Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ARLINDO CRUA | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL DANOS PATRIMONIAIS | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/17/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Sumário: | I – Em acção de indemnização, por danos não patrimoniais, fundados na prática de factos ilícitos, enquadrada nos artigos 483º e segs., do Código Civil, não está em equação – não pode estar – a sindicância dos actos de admoestação eclesiástica e suspensão do Autor das suas funções sacerdotais, nomeadamente da sua conformidade ou desconformidade com a lei canónica ; II - Efectivamente, reconhecendo o Estado Português, perante a Santa Sé, a existência de uma ordem jurídica canónica e que o exercício da respectiva jurisdição pertence à Igreja Católica – cf., artigos 2º e 10º da Concordata de 2004 entre o Estado Português e a Santa Sé -, estamos perante matéria que, na distribuição de competência entre os tribunais judiciais e os tribunais eclesiásticos, foi expressamente reservada a estes ; III – e, tal inviabilidade de sindicância por parte dos tribunais judiciais não se circunscreve apenas à estrita aplicabilidade daqueles actos de admoestação e suspensão, abrangendo, igualmente, os actos interlocutórios inseridos no procedimento conducente à aplicabilidade daqueles actos finais ; IV – importando, assim, indagar se a factualidade provada traduz ou comprova a existência de actos que possam lograr qualificar-se como ilícitos e culposos, fundantes do pedido indemnizatório deduzido, que extravasem ou se situem para além dos inseridos naquele iter procedimental, ou seja, que não se reportem aos praticados pela autoridade eclesiástica, no pleno exercício do seu múnus ; V – actos que, devendo traduzir factualmente as alegadas, e imputadas, pressões ou difamações, ainda que naturalmente conexionados com aqueles que fazem parte do itinerário procedimental, não se confundem com estes, antes gozando de autonomia ou independência valorativa, por que objectivamente existentes fora daquele círculo fáctico conducente à aplicabilidade dos actos sancionatórios. Sumário elaborado pelo Relator – cf., nº. 7 do artº. 663º, do Cód. de Processo Civil | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]: I - RELATÓRIO 1 – BBB, residente em ..., Angra do Heroísmo, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum ordinário, contra: - AAA, com sede em ..., Angra do Heroísmo, deduzindo petitório no sentido da Ré ser condenada a pagar-lhe: a) 30.500,00 € (trinta mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros moratórios, desde a citação e até efectivo e integral pagamento. Para tanto, alegou, em resumo, o seguinte: - é sacerdote católico e durante 10 anos exerceu tais funções ao serviço da Ré; - em fins de Agosto de 2010, entregou-lhe um atestado médico do foro psiquiátrico, não podendo continuar a exercer as funções de sacerdote nas paróquias do Raminho e Altares, o que a Ré reconheceu ; - comunicou-se, então, que deveria deixar as duas paróquias até 15.09.2010, devendo o passal dos Altares ficar livre a partir de tal data e que este podia residir na Casa Sacerdotal de Angra ou Ponta Delgada ; - o Autor foi fazendo os seus próprios descontos para a Segurança Social do seu vencimento enquanto padre ; - na sua doença foi acolhido por uma família amiga e abandonado ao seu destino pelos seus pares, bem como pela Ré ; - em 29.12.2010, a Ré admoestou-o, porque, alegadamente, vivia uma situação escandalosa, querendo referir-se que vivia na mesma casa em que uma senhora chamada CCC, divorciada e com duas filhas menores também residia ; - esquece-se a Ré que naquela casa viviam também os pais desta senhora e o seu irmão, quando de visita à sua família nas férias escolares ; - não procurando saber se o Autor partilha qualquer quarto ou cama com a mesma ; - o que de facto não sucede, dado que o Autor tem o seu próprio quarto, não vivendo maritalmente com tal senhora ; - com quem apenas mantém uma relação de grande amizade, bem como com a família, e por isso com amargura e estupefacção levou-o a escrever a carta datada de 09.02.2011, que junta ; - o Autor não abandonou as paróquias onde se encontrava, antes foi mandado sair de lá e não vive qualquer relação escandalosa com a dita senhora ; - nos 24 meses que antecederam esta situação, o Autor foi sujeito às maiores pressões e difamações provocadas pela Ré e a si dirigidas ; - acusando-o de se encontrar em situação de escândalo para com os seminaristas, mantendo que vivia em união de facto com a dita CCC e retirou-o de dar aulas no Seminário Episcopal de Angra do Heroísmo, onde leccionou por 15 anos ; - pressionando-o para que fosse falar com o Bispo de Angra e para que fosse viver para uma das casas Sacerdotais ou em Angra ou em Ponta Delgada, fazendo tábua rasa do atestado que lhe enviou ; - e afirmando até que não estava para sustentar a mulher e os filhos com quem o Autor vivia, o que lhe provocou uma profunda depressão, da qual não consegue sair e para a qual é medicado ; - vive uma tristeza profunda, tem dias que não dorme, em que passa as noites em claro, em que chora, ansioso, revoltado com as inverdades de que está a ser vítima por parte da Ré ; - vive com medo do futuro, aumentando o seu estado nervoso pelos que estes danos merecem a tutela do direito. 2 – Devidamente citada, veio a Ré apresentar contestação, defendendo-se por excepção e impugnação. Em súmula, referenciou que: - atendendo que a admoestação que lhe foi aplicada pela AAA e porque o Autor é padre, não pode ser dirimida nos tribunais comuns, mas apenas discutida e tratada nos tribunais eclesiásticos ; - o direito a aplicar apenas pode ser o direito canónico, dado que as questões in casu, se prendem com o voto de celibato do Autor, pelo que se invoca a incompetência material para este tribunal comum julgar esta questão que apenas deve e pode ser dirimida nos tribunais eclesiásticos aplicando-se o direito canónico ; - o que determinará a absolvição da Ré da instância, atenta a incompetência absoluta do Tribunal ; - mantendo o Autor a categoria de sacerdote católico, e assumindo o mesmo que vive na mesma casa que a Dª CCC, tal não pode suceder ; - sendo igualmente do conhecimento público que o Autor se faz acompanhar em locais públicos com esta senhora, o que tem provocado grande estranheza juntos dos seus paroquianos, causando escândalo público ; - quem provocou estes comentários foi o próprio Autor, com o seu comportamento e, por isso, não pode agora acusar a Ré das consequências de tais atitudes ; - relativamente ao atestado médico que juntou, a Ré recebeu-o e por isso libertou-o das obrigações que o mesmo disse que não podia assumir ; - não difamou o Autor antes foi ele que juntou os documentos eclesiásticos demonstrando o que se estava a passar na igreja e, portanto, de qualquer forma não se encontram verificados os pressupostos da responsabilidade civil. Conclui, no sentido da procedência da excepção invocada, com a sua consequente absolvição da instância ou, caso assim não se entenda, pela improcedência do pedido, com a sua consequente absolvição do mesmo. 3 – Em sede de réplica, veio o Autor responder á excepção invocada, no sentido da sua improcedência, defendendo a competência do foro para conhecer do pedido deduzido, considerando a questão suscitada como de mera responsabilidade civil – cf., fls. 70 e 71. 4 – Conforme fls. 180 a 187, foi: - dispensada a realização da audiência prévia ; - fixado o valor da causa ; - conhecido acerca da excepção dilatória de incompetência material e internacional dos tribunais judiciais comuns, no sentido da sua improcedência, considerando o Tribunal comum competente para dirimir a presente acção ; - efectuado o demais saneamento do processo ; - definiu-se o objecto do litígio e os temas da prova ; - foram apreciados os requerimentos probatórios ; - designou-se data para a realização da audiência de julgamento. 5 – Foi interposto recurso da decisão que conheceu acerca da excepção dilatória da incompetência absoluta do Tribunal, o qual subiu em separado. Tal recurso foi julgado improcedente por Acórdão deste Tribunal datado de 26/10/2017, o qual foi confirmado, na revista interposta, por douto Acórdão do STJ de 28/06/2018. 6 – Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, conforme acta de fls. 239 a 242, com observância do formalismo legal. 7 - Posteriormente, foi proferida sentença – cf., fls. 245 a 253 -, traduzindo-se a Decisão nos seguintes termos: “IV - DECISÃO Pelo exposto, julgo parcialmente procedente por provada, a presente acção e em consequência, condeno a Ré AAA, a pagar ao autor BBB, a título de indemnização civil pelos danos não patrimoniais e morais por este sofridos em consequência das condutas da ré, a quantia total de 18.000,00 € (dezoito mil euros), acrescidos os juros de mora, os quais são devidos desde a data da citação para a presente acção, até integral e efectivo pagamento pela Ré. As custas processuais serão em proporção do decaimento, por ambas as partes, artigo 527º do CPC. Registe e notifique”. 8 – Inconformada com o decidido, a Ré interpôs recurso de apelação, por referência à sentença prolatada. Apresentou, em conformidade, a Recorrente as seguintes CONCLUSÕES: “A) O presente recurso resulta da não concordância com a sentença condenatória por se entender que a decisão deveria ser no sentido diametralmente oposto, uma vez que não cometeu ilícito algum, muito menos um gerador de danos na esfera jurídica do Apelado, não entender, nem aceitar, o valor indemnizatório arbitrado, de forma ignota e aleatória, pela Meritíssima Juíza a quo. B) Concretamente, entende a Apelante que os seguintes factos dados como provados pela Meritíssima Juíza a quo não o deveriam ter sido, a saber, os indicados nos pontos: 10, 11, 13, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36 e 38 da matéria de facto julgada provada. C) Atentas as incongruências do depoimento da Sra. D. CCC, desde logo no que tange às datas dos factos e aos autores dos mesmos, bem como no que toca ao depoimento prestado pelo Sr. Vigário Geral e pela forma como este explicou e situou, espacial e temporalmente os factos, circunstancializando-os no seu contexto, depoimento, esse, respaldado inclusive pelas declarações da Sra. D. CCC, incensadas pelo Tribunal, não poderia este, ter dado como provados os factos acima indicados. D) Como infra se demonstra, quer no que concerne ao tempo, ao lugar, ao modo e ao conteúdo das conversas que o Sr. Vigário Geral e o Sr. Bispo de Angra tiveram com o Apelado, sobre o assunto em questão, e com o Advogado deste, factos de que a Sra. D. CCC, por não os ter presenciado, teve conhecimento indireto, através do Apelado e do Advogado deste, sendo que não foi aquela capaz de reproduzir o que este disse, limitando-se a conclusões e generalidades, não era de molde a escorar o pedido e a sustentar uma condenação ainda que parcial. E) Quanto aos pontos 9, 10, 11, 13, e 15, foi assumido pelo Sr. Vigário Geral e pelo Sr. Bispo na segunda carta que enviou ao Apelado, que não foi feita investigação alguma mas sim tentativas de resolver calma e discretamente a situação que envolvia o Apelado e os seus paroquianos, como infra se demonstra. F) Não se tratou de fazer juízos precipitados, como dão a entender os referidos pontos provados, pois na carta de setembro o Apelado é dispensado das suas funções em face do atestado médico que apresentou e que o declarava impossibilitado de exercer as mesmas. Como nos meses seguintes, após várias tentativas de estabelecer o diálogo, sempre dificultadas pela interposição de um Advogado em matérias de vínculos pastorais, não foi possível estabelecer o diálogo diretamente com o Sr. Pe. BBB, foi escrita e enviada a segunda carta pelo Sr. Bispo (nesta altura, o Apelado não falava com os seus superiores há quatro meses). G) As questões relacionadas com o Sr. Pe. BBB não surgiram do interior da Igreja para fora mas vieram dos paroquianos para a Igreja. No seu depoimento, a Sra. D. CCC refere bastas vezes que era “um diz que disse”, “pessoas cujo nome não sabe”, “alguém que disse que iria aparecer para depor” mas que, afinal, ficou-se sem saber quem seria, pessoas das freguesias, muitas com quem ela interagiu e que foram desagradáveis para com ela, sempre terceiros que não padres ou o Sr. Bispo ou o Sr. Vigário Geral. H) Foi sempre de forma vaga que se referiu a quem terá dito ou insinuado que o Apelado vivia uma relação com ela que ultrapassaria a amizade, contudo, em momento algum, essas afirmações foram imputadas ao Sr. Bispo ou ao Sr. Vigário Geral, ou a quem quer que fosse que representasse a Apelante. I) Quanto aos pontos 9, 10, 11, 13, e 15 os mesmos resultam prejudicados da análise dos seguintes, sendo que, como são mais conclusões do que factos são prejudicados pelo resultado da análise dos pontos 16 a 26 da matéria de facto julgada – mal – provada. J) Quanto ao ponto 16 dos factos julgados provados, a saber “Provado apenas e com o esclarecimento de que, ao contrário do que diz a ré, o autor não abandonou as paróquias onde tinha sido colocado, antes foi mandado sair por esta e, o autor não vive qualquer relação escandalosa, ou marital, com a citada CCC, vive antes uma relação de profunda amizade com esta e a sua família, pai, filhas e irmão”, o mesmo não poderia ter sido julgado provado pois o depoimento da testemunha CCC foi em sentido oposto ao julgado provado (6m22segs – 6m30segs; 14m38seg - 15m40segs; 31m20segs – 37m03sgs; 33m17segs.; 33:28segs.; 33m54segs.; 33m04segs - 33m06segs; 34m30segs), citando-se, a título de exemplo, as suas respostas às perguntas da Meritíssima Juíza: Mas eram pressões em que sentido? De quem? Digo-lhe: concretize nomes? CCC: Não, não tenho. Juíza: Não me chega dizer que era a AAA. CCC: Não tenho. Juíza: A AAA, portanto, quem é que falava com o Dr. DDD? CCC: Falava o Pe. EEE, falava o Bispo, “ah, porque as pessoas dizem”, pois isso é muito relativo. Juíza: Pois então tem que me dizer quem são as pessoas. Uma coisa é o que as pessoas dizem outra coisa eram as pessoas da AAA concretas, se era o Bispo era o Bispo, se era o Pe. EEE era o Pe. EEE. CCC: Isso o Dr. DDD é que dizia. Transmitia aquilo que eles lhe diziam. E falava com o Pe. BBB. Chamava o seu cliente e falava com ele.(…) CCC: Eu nunca assisti a estas conversas. – depoimento de CCC aos 37m03segs.- 37m05sgs – o negrito é nosso. K) Quanto ao momento em que as conversas que são imputadas à AAA têm lugar, todas através do Advogado do Apelado, cumpre ter em consideração que as mesmas ocorrem após o Apelado ter apresentado baixa médica no mês de agosto de 2010 dizendo não reunir condições de saúde para poder exercer as suas funções (facto provado n.º 3). L) A carta – doc. n.º 1 junto com a p.i. – é um documento oficial, assinado pelo Sr. Bispo Emérito de Angra, Sr. D. FFF, em resposta ao atestado médico apresentado pelo Apelado dizendo que não estava em condições para, em linguagem laical, trabalhar. M) O Sr. Vigário Geral explicou, no seu depoimento, que os ofícios canónicos normalmente são atribuídos em setembro, pelo que verificou-se uma feliz coincidência de datas, nesse sentido vejam-se os seguintes excertos do depoimento do Sr. Vigário Geral EEE: 12m26sgs-13m18sgs; 17m25segs-18m15sgs; 22m48sgs – 25m42sgs; e 29m00sgs – 31m24sgs. N) O ato formal da AAA, de 01/09/10, veio, portanto, na sequência direta e necessária do atestado médico do Apelado, apresentado em agosto desse ano, que o declarou sem condições para exercer as suas funções. Logo, não foi a AAA quem afastou unilateralmente o Apelado mas sim quem teve de prover à substituição deste no exercício das suas funções atenta a impossibilidade do mesmo de as levar a cabo. O) A Casa do Passal está afeta ao padre que fica responsável pela/s paróquia/s, pelo que tendo o Pe. BBB, ora Apelado, na sequência do atestado que apresentou dizendo que já não podia exercer as suas funções de pároco, deixado de as desempenhar, houve que, provendo à sua substituição, afetar a referida residência ao novo pároco e daí o ter sido dito que ele deveria desocupá-la mas foram-lhe dadas duas opções dentro das possibilidades da AAA, uma em Angra e a outra em Ponta Delgada, de onde o Apelado é natural, para onde ele poderia, à sua escolha, residir e se restabelecer (doc. n.º 1 junto com a p.i.). P) Quanto à questão da “relação escandalosa” reporta-se a uma situação que não foi criada pela AAA mas pela relação de proximidade do Apelado com a testemunha D. CCC que, sem que a AAA tivesse nada que ver com o assunto, gerou uma reação adversa nos paroquianos e quebrou a ligação entre estes e o seu pároco. Q) Sendo referida pelo Sr. Bispo, no final de dezembro de 2010, quando, tal como referido pela Sra. D. CCC, os factos geradores de danos morais ao Apelado ocorreram nos dois anos anteriores a setembro de 2010 e que foram perpetrados por pessoas cujo nome ignora, factos, esses, que geraram a sua doença e posterior atestado. R) A própria Sra. D. CCC referiu que o Sr. Bispo Emérito apenas por uma vez falou com o Apelado e que foi por telefone (38m14sgs-38m35sgs e 38m40sgs-39m04sgs depoimento de CCC), telefonema a que ela não assistiu, sabendo apenas o que aquele depois lhe contou e cujo teor aquela não referiu mas que data em momento imediatamente anterior ao da propositura desta ação. S) Sublinha-se que as situações desagradáveis descritas pela D. CCC ocorridas nos Altares foram claramente imputadas aos locais e não ao Sr. Bispo ou ao Sr. Vigário Geral (depoimento da D. CCC 29m00sgs – 29m31sgs; 20m30sgs-20m35sgs), sendo que parte daquilo de que a D. CCC disse ter conhecimento e que queria imputar à AAA era o que outros lhe contavam, outros que poderiam ter sido ouvidos, quer através de declarações de parte, quer indicando o então Advogado do Apelado, após levantamento do sigilo profissional, coisa que nem sequer foi pedida. Pelo que não poderia ter sido dado como provada a matéria vertida no ponto 16. T) Quanto aos pontos 17 a 19 os mesmos deveriam ter sido julgados não provados pelas seguintes razões, a testemunha D. CCC, relativamente aos dois anos anteriores a setembro de 2010, matéria que resulta prejudicada pela resposta dada ao ponto 16 (bastando ler a transcrição do seu depoimento supra apesar das diversas insistências da Meritíssima Juíza a quo), apenas fez menção a pessoas cujo nome desconhece, sendo que a intervenção do Sr. Bispo Emérito FFF ocorre nas duas cartas, supra citadas, e num telefonema pouco antes da instauração da ação. Pelo que, da descrição dos factos e do depoimento da testemunha do Apelado, facto algum ilícito pode ser imputado ao Sr. Bispo Emérito de Angra. U) Já o Sr. Vigário Geral surge em reuniões, tidas a partir de setembro de 2010, com o Advogado do Apelado e não com este (aliás a pedido do Apelado cfr. depoimento do Vigário Geral EEE 08m50sgs-09m01sgs), sendo que não é identificado em toda a ação um ato imputado a um ou a outro para além desses, sendo tudo o mais algo vago e inefável, por exemplo, falam das aulas do Seminário, que o Apelado teria sido afastado das mesmas quando tal resulta do atestado médico que o mesmo apresentou alegando estar impossibilitado por doença para o exercício das suas funções, como já se referiu. V) As cartas do Sr. Bispo de Angra estão respaldadas no Direito Canónico, reportam-se ao Apelado na sua condição de sacerdote católico e foram escritas por aquele na qualidade de superior hierárquico diocesano do Apelado, atendo-se a matéria da esfera exclusiva da Igreja Católica como tal reconhecida pela Concordata em vigor. W) Quanto ao ponto 18 da matéria de facto julgada provada, no depoimento da D. CCC (do minuto 19 e 40sgs até ao minuto 20 e 20 segundos), esta refere expressamente que eram “as outras pessoas que diziam” e não o Sr. Bispo ou o Vigário Geral ou outro padre, pelo que este não poderia ter sido julgado provado. X) Quanto aos pontos 20 a 24 dos factos julgados provados resultam, os mesmos, prejudicados pelo que supra se disse quanto ao ponto 16. Y) Resta ainda a questão da mudança do Apelado das paróquias de S. Pedro, que inclui S. Carlos, para as dos Altares e Raminho e para tal cumpre analisar o depoimento do Sr. Vigário Geral EEE sobre essa matéria (10m43sgs - 11m49sgs), sendo que ficou claro que a transferência para as paróquias dos Altares e do Raminho foi um processo consensual, por que realizado com a concordância expressa do Apelado, pelo que não resultam provados danos morais causados com tal transferência imputáveis à AAA. Z) A AAA fez caso, ao contrário do que o Tribunal a quo decidiu quanto ao ponto 23 da matéria julgada provada, do atestado junto pelo Apelado, aliás a carta do Sr. Bispo de 01/09/2010 é disso prova, pois lá se refere que, precisamente na sequência do atestado, aquele ficava dispensado das suas funções, dado que não reunia as condições de saúde para continuar a desempenhá-las. AA) Quanto aos pontos julgados provados com os n.ºs 25 a 36 cumpre referir que toda a prova foi feita com base no depoimento da D. CCC, ignorando a Apelante se o que ela descreve corresponde ou não à verdade, sabendo apenas o que consta do atestado médico apresentado pelo Apelado, pelo que não poderiam ter resultado como provados tout cour. BB) No que tange, no entanto, à matéria do ponto 25 dos factos provados, a D. CCC, no seu depoimento (depoimento D. CCC aos 20m30sgs-20m35sgs) disse expressamente, em resposta à Meritíssima Juiz a quo, quando esta lhe perguntou se ela sabia se alguém tinha dito que o Sr. Padre andava a sustentar a senhora e os seus filhos, que “nunca ninguém me disse nada, era sempre o diz que disse.” Tendo sido a única prova produzida quanto a esta matéria, pelo que não se concebe como é que foi dado como provado que tal expressão tivesse sido dita e muito menos que houvesse sido imputada à R.. CC) Por conseguinte e em face dos pontos anteriores, resulta necessariamente prejudicada a apreciação do ponto 26, pois este vem como consequência dos anteriores. Se o Apelado caiu ou não em depressão, essa queda não se ficou a dever à Apelante e é o que ao Tribunal cabia reconhecer para ser justo na sua decisão, pois outro resultado, em face do que acima se demonstrou, não seria lógico. DD) Quanto ao ponto 38 da matéria de facto julgada provada, já supra se explicou o que se entende por escândalo, os paroquianos tiveram uma reação adversa à amizade do Apelado com a Sra. D. CCC e daí surgiram participações e queixas à AAA, contudo, esta tentou resolver sempre em paz a situação, primeiro com a mudança, aquando do tempo próprio para as substituições de párocos e com a concordância do Apelado, para outras paróquias, sendo que depois aceitou o atestado médico que este apresentou e procurou facultar-lhe alternativas para um acolhimento do mesmo no seio da instituição, o que este não quis, indo viver para a casa onde a Sra. D. CCC vivia. EE) Tratando-se de um padre católico, essa situação não é pacífica para a comunidade em que o mesmo está inserido, mormente num meio rural como são os Altares e o Raminho e mais agarrado às tradições, e daí, pelas confusões a que se prestou, gerou comoção nalguns sectores da sociedade e, por definição, escândalo. FF) Quebrou-se o vínculo entre o pároco e os seus paroquianos e daí a reação do Sr. Bispo na sua segunda carta e apenas nesta (final de dezembro de 2010). Ainda assim, o Sr. Bispo de então apelou ao diálogo fraterno e disse que acolhia o Apelado, pelo que não se descortinam ameaças ou comportamentos tendentes a constranger ou confranger o Apelado, donde falece o propósito desta ação. GG) Dos elementos probatórios colhidos nos autos e produzidos em audiência de julgamento não resulta um facto ilícito apontável à Apelante, esta não atuou com culpa, os comportamentos imputados a terceiros e que geraram os danos que o Apelado diz ter sofrido não foram, reconhecidamente, praticados por representantes da AAA no exercício das suas funções, sendo que ocorreram todos em momento anterior a setembro de 2010, altura em que o Apelado já estava de baixa e dispensado das suas funções por motivos de doença. HH) Para além do exposto e sem prescindir, discutindo-se apenas em abstrato sem conceder, não se alcança o juízo levado a cabo para determinar o valor dos prejuízos sofridos pelo Apelado. Desconhece-se por completo essa fundamentação pelo que, por esse motivo, é a sentença nula por omissão de um requisito legal (art.º 615º n.º 1 alíneas b e c do C.P.C.)”. Conclui pela procedência do recurso, revogando-se a sentença recorrida, passando: “a) Os factos erradamente julgados como provados pelo Tribunal a quo, por manifesta má apreciação da prova, nos pontos 10, 11, 13, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36 e 38 da matéria de facto tida por provada, constantes do corpo da sentença ora impugnada, a ser julgados como não provados, alterando-se, assim, o juízo de prova feito incorretamente pelo Tribunal a quo, e, como consequência lógica, absolvendo-se a Apelante da totalidade do pedido; b) Deve ainda e em todo o caso, sem conceder, por omissão da fundamentação legal da sentença, ser, a sentença recorrida, considerada nula nos termos do disposto no art.º 615º n.º 1 alíneas b e c do C.P.C.”. 9 – O Apelado/Recorrido Autor apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes Conclusões: “1.O Tribunal a quo, julgou corretamente como provados os factos constantes dos pontos 10, 11, 13, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36 e 38 da matéria de facto dada como provada; 2. O presente recurso, salvo o devido respeito que lhe devemos, pretende apenas ser a recorrente a decisória em causa própria, moldando a matéria de facto ao encontro da sua pretensão; 3. A leitura dos depoimentos prestados em sede de discussão e julgamento efectuada pelo Tribunal a quo é a correta e não merece qualquer censura; 4. Foi utilizada uma metodologia que permite perceber a realidade ali demonstrada, de forma lógica, linear e cronológica, a qual, uma vez submetida às normas jurídicas corretamente aplicadas, ditou o desfecho dos presentes autos; 5. O Tribunal a quo, numa síntese feliz, compatibilizou a matéria de facto adquirida num louvável esforço de descrição inteligível da realidade em litígio e plasmou-a de forma correta em sede de Sentença; 6. Tanto na exposição dos factos que se julgam provados como daqueles que forem considerados não provados, o juiz não se orientou por uma preconcebida solução jurídica do caso, antes assegurou que a recolha de todos aqueles que se mostrem relevantes em função das diversas soluções plausíveis da questão de direito, numa decisão que não merece qualquer reparo; 7. O tribunal a quo adequou-se às exigências do caso, na sua decisão, pelo que em nada nos surge como tocável a presente sentença; 8. Inexiste a nulidade alegada de omissão de fundamentação legal da sentença; 9. Como resulta do próprio texto decisório, a sentença encontra-se devidamente fundamentada, quer do ponto de vista factual, quer do ponto de vista de aplicação do direito aos factos; 10. Pelo que haverá de improceder na sua totalidade o recurso apresentado pela apelante”. Conclui, no sentido da improcedência do recurso interposto, com consequente manutenção da sentença apelada. 10 – O recurso foi admitido por despacho de fls. 277, como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, tendo-se, ainda, emitido pronuncia, nos quadros do nº. 1, do artº. 617º, do Cód. de Processo Civil, quanto à invocada nulidade da sentença, no sentido da sua improcedência. 11 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir. * II – ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que: “1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. 2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas ; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”. Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação da recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Pelo que, no sopesar das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina o conhecimento das seguintes questões: 1. DA EVENTUAL PERTINÊNCIA DA MODIFICABILIDADE DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO, nos quadros do artº. 662º, do Cód. de Processo Civil, o que determina a aferição: I) Da pretensão que os factos provados sob os pontos 10, 11, 13, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36 e 38, passem a figurar como não provados =) conclusões E) a FF). o que implica a REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA ; 2. Seguidamente, aferir acerca da SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS (inicialmente ou fruto das alterações infra em apreciação), o que implica apreciação do ENQUADRAMENTO JURÍDICO DA CAUSA - conclusões GG) e HH). 3. caso improceda a pretensão recursória quanto ao não preenchimento dos pressupostos de responsabilidade civil da Ré, apreciar acerca da invocada NULIDADE da SENTENÇA, por ausência de fundamentação do quantum indemnizatório fixado, nos termos das alíneas b) e c), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil. Na apreciação deste, conhecer-se-á, fundamentalmente, acerca: - Dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, aquiliana ou por factos ilícitos ; - Da indemnização por danos não patrimoniais ; - Eventualmente, da fixação do quantum indemnizatório ou ressarcitório. * III - FUNDAMENTAÇÃO A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Na sentença recorrida/apelada, foi considerado como PROVADO o seguinte (assinalam-se com * os factos objecto de impugnação): 1. O autor é sacerdote católico; 2. Durante cerca de 10 anos exerceu as suas funções de sacerdote, ao serviço da ré; 3. Em finais de Agosto de 2010, entregou à ré, atestado médico, do foro psiquiátrico, não podendo continuar as suas funções sacerdotais que eram as de pároco do Raminho e Altares; 4. Situação que a ré reconheceu; 5. Dizendo-lhe que deveria deixar as duas paróquias a seu cargo até 15.09.2010, devendo o passal dos Altares, onde habitava, ficar livre a partir daquela data, podendo o autor ir residir para a Casa Sacerdotal de Angra ou Ponta Delgada; 6. Na sua doença, o autor foi acolhido por uma família amiga, na morada indicada na petição inicial; 7. Provado apenas e com esclarecimento de que, foi dada a possibilidade ao autor de ir para a Casa Sacerdotal em Angra ou em Ponta Delgada; 8. A 29 de Dezembro de 2010, a ré veio admoestar o autor, dizendo que o mesmo deveria dar-lhe “garantias de abandonares a situação escandalosa em que te encontras”; 9. Por referência ao facto de, na residência que o acolheu, viver CCC, divorciada, com duas filhas menores; 10. Esquecendo o réu que também lá habitam os seus pais e o irmão desta quando está de visita à sua família nas férias escolares *; 11. Não providenciando por saber se o autor, porventura, partilha qualquer quarto ou cama com a mesma *; 12. O autor tem quarto próprio e não vive maritalmente com a indicada pessoa; 13. Não vivendo, qualquer relação escandalosa, tal como clarificada pela ré *; 14. Mantendo, tão-só uma relação de grande amizade com aquela família; 15. A amargura e estupefacção, perante aquela admoestação, levaram a que o autor respondesse à ré, missiva recebida em 09.02.2011 e que consta de fls. 9 a 13 dos autos *; 16. Provado apenas e com o esclarecimento de que, ao contrário do que diz a ré, o autor não abandonou as paróquias onde tinha sido colocado, antes foi mandado sair por esta e, o autor não vive qualquer relação escandalosa, ou marital, com a citada CCC, vive antes uma relação de profunda amizade com esta e a sua família, pai, mãe, filhas e irmão *; 17. Provado apenas e com o esclarecimento de que, nos 24 meses que antecederam esta situação, isto é, nos dois anos antes de Setembro de 2010, o autor foi sujeito pela ré a pressões e difamações *; 18. Tais como, dizendo que a situação em que o autor se encontrava era um escândalo para os seminaristas *; 19. Provado apenas e com o esclarecimento de que, mantendo e dizendo-lhe que o autor vivia em união de facto com a citada CCC *; 20. Retirando o autor das aulas que leccionava no Seminário Episcopal de Angra do Heroísmo, onde leccionou por 15 anos *; 21. Pressionando para que fosse falar com o Bispo de Angra *; 22. Pressionando-o para que fosse viver para uma das Casas Sacerdotais, ou em Angra, ou em Ponta Delgada *; 23. Provado apenas e com o esclarecimento de que, praticamente nada ligou ao atestado médico que foi junto pelo autor *; 24. Alegando que o autor era motivo de escândalo público *; 25. Chegando inclusivamente a dizer que não estava para sustentar a mulher e os filhos com quem o autor vivia *; 26. Provado apenas e com o esclarecimento de que, tudo isto acabado de dar como provado supra, fez o autor mergulhar numa profunda depressão *; 27. Da qual não consegue sair *; 28. E, para a qual é medicado *; 29. Vive, o autor, por força de tal situação, uma tristeza profunda *; 30. Tem dias em que não dorme *; 31. Em que passa as noites em claro *; 32. Em que chora *; 33. Ansioso *; 34. Revoltado, com as atitudes de que está a ser vítima por parte da autora *; 35. Vive com medo do seu futuro *; 36. Aumentando o seu estado nervoso *; 37. Provado apenas e com o esclarecimento de que, é do conhecimento público que o autor vive na mesma casa que a Dª. CCC, que aliás o A, reconhece, fazendo-se acompanhar por esta em locais públicos e por isso tal causa estranheza junto dos seus paroquianos; 38. Provado apenas e com o esclarecimento de que, a Ré aceita a situação acabada de descrever supra, como sendo escandalosa *; 39. Provado apenas que a Ré aceitou o atestado médico que o autor lhe apresentou. Na mesma sentença, foi CONSIDERADA NÃO PROVADA a seguinte factualidade: 1. Ao longo de todo este tempo, foi o autor quem fez os seus descontos para a Segurança Social, do seu próprio vencimento enquanto padre; 2. Que seja manifestamente falso que o A, tenha sido pressionado para falar com Sua Excelência Reverendíssima o Bispo de Angra ou para ir viver para uma casa sacerdotal; foi-lhe sim dito que falasse com o primeiro e que as casas sacerdotais estavam à sua disposição; foram-lhe portanto estas oferecidas, não impostas para que precisamente se sentisse acolhido no seio da Igreja e não ficasse só. * B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO I) Da REAPRECIAÇÃO da PROVA GRAVADA decorrente da impugnação da matéria de facto Prevendo acerca da modificabilidade da decisão de facto, consagra o artigo 662º do Cód. de Processo Civil os poderes vinculados da Relação, estatuindo que: “ 1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. 2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento; b) Ordenar em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova; c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta; d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados”. Para que tal conhecimento se consuma, deve previamente o recorrente/apelante, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o ónus a seu cargo, plasmado no artigo 640º do mesmo diploma, o qual dispõe que: “ 1 -Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”. No caso sub judice, a prova produzida em audiência foi gravada, tendo a Recorrente/Apelante/Ré dado cumprimento ao preceituado no supra referido artigo 640º do Cód. de Processo Civil, nomeadamente através da indicação das passagens da gravação e transcrição (ainda que muito parcelar) de enxertos do depoimento identificado, pelo que o presente Tribunal pode proceder à sua reapreciação, uma vez que dispõe dos elementos de prova que serviram de base à decisão sobre o(s) facto(s) em causa. Aliás, e para além dos trechos indicados, por referência, fundamentalmente, a dois depoimentos, o Tribunal, na utilização da oficiosidade inscrita no 1º segmento da alínea b), do nº. 2, do transcrito artº. 640º, procedeu à audição da totalidade da prova testemunhal produzida. O que se justificou, ainda, atenta a amplitude da impugnação da matéria de facto apresentada. Não se desconhece que “para negar a admissibilidade da modificação da decisão da matéria de facto, designadamente quando esta seja sustentada em meios de prova gravados, não pode servir de justificação o mero facto de existirem elementos não verbalizados (gestos, hesitações, posturas no depoimento, etc.) insusceptíveis de serem recolhidos pela gravação áudio ou vídeo. Também não encontra justificação a invocação, como factor impeditivo da reapreciação da prova oralmente produzida e da eventual modificação da decisão da matéria de facto, da necessidade de respeitar o princípio da livre apreciação pelo qual o tribunal de 1ª instância se guiou ou sequer as dificuldades de reapreciação de provas gravadas em face da falta de imediação”. Pelo que, poderá e deverá a Relação “modificar a decisão da matéria de facto se e quando puder extrair dos meios de prova, com ponderação de todas as circunstâncias e sem ocultar também a livre apreciação da prova, um resultado diferente que seja racionalmente sustentado” [2]. Reconhece-se que o registo dos depoimentos, seja áudio ou vídeo, “nem sempre consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no tribunal a quo. Como a experiência o demonstra frequentemente, tanto ou mais importante que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, sendo que a mera gravação dos depoimentos não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que porventura influenciaram o juiz da 1ª instância. Na verdade, existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador”. Efectivamente, e esta é uma fragilidade que urge assumir e reconhecer, “o sistema não garante de forma tão perfeita quanto a que é possível na 1ª instância a percepção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e de onde é legítimo aos tribunais retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo”. Todavia, tais dificuldades não devem justificar, por si só, a recusa da actividade judicativa conducente à reapreciação dos meios de prova, ainda que tais circunstâncias ou fragilidades devam ser necessariamente “ponderadas na ocasião em que a Relação procede à reapreciação dos meios de prova, evitando a introdução de alterações quando, fazendo actuar o princípio da livre apreciação das provas, não seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro de apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados” [3] (sublinhado nosso). DOS FACTOS PROVADOS SOB OS PONTOS nºs 10, 11, 13, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36 e 38 =» DA PRETENSÃO QUE PASSEM A FIGURAR COMO NÃO PROVADOS A Apelante Ré invoca “incongruências do depoimento da Sra. D. CCC, desde logo no que tange às datas dos factos e aos autores dos mesmos”, pelo que, articulando-o com o “depoimento prestado pelo Sr. Vigário Geral e pela forma como este explicou e situou, espacial e temporalmente os factos, circunstancializando-os no seu contexto, depoimento, esse, respaldado inclusive pelas declarações da Sra. D. CCC, incensadas pelo Tribunal, não poderia este, ter dado como provados os factos acima indicados”. Acrescenta demonstrar-se que “quer no que concerne ao tempo, ao lugar, ao modo e ao conteúdo das conversas que o Sr. Vigário Geral e o Sr. Bispo de Angra tiveram com o Apelado, sobre o assunto em questão, e com o Advogado deste, factos de que a Sra. D. CCC, por não os ter presenciado, teve conhecimento indireto, através do Apelado e do Advogado deste, sendo que não foi aquela capaz de reproduzir o que este disse, limitando-se a conclusões e generalidades, não era de molde a escorar o pedido e a sustentar uma condenação ainda que parcial”. Por sua vez, na resposta às alegações, o Recorrido Autor defende a leitura factual feita constar na sentença apelada, que considera não merecer qualquer censura. Estão, deste modo, fundamentalmente em equação os depoimentos de CCC, testemunha arrolada pelo Autor (consta, erradamente, da acta que foi arrolada pela Ré), e de EEE, arrolado pela Ré. E não só o conteúdo destes, mas ainda a valoração que o Tribunal a quo fez dos mesmos na fixação da matéria factícia. Todavia, antes de apreciarmos o teor da própria matéria factual impugnada, vejamos, em súmula, as principais directrizes ou linhas de tais depoimentos, bem como a percepção dos mesmos decorrente. A testemunha CCC, divorciada, jornalista/repórter/locutora, afirmou conhecer o Autor há aproximadamente 14 anos, o que aconteceu na Paróquia de São Pedro e São Carlos, onde o mesmo era pároco, tendo-o como um irmão mais velho. Acrescentou que na altura fazia parte de movimentos religiosos associados à Igreja. Mencionou que em 2009 ou 2010 (o que não conseguiu precisar) o Autor a convidou para enfeitar a igreja no Natal e que posteriormente foram jantar juntos, com uma irmão do Autor que havia vindo passar tal quadra, acrescentado que, na altura, o Autor ficou com gripe e que foi às compras com a irmã, o que zangou alguém, por o ter feito conduzindo o veículo do Autor. Acrescentou que após os “padres da Igreja começaram a fazer uma cruzada” contra ele, mandando-lhe cartas e fazendo ameaças. E que queriam que ele assumisse uma coisa que não existia, ameaçando-o de que o retiravam da Paróquia de São Carlos e São Pedro, tendo então ido para Altares, tendo sido ajudado nas mudanças pelo pai da depoente, que era marceneiro. Reiterou que foram ameaçados, mas não sabe por quem, sendo que o pára-brisas do seu veículo foi inclusive partido quando se encontrava estacionado à porta da casa onde o Autor vivia. Precisou que na Paróquia de Altares ficou pouco tempo – talvez um ano -, e que o Autor afirmava que não podia ir a casa deles (vive juntamente com os pais e duas filhas) porque falavam. O Autor adoeceu e procurou ajuda psiquiátrica, tendo-se isolado e tomando medicação, pelo que não podia conduzir, tendo estado de baixa 3 anos (sendo evidente a confusão de datas que efectuou, só precisando posteriormente ser de 2010 a 2013). Acrescentou que as suas duas filhas foram expulsas da sacristia, onde eram acólitas, e que o Autor continuou a ser admoestado nas cartas que “aí estão”, sendo que na altura o Bispo já era outro. Referenciou que os atestados médicos eram apresentados pelo Autor à AAA através do seu Advogado, que os contactos entre o mesmo e a Ré eram feitos apenas através do Advogado (Dr. DDD), que pretendiam obrigá-lo a ir para a casa sacerdotal, o que ele não aceitou e que o Autor, na altura em que esteve doente, passou à depoente uma procuração com plenos poderes, sem explicitar propriamente a motivação para tal outorga. Mencionou que o Autor dava aulas no Seminário e que foi afastado pela AAA, referindo que “nunca nenhum seminarista disse nada”, mas que outras pessoas falavam. E que nunca ninguém lhe disse que o Autor a andava a sustentar a si e à sua família, pois era tudo mais um diz que disse, sem nunca ser dito directamente. Inquirida, referenciou que aquando da mudança para a Paróquia dos Altares, alguns paroquianos procuraram o Autor, na casa onde este residia, pretendendo falar com o mesmo, o que a depoente não permitiu, afirmando que só o faziam por cima de si, pois considerava que aquele não estava em condições de falar, tendo ligado para o Advogado, pelo que “nunca percebeu o que eles queriam”. Referenciou que o Autor sempre foi um padre diferente, que não fazia “acepção de pessoas”, e que “todas as coisas vinham sempre através da AAA”, sem explicitar propriamente ao que se referia, sendo que a situação do Autor era tratada pelo seu Advogado junto da Ré através do Padre EEE. Este aludia àquilo que as pessoas falavam e diziam, quer junto do Autor, quer junto do Advogado deste, nunca tendo assistido pessoalmente a quaisquer conversas. Sem que ninguém a interpelasse nesse sentido, referenciou, referindo-se ao Autor, que “lhe ficaram a dever subsídios”, e que viu a carta junta a fls. 8 (doc. nº. 2, junto com a petição inicial), pois o Autor mostrou-lha, e que as pressões continuaram, ainda que sem lograr concretizá-las, apenas referenciando que o Padre EEE e o Bispo diziam ao Advogado do Autor que as pessoas falavam, nomeadamente que iam ter com eles e queixavam-se. Interpelada a esclarecer quais as pressões a que se reportava, referiu que existiam telefonemas para o Autor, sem concretizar quem os fazia, e que o Autor só falou uma vez com o Bispo, nomeadamente num telefonema realizado antes da interposição da acção, sendo que o Autor não quis falar mais com o mesmo. Acrescentou que o Bispo propôs que o Autor renunciasse, o que lhe foi contado pelo Autor, aduzindo, de seguida, que “não queria bem que ele renunciasse, mas que ele largasse a gente e fosse para outro sítio ! As tretas do costume”. Afirmou que a AAA acusava acerca da existência de uma união de facto entre a depoente e o Autor, acrescentando, dirigindo-se à Sra. Juíza a quo, que a interpelava, “Oh minha senhora, eu não ando a dormir com ninguém na rua para que possam ver”, mas “posso ir tomar café com quem eu quero e ir ao supermercado com quem eu quero, seja lá quem for”. Mencionou, ainda, no mesmo contexto, que “coitado ! não sei lá qual a tendência sexual dele ; deve estar bem orientada”. Referiu, igualmente, que puseram em causa a sua vocação, e que o Autor colocou em causa tudo isso, sendo que todos os colegas viraram-lhe as costas, concluindo, questionando “quem vai compensar tudo aquilo que ele perdeu durante 10 anos ?”, e que o mesmo acusa “as pessoas que o perseguiram”, mencionando que tais pessoas representam a Ré (o Padre EEE e o Bispo). O presente depoimento revelou pouca consistência factual, fundando-se na adução e imputação de generalidades, falho na concretização e identificação, por um lado e, por outro, direccionando todas as imputações para a Ré, de forma indiscriminada e acrítica. A presente testemunha confundiu, demasiadas vezes, aquilo que era o âmbito da esfera pessoal do Autor e da eventual lesão dos interesses deste, com a sua própria e pessoal esfera, assumindo um papel de exacerbada vitimização, cuja entoação e forma de falar revelou pouca espontaneidade e nítida parcialidade. Não se questiona os incómodos e nefastos efeitos pessoais da imputação que era efectuada à testemunha e ao Autor, sendo este padre, o que era certamente agravado pelo facto de tal ocorrer dentro de comunidades religiosas de pequena dimensão, muito fechadas, onde todos se conhecem e falam. E que não deve ser fácil encarar, no quotidiano, um constante diz que disse, um crescendo de rumores e um percepcionar daquilo que era pensado e fruto da convicção comunitária, que muitas vezes não seria traduzido em palavras, bastando os olhares. Todavia, tal não legitima, por que falhas de densificação factual, imputações no sentido de que “todas as coisas vinham sempre da AAA”, sem as concretizar, que afinal não assistiu pessoalmente a quaisquer conversas, apenas mencionando o que alegadamente o Autor lhe transmitiu, que as “pressões continuaram”, mas sem nunca as traduzir em actos concretos e precisos, acabando por apontar para as cartas juntas aos autos (documentos nºs. 1 e 2, juntos com a petição inicial), e que afinal, por parte do Bispo de Angra, houve apenas um telefonema, pouco antes do Autor intentar a presente acção. Por outro lado, foi nítido por parte da presente testemunha um tomar as dores do Autor de forma pouco razoável e aceitável. O que se revelou no questionar de quem o compensará por aquilo que perdeu durante 10 anos (sem se perceber propriamente o quê), de alegadas perseguições da Ré (personificadas no Padre EEE e no Bispo de Angra), na colocação em causa da vocação do Autor, e que ficaram a dever ao Autor subsídios, o que nem sequer lhe foi minimamente questionado. Tudo isto misturado num constante alternar de colocação de voz e rápida mudança de tom e modo expositivo, bem como num utilizar de dispensáveis expressões, até por que não questionadas (a alusão de desconhecimento da tendência sexual do Autor), que transmitiu ao declarado reduzida fiabilidade e crença. Pelo que, no que ao presente depoimento concerne, não logramos acompanhar a essencial credibilidade reconhecida na sentença apelada (conforme melhor veremos infra), antes se questionando a fundamentação aí feita constar. A testemunha EEE, Padre da AAA e Vigário Geral da AAA desde 2005, referenciou não ter relacionamento com o Autor desde que este deixou o Ministério, mas que tem amizade para com o mesmo, pois são colegas. Esclareceu que, a partir de determinada altura, o Autor disse que aquilo que houvesse que falar sê-lo-ia com o seu Advogado (Dr. DDD). Esclareceu que a transferência de paróquias ocorreu com o acordo do Autor, pois chegavam informações pelo telefone de pessoas a mostrarem estranheza e preocupação, falando de uma senhora com quem o mesmo habitualmente estava, e filhos desta, bem como com o facto desta mesma senhora não ter permitido a entrada de paroquianos que procuraram o Autor na casa paroquial. Tentaram falar com o Autor e chamar-lhe a atenção para esses factos, pois tal causava escândalo junto das pessoas que se queixavam, tornando-se um incómodo para as comunidades paroquianas, pois as pessoas apresentavam queixas de tal comportamento, principalmente as que tinham mais responsabilidade nessas mesmas comunidades. O Autor mencionou que entregava as paróquias e entregou um atestado médico. Confrontado com o doc. de fls. 7 (doc. nº. 1, junto com a petição inicial), esclareceu que os párocos são normalmente nomeados em Agosto /Setembro e tomam posse nos ofícios em Setembro. No caso, o padre substituto era brasileiro e necessitava de residência, sendo que a entrega do Passal foi depois tratada com o Advogado do Autor. Acrescentou que a figura de remoção do ofício é da competência do Bispo, e que a situação teria que ser documentalmente formalizada, negando peremptoriamente a existência de quaisquer ameaças. Acrescentou que custou-lhe tratar do assunto com um Advogado, e não falar directamente com o Autor, pois era seu colega de seminário, esclarecendo que sempre que reuniu com o Sr. Advogado não esteve mais ninguém presente. Interpelado, negou ter procurado qualquer informação acerca do alegado, sendo a mesma trazida ao conhecimento da AAA pelos leigos, que os paroquianos referiam-se á senhora, que tentaram falar com o Autor no Passal dos Altares, mas que a mesma não os deixou entrar, e que as imputações efectuadas foram sendo averiguadas, mantendo-se durante 5/6 anos, acreditando a AAA naquilo que as comissões e os paroquianos lhe transmitiam, reconhecendo que se o Autor, na altura, não tivesse aceite sair da Paróquia de São Pedro, poderia haver uma remoção. Mencionou, ainda, que o Advogado do Autor facultou a chave da casa do Passo de Altares e que a proposta efectuada ao Autor, que consta num dos documentos, era ir viver para uma casa sacerdotal, sem ofício, o que considera não ser prejudicial para ninguém. Esclareceu que, pessoalmente, só falou com o Autor até á transferência para a paróquia de Altares e Raminhos (e sobre esta só uma vez), tendo chegado a avisá-lo do mal-estar, estranheza e incómodo pelo facto do mesmo ser visto com uma senhora e as suas filhas, e falaram em começar de novo, negando, em resposta a pergunta efectuada, ter sido mais pressionante. O Autor afirmou-lhe que gostava de continuar a ser padre, aceitando a deslocação para a nova paróquia. Ressalvou, todavia, que se se soubesse que a senhora também mudaria para a paróquia de Altares e Raminhos, nunca se teria falado naquela mudança. Reinquirido, afirmou que falou ao Autor dos reparos das pessoas, mas que nunca lhe disse que vivia em união de facto, mas na necessidade de ter cuidado, pois “para além do ser, era preciso também ter cuidado com o parecer”, negando terem existido quaisquer represálias ou acusações. O Autor, perante si, nunca negou nem confirmou que vivia em união de facto com a aludida senhora ou que tivesse qualquer relacionamento com a mesma. Acrescentou que, posteriormente, as pessoas de Altares afirmavam que a senhora e filhas estavam a viver na casa do Passal de Altares, e reiterou que a questão já tinha anos, acreditando naquilo que as pessoas da igreja transmitiam. Inquirido, mencionou que o Autor era professor do seminário há cerca de 12 anos, e que neste a questão era também comentada entre os seminaristas, que achavam estranho ver o professor com a senhora e as filhas desta, sendo que vários colegas padres tentaram falar com o Autor. Interpelado, afirmou desconhecer se alguém disse ao Autor que a Igreja não tinha que sustentar a mulher e os filhos desta, admitindo que tal possa ter sido afirmado por leigos em Altares. Por fim, referenciou que o Bispo tem por funções admoestar os seus párocos, se entende que não estão a cumprir a sua Ordenação, e que ocorreram muitas conversas pessoais e pelo telefone, muitas admoestações, atento o prolongar da situação por anos, que não era própria de um padre que tem o ofício público. O presente depoimento revelou-se esclarecedor e aparentemente isento ou idóneo, apesar das funções exercidas de Vigário Geral da Ré. Respondeu às questões colocadas de forma calma e ponderada, mesmo às aparentemente mais incómodos ou colocadas de forma menos distanciada, sem lograr demonstrar qualquer acinte ou ressentimento para com o Autor. Procurou esclarecer as dúvidas suscitadas, e não escondeu a necessidade ou imperatividade de algo ser feito, nomeadamente no que se reportava á remoção do Autor como padre da anterior paróquia de São Pedro e São Carlos, ainda que fosse contra a sua vontade e procurou sempre adoptar um discurso elevado nas respostas dadas, longe de falsas imputações ou de atitude esquiva às perguntas colocadas. Não descortinámos, assim, e novamente contra a impressividade feita constar na sentença apelada, qualquer ausência de credibilidade no declarado, que antes se afigurou como sério, equilibrado e totalmente merecedor de ponderação. Por sua vez, a testemunha GGG, Padre, Juiz e Vigário Judicial do Tribunal Eclesiástico de Angra/Chanceler da Cúria Diocesana, referiu conhecer o Autor desde há muitos anos, tendo o mesmo ido estudar para Roma, onde o depoente já se encontrava. Acrescentou que, mais recentemente, o mesmo, durante 2 anos, foi colaborador do Instituto Histórico de Angra, do qual o depoente é presidente, voltando a lidar com o mesmo de forma próxima. Começou por referenciar que, aquando dos factos em equação ainda não exercia as funções de Chanceler, pois exercia funções na área política do Governo Regional. Confrontado com o teor do doc. de fls. 7 (doc. nº. 1, junto com a petição inicial), descreveu-o como carta cujo envio é obrigatório, segundo as regras do Direito Canónico, a um padre que no exercício de um ofício eclesiástico é removido desse ofício, do qual consta a obrigatoriedade de envio de duas cartas. Acrescentou que a oferta de residência ali feita constar não era obrigatória, pois apenas o é, segundo o código canónico, para quem tem determinado tipo de dificuldades pessoais, o que não era o caso do Autor, esclarecendo, por conhecimento próprio (viveu no Passal de Altares durante 8 anos), que a casas sacerdotais têm melhores condições, nomeadamente de conforto, que o Passal de Altares. Relativamente ao doc. de fls. 8 (doc. nº. 2, junto com a petição inicial), referiu tratar-se de um decreto episcopal, documento oficial da Cúria, do qual teve posterior conhecimento. Interpelada, referiu não constar do mesmo qualquer ameaça ou sequer um encostar à parede, o que explicitou, sendo antes o documento que o mesmo tinha de fazer, pois tinha-se que ater ao que o Direito Canónico prevê. Aduziu, ainda, que o então Bispo de Angra era especialmente conhecido pela sua benevolência e bondade. Confrontado especificamente com o segundo § de tal documento, onde se refere acerca da necessidade de dar garantias de abandono da “situação escandalosa em que te encontras”, referiu que era voz corrente e comum entre o povo que existia um relacionamento do Autor com uma senhora. Toda a gente admitia que existia. Esclareceu que quando o exercício da função de pároco se torna prejudicial ou ineficaz para o fim a que foi provido, é motivo para a remoção, traduzindo aquele parágrafo a indicação do fundamento para a decisão a tomar. Referenciou, ainda, que existe sempre uma tentativa prévia de conciliação para a situação em causa se pudesse resolver, sendo que, no caso concreto, a mesma já vinha desde o tempo da paróquia de São Pedro, tendo-se agravado na paróquia dos Altares, sendo que chegavam constantes queixas junto do Sr. Bispo. O presente depoimento revelou-se totalmente imaculado, deveras equilibrado e ponderado e totalmente esclarecedor acerca da documentação (dois primeiros documentos) junta aos autos pelo Autor. Evidenciou total distanciamento relativamente às partes em equação, apesar das funções presentemente exercidas de Chanceler da Cúria diocesana e Juiz do Tribunal Eclesiástico, denotando clara idoneidade no declarado, com total convencimento, apesar de não ter lidado directamente com o caso. Por fim, a testemunha HHH, casado, reformado e paroquiano de São Pedro e São Carlos, referenciou que o Autor foi pároco da paroquia a que pertence durante muitos anos, mas que este, desde que deixou a igreja não voltou a cumprimentá-lo, virando a cara ao depoente. Pertencia a um movimento da Igreja, e reuniam-se em três diferenciados Centros, sendo que as pessoas falavam que o Padre BBB estava a viver com uma mulher e que o Sr. Bispo não fazia nada e, dirigindo-se ao depoente e outros, afirmavam que os mesmos é que eram culpados, pois andavam lá perto dos padres e nada faziam. Acrescentou que tais comentários foram repetidos muitas vezes, nos três locais onde se deslocava e que quase toda a gente comentava, pois não achavam graça a tal situação. Assim, falou uma vez com o Sr. Bispo sobre tal, tendo-lhe o mesmo afirmado que estava a tentar resolver, mas que não era fácil, tendo “encolhido os ombros num lamento”, nunca tendo falado com o Autor sobre tais factos. Foi claro e conciso no declarado, reportando fundamentalmente o que era voz comum entre os fiéis da Paróquia de São Pedro e São Carlos, que o Autor então dirigia, e quais as diligências efectuadas junto do Sr. Bispo de Angra no sentido de resolução da situação, sendo que esta – o facto do Autor padre estar, conforme alegavam, a viver com uma mulher - não era bem vista entre os paroquianos. Exposto o resultado da prova testemunhal produzida, e antes de entrarmos na concreta apreciação da factualidade impugnada, vejamos o teor da motivação feita constar na sentença recorrida, apresentada em bloco e não por referência a cada um dos factos em equação. Consta que (corrigem-se os lapsos de escrita): O Tribunal para a formação da sua convicção tomou em consideração a análise criteriosa e rigorosa de todos os documentos juntos aos autos, quer pelo autor, quer pela ré designadamente, a carta de fls. 7, onde a ré em 01.09.2010, afirma que recebeu do autor o atestado médico e ao mesmo tempo lhe comunica que deve deixar as Paróquias do Raminho e dos Altares e que deveria deixar o Passal dos Altares até 15 de Setembro de 2010 e que podia ir para a Casa Sacerdotal de Angra ou de Ponta Delgada; ainda lhe comunica que ficas dispensado das aulas no Seminário; a carta de fls. 8, datada de 29.12.2010, onde se consigna uma admoestação ao autor bem como, se confirma a sua suspensão para o exercício das funções sacerdotais e onde a Ré também dá ao autor o prazo de um mês e meio para abandonar a situação escandalosa em que aquele alegadamente, se encontrava; a carta de fls. 9 a 13, de resposta do autor à ré (no caso ao Senhor Bispo de Angra, D. FFF) e ainda um relatório médico de psiquiatria forense onde se atesta que o autor sofre de uma depressão major recorrente, a qual no entanto ao nível da comissão de verificação de incapacidades permanentes atestou que as sequelas que o autor padece não o tornam incapaz para o exercício da sua função, conforme fls. 236 e ss.. Da parte da ré foram juntas cópias de vários artigos do código de direito canónico e da decisão instrutória e depois vários documentos relativos à personalidade jurídica canónica da AAA o que foi expressamente reconhecido pelo Governo civil de Angra, conforme fls. 170. Também teve em consideração as declarações prestadas pelas testemunhas ouvidas em sede de julgamento, quer as apresentadas pelo Autor, quer as apresentadas pela Ré. Assim sendo, CCC, amiga do autor mas que não obstante esta especial ligação, falou do que acompanhou da vida do autor o do que teve conhecimento pessoal e por vezes do que o autor lhe contava ou mesmo o advogado daquele dado que algumas vezes acompanhou o autor ao gabinete do advogado e ouviu várias conversas, e portanto no essencial o seu depoimento foi credível. Logo, disse que há muitos anos que conhece o padre BBB e ia com as suas duas filhas que eram acólitas na igreja de São Carlos/São Pedro, onde o padre BBB foi o pároco durante vários anos; que acompanhou de perto a situação que leva à depressão do Padre BBB entre os anos de 2008 a 2010; que a situação piora quando por volta do Natal de 2009 o Sr. Padre a convida para enfeitar a igreja e ela aceita e leva as suas filhas e havia outras pessoas da paróquia que foram ajudar e quando acabaram de enfeitar a igreja foram jantar a um restaurante, tudo normal como outras pessoas fazem; sucede que a partir daí o Sr. Bispo de Angra e a igreja ficaram zangados e passados alguns meses o Sr. Bispo mandou-lhe uma carta a dizer que ele tinha que deixar as paróquias de São Pedro e São Carlos e devia ir para as paróquias do Raminho e dos Altares, o que ele concordou, sendo no entanto que o mesmo foi ameaçado para ir para ali e deram-lhe muito pouco tempo para as mudanças e por isso como o seu pai é carpinteiro a sua família foi ajudar na mudança; ora quando ali estavam no Passal a arrumar as coisas para acomodar o Sr. Padre aparecem várias pessoas que queriam à força falar com o Sr. Padre e ele como não estava bem ela não deixou; entretanto mesmo a si própria havia telefonemas anónimos que lhe faziam a ameaçar e até houve pessoas que apareceram com paus a ameaçar a sua família por estar a auxiliar o Sr. Padre nisto tudo o mesmo adoeceu; e procurou ajuda psiquiátrica e entregou um atestado médico na AAA ao Sr. Bispo; este disse então ao Sr. Padre que a partir daquele momento deixava as paróquias todas e deveria ir para uma das casas sacerdotais ou a de Angra ou a de Ponta Delgada; ora ele não quis ir porque precisava de ajuda de amigos e então a sua família acolheu-o e ajudou-o; quando foi para sua casa ele estava doente; não conseguia conduzir, tomava medicação psiquiátrica e estava muito deprimido; esteve de baixa médica cerca de três anos, e a partir de dada altura a comunicação passou a ser feita entre o seu Advogado na data era o Sr. Dr. DDD e a AAA no caso era com o Sr. Vigário que falavam; por volta dessa data recebe a carta da admoestação e suspensão das suas funções e o Bispo obriga-o a sair de todas as paróquias que ele estava a ocupar; na data da carta o Sr. Bispo/a igreja dá-lhe um asilo e o Sr. Padre não o aceitou porque podia estar com amigos e foi para a sua casa; ora no meio desta situação toda o Sr. Padre sofria e por vezes fazia-o sozinho sem nada dizer a ninguém e isolava-se; ficou com uma depressão profunda devido a todas as calúnias que lhe diziam isto a partir do Sr. Vigário, Dr. EEE e do próprio Sr. Bispo que chegou a falar pelo telefone com o Sr. Padre; acusavam-no de manter uma relação carnal com ela; o que não é verdade, eles são apenas amigos; e o padre BBB disse-o ao Sr. Vigário bem como ao Bispo, que aquilo não era verdade; tiraram-lhe das aulas no Seminário, onde trabalhou tanto tempo e por tudo isto ficou revoltado, zangado, triste ansioso, não dormia bem devido a esta difamação: que o padre BBB mantinha uma relação carnal com a ora testemunha o que não era verdade e por isso pressionavam-no para que saísse da casa dela mas também das paróquias. As pessoas que lhe diziam isto e que o pressionavam era o Sr. Vigário e o próprio Bispo de Angra. Depois da parte da ré, foram ouvidos GGG, o qual ocupa o lugar de Chanceler no tribunal eclesiástico e que disse que não interveio na suspensão do Padre BBB; conhece os dois documentos juntos aos autos designadamente, a admoestação que foi dirigida ao Sr. Padre e disse que tais são documentos oficiais da Cúria e que ao que sabe o Sr. Bispo de Angra nunca foi ameaçador para o Sr. Padre; apenas lhe dizia para ele sair daquela casa e que as pessoas comentavam o caso. Depois foi ouvido o Sr. Vigário Geral da AAA e que a seguir ao Sr. Bispo é a pessoa com maior poder na igreja/ré. Falou do que sabia por conhecimento pessoal dado que era maioritariamente por si que passavam as conversas entre a ré e o padre BBB e porque também foi mandatado pelo Sr. Bispo para falar com o Padre BBB, e por vezes o seu depoimento simplesmente não foi credível. Assim disse que, acompanhou este caso durante bastante tempo e o Padre BBB era seu colega; até que a determinada altura o próprio Padre BBB disse-lhe que já não falava sozinho consigo e que era para falar através do seu advogado; sendo que na verdade foi falar com este umas 3 a 4 vezes durante cerca de dois anos; e tudo tinha que ver com a vida de padre e o voto de celibato e o seu ofício; a decisão de transferência para as paróquias do Raminho e Altares foi feita através do advogado e Sr. Padre concordou a remoção do ofício é uma decisão única e exclusiva do Sr. Bispo; e por varias vezes lhe disse que ele não devia sair com a Dª CCC que todas as pessoas em São Carlos diziam que ele estava muitas vezes com ela e que quando ele estava no Passal dos Altares ela também lá estava e as pessoas diziam e viam isso que ele tinha de deixar esta senhora e depois quando foi viver para a casa dela, ele também lhe disse que deveria deixar aquela casa que ele era padre, pelo que o Sr. Bispo sabia disto tudo e falou com o padre BBB e depois escreveu-lhe carta a dizer que ele tinha de sair da casa da Dª CCC e ir viver para a casa sacerdotal, que lhe disse que a sua vida era um escândalo e nas paroquias por onde passou toda a gente o acusava de viver em união de facto com a Dª CCC e que não obstante tudo isto, o Sr. Bispo nunca o obrigou, nunca o pressionou para fazer nada; apenas tentava dialogar; e não foi efectivamente reconduzido às aulas no Seminário de Angra isto porque os seus alunos o viam pela cidade perto da Dª. CCC e diziam isso lá. A ré tentou averiguar o que lhe diziam que o padre BBB vivia em união de facto com a Dª. CCC; isto por mais de 5 ou 6 anos; mas nada conseguiu averiguar nada; as pessoas das paróquias e da comissão das mesmas e que fizeram chegar ao Sr. Bispo estas queixas e a igreja acreditou nessas pessoas e naquilo que diziam. HHH, era animador da missa de São Carlos acompanhando o padre BBB nas missas; e falou do que sabia e do que lhe contavam as pessoas da paróquia de São Pedro e São Carlos e as pessoas vinham ter com ele e diziam que o Sr. Padre BBB estava a viver com uma senhora e ele disse ao Sr. Bispo e que eram várias as pessoas que lhe diziam isso e em semanas diferentes e as pessoas eram das comissões fabriqueiras, e que a dada altura foi ele falar com o Sr. Bispo e que este lhe disse “O Manel estamos a tentar resolver isso e não é nada fácil”; que ele próprio nunca viu nada de especial; apenas lhe contavam isto. Quanto aos factos dados como não provados - A resposta dada resultou de não se ter feito qualquer prova em tal sentido. No concernente à ré não se considerou credível que esta não tenha pressionado o A, de várias formas possíveis dado que o Sr. Bispo escreveu-lhe a dar ordens para que saísse das paróquias e do Passal e que podia ir para casa sacerdotal, que não sustentaria ninguém e várias vezes lhe disse que o Padre BBB vivia em situação escandalosa porque vivia em união de facto com a Dª. CCC e ao mesmo tempo lhe telefonava e o Sr. Vigário falou mesmo com o Padre BBB dizendo-lhe que aquela situação não podia continuar que era uma vergonha e que a Dª CCC vivia inclusivamente no Passal com o padre e que aquilo tinha que terminar, acusando-o de viver uma relação carnal com esta senhora. Logo, pressões houve e não foram poucas e daí o teor da resposta dada”. Ora, conforme já supra enunciado, a percepção deste Tribunal de recurso quanto à prova produzida não é coincidente com a obtida pelo Tribunal a quo, o que determinará, necessariamente uma diferenciada leitura factual, nos termos infra decidendos. Todavia, e antes de entrarmos naquela concreta análise, que tem por objecto a factualidade impugnada, anotemos parte da especificidade da presente acção. O objecto do litígio nos presentes autos foi fixado como sendo “a indemnização civil por danos não patrimoniais, derivados das situações de facto conexas com as pressões, difamações, etc., relativas à alegada admoestação e suspensão do estado de sacerdote, do autor, realizado pela Ré”. Logo na mesma sede de saneador, conhecendo-se acerca da invocada excepção dilatória de incompetência absoluta, material e internacional dos tribunais judiciais comuns portugueses para conhecer acerca do presente litígio, referenciou-se que “este tribunal judicial não vai sindicar a questão técnica e administrativa da admoestação e suspensão do estado sacerdotal relativamente á pessoa do autor, o que desde já entendemos ser matéria de natureza eclesiástica e portanto deve ser dirimida no âmbito do direito canónico (nem o autor pede tal coisa…..)”. Acrescentou-se, porém, que “agora, o tribunal judicial comum português já é o único que deve decidir a questão dos factos ilícitos e outros, conexos com aquela admoestação e consequente suspensão do estado de sacerdote quanto ao autor: os danos que a seu tempo terão que ser provados (e caso o sejam….) é matéria que apenas o direito interno português prevê”. Interposto recurso daquela decisão, esta Relação acolheu tal entendimento, que transcreveu, enunciando expressamente possuírem os tribunais judiciais “competência material para apreciar um pedido de indemnização por danos não patrimoniais fundados em eventuais actos ilícitos conexos com a decisão de [que, é lapso de redacção] admoestação e suspensão do A./Recorrido, por serem chamadas a intervir na decisão as normas dos artigos 483º e 496º do Código Civil” – cf., fls. 66 vº. do apenso de recurso. Tendo tal decisão sido submetida a Recurso de Revista, o Colendo Supremo Tribunal de Justiça reiterou tal entendimento, esclarecendo que “atendendo aos termos pelos quais o A. estruturou a sua pretensão, tratar-se-á na acção, não de avaliar a (des)conformidade á lei canónica de tais actos praticados pela AAA, mas, sim, de apurar se as alegadas falsidades que, censuravelmente, tenham visado o A teriam sido adequadamente idóneas a causar as putativas ofensas aos direitos de personalidade do mesmo, com as repercussões por ele invocadas”. E, acrescenta, que “a relação jurídica sub júdice, tal como é conformada pelo demandante, é a pretensão ao ressarcimento de repercussões advindas, não de violações do direito canónico, mas de imputações – “difamações/pressões” – ilícitas e culposas que, tendo sido, supostamente, perpetradas pela R, colimaram os direitos de personalidade do A”. Ressalva-se, contudo, que a invocada relação jurídica, tal como é configurada pelo Autor, pode conexionar-se, “naturalmente, com actos que não podem ser sindicados pelos tribunais estaduais por versarem matéria que, naquela distribuição de competência, foi expressamente reservada aos tribunais eclesiásticos”, aditando-se, em nota de rodapé, ser claro “que os tribunais estaduais não podem sindicar, p. ex., o acto sancionatório praticado pela autoridade eclesiástica, nem, também, os actos interlocutórios inseridos no procedimento, do qual aquele é o acto final” (sublinhado nosso). Na Declaração de Voto que acompanha tal douto aresto (Conselheiro J. Cabral Tavares) é colocado especial enfoque em tal nota ou observação, que considera ter “nuclear aplicação ao caso dos autos, para efeitos da solução no mesmo estabelecida”. Acrescenta importar afirmar, de forma clara, “que, não podendo os tribunais estaduais sindicar os atos sancionatórios aqui em causa (admoestação e suspensão de funções sacerdotais) praticados pela autoridade eclesiástica, no exercício do seu múnus, em conformidade com o direito canónico, não podem obliquamente apreciar os atos interlocutórios inseridos nos procedimentos, dos quais aqueles são os atos finais decisórios, permitindo-se a entrada pela janela do que se havia barrado na porta ; dito de outro modo, os factos, pressões e “difamações” (carecidos de concretização factual), que fundam o pedido indemnizatório, tal como vem considerado no acórdão, terão de dimensionar-se como factos extraprocedimentais”. Decorre do supra o exposto o balizamento ou definição da factualidade cuja sindicância é admissível, tendo em atenção o estatuído nos artigos 2º e 10º da Concordata de 2004 celebrada entre o Estado Português e a Santa Sé, e a competência daí decorrente do que pertence ao âmbito da jurisdição canónica, e o que pertence ao âmbito da jurisdição civil estadual comum. O que tem efectivo relevo na definição da matéria factual a apurar, bem como no enquadramento jurídico que sobre a mesma incidirá. Por ora, realça-se que aquela terá que ir para além não só dos próprios actos sancionatórios efectivados pela Ré AAA (admoestação e remoção ou suspensão das funções sacerdotais), como ainda de todos os actos inseridos no iter procedimental necessário à aplicabilidade daqueles actos sancionatórios, ou seja, os alegados factos, pressões ou difamações ponderáveis in casu, susceptíveis de fundar o pedido indemnizatório, terão que reportar-se a factualidade que vá para além, isto é, que extravase aqueles actos interlocutórios inseridos no procedimento de natureza puramente eclesiástica. Os factos em equação são os seguintes: =» FACTOS 10, 11, 13 E 15 10. Esquecendo o réu que também lá habitam os seus pais e o irmão desta quando está de visita à sua família nas férias escolares ; 11. Não providenciando por saber se o autor, porventura, partilha qualquer quarto ou cama com a mesma ; 13. Não vivendo, qualquer relação escandalosa, tal como clarificada pela ré ; 15. A amargura e estupefacção, perante aquela admoestação, levaram a que o autor respondesse à ré, missiva recebida em 09.02.2011 e que consta de fls. 9 a 13 dos autos. Referencia a Impugnante ter sido assumido pelo “Sr. Vigário Geral e pelo Sr. Bispo na segunda carta que enviou ao Apelado, que não foi feita investigação alguma mas sim tentativas de resolver calma e discretamente a situação que envolvia o Apelado e os seus paroquianos”, e que não se tratou “de fazer juízos precipitados, como dão a entender os referidos pontos provados, pois na carta de setembro o Apelado é dispensado das suas funções em face do atestado médico que apresentou e que o declarava impossibilitado de exercer as mesmas. Como nos meses seguintes, após várias tentativas de estabelecer o diálogo, sempre dificultadas pela interposição de um Advogado em matérias de vínculos pastorais, não foi possível estabelecer o diálogo diretamente com o Sr. Pe. BBB, foi escrita e enviada a segunda carta pelo Sr. Bispo (nesta altura, o Apelado não falava com os seus superiores há quatro meses)”. Acrescenta que as “questões relacionadas com o Sr. Pe. BBB não surgiram do interior da Igreja para fora mas vieram dos paroquianos para a Igreja. No seu depoimento, a Sra. D. CCC refere bastas vezes que era “um diz que disse”, “pessoas cujo nome não sabe”, “alguém que disse que iria aparecer para depor” mas que, afinal, ficou-se sem saber quem seria, pessoas das freguesias, muitas com quem ela interagiu e que foram desagradáveis para com ela, sempre terceiros que não padres ou o Sr. Bispo ou o Sr. Vigário Geral”. A mesma testemunha referenciou, sempre de forma vaga, “quem terá dito ou insinuado que o Apelado vivia uma relação com ela que ultrapassaria a amizade, contudo, em momento algum, essas afirmações foram imputadas ao Sr. Bispo ou ao Sr. Vigário Geral, ou a quem quer que fosse que representasse a Apelante”. Por fim, considera, ainda, que estes pontos “resultam prejudicados da análise dos seguintes, sendo que, como são mais conclusões do que factos são prejudicados pelo resultado da análise dos pontos 16 a 26 da matéria de facto julgada – mal – provada”. Decidindo: Relativamente ao ponto 10, não deve manter-se o segmento que alude a alegado esquecimento da Ré (que não Réu), que não tem um mínimo conteúdo factual apenas pretende servir de alegada ligação com o facto 8, que igualmente não se reconhece como verificada. Deve, consequentemente, o mesmo passar a constar com natureza puramente objectiva, ou seja, que: “em tal residência habitam igualmente os pais de CCC, bem como um irmão desta, quando de visita à família nas férias escolares”. Relativamente ao ponto 11, o que resulta da prova apurada, e independentemente da relevância factual em equação, é não ter a Ré feito qualquer investigação própria acerca de alegada partilha de quarto ou cama entre o Autor e a mencionada CCC. Aliás, nem era isso que estava em equação ou pressuposto no agir da Ré, que se bastou com as informações que, durante 5/6 anos foram chegando pelos paroquianos, dos vários locais onde o Autor exerceu o ministério, de que existiria um relacionamento entre ambos, alicerçado no que era percepcionado, e independentemente de partilha de quarto ou cama. Bem como das conversas que foi mantendo com o próprio Autor, quanto aos efeitos de tal comportamento público de convivência ou vivência em comum, junto da comunidade religiosa que ministrava Donde, tal facto não deve manter-se nos termos exarados, passando a constar com a seguinte redacção: “a Ré não averiguou, por meios próprios, nomeadamente junto do Autor, se este partilhava quarto ou cama com a indicada CCC”. No que concerne ao ponto 13, a sua natureza conclusiva é impressiva e evidente. O viver ou não uma relação escandalosa, até pelo conceito que encerra, não pode ser reconhecido com conteúdo factual, mas antes sendo eivada de um juízo de valor, que sempre dependeria do conceito de escândalo e de um lastro factual que fosse susceptível de o traduzir. Ora, acerca desta matéria, referenciou-se em recente Acórdão desta Relação e Secção de 03/12/2020 [4] que, estando-se perante facto conclusivo, importa aferir acerca da validade ou relevância das conclusões ou proposições de direito na pronúncia de facto. Escreveu-se que “com a abolição em definitivo da intervenção do tribunal coletivo no julgamento de facto em primeira instância, operada pelo CPC de 2013, cessou o modelo da cisão entre as fases da pronúncia de facto e da prolação da sentença. E assim desapareceu a norma do artigo 664.º, n.º 4, do CPC, que previa que se considerasse não escrita a inclusão de proposições de direito na pronúncia de facto”. Seguidamente, indaga-se se o legislador terá “pretendido acabar com a distinção entre questão de facto e questão de direito, pretensamente necessária ao silogismo judiciário? Neste cenário, Ana Luísa Geraldes, em declaração de voto de vencida emitida a este respeito no acórdão do STJ de 28.1.2016 (p. 1715/12.6TTPRT.P1.S1, in www.dgsi.pt» procura despertar o pensamento para a necessidade de se «adaptar o discurso judiciário ao novo contexto legal.» Fazendo a referida adaptação, o vício pode até ser irrelevante, se o juiz não se servir da proposição de direito para desenvolver a sua fundamentação silogística. Se, diferentemente, o julgador tiver fundado o esquema lógico da decisão de direito na proposição exorbitante, a sinalização do vício assume relevo. Paulo Ramos de Faria abordou de forma incisiva esta problemática, sob o título «Escrito ou não escrito, eis a questão! (A inclusão de proposições de direito na pronúncia de facto)», Revista Julgar On line, novembro de 2017, in http://julgar.pt/escrito-ou-nao-escrito-eis-a-questao/. Escreveu, em jeito de resposta, que: «A clareza e o rigor do discurso jurídico são essenciais à redação de qualquer decisão eficaz, devendo caracterizar todos os seus momentos. A adoção de um discurso judiciário caduco é geradora de equívocos. Respondendo à questão que nos ocupa, concluímos dizendo que é manifestamente errada a inclusão de proposições de direito na pronúncia de facto. Sinalizado o erro, tais proposições devem ser tidas por imprestáveis, inúteis ou irrelevantes – vale qualquer predicação que evidencie a sua inidoneidade para, no lugar de um facto, servir de premissa ao silogismo judiciário –, mas nunca por inexistentes ou não escritas.»”. Pelo que, na clara adopção de tal posição, consideramos irrelevante a conclusão e proposição de direito contida no ponto 13 da factualidade provada. Relativamente ao ponto 15, não descortinamos motivação bastante e fundada para a sua pretendida alteração e consideração de tal factualidade como não provada. Terá sido certamente com amargura, e talvez não tanto por estupefacção, que o Autor terá recebido a admoestação feita constar no decreto episcopal que constitui o doc. de fls 8 (nº. 2, junto com a petição inicial), que o terá levado a responder nos termos da missiva enviada ao então Bispo de Angra, junta a fls. 9 a 13 (e que constitui o doc. nº. 3, junto com o mesmo articulado). Pelo que, decide-se no sentido da manutenção de tal ponto factual como provado. =» FACTO 16 “16. Provado apenas e com o esclarecimento de que, ao contrário do que diz a ré, o autor não abandonou as paróquias onde tinha sido colocado, antes foi mandado sair por esta e, o autor não vive qualquer relação escandalosa, ou marital, com a citada CCC, vive antes uma relação de profunda amizade com esta e a sua família, pai, mãe, filhas e irmão”. Alega a Impugnante que a presente factualidade não pode ser considerada provada, pois, “o depoimento da testemunha CCC foi em sentido oposto ao julgado provado”, fazendo referência a excertos do depoimento alegadamente comprovativos. Acrescenta que “ao momento em que as conversas que são imputadas à AAA têm lugar, todas através do Advogado do Apelado, cumpre ter em consideração que as mesmas ocorrem após o Apelado ter apresentado baixa médica no mês de agosto de 2010 dizendo não reunir condições de saúde para poder exercer as suas funções (facto provado n.º 3)”, pelo que o doc. nº. 1, junto com a petição inicial, “é um documento oficial, assinado pelo Sr. Bispo Emérito de Angra, Sr. D. FFF, em resposta ao atestado médico apresentado pelo Apelado dizendo que não estava em condições para, em linguagem laical, trabalhar”. Alude, ainda, ao depoimento do Sr. Vigário Geral, no que concerne à data em que normalmente são atribuídos os ofícios canónicos (Setembro), pelo que “o ato formal da AAA, de 01/09/10, veio, portanto, na sequência direta e necessária do atestado médico do Apelado, apresentado em agosto desse ano, que o declarou sem condições para exercer as suas funções. Logo, não foi a AAA quem afastou unilateralmente o Apelado mas sim quem teve de prover à substituição deste no exercício das suas funções atenta a impossibilidade do mesmo de as levar a cabo”. Acrescenta, ainda, que “a Casa do Passal está afeta ao padre que fica responsável pela/s paróquia/s, pelo que tendo o Pe. BBB ora Apelado, na sequência do atestado que apresentou dizendo que já não podia exercer as suas funções de pároco, deixado de as desempenhar, houve que, provendo à sua substituição, afetar a referida residência ao novo pároco e daí o ter sido dito que ele deveria desocupá-la mas foram-lhe dadas duas opções dentro das possibilidades da AAA, uma em Angra e a outra em Ponta Delgada, de onde o Apelado é natural, para onde ele poderia, à sua escolha, residir e se restabelecer (doc. n.º 1 junto com a p.i.)”. E, no que concerne à alegada relação escandalosa, reporta-se “a uma situação que não foi criada pela AAA mas pela relação de proximidade do Apelado com a testemunha D. CCC que, sem que a AAA tivesse nada que ver com o assunto, gerou uma reação adversa nos paroquianos e quebrou a ligação entre estes e o seu pároco”. Ademais, esta é “referida pelo Sr. Bispo, no final de dezembro de 2010, quando, tal como referido pela Sra. D. CCC, os factos geradores de danos morais ao Apelado ocorreram nos dois anos anteriores a setembro de 2010 e que foram perpetrados por pessoas cujo nome ignora, factos, esses, que geraram a sua doença e posterior atestado”, mencionando a mesma testemunha CCC que “o Sr. Bispo Emérito apenas por uma vez falou com o Apelado e que foi por telefone (…), telefonema a que ela não assistiu, sabendo apenas o que aquele depois lhe contou e cujo teor aquela não referiu mas que data em momento imediatamente anterior ao da propositura desta ação”. Por fim, sublinha, ainda, que “as situações desagradáveis descritas pela D. CCC ocorridas nos Altares foram claramente imputadas aos locais e não ao Sr. Bispo ou ao Sr. Vigário Geral (….), sendo que parte daquilo de que a D. CCC disse ter conhecimento e que queria imputar à AAA era o que outros lhe contavam, outros que poderiam ter sido ouvidos, quer através de declarações de parte, quer indicando o então Advogado do Apelado, após levantamento do sigilo profissional, coisa que nem sequer foi pedida. Pelo que não poderia ter sido dado como provada a matéria vertida no ponto 16”. Em primeiro lugar, não se percebe como pode figurar como facto o segmento “ao contrário do que diz a Ré” pois, para além de não traduzir qualquer factualidade, sempre seria de total irrelevância, para além mesmo da sua concreta (in)veracidade. No que concerne á segunda parte do mesmo ponto 16 - o autor não vive qualquer relação escandalosa, ou marital, com a citada CCC, vive antes uma relação de profunda amizade com esta e a sua família, pai, mãe, filhas e irmão -, nos termos que já supra sufragámos, tem clara natureza conclusiva, pelo que deverá, nessa parte, ser considerado irrelevante. Resta o segmento onde se refere que “o Autor não abandonou as paróquias onde tinha sido colocado, antes foi mandado sair por esta [pela Ré]”. Ora, o que decorre da prova credivelmente produzida não é propriamente qualquer situação de abandono das paróquias, se quisermos atribuir à palavra abandono um acto unilateral e não convencionado (e, sinceramente, não nos parece ser este o sentido utilizado no 1º § da carta de 29/12/2010), sendo que o presente segmento tem por fonte o alegado pelo próprio Autor no artº. 17.a. da petição inicial, fundado no teor do primeiro parágrafo da carta junta como doc. nº. 2 (com a petição inicial). Por outro lado, não pode afirmar-se ter existido, propriamente, uma ordem da Ré para que o Autor saísse das paróquias dos Altares e do Raminho, pois tal saída ocorre após a recepção do atestado médico referenciado na missiva de 01 de Setembro de 2010 (doc. nº. 1, junto com a petição inicial). Ainda que decorra da mesma prova, claramente, até pela situação que se havia criado de insustentabilidade da posição do Autor na mesma paróquia, pois o seu exercício das funções de pároco causava falatório entre os fiéis, atento o alegado relacionamento afectuoso mantido com a citada CCC, tornando-se assim o seu ministério alegadamente prejudicial ou ineficaz para o fim a que tinha sido provido, que a remoção sempre seria inevitável. O que aparentemente terá sido apenas evitado pela demissão do estado clerical que o Autor parece assumir na carta enviada ao Bispo de Angra, e que constitui o doc. nº. 3. Donde resulta, com evidência, que a parca matéria factual contida neste ponto já se encontra plenamente reflectida na factualidade provada sob os pontos 3 a 5, da qual consta o teor da missiva, datada de 01/09/2010, enviada pela Ré, na pessoa do Bispo de Angra, ao Autor. Determinando, consequentemente, que o presente ponto deva ser considerado, em parte, irrelevante, por que conclusivo e, no demais, eliminado, por que já contido, com maior objectividade e pura densificação factual, noutros pontos factuais julgados provados. =» FACTOS 17 a 19 “17. Provado apenas e com o esclarecimento de que, nos 24 meses que antecederam esta situação, isto é, nos dois anos antes de Setembro de 2010, o autor foi sujeito pela ré a pressões e difamações ; 18. Tais como, dizendo que a situação em que o autor se encontrava era um escândalo para os seminaristas ; 19. Provado apenas e com o esclarecimento de que, mantendo e dizendo-lhe que o autor vivia em união de facto com a citada CCC”. Defende a Ré Apelante a não prova destes factos, pois, “a testemunha D. CCC, relativamente aos dois anos anteriores a setembro de 2010, matéria que resulta prejudicada pela resposta dada ao ponto 16 (bastando ler a transcrição do seu depoimento supra apesar das diversas insistências da Meritíssima Juíza a quo), apenas fez menção a pessoas cujo nome desconhece, sendo que a intervenção do Sr. Bispo Emérito FFF ocorre nas duas cartas, supra citadas, e num telefonema pouco antes da instauração da ação. Pelo que, da descrição dos factos e do depoimento da testemunha do Apelado, facto algum ilícito pode ser imputado ao Sr. Bispo Emérito de Angra”. Por outro lado, acrescenta, “já o Sr. Vigário Geral surge em reuniões, tidas a partir de setembro de 2010, com o Advogado do Apelado e não com este (….), sendo que não é identificado em toda a ação um ato imputado a um ou a outro para além desses, sendo tudo o mais algo vago e inefável, por exemplo, falam das aulas do Seminário, que o Apelado teria sido afastado das mesmas quando tal resulta do atestado médico que o mesmo apresentou alegando estar impossibilitado por doença para o exercício das suas funções, como já se referiu”. Por outro lado, conclui, “as cartas do Sr. Bispo de Angra estão respaldadas no Direito Canónico, reportam-se ao Apelado na sua condição de sacerdote católico e foram escritas por aquele na qualidade de superior hierárquico diocesano do Apelado, atendo-se a matéria da esfera exclusiva da Igreja Católica como tal reconhecida pela Concordata em vigor”. E, precisamente no que concerne ao ponto 18 da matéria factual, aduz decorrer expressamente do depoimento da testemunha CCC que esta afirmou que eram “as outras pessoas que diziam”, e não os representantes da Ré (Vigário Geral ou Bispo), o que inviabiliza a sua prova. Vejamos. A prova produzida, por referência aos dois anos anteriores a Setembro de 2010, não permite concluir nos termos expostos, nomeadamente que a Ré, através dos seus representantes, tenha afirmado e mantido que o Autor vivia em união de facto com a citada CCC. Tal imputação, nos termos feitos constar do ponto 19, e por referência àquela datação, não tem correspondência na prova credivelmente efectivada. Efectivamente, o que a Ré fez, nomeadamente através do Sr. Vigário Geral, foi, junto do Autor, tentar sensibilizá-lo para o ultrapassar de uma situação, que já perdurava há vários anos, e que se tinha tornado incómoda nas comunidades paroquiais que o mesmo ministrava, em que lhe era imputado um relacionamento amoroso ou afectivo com a identificada senhora, com quem era visto em frequente convívio e proximidade, o que era alvo de crítica e censura pelos mesmos paroquianos, por que alegadamente violador do dever de celibato que o obrigava. Já no que concerne ao ponto 17, é totalmente destituído de qualquer densificação factual, ficando-se pela generalidade e abstracção de que “o autor foi sujeito pela ré a pressões e difamações”. Mas, que pressões e difamações ? Quais os factos concretos e reais que permitem estarmos perante as aludidas pressões e difamações ? Em tal ponto nada consta, sendo evidente, tal como referenciado na declaração de voto aposta no douto Acórdão do STJ proferido nestes autos, que aquelas imputações sempre se mostravam carecidas de “concretização factual”. Possuem, claramente, natureza conclusiva, o que determina, no que a tal ponto concerne, juízo de irrelevância, nos termos já supra justificados. No que concerne ao ponto 18, a prova credivelmente produzida apenas permite concluir que foram efectuados efectivamente reparos à conduta do Autor, nomeadamente pelo Vigário Geral, atenta igualmente a sua função de professor no Seminário. Nomeadamente avisos, admoestações e conversas fazendo-lhe notar que aquela situação, em que não era apenas importante e ter cuidado com o ser, mas também com o parecer, não era própria ou adequada a um padre que tem o ofício público. E que tal, logicamente, sendo igualmente a situação comentada entre os seminaristas, que estranhavam ver o professor padre acompanhado por uma senhora e as filhas desta, não constituía adequado exemplo para estes. Donde, no que concerne aos pontos em equação, decide-se o seguinte: Ponto 17: considerado irrelevante ; Ponto 18: passa a ter a seguinte redacção: “nos dois anos anteriores a Setembro de 2010, a Ré, nomeadamente através do Sr. Vigário Geral, afirmou ao Autor que a situação por este vivenciada, ao ser visto frequentemente acompanhado por uma senhora e as filhas desta, era comentada e constituía mau exemplo para os seminaristas a quem leccionava” ; Ponto 19: passa a figurar como não provado. =» FACTOS 20 a 24 “20. Retirando o autor das aulas que leccionava no Seminário Episcopal de Angra do Heroísmo, onde leccionou por 15 anos ; 21. Pressionando para que fosse falar com o Bispo de Angra ; 22. Pressionando-o para que fosse viver para uma das Casas Sacerdotais, ou em Angra, ou em Ponta Delgada ; 23. Provado apenas e com o esclarecimento de que, praticamente nada ligou ao atestado médico que foi junto pelo autor ; 24. Alegando que o autor era motivo de escândalo público”. Invoca a Impugnante que esta factualidade surge prejudicada pelo que se afirmou relativamente ao ponto 16, acrescentando restar ainda, “a questão da mudança do Apelado das paróquias de S. Pedro, que inclui S. Carlos, para as dos Altares e Raminho e para tal cumpre analisar o depoimento do Sr. Vigário Geral EEE sobre essa matéria (….), sendo que ficou claro que a transferência para as paróquias dos Altares e do Raminho foi um processo consensual, por que realizado com a concordância expressa do Apelado, pelo que não resultam provados danos morais causados com tal transferência imputáveis à AAA”. Acrescenta, por outro lado, ter a Ré feito caso, contrariamente ao que “o Tribunal a quo decidiu quanto ao ponto 23 da matéria julgada provada, do atestado junto pelo Apelado, aliás a carta do Sr. Bispo de 01/09/2010 é disso prova, pois lá se refere que, precisamente na sequência do atestado, aquele ficava dispensado das suas funções, dado que não reunia as condições de saúde para continuar a desempenhá-las”. Decidindo: Relativamente ao ponto 20, conforme resulta claramente do teor do documento nº. 1, junto com a petição inicial, traduzido em carta enviada pelo Bispo de Angra ao Autor, datada de 01/09/2010, é através desta que o Autor fica dispensado das aulas do Seminário. O que significa que até àquela data tal não havia sucedido, e ocorre após a acusação da recepção do atestado médico do foro psiquiátrico enviado pelo Autor no final de Agosto de 2010 – cf., facto 3. É certo que, atento o desenrolar e agravar da situação, e o incómodo daí resultante, decorrente do alegado mau exemplo do Autor enquanto professor do Seminário, tal resultado acabaria por ocorrer. Todavia, não foi tal que concretamente sucedeu, tendo tal dispensa de dar aulas ocorrido na sequência do atestado médico, do foro psiquiátrico, apresentado. Pelo que, contrariamente ao feito constar no ponto factual 20, não ocorreu propriamente uma retirada do Autor, por parte da Ré, das aulas que leccionava, mas antes dispensa decorrente da apresentação da baixa psiquiátrica. O que determina alteração da redacção do ponto 20, que passa a figurar nos seguintes termos: “na sequência da apresentação do atestado médico referenciado no facto 3, a Ré dispensou o Autor das aulas que leccionava no Seminário Episcopal de Angra do Heroísmo, o que já perdurava por 15 anos”. Relativamente ao ponto 21, a prova produzida não permite concluir por qualquer pressão no sentido apontado. É certo que, perante a situação ocorrida, e tendo muitos padres falado com o Autor, surge lógico que tenha existido aconselhamento e indicações para que falasse com o Bispo de Angra. Todavia, o ponto factual alude a pressões da própria Ré e, estas, não resultam minimamente indiciadas ou provadas. Aliás, a própria testemunha CCC referenciou que existiram vários telefonemas para o Autor, o que se evidencia natural e lógico, sem propriamente especificar de quem e com que concreta finalidade, acrescentando, todavia, que o Autor só falou uma vez com o Bispo de Angra, que não quis voltar a falar com o mesmo, e que tal telefonema ocorreu antes da instauração da acção, ou seja, fora do alegado período de 2 anos antecedente a Setembro de 2010. Donde, tal facto, nos termos em que se encontra redigido, não encontra respaldo probatório suficiente, pelo que deve passar a figurar como não provado. No que concerne ao ponto 22, não se descortina, minimamente, que a prova traduza pressão para que o Autor fosse viver para as identificadas casas sacerdotais. O que sucedeu é que, perante a saída do Autor das paróquias do Raminho e dos Altares, e providenciando-se pela colocação de um outro pároco naquelas, havia necessidade de garantir que o Passal dos Altares (residência do sacerdote) ficasse livre, conforme referenciado no facto 5. E, consequentemente, perante a saída do Autor daquelas paróquias, foi-lhe disponibilizada residência da Casa Sacerdotal de Angra ou de Ponta Delgada. Disponibilidade que, conforme explicitou a testemunha GGG, a Ré não estava sequer obrigada, segundo as estipulações do direito canónico, pois tal obrigatoriedade apenas abrange situações de fragilidade pessoal, não correspondente com a situação de doença vivenciada pelo Autor. Resulta, assim, que aquela disponibilização nada teve de factor de pressão, mas antes de acto de reconhecimento da Ré, atenta a necessidade de disponibilizar o Passal de Altares para o pároco que ali iria substituir o Autor. Donde, a parte da disponibilização já consta do ponto 5 provado, devendo o presente facto passar a figurar como não provado. Relativamente ao ponto 23, a prova também não o logra corroborar. Efectivamente, e conforme resulta do teor do doc. nº. 1 junto com a petição inicial, e surge com evidência dos factos provados 3 e 4, nomeadamente através da prova do reconhecimento da Ré, não pode afirmar-se que Ré praticamente nada ligou ao atestado médico que foi junto pelo Autor. E, acrescente-se, nem se entende como o Tribunal a quo pôde considerar tal facto como provado, pois são claros e evidentes os efeitos do mesmo decorrentes (independentemente dos demais que a situação vivenciada pelo Autor junto da comunidade paroquiana também impunham). Donde, e sem outras delongas, deve o mesmo passar a figurar, igualmente, como não provado. No que respeita ao ponto 24, a imputação efectuada à Ré, de que alegava que o Autor era motivo de escândalo público, já foi por nós devidamente analisada. E, para além de todo o circunstancialismo que envolveu a situação, não descortinamos na prova produzida tal alegação factual, apesar dos reparos da Ré ao comportamento do Autor, fruto das reiteradas queixas da comunidade religiosa paroquiana. Conforme supra expusemos, apenas foi possível apurar terem sido efectuados vários reparos à conduta do Autor, nomeadamente pelo Vigário Geral, traduzidos em avisos, admoestações e conversas fazendo-lhe notar que aquela situação, em que não era apenas importante e ter cuidado com o ser, mas também com o parecer, não era própria ou adequada a um padre que tem o ofício público. E certamente, tais advertências tinham por causa ou fundamento a alegação que a comunidade religiosa imputava ao Autor de que o mesmo vivenciaria um relacionamento com a identificada senhora não conforme o voto de celibato a que se encontrava vinculado. E isso, claramente, traduziria uma situação de escândalo (justificado ou não) perante aquela mesma comunidade sob o ministério do Autor. A excepção ao exposto, verifica-se, claramente, do aduzido na carta (decreto episcopal, tradutor de documento oficial da Cúria, segundo esclarecimento da testemunha GGG) enviada pelo Bispo de Angra ao Autor, datada de 29/12/2010 – cf., doc. nº. 2, junto com a petição inicial -, da qual consta, no 2º §, o referenciado no facto provado 8. Donde, na ausência de outra prova claramente e credivelmente produzida, não pode subsistir a imputação feita constar no presente facto, o qual necessariamente, passará a figurar como não provado. =» FACTOS 25 a 36 “25. Chegando inclusivamente a dizer que não estava para sustentar a mulher e os filhos com quem o autor vivia ; 26. Provado apenas e com o esclarecimento de que, tudo isto acabado de dar como provado supra, fez o autor mergulhar numa profunda depressão ; 27. Da qual não consegue sair ; 28. E, para a qual é medicado ; 29. Vive, o autor, por força de tal situação, uma tristeza profunda ; 30. Tem dias em que não dorme ; 31. Em que passa as noites em claro ; 32. Em que chora ; 33. Ansioso ; 34. Revoltado, com as atitudes de que está a ser vítima por parte da autora ; 35. Vive com medo do seu futuro ; 36. Aumentando o seu estado nervoso”. Referencia a Impugnante, no que á presente factualidade concerne, que “toda a prova foi feita com base no depoimento da D. CCC, ignorando a Apelante se o que ela descreve corresponde ou não à verdade, sabendo apenas o que consta do atestado médico apresentado pelo Apelado, pelo que não poderiam ter resultado como provados tout cour”. Acrescenta que, no que se reporta ao ponto 25 provado, “a D. CCC, no seu depoimento (…) disse expressamente, em resposta à Meritíssima Juiz a quo, quando esta lhe perguntou se ela sabia se alguém tinha dito que o Sr. Padre andava a sustentar a senhora e os seus filhos, que “nunca ninguém me disse nada, era sempre o diz que disse.” Tendo sido a única prova produzida quanto a esta matéria, pelo que não se concebe como é que foi dado como provado que tal expressão tivesse sido dita e muito menos que houvesse sido imputada à R.”. Por fim, referencia que face aos pontos anteriores, “resulta necessariamente prejudicada a apreciação do ponto 26, pois este vem como consequência dos anteriores. Se o Apelado caiu ou não em depressão, essa queda não se ficou a dever à Apelante e é o que ao Tribunal cabia reconhecer para ser justo na sua decisão, pois outro resultado, em face do que acima se demonstrou, não seria lógico”. Apreciando: Relativamente ao enunciado ponto 25, é total a razão da Impugnante. Efectivamente, nem a testemunha CCC, cuja credibilidade questionámos, logrou confirmar tal factualidade, pelo que desconhecemos com que motivação o Tribunal a pôde considerar provada. A sua resposta, foi, efectivamente, a ora aduzida pela Apelante Ré, acrescentando que nunca ninguém lhe afirmou tal e que nunca foi dito directamente. Neste contexto, também como já afirmámos, a testemunha EEE negou igualmente que os representantes da Ré tivessem feito tal alegação, ainda que admitindo que a mesma pudesse ter provindo dos leigos de Altares. Donde, irremediavelmente, tal factualidade não pode manter-se na elencagem de provada, devendo antes passar a figurar como não provada. No que concerne ao ponto 26, custa-nos a percepcionar a técnica utilizada pelo Tribunal Recorrido ao referenciar que “tudo isto acabado de dar como provado supra”, sem especificar propriamente quais os factos causais da segunda parte do exposto, ou seja, do Autor ter mergulhado numa profunda depressão. Pelo que, desde logo, tal redacção, por que pouco assertiva ou adequada, merecerá necessária reparação. Quanto à entrada do Autor em depressão, tal afigura-se-nos consistente, até por que fundado no teor do relatório médico junto a fls. 236 e 237, ainda que a alegada “depressão major recorrente” não tivesse logrado determinar o reconhecimento e atribuição de incapacidade permanente para o exercício da função – cf., parecer/deliberação junto a fls. 238. Donde, determina-se a alteração da redacção deste ponto factual, o qual passa a figurar nos seguintes termos: “na sequência do descrito nos factos 3 a 5, 7 a 11, 15, 18 e 20, o Autor mergulhou numa profunda depressão”. Relativamente á factualidade constante dos pontos 27 a 36, sendo certo que parte se funda essencialmente no teor do declarado pela citada CCC, é igualmente certo que alguma encontra sustentáculo probatório no teor do referenciado relatório médico (junto em sede de audiência de julgamento). Nomeadamente no que concerne à medicação do Autor (facto 28) e sua debilidade emocional (facto 29). No demais, os efeitos de tal depressão parecem lógica consequência desta, com princípio de prova naquela prova documental, corroborada pelo teor do depoimento prestado. Todavia, no que concerne ao ponto 34, não pode manter a sua redacção. Para além do claro erro de imputação à “autora”, quando pretendia afirmar “Ré”, não deve o mesmo conter um juízo de valor, finalístico ou conclusivo, nomeadamente na parte em que refere “estar a ser vítima”, mas antes possuir e traduzir um cariz mais objectivo. Donde, no que concerne à presente factualidade, decide-se: - Pontos 27 a 33, 35 e 36: mantêm a sua redacção ; - Ponto 34: decide-se alterar a sua redacção, que passa a figurar com o seguinte teor: “revoltado, com as atitudes que imputa à Ré”. =» FACTO 38 “38. Provado apenas e com o esclarecimento de que, a Ré aceita a situação acabada de descrever supra, como sendo escandalosa”. Referencia a Impugnante que anteriormente já explicitou “o que se entende por escândalo, os paroquianos tiveram uma reação adversa à amizade do Apelado com a Sra. D. CCC e daí surgiram participações e queixas à AAA, contudo, esta tentou resolver sempre em paz a situação, primeiro com a mudança, aquando do tempo próprio para as substituições de párocos e com a concordância do Apelado, para outras paróquias, sendo que depois aceitou o atestado médico que este apresentou e procurou facultar-lhe alternativas para um acolhimento do mesmo no seio da instituição, o que este não quis, indo viver para a casa onde a Sra. D. CCC vivia”. Acrescenta que, “tratando-se de um padre católico, essa situação não é pacífica para a comunidade em que o mesmo está inserido, mormente num meio rural como são os Altares e o Raminho e mais agarrado às tradições, e daí, pelas confusões a que se prestou, gerou comoção nalguns sectores da sociedade e, por definição, escândalo”. Assim, quebrou-se o “vínculo entre o pároco e os seus paroquianos e daí a reação do Sr. Bispo na sua segunda carta e apenas nesta (final de dezembro de 2010). Ainda assim, o Sr. Bispo de então apelou ao diálogo fraterno e disse que acolhia o Apelado, pelo que não se descortinam ameaças ou comportamentos tendentes a constranger ou confranger o Apelado, donde falece o propósito desta ação”. A “situação acabada de descrever supra”, referenciada neste ponto factual, que é, alegadamente, aceite pela Ré como “sendo escandalosa”, corresponde ao consignado no ponto factual antecedente, ou seja, “o autor vive na mesma casa que a Dª. CCC, que aliás o A, reconhece, fazendo-se acompanhar por esta em locais públicos e por isso tal causa estranheza junto dos seus paroquianos”. Tal como já bastamente fizemos constar, aquela situação, para além das reacções que causou junto das comunidades que o Autor ministrava, era frequentemente denunciada junto da Ré, quer pelos paroquianos, quer pelas comissões que estes integravam, sob cuja tutela o Autor exercia o ministério sacerdotal. Pelo que, claramente, tal conduta pública, de vivência do sacerdote na mesma casa da identificada senhora, e mútua e pública convivência, era realmente aceite pela Ré, como é comummente aceite por todas as entidades da Igreja Católica Apostólica Romana, como escandalosa, e insubsistente. Situação que, aliás, a mesma Ré procurou, por longos anos, tratar de forma aparentemente cuidada e paciente, certamente na procura de evitar o desgaste institucional e de imagem sempre associados, bem como o nefasto efeito nas respectivas comunidades paroquiais. Donde, não se vê justificada motivação para alterar o teor deste ponto factual, que assim se mantém nos seus precisos termos. Em resumo, efectuando a devida síntese conclusiva relativamente á deduzida impugnação da matéria de facto, e num juízo de parcial procedência da impugnação apresentada, consigna-se que: - os pontos factuais 10, 11, 18, 20, 26 e 34 mantêm-se como provados, mas com diferenciada redacção ; - os pontos factuais 15, 27 a 33, 35, 36 e 38 mantêm-se como provados, com idêntica redacção ; - os pontos factuais 13 e 17 são considerados como irrelevantes, atenta a conclusão e proposição de direito nos mesmos contida ; - o ponto factual 16 é considerado, em parte, irrelevante, por que conclusivo e, no demais, eliminado, por que já contido, com maior objectividade e pura densificação factual, noutros pontos factuais julgados provados ; - os pontos factuais 19, 21 a 24 e 25 passam a figurar como factos não provados. Atenta a amplitude das alterações introduzidas na matéria de facto provada, em vez da sua alteração na elencagem supra, passa-se a reproduzi-la, já com a redacção fruto daquelas alterações (figuram a negrito as alterações introduzidas): 1. O autor é sacerdote católico; 2. Durante cerca de 10 anos exerceu as suas funções de sacerdote, ao serviço da ré; 3. Em finais de Agosto de 2010, entregou à ré, atestado médico, do foro psiquiátrico, não podendo continuar as suas funções sacerdotais que eram as de pároco do Raminho e Altares; 4. Situação que a ré reconheceu; 5. Dizendo-lhe que deveria deixar as duas paróquias a seu cargo até 15.09.2010, devendo o passal dos Altares, onde habitava, ficar livre a partir daquela data, podendo o autor ir residir para a Casa Sacerdotal de Angra ou Ponta Delgada; 6. Na sua doença, o autor foi acolhido por uma família amiga, na morada indicada na petição inicial; 7. Provado apenas e com esclarecimento de que, foi dada a possibilidade ao autor de ir para a Casa Sacerdotal em Angra ou em Ponta Delgada; 8. A 29 de Dezembro de 2010, a ré veio admoestar o autor, dizendo que o mesmo deveria dar-lhe “garantias de abandonares a situação escandalosa em que te encontras”; 9. Por referência ao facto de, na residência que o acolheu, viver CCC, divorciada, com duas filhas menores; 10. em tal residência habitam igualmente os pais de CCC, bem como um irmão desta, quando de visita à família nas férias escolares ; 11. a Ré não averiguou, por meios próprios, nomeadamente junto do Autor, se este partilhava quarto ou cama com a indicada CCC ; 12. O autor tem quarto próprio e não vive maritalmente com a indicada pessoa; 13. Irrelevante ; 14. Mantendo, tão-só uma relação de grande amizade com aquela família; 15. A amargura e estupefacção, perante aquela admoestação, levaram a que o autor respondesse à ré, missiva recebida em 09.02.2011 e que consta de fls. 9 a 13 dos autos ; 16. Irrelevante/eliminado ; 17. Irrelevante ; 18. nos dois anos anteriores a Setembro de 2010, a Ré, nomeadamente através do Sr. Vigário Geral, afirmou ao Autor que a situação por este vivenciada, ao ser visto frequentemente acompanhado por uma senhora e as filhas desta, era comentada e constituía mau exemplo para os seminaristas a quem leccionava ; 19. eliminado (não provado) ; 20. na sequência da apresentação do atestado médico referenciado no facto 3, a Ré dispensou o Autor das aulas que leccionava no Seminário Episcopal de Angra do Heroísmo, o que já perdurava por 15 anos ; 21. eliminado (não provado) ; 22. eliminado (não provado) ; 23. eliminado (não provado) ; 24. eliminado (não provado) ; 25. eliminado (não provado) ; 26. na sequência do descrito nos factos 3 a 5, 7 a 11, 15, 18 e 20, o Autor mergulhou numa profunda depressão ; 27. Da qual não consegue sair ; 28. E, para a qual é medicado ; 29. Vive, o autor, por força de tal situação, uma tristeza profunda ; 30. Tem dias em que não dorme ; 31. Em que passa as noites em claro ; 32. Em que chora ; 33. Ansioso ; 34. revoltado, com as atitudes que imputa à Ré ; 35. Vive com medo do seu futuro ; 36. Aumentando o seu estado nervoso ; 37. Provado apenas e com o esclarecimento de que, é do conhecimento público que o autor vive na mesma casa que a Dª. CCC, que aliás o A, reconhece, fazendo-se acompanhar por esta em locais públicos e por isso tal causa estranheza junto dos seus paroquianos; 38. Provado apenas e com o esclarecimento de que, a Ré aceita a situação acabada de descrever supra, como sendo escandalosa ; 39. Provado apenas que a Ré aceitou o atestado médico que o autor lhe apresentou. II) DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS A sentença apelada ajuizou, em súmula, nos seguintes termos: § Está em equação a violação de um direito de personalidade desencadeador da responsabilidade civil do agente, com a consequente obrigação de indemnizar ; § A decisão da Ré de admoestar o Autor e, ao mesmo tempo, de o suspender das suas funções de sacerdote, não é sindicável pelo Tribunal, pois trata-se de matéria que pertence ao foro do Tribunal Eclesiástico, e não dos tribunais comuns ; § Pelo que está em causa o período de 2 anos, até à tomada de tal decisão, em que foram adoptadas condutas, e lhe foram dirigidas palavras, por parte da Ré, atentatórias da sua honra e dignidade e do seu bom nome, ou seja, da sua personalidade, como ser humano, e ainda que seja sacerdote no seu ofício ; § O Autor ficou doente com o ocorrido naqueles dois anos, que afectou a sua vida pessoal e material ; § Tendo a Ré adoptado actos e concretas palavras atentatórias da dignidade do Autor (honra e integridade moral, afectando o seu bom nome e prestígio) ; § Tais atitudes e palavras, ilícitas e graves, causaram danos ao Autor, com gravidade suficiente para merecerem a tutela do direito ; § Conducente, assim, a um juízo de total preenchimento dos pressupostos de responsabilidade civil. Na pretensão apelatória apresentada, a Ré recorrente alega, em súmula, o seguinte: - Dos elementos probatórios colhidos e produzidos em audiência de julgamento, não resulta um facto ilícito apontável à Apelante” ; - Além de que “não atuou com culpa”, pois “os comportamentos imputados a terceiros e que geraram os danos que o Apelado diz ter sofrido não foram, reconhecidamente, praticados por representantes da AAA no exercício das suas funções, sendo que ocorreram todos em momento anterior a setembro de 2010, altura em que o Apelado já estava de baixa e dispensado das suas funções por motivos de doença”. Analisemos. - dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, aquiliana ou por factos ilícitos No âmbito da responsabilidade civil extracontratual, delitual ou por factos ilícitos, dispõe o nº1 do art.º 483º do Cód. Civil [5] que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. Surgem, deste modo, como pressupostos da responsabilidade civil delitual, os seguintes: - o facto voluntário; - a ilicitude da conduta; - o nexo de imputação do facto ao lesante (culpa); - o dano; - o nexo de causalidade entre o facto e o dano. Por outro lado, dispõe o nº1 do art.º 487º ” é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa”. Acrescente-se ainda, já no âmbito específico da obrigação de indemnização, dispor o art.º 562º que “quem estiver obrigado a reparar um dano, deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”, estando a teoria da causalidade adequada prevista de forma clara no art.º 563º. De uma forma exegética, mas necessariamente breve, analisemos cada um dos pressupostos elencados. O FACTO Refere Antunes Varela [6] que o facto praticado pelo agente civilmente responsável consiste, em regra, “num acto, numa acção, ou seja, num facto positivo (apropriação ou destruição de coisa alheia, afirmação de um facto injurioso ou difamatório ( ....), que importa a violação de um dever geral de abstenção, do dever de não ingerência na esfera de acção do titular do direito absoluto”. Assim, a voluntariedade do facto tem como regra ser o mesmo objectivamente controlável ou dominável pela vontade. Só o homem, como destinatário dos comandos emanados da lei, é capaz de violar a lei. O elemento básico da responsabilidade é o facto do agente – um facto dominável ou controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma de conduta humana, activa ou omissiva - pois que só quanto a factos dessa índole têm cabimento a ideia da ilicitude, o requisito da culpa e a obrigação de reparar o dano nos termos em que a lei a impõe [7]. Este facto consiste, em regra, num acto, numa acção, ou seja, num facto positivo, facto positivo para efeitos do citado art. 483º, nº1, do Cód. Civil, mas também pode traduzir-se numa omissão, num non facere, ou seja, num facto negativo. Nestes termos, aduz o art.º 486º que “as simples omissões dão lugar á obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido”. A ILICITUDE Para que exista responsabilidade é ainda necessário que o facto do agente seja ilícito, em termos de violar um direito de outrem ou em termos de violar a lei que protege interesses alheios. Entre os direitos subjectivos abrangidos no âmbito de protecção dos direitos de outrem, podemos referir os direitos de personalidade, entre os quais realçamos o direito à integridade física - cfr. nº 1 do art.º 70º -, e a ofensa do crédito ou do bom nome – cf., artº. 484º. A ilicitude configura-se, deste modo, como a vertente objectiva da violação dos direitos, reportando-se “ao facto do agente, à sua actuação, não ao efeito (danoso) que dele promana, embora a ilicitude do facto possa provir (e provenha até as mais das vezes) do resultado ( lesão ou ameaça de lesão de certos valores tutelados pelo direito) que ele produz” [8]. IMPUTAÇÃO DO FACTO AO LESANTE ( CULPA) Refere o mesmo autor [9] que “agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo”. Assim, torna-se necessária a existência de um certo nexo psicológico entre o facto praticado e a vontade do lesante, o qual pode assumir duas formas diferenciadas: o dolo ou a mera culpa. Esta distinção releva para a fixação do montante indemnizatório pois, conforme estatui o art.º 494º, quando a responsabilidade se fundar em mera culpa, e desde que se verifiquem outros pressupostos, “poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados (....)”. No que concerne à categoria da mera culpa ou negligência, pode esta ainda desdobrar-se em culpa ou negligência consciente, na qual o agente “prevê a produção do facto ilícito como possível, mas por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria crê na sua não verificação, e só por isso não toma as providências necessárias para o evitar”, e na culpa ou negligência inconsciente, na qual o lesante não chega sequer a representar a possibilidade de verificação do facto, seja por “imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão”, mas podia e devia prevê-lo, acaso usasse a diligência que lhe era exigível [10]. Exige-se, assim, que o facto ilícito seja imputado ao agente a título de culpa, isto é, exige-se que o facto foi não só obra do agente, como também devia ele ter agido diversamente. Ter-se-á de verificar um juízo de censura ou reprovação à conduta do agente. O DANO O dever de indemnizar só nasce caso alguém tenha sofrido um efectivo prejuízo. Refere Antunes Varela [11] que o dano “é a perda in natura que o lesado sofreu, em consequência de certo facto, nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar”. Dispõem ainda os art.º 562º e 564º n.º 1 que quem se encontra constituído na obrigação de indemnizar deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, compreendendo-se nesta não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão. Tendo em atenção a natureza dos bens jurídicos violados, os danos dividem-se normalmente entre danos patrimoniais e danos não patrimoniais, denominando-se como danos patrimoniais indirectos aqueles que derivam da ofensa de bens não patrimoniais, tal como a vida, o que acontece com os elencados no art.º 495º e os resultantes da perda de capacidade de trabalho [12]. Por sua vez, o dano de natureza patrimonial desdobra-se ainda nas modalidades de dano emergente ou positivo e na de lucro cessante ou frustrado, traduzindo-se aquele na perda de um activo que já pertencia ao património do lesado, e este, na frustração do direito a um ganho. Por outro lado, conforme resulta do art.º 496º, os danos de natureza não patrimonial, sendo insusceptíveis de uma avaliação pecuniária, dado atingirem bens que não integram o património do lesado, apenas podem ser alvo de uma compensação com obrigação pecuniária imposta ao agente, a qual reveste a natureza mais de uma satisfação do que de uma indemnização propriamente dita. Em termos jurídicos, o dano pode ser definido como “a supressão ou diminuição duma situação favorável que estava protegida pelo direito”, ao qual é atribuída natureza concreta, traduzida na lesão de uma vantagem, de um interesse, e recorrendo-se “à generalidade do património apenas com fins de avaliação”. Pelo que, em desenvolvimento daquela noção, o dano deve ser entendido como “diminuição duma qualquer vantagem tutelada pelo Direito, ou de um bem, em sentido amplo, que seja protegido” [13]. Antunes Varela [14] define o dano patrimonial como o reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado – ou diminui o valor de um património ou impede-o de aumentar -, sendo concebido “como uma diferença de valor patrimonial, pelo que, quando não seja possível a reparação in natura, a indemnização se deve reduzir a cobrir essa diferença mediante uma soma em dinheiro, o que o direito não considera geralmente reparação perfeita” [15]. NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE O FACTO E O DANO Nem todos os factos decorrentes da ilicitude e avaliáveis como danos são susceptíveis de merecerem serem indemnizados. É ainda necessário que os danos sejam causados e sobrevenham daquele facto ilícito, ainda que eventualmente tenham uma causa próxima com o mesmo. Além do facto e do dano, exige-se que entre ambos exista uma relação, sendo apenas de ressarcir aqueles danos que o facto tenha ocasionado. O nexo de causalidade constitui pois, ao mesmo tempo, pressuposto e medida dos danos a ressarcir. Conforme estipula o art.º 563º, “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”. Deste modo, para o apuramento do nexo de causalidade naturalístico, torna-se pertinente “indagar se, na sequência do processamento naturalístico dos factos, estes funcionaram ou não como factor desencadeador ou como condição detonadora do dano”, o que se insere no puro plano factual. E, ainda, apurar ou determinar, mas já como questão de direito ou normativa, “se, no plano geral ou abstracto, a condição verificada é ou não causa adequada do dano, isto é, se dada a sua natureza geral, era de todo indiferente para a verificação do dano e só o provocou em virtude de circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que hajam intercedido no caso concreto. Isto sendo sabido que a nossa lei civil adoptou (conf. art. 563º) a doutrina da causalidade adequada, na sua formulação negativa, adoptada por Ennecerus Lehman, in “Recht der Shuldverhaltnisse, 14ª ed., 1954, pág. 63” [16]. Causalidade que pode mesmo ser indirecta, admitindo-se a verificação deste nexo quando “o facto não produz ele mesmo o dano, mas desencadeia ou proporciona um outro que leva à verificação deste” [17]. Ao aceitar-se esta causalidade indirecta admite-se assim a formulação negativa da teoria da causalidade adequada como suficiente para preencher este pressuposto da responsabilidade civil: a condição deixará de ser causa do dano sempre que, segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele em virtude de circunstâncias extraordinárias [18]. - No que concerne aos danos não patrimoniais A sentença apelada considerou preenchidos a totalidade dos pressupostos de responsabilidade civil e a consequente obrigação de indemnizar e, por apelo à equidade, fixou no valor de 18.000,00 € a indemnização/compensação pelos “desgostos, vexame, vergonha, humilhação e contrariedades porque passou”, que imputou á Ré, condenando-a a tal ressarcimento. A Recorrente Ré questiona tal preenchimento, considerando, desde logo, ausentes de verificação os pressupostos da ilicitude e da culpa na sua conduta, o que deve determinar, consequentemente, revogação do decidido, e substituição por juízo de total absolvição do pedido. Ora, poder-se-á considerar, com base na factualidade provada, subsistente o juízo de total preenchimento dos pressupostos de responsabilidade civil ? Ou, ao invés, tendo por base as alterações introduzidas no campo factual valorativo, não será de manter tal juízo de responsabilização civil da Ré, por falência de verificação da totalidade daquele quadro de pressupostos ? Analisemos. O presente dano consiste nos prejuízos (dor física, desgosto moral, complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem-estar, liberdade, beleza, perfeição física, honra, etc) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação. No que aos presentes danos respeita, dispõe o art. 496.º, n.º 3 que o montante da indemnização será fixado equitativamente[19] [20] pelo Tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494.º do mesmo diploma (o grau de culpabilidade do agente; a situação económica deste e do lesado; e as demais circunstâncias do caso que o justifiquem). Dispõe este normativo que “quando a indemnização se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”. Esta categoria geral de danos tem sido progressivamente subdividida em danos que respeitam a diversas facetas da vida humana. Desde logo, a dor física sofrida pelos lesados como consequência dos ferimentos e respectivos tratamentos e operações; a afectação da integridade anatómica, fisiológica ou estética [21]; o dano biológico (com carácter eventual, nos termos e condições já supra expostas) [22]; o prejuízo de distracção ou de afirmação pessoal e a perda de expectativas de duração de vida. Invocando a jurisprudência do nosso Tribunal superior, refere o citado Acórdão do STJ de 25/06/2002 [23] que aquela “em matéria de danos não patrimoniais tem evoluído no sentido de considerar que a indemnização, ou compensação, deverá constituir um lenitivo para os danos suportados, não devendo, portanto, ser miserabilista. Como se decidiu recentemente neste STJ, a compensação por danos não patrimoniais, para responder actualizadamente ao comando do artigo 496º e constituir uma efectiva possibilidade compensatória, tem de ser significativa, viabilizando um lenitivo para os danos suportados e, porventura, a suportar”. E, citando Antunes Varela [24], refere que o “montante da indemnização deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras da prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida. É este, como já foi observado por alguns autores, um dos domínios onde mais necessário se tornam o bom senso, o equilíbrio e a noção das proporções com que o julgador deve decidir” [25] [26]. Todavia, como juízo prévio da determinação do quantum de compensação, o que se coloca já no campo do pressuposto dano, urge aferir acerca do efectivo preenchimento dos pressupostos a montante, nomeadamente, e desde logo, os pressupostos da ilicitude e da culpa. Neste quadro, convoquemos, por ora, os citados artigos 70º e 484º, do Cód. Civil. Incluído nos direitos de personalidade, o primeiro normativo dispõe acerca da tutela geral da personalidade, dispondo que: “1. A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral. 2. Independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida”. Por sua vez, o segundo normativo, no âmbito da responsabilidade por factos ilícitos, e prevendo acerca da ofensa do crédito ou do bom nome, estatui que “quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados”. Referencia Luísa Neto, em anotação ao transcrito artº. 70º [27], poder-se entender “a existência de um direito geral de personalidade que abranja as suas diversas manifestações fenomenológicas”. E que, admitida ou não a existência de tal direito geral de personalidade, “à responsabilidade por ofensas à personalidade física ou moral são aplicáveis, em termos gerais, os arts. 483º e seguintes, sem prejuízo de tutela penal. O artigo limita-se a declarar, em termos muito genéricos e muito sucintos, a ilicitude das ofensas ou das ameaças à personalidade física ou moral dos indivíduos, sem descer a minuciosa referência analítica. A delimitação de acordo com as circunstâncias do caso é deixada á lei, à jurisprudência e à doutrina (…)”. Desta forma, atenta a previsão do artº. 70º, considera Rodrigues Bastos [28]que o citado artº. 484º “não era, em rigor necessário”, entendendo que o mesmo não abrange “a afirmação de factos verdadeiros que, embora não integrando as figuras penais correspondentes, façam diminuir o crédito ou o bom nome do visado”. Referem Pires de Lima e Antunes Varela [29]que “exista ou não, por parte das pessoas singulares ou colectivas, um direito subjectivo ao crédito e ao bom nome, considera-se expressamente como antijurídica a conduta que ameace lesá-los”. Todavia, e diferentemente de Rodrigues Bastos, entendem que “pouco importa que o facto afirmado ou divulgado corresponda ou não à verdade, contanto que seja susceptível, dadas as circunstâncias do caso, de diminuir a confiança na capacidade e na vontade da pessoa para cumprir as suas obrigações (prejuízo do crédito) ou de abalar o prestígio de que a pessoa goze ou o bom conceito em que seja tida (prejuízo do bom nome) no meio social em que vive ou exerce a sua actividade”. Posição que é partilhada por Ana Prata [30], ao referenciar que, “na verdade, se alguém afirma publicamente ou difunde o insucesso de um profissional, pessoa singular ou colectiva (facto verdadeiro), pode causar-lhe graves prejuízos que este texto legal não exclui de ressarcimento. E não estão a referir-se os casos em que os factos verídicos imputados a alguém no quadro de uma causa de justificação, como o cumprimento do dever de colaboração com a justiça em prestação de testemunho judicial”. Convocados o quadro legal e doutrinário em equação, retornemos ao caso concreto. Relembremos que, conforme supra balizámos, não está em equação – não pode estar – a sindicância dos actos de admoestação eclesiástica e suspensão do Autor das suas funções sacerdotais, nomeadamente da sua conformidade ou desconformidade com a lei canónica. Efectivamente, reconhecendo o Estado Português, perante a Santa Sé, a existência de uma ordem jurídica canónica e que o exercício da respectiva jurisdição pertence à Igreja Católica – cf., artigos 2º e 10º da Concordata de 2004 entre o Estado Português e a Santa Sé [31] [32]-, estamos perante matéria que, na distribuição de competência entre os tribunais judiciais e os tribunais eclesiásticos, foi expressamente reservada a estes. Todavia, e conforme igualmente referenciámos, tal inviabilidade de sindicância por parte dos tribunais judiciais não se circunscreve apenas à estrita aplicabilidade daqueles actos de admoestação e suspensão. Abrange, igualmente, os denominados actos interlocutórios inseridos no procedimento conducente à aplicabilidade daqueles actos finais. Pelo que, neste contexto, cumpre apreciar se a factualidade provada traduz ou comprova a existência de actos que possam lograr qualificar-se como ilícitos e culposos, fundantes do pedido indemnizatório deduzido, que extravasem ou se situem para além dos inseridos naquele iter procedimental, ou seja, que não se reportem aos praticados pela autoridade eclesiástica, no pleno exercício do seu múnus. Actos que, devendo traduzir factualmente as alegadas, e imputadas, pressões ou difamações, ainda que naturalmente conexionados com aqueles que fazem parte do itinerário procedimental, não se confundem com estes, antes gozando de autonomia ou independência valorativa, por que objectivamente existentes fora daquele círculo fáctico conducente à aplicabilidade dos actos sancionatórios. Resultou provado que o Autor, durante 10 anos, exerceu as suas funções de sacerdote católico, ao serviço da Ré, sendo que, em finais de Agosto de 2010, entregou-lhe atestado médico, do foro psiquiátrico, não podendo continuar as suas funções sacerdotais que eram as de pároco do Raminho e Altares – factos 1 a 3. A Ré reconheceu tal situação, aceitando o atestado médico apresentado, dizendo-lhe que deveria deixar as duas paróquias a seu cargo até 15.09.2010, devendo o passal dos Altares, onde habitava, ficar livre a partir daquela data, dando-lhe a possibilidade de ir residir para a Casa Sacerdotal de Angra ou Ponta Delgada – factos 4, 5, 7 e 39 -, e dispensou-o das aulas que leccionava, desde há 15 anos, no Seminário Episcopal de Angra do Heroísmo, tendo o Autor sido acolhido por uma família amiga, na morada indicada na petição inicial – factos 6 e 20. Em 29 de Dezembro de 2010, a Ré veio admoestar o Autor, dizendo que o mesmo deveria dar-lhe “garantias de abandonares a situação escandalosa em que te encontras”, reportando-se ao facto de, na residência que o acolheu, viver CCC, divorciada, com duas filhas menores, sendo que na mesma residência habitam igualmente os pais de CCC, bem como um irmão desta, quando de visita à família nas férias escolares – factos 8 a 10. A Ré não averiguou, por meios próprios, nomeadamente junto do Autor, se este partilhava quarto ou cama com a indicada CCC, sendo que o mesmo possui quarto próprio e não vive maritalmente com a indicada pessoa, mantendo, tão-só, uma relação de grande amizade com aquela família – factos 11, 12 e 14. Provou-se, ainda, que a amargura e estupefacção, perante aquela admoestação, levaram a que o Autor respondesse à Ré, conforme missiva recebida em 09.02.2011 e que consta de fls. 9 a 13 dos autos – facto 15. Nos dois anos anteriores a Setembro de 2010, a Ré, nomeadamente através do Sr. Vigário Geral, afirmou ao Autor que a situação por este vivenciada, ao ser visto frequentemente acompanhado por uma senhora e as filhas desta, era comentada e constituía mau exemplo para os seminaristas a quem leccionava – facto 18. Provou-se, por fim, ser do conhecimento público que o Autor vive na mesma casa que a Dª. CCC, que aliás o Autor, reconhece, fazendo-se acompanhar por esta em locais públicos e por isso tal causa estranheza junto dos seus paroquianos, aceitando a Ré tal situação como sendo escandalosa – factos 37 e 38. Ora, traduz o presente quadro factual, a prática, pela demandada Ré AAA, de actos que possam ser considerados como pressões ou difamações junto do Autor, susceptíveis de constituírem ofensa ilícita ao seu bom nome ? Traduzem os mesmos actos provados a prática, por parte da Ré, de factos ilícitos susceptíveis de terem violado os absolutos direitos de personalidade do Autor, tais como a sua honra, o seu bom nome, a sua dignidade, a sua imagem ou a reserva da sua vida privada ? A resposta só pode ser, claramente, negativa. Não se vislumbra na factualidade provada a prática, por parte da demandada Ré, de quaisquer actos que, fora daquele iter procedimental conducente à aplicação das decisões sancionatórias eclesiásticas de admoestação e suspensão das funções sacerdotais, tenham afectado ou violado os direitos de personalidade do Autor. O que, desde logo, não permite o preenchimento do requisito ou pressuposto de responsabilidade civil de prática de facto ilícito, necessariamente conducente a um juízo de não reconhecimento da Ré como civilmente responsável dos provados danos. Efectivamente, não se nos afigura que o facto da Ré, nos dois anos antecedentes a Setembro de 2010, ter afirmado ao Autor, através do seu Vigário Geral, que a situação pelo mesmo vivenciada, ao ser visto frequentemente acompanhado por uma senhora e as filhas desta, era comentada e constituía mau exemplo para os seminaristas a quem leccionava, traduza a violação de qualquer direito ou interesse protegido do Autor, atentas as funções pelo mesmo então exercidas, o vínculo a que se submeteu enquanto sacerdote e o especial dever de transmitir uma salutar imagem da instituição que representava, agregadora da comunidade pastoreada e não causadora de estranheza ou reacções negativas por parte dos seus paroquianos [33]. Bem como da natural necessidade de funcionar como exemplo para os seminaristas a quem leccionava. O que igualmente sucede com a catalogação e aceitação de tal situação, por parte da Ré, como escandalosa, o que bem se compreende e aceita, sem lograrmos considerar tal aceitação como violadora da dignidade ou bom nome do Autor, atentas as obrigações decorrentes do ministério por este professado (e abraçado). Tal ministério, objectiva e socialmente considerado - independentemente de qualquer juízo sobre a natureza religiosa das obrigações assumidas - é dificilmente condizente com uma vivência que passasse por fazer-se acompanhar quotidianamente de uma mulher em locais públicos, e de viver acolhido na casa desta (ainda que também com os seus pais), como se relacionamento pessoal e afectivo tivessem, dado que, tal indiciaria, desde logo, aos olhos da comunidade, e independentemente da sua efectiva concretização, não provada, violação das regras celibatárias a que se tinha obrigado, decorrente da provisão do ofício eclesiástico. Donde, sem ulteriores delongas, urge reconhecer juízo de procedência à presente apelação, determinando-se: - revogação da sentença recorrida ; - sua substituição por decisão que julga totalmente improcedente a acção, com consequente absolvição da Ré do pedido deduzido ; - prejudicialidade, no conhecimento da invocada nulidade de sentença por ausência de fundamentação do quantum indemnizatório fixado, nos termos das alíneas b) e c), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil. Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, quer as custas da acção, quer as custas da presente apelação, são suportadas pelo Autor/Recorrido/Apelado, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido – cf., fls. 81 e 82. * IV. DECISÃO Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em: I) Julgar procedente o recurso de apelação interposto pela Apelante/Recorrente/Ré AAA, em que figura como Apelado/Recorrido/Autor BBB ; II) Em consequência, revoga-se a sentença recorrida/apelada, que se substitui por decisão que julga totalmente improcedente a acção, com consequente absolvição da Ré do pedido deduzido ; III) Considerar prejudicado o conhecimento do segmento recursório da invocada nulidade de sentença por ausência de fundamentação do quantum indemnizatório fixado, nos termos das alíneas b) e c), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil. As custas da acção e da presente apelação, são suportadas pelo Autor/Recorrido/Apelado, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido – cf., fls. 81 e 82. Lisboa, 17 de Dezembro de 2020 Arlindo Crua António Moreira Carlos Gabriel Castelo Branco _______________________________________________________ [1] A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original. [2] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª Edição, Almedina, pág. 285. [3] Idem, pág. 285 a 287. [4] Apelação nº. 20514/17.2T8LSB, Relatora: Gabriela Cunha Rodrigues, na qual os ora Relator e 1º Ajunto figuraram como Adjuntos. [5] Todas as referências legais infra, salvo expressa menção em contrário, referem-se ao presente diploma. [6] Das Obrigações em Geral, Vol. I, 6ª Edição, Almedina, pág. 496 e 497. [7] Idem, 10ª Edição, pág. 527. [8] Idem, pág. 502. [9] Ibidem, pág. 531. [10] Ibidem, pág. 542. [11] Ibidem, pág. 568. [12] cf., Dario M. de Almeida, Manuel dos Acidentes de Viação, pág. 82. [13] Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 2º Volume, 2001, AAFDL, pág. 293 e 300. [14] Ob. Cit., Vol. I, pág. 620. [15] Cf., o douto Acórdão do STJ de 23/04/2002 – Doc. nº SJ200204230010181, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf -, o qual defende que o dano “não pode ser concebido como uma diferença de valor patrimonial”, pois para o direito o dano “não interessa apenas no seu aspecto de «diferença», aspecto matemático ou abstracto ; mas interessa toda a individualização do objecto efectivamente lesado, a qual será a base da reparação futura”. [16] cf., o douto Acórdão do STJ de 18/03/2004, Relator: Ferreira de Almeida, Doc. nº SJ200403180006752, in http://www.dgsi..pt/jstj.nsf . [17] A. Varela, ob. cit., vol. I, pp. 579 e Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, pp. 357. [18] Preceitua o Acórdão do STJ de 15/04/93 – in CJSTJ, Tomo 2, pág. 5 - que « na variante positiva um facto é causa de um efeito quando é previsível que, atendendo ás circunstâncias que o agente conhecia, esse facto conduza àquele efeito. Na modalidade negativa de causalidade adequada, mais abrangente do que a positiva, um facto é causal de um dano sempre que é uma das várias condições da sua produção, sem a qual portanto, não teria ocorrido. Mais aproximada da teoria de equivalência das condições, na variante negativa da causalidade adequada o agente é responsável quando previu ou devia prever o facto, mas já não os seus efeitos que ficam de fora do seu circulo de previsibilidade; o facto- condição só não é causa do dano se era totalmente indiferente para a sua produção segundo as regras da experiência comum». [19] A equidade constitui assim fonte, mediata, de direito - art. 4.º do C. Civil.. [20] O recurso à equidade justifica-se, desde logo, por ser difícil, se não mesmo por vezes impossível, a prova do montante de tais danos, assim se afastando “a estrita aplicabilidade das regras porque se rege a obrigação de indemnização” – Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, 1, pág. 491 e segs.. [21] O dano estético, no entanto, poderá também ser avaliado enquanto dano patrimonial, se tiver reflexo económico na vida da pessoa afectada, como seria, p. ex., o caso de um modelo ou actor. [22] Neste sentido, vide acórdão da Relação do Porto de 07.04.1997, in CJ, II, p. 204. [23] Pág. 134. [24] Ob. Cit., págs. 599-600, nota 4. [25] Refere o Acórdão do STJ de 23/09/98 – Processo n.º 553/98, 1ª Secção -, que “o julgador ao atribuir esta compensação não está subordinado a critérios normativos fixados na lei. O que aqui tem força são razões de conveniência, de oportunidade, de justiça concreta em que a equidade se funda”. [26] O douto Acórdão do STJ de 05/07/2007 – Doc. nº SJ200707050017346, Relator: Nuno Cameira, in http://www.dgsi.pt/jstj - elenca 5 critérios ou ponderações a aplicar na avaliação dos danos não patrimoniais, que enunciamos resumidamente: “Primeiro: definitivamente ultrapassado o tempo das indemnizações insignificantes, excessivamente baixas, verifica-se que os tribunais estão hoje sensibilizados para a quantificação credível dos danos não patrimoniais – credível para o lesado e credível para a sociedade, respeitando a dignidade e o primado dos valores do ser, como acontece com a integridade física e a saúde, que o Estado garante a todos os cidadãos (art.ºs 9º, b), e 25º, nº 1, da Constituição; cfr, neste exacto sentido, o acórdão deste Tribunal de 20.2.01- Revista nº 204/01-6ª); e este “movimento” contra indemnizações meramente simbólicas não deixa de estar relacionado muito directamente, além do mais, com o aumento continuado e regular dos prémios de seguro que tem ocorrido no nosso país por imposição das directivas comunitárias, aumento esse cujo objectivo fulcral (pelo menos no âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil por acidentes de viação) não é o de garantir às companhias seguradoras lucros desproporcionados, mas antes o de, em primeira linha, assegurar aos lesados indemnizações adequadas. Segundo: As indemnizações adequadas passam com cada vez maior frequência por uma valorização mais acentuada dos bens da personalidade física, espiritual e moral atingidos pelo facto danoso, bens estes que, incindivelmente ligados à afirmação pessoal, social e profissional do indivíduo, “valem” hoje mais do que ontem; e assim, à medida que com o progresso económico e social e a globalização crescem e se tornam mais próximos toda a sorte de riscos – riscos de acidentes os mais diversos, mas também, concomitantemente, riscos de lesão do núcleo de direitos que integram o último reduto da liberdade individual, - os tribunais tendem a interpretar extensivamente as normas que tutelam os direitos de personalidade, particularmente a do art.º 70º do Código Civil. Terceiro: É necessário, em todo o caso, agir cautelosamente; e o Supremo Tribunal, nesta matéria, tem uma responsabilidade acrescida, dada a função que lhe está cometida de contribuir para a uniformização da jurisprudência; não é conveniente, por isso, alterar de forma brusca os critérios de valoração dos prejuízos; não deve perder-se de vista a realidade económica e social do país; e é vantajoso que o trajecto no sentido duma progressiva actualização das indemnizações se faça de forma gradual, sem rupturas e sem desconsiderar (muito pelo contrário) as decisões precedentes acerca de casos semelhantes. Isto porque os tribunais não podem nem devem contribuir para alimentar a noção de que neste domínio as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. A justiça tem ínsita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade; é tudo isto que no seu conjunto origina o sentimento de segurança, componente essencial duma sociedade assente em bases sólidas (uma das quais é justamente a do primado do direito). Ora, de certo modo os tribunais são os primeiros responsáveis e sobretudo os principais garantes da afirmação de tais valores: cabe-lhes contrariar com firmeza a ideia de que os factos danosos geradores de responsabilidade civil, muitas vezes tragédias pessoais e familiares de enorme dimensão material e moral, possam ser transformados em negócios altamente rendosos para pessoas menos escrupulosas. Quarto: A indemnização prevista no art.º 496º, nº 1, do CC, mais do que uma indemnização, é uma verdadeira compensação: segundo a lei, o objectivo que lhe preside é o de proporcionar ao lesado a fruição de vantagens e utilidades que contrabalancem os males sofridos e não o de o recolocar “matematicamente” na situação em que estaria se o facto danoso não tivesse ocorrido; a reparação dos prejuízos, precisamente porque são de natureza moral (e, nessa exacta medida, irreparáveis, é uma reparação indirecta). Quinto: Os componentes mais importantes do dano não patrimonial, de harmonia com a síntese feita num acórdão deste Tribunal de 15.1.02 (Revª 4048/01-2ª) são os seguintes: o “dano estético” - que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima; o “prejuízo de afirmação social” - dano indiferenciado que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica); o prejuízo da “saúde geral e da longevidade” - em que avultam o dano da dor e o défice de bem-estar, e que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem-estar da vítima e o corte na expectativa de vida; e o “pretium juventutis” - que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a chamada primavera da vida; e o “pretium doloris” - que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária”. [27] Código Civil Anotado, Vol. I, Coordenação de Ana Prata, Almedina, 2017, pág. 107 e 108. [28] Notas ao Código Civil, Vol. II, Lisboa, 1988, pág. 282. [29] Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, pág. 486. [30] Código Civil Anotado, Vol. I, Coordenação…, ob. cit., pág. 631. [31] Aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República nº. 74/2004, de 16/11, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº. 80/2004. [32] Tais normativos têm a seguinte redacção: 2º 1. A República Portuguesa reconhece à Igreja Católica o direito de exercer a sua missão apostólica e garante o exercício público e livre das suas actividades, nomeadamente as de culto, magistério e ministério, bem como a jurisdição em matéria eclesiástica. 2. A Santa Sé pode aprovar e publicar livremente qualquer norma, disposição ou documento relativo à actividade da Igreja e comunicar sem impedimento com os bispos, o clero e os fiéis, tal como estes o podem com a Santa Sé. 3. Os bispos e as outras autoridades eclesiásticas gozam da mesma liberdade em relação ao clero e aos fiéis. 4. É reconhecida à Igreja Católica, aos seus fiéis e às pessoas jurídicas que se constituam nos termos do direito canónico a liberdade religiosa, nomeadamente nos domínios da consciência, culto, reunião, associação, expressão pública, ensino e acção caritativa. 10º 1. A Igreja Católica em Portugal pode organizar-se livremente de harmonia com as normas do direito canónico e constituir, modificar e extinguir pessoas jurídicas canónicas a que o Estado reconhece personalidade jurídica civil. 2. O Estado reconhece a personalidade das pessoas jurídicas referidas nos artigos 1, 8 e 9 nos respectivos termos, bem como a das restantes pessoas jurídicas canónicas, incluindo os institutos de vida consagrada e as sociedades de vida apostólica canonicamente erectos, que hajam sido constituídas e participadas à autoridade competente pelo bispo da diocese onde tenham a sua sede, ou pelo seu legítimo representante, até à data da entrada em vigor da presente Concordata. 3. A personalidade jurídica civil das pessoas jurídicas canónicas, com excepção das referidas nos artigos 1, 8 e 9, quando se constituírem ou forem comunicadas após a entrada em vigor da presente Concordata, é reconhecida através da inscrição em registo próprio do Estado em virtude de documento autêntico emitido pela autoridade eclesiástica competente de onde conste a sua erecção, fins, identificação, órgãos representativos e respectivas competências. [33] Referencia o cânone 1740 do Código do Direito Canónico - PROMULGADO PELA CONSTITUIÇÃO APOSTÓLICA SACRAE DISCIPLINAE LEGES DE 25 DE JANEIRO DE 1983 NO QUINTO ANO DO PONTIFICADO DE JOÃO PAULO II (EM VIGOR A PARTIR DE 27 DE NOVEMBRO DE 1983) - que “quando, por qualquer causa, mesmo sem culpa grave do pároco, o seu ministério se tiver tornado prejudicial ou, pelo menos, ineficaz, esse pároco pode ser removido da paróquia pelo Bispo diocesano” ; as causas pelas quais pode, legitimamente, ser removido da paróquia, constam do cânone 1741., entre as quais constam, sob os § 1º a 4º: “1° - modo de agir que traga grave prejuízo ou perturbação à comunhão eclesial; 2° - imperícia, bem como doença mental ou física permanente, que torne o pároco incapaz de desempenhar utilmente seus deveres; 3° - perda da boa fama junto aos paroquianos honrados e respeitáveis, ou a versão contra o pároco, as quais se prevejam que não cessarão em pouco tempo; 4° - grave negligência ou violação dos deveres paroquiais, que persista mesmo depois de advertência”. |