Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRL00018044 | ||
Relator: | DINIS NUNES | ||
Descritores: | REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL SEPARAÇÃO DE FACTO | ||
Nº do Documento: | RL199412060082641 | ||
Data do Acordão: | 12/06/1994 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO. | ||
Área Temática: | DIR CIV - DIR FAM. | ||
Legislação Nacional: | CCIV66 ART1905-ART1908. OTM78 ART174 ART183. | ||
Sumário: | Para que se verifique o pressuposto da separação de facto, como fundamento do pedido de regulação do exercício do poder paternal, não se exige que os pais residam em casas distintas, bastando que entre eles não exista qualquer comunhão de vida. | ||
Decisão Texto Integral: | - Acordam na Relação de Lisboa: - (M) requereu contra seu marido (F), acção de regulação do exercício do poder paternal relativo aos dois filhos menores do casal, (A, L), de 14 e 11 anos de idade. - A requerente justificou o seu pedido no facto de ela e seu marido fazerem vidas separadas há cerca de dois anos, embora vivam na mesma casa e de o requerido ter reduzido drasticamente a contribuição para as despesas domésticas pelo que actualmente é ela que praticamente sozinha suporta as despesas com o sustento dos dois filhos. - Malograda a conferência dos pais veio o requerido alegar que não há necessidade de regular o poder paternal por não existir uma situação de separação de facto impugnando ainda os factos aduzidos pela requerente. A requerente alegou no sentido de os menores deverem ser confiados à sua guarda e ser o requerido obrigado a contribuir, mensalmente, a título de alimentos para os menores, numa importância não inferior a 125000 escudos. - No prosseguimento do processo e após audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente por considerar não haver lugar à regulação do poder paternal. - Com esta decisão não se conformou a requerente que interpôs a presente apelação. - São as seguintes as conclusões da alegação da recorrente: - 1 - O Juiz "a quo" não ordenou que se efectuasse nos termos do art. 178, n. 3 da OTM o inquérito sobre a situação social, moral e económica dos pais dos menores. Esta omissão comprometeu o bom julgamento da causa constituindo nulidade. - 2 - A falta de realização do inquérito social conduziu a que não fossem investigados os factos alegados pela Apelante levando a que as respostas à matéria de facto dada como provada sejam deficientes (art. 712 n. 2 do CPC). - 3 - Para o Juiz "a quo" um processo de regulação de poder paternal não pode existir para filhos de pais casados (fls. 69 dos autos). - 4 - Resulta da sentença que para o Juiz "a quo" a separação de facto só existe se os pais dos menores não viverem debaixo do mesmo tecto. - Por isso, entende a recorrente que deve anular-se o julgamento e a sentença e proceder-se à realização das diligências referidas no art. 178, n. 3 da OTM com posterior repetição do julgamento. - O apelado não contra - alegou. - O Exmo. Representante do MP emitiu douto parecer no sentido de se negar provimento ao recurso. - Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, tendo em consideração que o âmbito do recurso se determina face às conclusões da alegação da recorrente. - Vejamos, em primeiro lugar, a matéria de facto apurada no Tribunal recorrido: - a) - (L) nasceu aos 15/2/82, filho da requerente e do requerido. - b) - (A) nasceu aos 8/5/78, filha da requerente e do requerido. - c) A requerente e o requerido casaram um com o outro aos 29/6/77. - d) Ambos os menores têm uma ligação afectiva profunda com a requerente, bem como uma afectividade enorme entre eles próprios. - e) A requerente e o requerido habitam a casa de morada de familia, na residência indicada no requerimento inicial. - f) Os menores convivem diariamente com ambos os progenitores. - g) A despesas com as actividades escolares e circum- -esculares, vestuário, calçado, alimentação, saúde e passe social dos menores somam cerca de 140000 escudos por mês. - h) Para ajudar ao pagamento das despesas com a vida familiar o requerido tem feito depósitos em conta comum do casal. - i) Actualmente, a requerente trabalha como metereologista do Instituto de Metereologia de Lisboa e ganha cerca de 204000 escudos líquidos por mês. - j) Actualmente, o requerido exerce funções na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa auferindo cerca de 320500 escudos liquídos por mês; em 1992, no exercício de actividade liberal como engenheiro civil, o requerido prestou serviços que lhe proporcionaram o rendimento ilíquido de 887097 escudos. - Esta a factualidade provada. - Transcrevamos algumas disposições legais atinentes à matéria juridica. - Dispõe o art. 1901, n. 1, do CC, (como os demais que se citarão sem menção de diploma expresso) que, na constância do matrimónio o exercício do poder paternal pertence a ambos os pais e o n. 2 estipula que os pais exercem o poder paternal de comum acordo e, se este faltar em questões de particular importância, qualquer deles pode recorrer ao Tribunal, que tentará a conciliação; se esta não for possível. o Tribunal ouvirá, antes de decidir, o filho maior de catorze anos, salvo quando circunstâncias ponderosas o desaconselhar. - No caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, o destino do filho, os alimentos a este devidos e a forma de os prestar serão regulados por acordo dos pais, sujeito a homologação do Tribunal; a homologação será recusada se o acordo não corresponder ao interesse do menor. Na falta de acordo, o Tribunal decidirá de harmonia com o interesse do menor, podendo este ser confiado à guarda de qualquer dos pais ou, quando se verificar alguma das circunstâncias previstas no art. 1918, à guarda de Terceira pessoa ou estabelecimento de educação ou assistência (art. 1905, ns. 1 e 2). - Nos termos do art. 1906, n. 1, o poder paternal é exercido pelo progenitor a quem o filho foi confiado. - De harmonia com o art. 1909, as disposições dos arts. 1905 a 1908 são aplicáveis aos cônjuges separados de facto. - Também a Organização Tutelar de Menores se ocupa desta matéria nos arts. 174 e 183. - Considerando que requerente e requerido continuam casados um com o outro e que não houve separação judicial de pessoas e bens, no caso dos autos, para haver fundamento para a acção de regulação do exercício do poder paternal, é mister que os cônjuges se encontrem separados de facto. - Qual o conceito de separação de facto para os efeitos que ora interessam? - Referimos alguma jurisprudência, atrás citada pela recorrente e também alguma doutrina. - Decidiu o Acórdão da Relação do Porto de 30/10/84, sumariado no BMJ n. 341, pág. 341, pág. 477 que: "Para efeitos de regulação do poder paternal deve entender-se que existe autêntica separação de facto, quando não se estabelece entre os cônjuges uma comunhão plena de vida, como acontece no caso de os cônjuges viverem sobre o mesmo tecto mas comportando-se como estranhos, evidenciando o propósito de manterem tal situação". A mesma Relação, por Acórdão de 3/4/79, in BMJ n. 287, pág. 366, decidiu que o facto de os cônjuges viverem na mesma casa, não permite, só por si, afastar a existência de uma autêntica separação de facto. É que o dever de coabitação, imposto pelo casamento, envolve o compromisso de manutenção de relações com o outro cônjuge aptos para a concepção. O mesmo Tribunal, por Acórdão de 13/12/79, in BMJ n. 293, pág. 440, decidiu que existe separação de facto quando os cônjuges, faltando ao dever de coabitação, passam a viver ainda que na mesma casa, como estranhos e não em comunhão de bens, cama e mesa como marido e mulher. - A Relação de Lisboa, em Acórdão de 14/2/69, in JR Ano 15, pág. 68, decidiu: I - A separação de facto dos pais, fundamento da acção de regulação do exercício do poder paternal, verifica-se quando se infringe o dever de coabitação que impende reciprocamente sobre os cônjuges; II - A coabitação, ou comunhão de vida, tem de se revestir das caracteristicas de estabilidade e permanência; III - O facto de prestação de assistência, designadamente pela entrega à mulher de grande parte dos seus vencimentos, não exclui a separação de facto, pois integra um outro dever distinto do de coabitação e que é precisamente o de prestação de assistência; IV - Assim, não pode considerar-se cumprido o dever de coabitação quando o marido, de tempos a tempos, vem visitar a mulher, designadamente se pratica o adultério e faz comunhão de vida com a amante, muito embora entregue àquela a quase totalidade dos seus vencimentos. - Por sua vez, o Prof. Pereira Coelho, in Direito de Familia, Sumários das Lições do Curso de 1976/77, 73, diz que "a separação de facto supõe que os cônjuges deixaram de viver juntos, sendo este, por assim dizer, o seu elemento objectivo. Mas supõe ainda a intenção de não estabelecer a comunhão conjugal; sem este elemento objectivo não pode dizer-se que haja separação de facto (Notas e Comentários à Lei Tutelar de Menores, de A. de Almeida Elias da Costa e Carlos Alberto de Farias Oliveira Matias - 2 edição, pág. 249, em anotação ao art. 183 da OTM). - Em artigo publicado na Scientia jurídica - 1969 - tomo XVIII, pág. 259 a 264, escreve o Dr. José Carlos Moutinho de Almeida, a fls. 263: A separação de facto verifica-se sempre que os cônjuges vivam em locais diferentes e com a vontade firme de a manter, ou tenha já decorrido certo período de tempo revelador de que, provavelmente, a separação continuará. Se o que o Legislador pretendeu foi garantir a estabilidade psico - afectiva e material dos menores, certamente não terá querido ir tão longe de modo a abranger uma separação de facto ainda mal definida. A intervenção dos Tribunais revela-se então inoportuna, conduzindo à consumação de separações perfeitamente remediáveis. - Pois bem, na esteira da jurisprudência e doutrina supra mencionadas, entende-se que para que se verifique separação de facto com fundamento do pedido de regulação do exercício do poder paternal não se exige que os cônjuges residam em casas distintas, bastando que entre eles não exista qualquer comunhão de vida, que se comportem como se de dois estranhos se tratasse, ainda que habitem a mesma casa, e que se manifeste a intenção de não modificar tal situação no sentido do restabelecimento da comunhão conjugal. - Ora, a requerente, fazendo referência à ruptura conjugal alegou que ela e o marido vêm fazendo vidas separadas há cerca de dois anos mas a verdade é que o Tribunal "a quo" só deu como provado que ambos residem na casa de morada de familia, e repare-se que as testemunhas inquiridas são pessoas que estão ligadas à requerente por laços de parentesco, afinidade e de amizade. É certo que foi omitida a realização do inquérito sobre a situação social, moral e económica dos pais, a que alude o n. 3 do art. 178 da OTM, só que tal omissão não tem influência na decisão da causa, pois, como bem observa o Exmo. Magistrado do MP, não era aquele inquérito social que demonstraria a separação de facto, nos termos acima definidos. - Por isso, embora os autos indiciem que não será muito saudável a vida conjugal, não se pode neste momento afirmar que entre os cônjuges exista uma verdadeira separação de facto que impeça o exercício harmónico do poder paternal por parte de ambos os progenitores. - Bem acordou, pois, o Mmo. Juiz, ao considerar não estar provada a separação de facto. - Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida. - Custas pela apelante. Lisboa, 6 de Dezembro de 1994. |