º, nº1 do Cód.. do Trabalho.» Foi ainda determinada a notificação do trabalhador para os efeitos previstos no art. 98-J, nº3, c) do CPT e a notificação da entidade empregadora para os efeitos previstos no nº 4 do mesmo preceito legal. O Tribunal a quo determinou a notificação da entidade empregadora para se pronunciar quanto à sua condenação como litigante de má fé, em virtude de ter admitido no articulado motivador a existência de um contrato de trabalho entre as partes. * A R. recorreu e formulou as seguintes conclusões: I– Da nulidade da sentença/Despacho saneador: 1- O Tribunal a quo decidiu os presentes autos no saneador, ao abrigo do disposto no art. 98º- J, nº3 do CPT, tendo declarado que houve um despedimento ilícito. 2- Sucede que não se verificou nenhuma das situações previstas no referido nº3 do art. 98º-J do CPT; 3- Por essa razão, não deveria ter sido o processo decidido em sede de “ despacho saneador”; 4- Assim, salvo melhor entendimento, a R. é da convicção que tal decisão viola o referido normativo legal, razão pela qual se argui a respectiva nulidade da decisão para todos os devidos e legais efeitos. II–Alegações- art. 79º-A, nº2, alínea e) do CPT. 1- Admitindo-se, por mera hipótese de raciocínio, que exista um contrato de trabalho entre A. e R., jamais se poderá admitir que ocorreu um qualquer despedimento entre eles; 2- Aquilo que aconteceu foi uma rescisão por mútuo acordo! 3- Acresce que a R. sempre ficou disponível e disso deu conta ao A. para voltar a trabalhar com os seus táxis; 4- Assim, jamais se poderá aceitar que ocorreu um despedimento; 5- Por outro lado e em abono da verdade, sempre se dirá que o A. nunca foi trabalhador dependente da R.. Era, sim, prestador de serviços. Logo, jamais se poderá equacionar a figura do despedimento, quer lícito, quer ilícito; 6- Assim, aquilo que a R. defende é que a situação entre A. e R. consubstancia uma “prestação se serviços”; 7- E, ao abrigo dessa relação, o A. prestava serviços de motorista de táxi à R., de forma totalmente independente, recebendo uma comissão de 40% sob o apuro bruto diário facturado aos clientes que transportava no táxi; 8- Existem provas inabaláveis; 9- Estamos a falar de provas, documentos preenchidos e assinados pelo A. ( vide docs. nºs 1 a 11 junto aos autos com a resposta à reconvenção); 10- Todos estes documentos foram feitos e assinados pelo próprio A. ( vide os referidos docs. nºs 1 a 11 junto aos autos); 11- De facto, o A. retirava a sua percentagem diária em regime de autoliquidação, conforme consta nos documentos ( vide os referidos docs. nºs 1 a 11 juntos aos autos); 12- Era o A. que diariamente processava a sua comissão e que entregava o restante à R., conforme as contas que ele fazia, colocava nas folhas diárias e assinava (vide os referidos docs. nºs 1 a 11 junto aos autos); 13- É que se existem documentos fiscais e contabilísticos que podem atestar a existência de um contrato de trabalho entre A. e R.. A verdade é que também existem documentos elaborados, escritos e assinados pelo próprio A., a provar que era comissionista e que recebia uma comissão de 40%. 14- Agora o que não existe, nem num caso, nem no outro, é um qualquer despedimento!. 15- Assim e atento o exposto, não se entende, sem qualquer prova, quer testemunhal, quer documental, como se pode concluir que houve despedimento ilícito, tanto mais que a prova que se encontra junta aos autos poderá evidenciar alguma situação, menos um despedimento. Terminou, pugnando pela revogação do despacho saneador/ sentença e pela absolvição da R. do pedido. Mais requereu a condenação do A. como litigante de má-fé. O recorrido contra-alegou, sem formular conclusões, pugnando pela improcedência do recurso. O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. A recorrente respondeu, defendendo a procedência do recurso. * II–Importa solucionar as seguintes questões: - Se deve ser conhecido o vício de nulidade da decisão; - Se ocorreu despedimento; - Se o Tribunal a quo não deveria ter aplicado o disposto no art. 98º-J, nº3, a) e b) do CPT. * III–Apreciação. Vejamos, em primeiro lugar, se deve ser conhecido o vício de nulidade da decisão. A recorrente não invocou o vício de nulidade da decisão em sede de requerimento dirigido ao Tribunal a quo, mas sim em sede de alegações dirigidas a este Tribunal da Relação. Conforme resulta do disposto no art. 77º, nº1 do CPT, a arguição de nulidades em processo laboral é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso dirigido ao juiz que proferiu a decisão. Para tanto, a arguição de nulidade deverá ser efectuada de forma explícita e sucinta, de forma a permitir a sua apreciação pelo Tribunal a quo. É este o entendimento uniforme da jurisprudência ( vide, designadamente Ac. do STJ de 20.01.2004- www.dgsi.pt). Em virtude da recorrente não ter cumprido o referido ónus, decide-se não conhecer da invocada nulidade. * Vejamos, agora, as duas questões acima elencadas. A R. subscreveu a declaração datada de 22 de Setembro de 2017, contendo os seguintes dizeres : “A empresa BBB, Lda, contribuinte nº507623533, vem por este meio declarar que, à data de 22 de Setembro de 2017, rescindiu o contrato de trabalho entre si e o seu funcionário, AAA, contribuinte fiscal nº 226178277, por motivo de inadaptação de posto de trabalho. O funcionário, com a profissão de motorista de táxi, deixou, por motivos pessoais, de ter disponibilidade para se responsabilizar por tarefas necessárias à gestão diária das viaturas, nomeadamente a guarda e posterior entrega dos valores monetários recebidos e indicação da indicação da informação decorrente desses mesmos recebimentos”. Esta declaração escrita consubstancia o despedimento do trabalhador “ por inadaptação”, sendo irrelevante a invocada intenção de readmissão. A própria recorrente admitiu no articulado a motivar o despedimento a existência de contrato de trabalho[1]. A ora recorrente apresentou articulado motivador do despedimento, mas não fez acompanhar o mesmo das comunicações previstas no artigo 376º do CT e do procedimento descrito nos arts. 377º e 378º do CT. De acordo com o disposto no art. 376º, nº1 do CT, no caso de despedimento por inadaptação, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador e, caso este seja representante sindical, à associação sindical respectiva: «a)- A intenção de proceder ao despedimento, indicando os motivos justificativos; b)- As modificações introduzidas no posto de trabalho ou, caso estas não tenham existido, os elementos a que se referem as alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo anterior; c)- Os resultados da formação profissional e do período de adaptação, a que se referem as alíneas b) e c) do n.º 1 e a alínea d)- do n.º 2 do artigo anterior.» Segue-se, depois, o procedimento previsto nos arts. 377º e 378º do CT. A ora recorrente não juntou, no prazo indicado no art. 98º-I, nº4, a) do CPT, documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, pelo que se impõe a sua condenação nos termos previstos no art. 98º-J, nº3, a) e b) do mesmo diploma legal. Por último, importa referir que os documentos nºs 1 a 11 apresentados com a resposta respeitam a “ folhas diárias” e com a sua junção a ora recorrente pretendia provar que existe um contrato de prestação de serviços. Tais documentos não se confundem com os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas para o despedimento. Em síntese: Tendo a entidade empregadora emitido declaração escrita de despedimento por inadaptação, o contrato cessou por despedimento, pelo que deveriam ter sido juntos pela entidade empregadora documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, sendo irrelevantes, quer a intenção de readmitir o trabalhador, quer a posterior invocação em sede resposta de um contrato de prestação de serviços. Não se vislumbra má-fé por parte do recorrido. * IV–Decisão. Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação e confirma-se a decisão recorrida. Custas pela recorrente. Registe e notifique. Lisboa, 19 de Dezembro de 2018 Francisca Mendes Maria Celina de Jesus de Nóbrega Paula de Jesus Jorge dos Santos [1]Face à posterior invocação, em sede de resposta, de um contrato de prestação de serviços, o Tribunal a quo determinou a notificação da ora recorrente, a fim de se pronunciar quanto à sua condenação como litigante de má-fé. |