Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6845/20.8T8ALM.L1-6
Relator: GABRIELA DE FÁTIMA MARQUES
Descritores: PEDIDO IMPLÍCITO
PEDIDO PRINCIPAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. Estará subjacente no âmbito processual e como decorrência do princípio do dispositivo o princípio do pedido, de acordo com o qual o tribunal não pode resolver qualquer conflito de interesses que a acção pressupõe sem que essa resolução lhe seja pedida.
II. Em caso de entendimento comum do acto postulativo, o sentido que a este é fixado coincide com o sentido genericamente considerado relevante quando se procede à fixação do sentido de uma declaração negocial. Nestes casos, exprimindo o acto de forma adequada a intenção do seu autor e sendo essa intenção apreendida, tanto pelo tribunal, como pela parte contrária, poderá concluir-se que o acto terá o sentido correspondente à intenção do seu autor, admitindo-se assim, o pedido implícito.
III. Não resulta da interpretação da petição inicial que a Autora pretenda que se discuta o bem imóvel identificado como pedido implícito, pois a Autora identifica o mesmo como bem próprio, nem tal discussão advém da contestação do réu, pois este assume a natureza de tal bem como próprio da Autora, nem sequer pondo em causa a eventual aplicação do art.º 1726º do CC.
(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório:
L… intentou a presente ação declarativa, sob forma de processo comum, contra P…, pedindo a declaração de que é a única e exclusiva titular da quantia de €34.455,61, a qual deverá ser declarada bem próprio seu.
Pessoal e regularmente citado, o R. contestou, invocando as excepções da incompetência material do tribunal, da ineptidão da petição inicial e do erro na forma do processo e impugnou o demais.
 A. respondeu às excepções, tendo pugnado pela sua improcedência, e veio também requerer a ampliação do pedido, no sentido de ser abrangido no mesmo a condenação do R. na entrega dos valores reconhecidos como bens próprios da A..
Foram julgadas improcedentes todas as excepções invocadas pelo R.; julgou-se existir pedido implícito, consistente na declaração de que o imóvel aludido na alínea a) do artigo 6º da petição inicial é próprio da A.; e foi deferida a ampliação do pedido.
Fixaram-se, posteriormente, o objecto do litígio e os temas da prova.
Realizou-se a audiência de julgamento o Tribunal e por fim foi proferida sentença com o seguinte dispositivo decisório:
1. Declarar que constituem bens próprios da A. L…:
a) O imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial da …, sob o n.º…, da Freguesia de C…, sito na Avenida …, nº 29, Praceta A…, nºs 21 e 21-A, designado por fração J, correspondente ao 4º andar esquerdo;
b) A quantia de €3.000,00 recebida pela A. a título de indemnização pelo seu despedimento.
2. Condenar o R. P… na entrega à A. da quantia de €3.000,00 aludida em b).
3. Julgar, no mais, a acção improcedente.
Custas pelas partes, na proporção do respectivo vencimento.
Inconformado com tal decisão veio o réu recorrer, formulando as seguintes conclusões:
I. Está em causa a parte da decisão que decretou “que a alegação constante do artigo 6º, alínea a) da petição inicial tem implícito um pedido de declaração/apreciação do bem imóvel aí descrito como próprio (da Autora), com consequente determinação da respectiva exclusão da lista de bens a partilhar, pedido este que, por conseguinte, cumprirá apreciar em sede própria”.
II. Tendo a Autora aflorado no seu articulado um determinado imóvel e dito que deve ser bem próprio seu, mas nada peticionando, nem no petitório, nem no articulado, sobre ele, jamais um tribunal pode considerar que tal alegação comporta um pedido implícito e determinar-se a conhecê-lo.
III. Se a Autora, efectuando tal alegação faz, porém, questão de nada peticionar quanto a ele é porque faz, de propósito, duas coisas: - faz questão de alegar factos sobre o imóvel e até de pronunciar um certo direito sobre o mesmo; e - faz questão de nada pedir quanto a ele.
IV. Se a Autora, consciente obviamente do que alegou sobre um imóvel, limita o seu pedido a dinheiros que nada têm a ver como o imóvel, é porque nada peticiona quanto a ele
V. Não é minimamente crível que, na formulação de um pedido – aspecto absolutamente crítico de uma acção e onde as partes colocam atenção redobrada (no fundo, é a materialização exacta da razão pela qual vêm a juízo) – uma Autora se lembre de escrever uma determinada quantia exacta em dinheiro e se “esqueça” de escrever um pedido relativo a um imóvel que pretende ver apreciado.
VI. Dá-se ainda o caso de que a Autora fez o pedido duas vezes e, na segunda, em sede de ampliação, volta a não pedir nada sobre dito imóvel, tendo o esmero de reescrever o pedido “novo”, com expressa omissão de dito bem e expressa exclusão da alínea do artigo da petição em que fala dele.
VII. Perante tais avassaladoras evidências, um destinatário comum – seja o tribunal, seja o Réu – só pode daí retirar que clara, expressa e enfaticamente, a Autora nada pediu sobre o imóvel.
VIII. O processo deve ser o primado da certeza, da segurança, da coerência e lealdade de posições e da confiança na relação processual, pelo que a ideia de “pedidos implícitos”, isto é, pedidos não formulados no petitório, mas que vão acabar apreciados, deve ser vista como absolutamente excepcional e (a ser admitida) de admitir em casos em que se afigure absolutamente clara a formulação, ainda que implícita, do mesmo.
IX. Quando muito, tal possibilidade poderia existir se no articulado (local à partida impróprio para o fazer) tivesse sido formulado um pedido e depois se constatasse a sua falta (por lapso que se aflorasse evidente) no petitório (local próprio).
X. Nada disso acontece in casu, porquanto não há nenhum pedido quanto ao imóvel formulado no articulado, mas apenas uma alegação da Autora sufragando a sua visão de que é bem próprio.
XI. Tendo a Autora selecionado um conjunto de bens – e não outros – para integrar esta acção, a sua opção foi deixar de fora dela o dito bem
XII. Quando o Distinto Tribunal transforma uma alegação, expressa e inequivocamente não peticionada, num pedido, excede claramente a capacidade da tese dos “pedidos implícitos” e exorbita da sua função inquisitória, produzindo violação frontal dos basilares princípios do dispositivo e da confiança das partes na relação processual.
XIII. A referência a tal bem na contestação, de forma fugidia e notando a ausência de qualquer pedido quanto a ele, jamais se pode considerar como exercício de contraditório pelo Réu demonstrativo de que este considerava tal pedido implícito.
XIV. Se o Tribunal entendesse que poderia estar ali em pedido implícito (sem jamais quanto a tal conceder), tal, em termos de adequação processual, obrigaria a que se inquirisse primeiro a Autora para informar se era essa a sua vontade (porque, até agora, nem isso se sabe) e, se esta confirmasse, então dar ao Réu o pleno contraditório sobre tal pedido, agora na perspectiva de formulado.
XV. O que não se pode fazer é declará-lo existente, dar as duas linhas fugidias do Réu como contraditório assegurado e deixar seguir o processo para o conhecer, pois tal afigura-se clara violação do princípio do "justo processo" ("fair trial"; "due process").
XVI. Em suma, a decisão em causa violou o princípio deve ser revogada a decisão que considerou a existência de tal pedido implícito, porquanto a mesma violou o princípio do dispositivo (artigos 615.º, n.º 1, alínea e) e 609.º, ambos do CPC) e 615.º, n.º 1, alínea d) e 608.º do CPC). Bem assim, a decisão põem em causa o princípio da confiança.
XVII. Além da falta de pedido e da falência da tese do “pedido implícito”, estamos mesmo perante falta de interesse processual, posto que estamos perante uma situação manifestamente não carecida de tutela jurisdicional, já que o réu nunca contestou a posse que a Autora passou a exercer sobre o imóvel logo a seguir ao divórcio.
XVIII. A falta desse interesse processual consubstancia excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, a conduzir à absolvição da instância (cfr. al. e), do nº1, do art.º 278º, nº2, do art.º 576º, art.º 577º e art.º 578º, todos do CPC).
XIX. Assim, aquela parte do dispositivo da sentença tem como único efeito perverter as contas de custas porque a Autora decaiu em quase tudo e o Réu só decai numa coisa que nunca contestou e num pedido que a autora não fez!
XX. Em suma, deve ser revogada a decisão que considerou a existência de tal pedido implícito e não deve ser conhecido o mesmo.
XXI. Deve ser revogada a decisão quanto a esse ponto não se conhecendo do mesmo.
Da condenação na entrega de €3.000,00
XXII. Não se questionando que esses €3.000 (quando recebidos) eram bem próprio da Autora e tendo acontecido o seguinte (cfr. Probatório) 7. Essa quantia foi transferida para uma conta do R. (137º cont.). 8. A A. consentiu que esse dinheiro fosse empregue na economia do casal (138º cont.) a inferência que o Distinto Tribunal recorrido faz de que se trata de uma doação entre casados é errada.
XXIII. A decisão da Autora de empregar essa quantia em dinheiro, que é bem próprio seu, na economia do casal, não é uma doação ao Réu, mas sim um emprego específico de um bem próprio.
XXIV. Esse dinheiro foi gasto como a Autora quis, usufruindo assim a dita do mesmo dessa forma.
XXV. Se agora o recebesse de volta do Réu, gozava desse bem duas vezes!
XXVI. O dinheiro em causa não foi dado, doado ou entregue ao Réu e tão pouco transferido para a propriedade e/ou para a posse deste.
XXVII. Logo, este não pode ser condenado a devolver um bem que nunca teve como seu e do qual a Autora dispôs como entendeu.
XXVIII. Ou seja, esse valor corresponde a dinheiro que foi bem próprio da Autora e que esta gastou como entendeu.
XXIX.
Logo, não estamos perante nenhuma doação entre casados que deva ser restituída nos termos conjugados dos artigos 1764º e 1791.º, n.º 1 do CC, os quais foram erradamente aplicados.
XXX. Deste modo, deve ser proferida decisão revogando também esse ponto da sentença, absolvendo-se totalmente o Réu do pedido.
TERMOS EM QUE:
DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE AS DECISÕES RECORRIDAS E SUBSTITUINDO-SE AS MESMAS POR AQUELAS QUE FORAM SUFRAGADAS NAS CONCLUSÕES QUE ANTECEDEM OU SEJA:
IMPROCEDÊNCIA TOTAL DA ACÇÃO E ABSOLVIÇÃO TOTAL DO RÉU DO PEDIDO (QUANTO AO “PEDIDO IMPLICITO” É DE DECRETAR A ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA).».
Não foram apresentadas contra alegações.
Admitido o recurso neste tribunal e colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
Questões a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º 3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Importa assim, saber se, no caso concreto:
- É ou não de considerar o pedido dito implícito e a ampliação do mesmo nos termos decididos passando a integrar a consideração no dispositivo a decisão como bem próprio da A. o bem imóvel identificado nos autos.
- A inexistência de doação relativamente ao valor recebido pela Autora como bem próprio e empregue pela própria na economia do casal.*
II. Fundamentação:
No Tribunal recorrido foram considerados provados os seguintes Factos:
1. A A. e o R. contraíram casamento, sem convenção antenupcial, no dia 31 de julho de 2006, em primeiras núpcias de ambos, tendo esse casamento sido dissolvido por sentença de 27.05.2019, transitada em julgado em 05.09.2019 (1º p.i.).
2. Está inscrita, pela Ap. 34, de 23.08.2005, a aquisição, pela A., solteira, maior, do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial da …, sob o n.º …, da Freguesia de C…, sito na A…, nº 29, Praceta …,
nºs 21 e 21-A, designado por fração J, correspondente ao 4º andar esquerdo, com o valor tributável de € 45.690,52 (6º, a) e 8º p.i.).
3. A aquisição foi feita com recurso ao crédito à habitação, garantido por hipoteca a favor do B…, a qual foi levantada após pagamento integral do empréstimo (8º p.i.).
4. O valor remanescente do empréstimo, isto é, €90.155,96, foi pago com €10.000,00 das economias do casal, que se encontravam depositados numa conta do R., e no mais com dinheiro adiantado pelo pai da A. (8º p.i. e 93º cont.).
5. A A. trabalhou na empresa B… entre 01.07.2002 e 31.07.2008 (1º Aperf.).
6. A indemnização pelo despedimento da A., no valor de € 4.500,00, foi paga através do cheque nº …, emitido com data de 01.08.2008 e depositado na conta do NB… (6º, b), 9º p.i. e 134º cont.).
7. Essa quantia foi transferida para uma conta do R. (137º cont.).
8. A A. consentiu que esse dinheiro fosse empregue na economia do casal (138º cont.).
9. A mãe da A., R…, fez as seguintes transferências a favor desta:
a) €5.000,00, recebidos na conta da A. com o n.º …, no dia 09.10.2012;
b) €7.500,00, transferidos a 28.04.2014, para a conta nº …, da conta da mãe da A. com o nº …;
c) €5.000,00, transferidos a 26.01.2016, para a conta nº 0035…, da conta da mãe da A. com o nº com origem na conta da sua mãe … (6º, c) a e) e 11º a 13º p.i.).
10. A mãe da A. pretendeu dar estas quantias à filha (11º a 13º p.i.).
11. No Verão de 2012 o casal fez trabalhos de mudança de chão de algumas divisões, arranjos de canalização, pinturas, loiças e outras obras na casa onde viviam (120º cont.).
12. Mais tarde, em uma ou duas ocasiões, foram feitas novas obras, em concreto uma casa de banho no piso de cima e outros arranjos (121º cont.).
13. O pagamento das obras foi feito pelo R., em nome do casal (123º cont.).
14. O pai da A. entregou €10.000,00 em duas tranches, para que a sua filha pudesse adquirir um veículo automóvel, tendo sido entregues €1.000,00 em 01.10.2010, por multibanco, e em 15.11.2010 emitiu um cheque em nome do R., no valor de €9.000,00 (14º a 16º e 21º p.i.).
15. Este último valor foi entregue ao R. para que este o depositasse na conta e lhe permitisse juntar o restante, de forma a reunir o valor necessário para a aquisição do referido veículo (17º p.i.).
16. Foi o pai da A. quem se dirigiu ao Stand … e encomendou o automóvel Opel Astra, a 01.10.2010 (20º e 21º p.i.).
17. Para além disso, entregou o seu veículo para abate, com o objectivo de também assim contribuir para um incremento patrimonial, que permitisse à sua filha comprar um tipo de veículo que não estaria ao seu alcance, pois nem ela nem o marido auferiam rendimentos suficientes (22º p.i.).
18. A entrega do veículo do pai da A. representou um acréscimo patrimonial de €750,00 (26º p.i.).
19. Os pais da A. sempre a ajudaram financeiramente, pois sabiam que a sua filha não auferia rendimentos do seu trabalho de grande monta, nem o R. (18º p.i.).
20. Os €10.000,00 foram entregues pelo pai da A. ao R., em virtude deste ser o marido da sua filha, sendo esse dinheiro destinado ao casal (99º a 101º cont.).
21. Os €10.000,00 foram entregues pelo pai da A. para compra do automóvel, tendo a A. e o R. ficado de restituir essa quantia no prazo de 1 ano.
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Foram considerados como Factos Não Provados os seguintes:
a) No montante de €6.205,61 (9º p.i.).
b) As transferências foram efectuadas pela mãe da A. com a indicação de que se destinavam ao casal (110º cont.).
c) Os valores entregues pela mãe da A. foram gastos pelo casal em obras na casa onde habitavam na altura, que pertencia à mãe da A. (115º cont.).
d) A indemnização recebida pela A. foi investida pelo R. em certificados de aforro em seu nome (2º Aperf.).
e) O montante de €5.000,00 transferido pela mãe da A. em 2012 foi investido, no dia 22.10.2012, num seguro de vida em nome do R., na Companhia de Seguros F… (3º Aperf.).
f) A quantia de €7.500,00 transferida pela mãe da A. foi levantada pelo R. quando saiu da casa de morada de família, aquando da separação do casal (4º Aperf.).
g) O montante de €5.000,00 transferido pela mãe da A. em 2016 foi transferido para a conta poupança do casal na CGD e investido em certificados de aforro, mais tarde convertidos em títulos do tesouro (5º Aperf.).
*
Mais se consignou que a demais matéria alegada pelas partes não foi aqui considerada por ser conclusiva, de direito ou não relevar para a decisão da causa.
*
III. O Direito:
No âmbito deste recurso haverá que considerar que o mesmo abrange duas questões distintas: a primeira, relativa à consideração do pedido implícito com repercussão na parte do dispositivo da sentença formulado em a); a segunda, é a consideração do valor de 3.000€ pago a título indemnizatório à A., como bem próprio da mesma e a condenaçao do réu a restituir tal valor.
1ª Questão: A ampliação e a consideração do designado pedido implícito.
Para a presente decisão, passível de recurso nos termos do art.º 644º nº 3 do Código de Processo Civil, importa ter presente os seguintes actos processuais e decisões constantes dos autos:
Alega a Autora nos seus art.ºs 6º, 7º e 26º da petição inicial que:
“6º Assim, considera a A. que os seus bens próprios, que não podem ser integrados na comunhão de bens a dividir, pelos motivos que melhor se esclarecerão, são os seguintes:
a) Imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial da Amora sob o número … da Freguesia de C…, sito na Avenida …, nº 29, Praceta …, nº 21 e 21-A, designado pela fração J, correspondente ao 4º andar esquerdo;
b) Indemnização pelo despedimento da A., pago através do cheque nº …, emitido com data de 01/08/2008 e depositado na conta do NB…, no montante de €6.205,61;
c) O montante de €5.000,00, recebido na conta da A. …, por transferência bancária da conta da mãe da A., R… proveniente da conta … e ordenado por esta, a 09/10/2012;
d) O montante de €7.500,00, entregue através de transferência bancária a 28.04.2014 na conta …, da conta da sua mãe … e ordenado por esta, a 28/04/2014;
e) O montante de €5.000,00, entregue através de transferência bancária a 26/01/2016 na conta 0035…, da conta da sua mãe … e ordenado por esta, a 26/01/2016;
f) O montante de €10.000,00, entregue pelo seu pai, mais €750,00 referente ao abate do veículo do seu pai;
7º Ora, o imóvel que consta da lista de bens supra identificados é indiscutivelmente próprio
da A., na medida em que foi adquirido em momento anterior ao seu casamento, e como
tal, regulado nos termos do disposto na al. a) do nº 1 do art.º 1722 do C. Civil.”
26º A entrega do veículo do pai da A. representou, portanto, um acréscimo patrimonial de €750,00, devendo esse valor ser reconhecido como bem próprio da A., por também se
tratar de uma doação à filha.”.
Em conformidade com o somatório dos valores que indica em 6º e 26º do seu petitório formula o seguinte pedido: “a declaração de que é a única e exclusiva titular da quantia de €34.455,61, a qual deverá ser declarada bem próprio seu”.
Na sua contestação o réu afirma além do mais, que:
“13. Lendo a petição da Autora, nada se diz sobre se elas existem, ou não existem.
14. Ainda e sempre apenas com base na forma como a Autora configura o pedido, as quantias tanto podem ainda existir, como podem já não existir.
15. Podem até existir exclusivamente na posse da Autora.
16. Ou noutro lado qualquer.
17. Fala-se de as excluir “da lista de bens comuns a dividir” no tal futuro processo de inventário. Mas, que bens comuns são esses? (Esta parte tem a ver com a deficiência primordial desta acção, que é o facto de questões sobre bens comuns e próprios após divórcio serem remetidas à forma de processo especial de inventário para partilha de tais bens após divórcio de que falaremos de seguida e ao de só se partilhar o que existe na data relevante para a partilha).
18. Se estas quantias em dinheiro já não existiam à data relevante para partilha (de que falaremos adiante), então, já não são bens próprios, nem comuns. Já não são bens existentes sequer. Não há nada para excluir da lista de bens comuns, porque tais bens já nem existiam na esfera patrimonial dos ex-cônjuges (como comuns ou próprios) à data relevante para a partilha.
19. Desse modo, nenhuma sentença poderia decretar a sua exclusão da lista de bens comuns a partilhar, porque eles nem lá entravam. (…)
60. No caso, atento o disposto na sentença de divórcio junta com a petição, será a data de 29 de Janeiro de 2018 (data em que cessou a co-habitação).
61. Portanto, a composição do património comum a partilhar (e dos bens próprios a separar) será aquela que existia nessa data. Só esses bens devem (e até “podem”) ser objecto de partilha.
62. Ora, em nenhum momento do seu articulado a Autora indica quais são as quantias monetárias que existiam a essa data.
63. Em nenhum momento a Autora se refere às quantias que alega na petição como existentes nessa data ou em qualquer outra que considere a data relevante da partilha – a qual é a corresponde àquela em que se produzem os efeitos patrimoniais do divórcio.
64. A Autora limita-se a alegar que, algures durante a vigência do casamento, o casal terá recebido tais quantias e alega o que se supõe ser uma soma das mesmas. (…)
89. Quanto à quantia indeterminada para aquisição do referido imóvel – apartamento em Santa Marta de Corroios - confirma-se que a Autora o trouxe para o casamento, porém onerado com um empréstimo e hipoteca.
90. Durante uma parte da duração do casamento – mais concretamente, desde o início do casamento em 31 de Julho de 2006 até à data em que o empréstimo foi solvido por inteiro - Novembro de 2008 – as prestações foram pagas pelo casal, através de fundos da comunhão, ou seja, fundos provenientes do trabalho de ambos na constância do casamento.
91. Em data que a Autora nem sequer indica, mas que terá ocorrido, tanto quanto o Réu se lembra, em Novembro de 2008, o empréstimo foi liquidado na sua totalidade.
92. Mais concretamente, foram pagos €87.900 + €2.1852.
93. Para essa liquidação total foram empregues cerca de €10.000 das economias do casal, que se encontravam depositados numa conta do Réu e cerca de €80.000,00 entregues para o efeito pelo pai da Autora.
94. Desse modo, o imóvel é bem próprio da Autora, é certo, mas, em processo de inventário, terá de se apurar os valores a que o Réu tem direito por conta da meação nos bens comuns relativa aos fundos da comunhão conjugal que pagaram as prestações e aos €10.000 de pagamento final que veio desses fundos.
95. Porquanto, sendo o imóvel um bem adquirido antes do casamento, já a dívida que o onerava foi paga durante este, do modo que acima se narrou.
96. Quanto a esta acção, o imóvel aparece alegado, mas não se percebe onde é que ele “desagua” no pedido.
97. Em bom rigor, contesta-se nesta parte por amor à verdade, posto que não conseguimos perceber qual a relevância deste imóvel e das quantias entregues pelo pai da Autora para liquidação da dívida, para a presente acção (qualquer que seja, ou pretenda ser, o seu pedido).”
Na sua resposta a Autora refere nomeadamente que:” O pedido está claro: a A. pretende que as valores em causa – relacionados no artigo 5, b) a f) da PI e que totalizam €34.455,61 – sejam declarados bens próprios da A. e que esses montantes sejam excluídos da lista de bens comuns a serem partilhados entre os ex-cônjuges”. (a referência a artigo 5 constitui um manifesto lapso, pois será o art.º 6º).
Seguidamente veio a Autora ampliar o seu pedido da seguinte forma:
«1. Na petição inicial, a A. requereu que os valores que totalizam €34.455,61 sejam declarados bens próprios da A., com a consequente exclusão, da lista de bens comuns a dividir entre os ex-cônjuges.
2. Tal pedido tem como fundamento o facto de que esses valores são originados de património próprio da A., em decorrência de doações feitas pelos pais da A. e, ainda, da compensação por despedimento do seu trabalho, de modo que não constituem bens comuns do casal, a serem oportunamente partilhados.
3. O artigo 265, n.º 2 do CPC autoriza a ampliação do pedido pelo autor, até o encerramento da discussão em 1ª instância, se a ampliação for o desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo.
4. Tal ampliação não depende da anuência da parte contrária e é admissível ainda que o pedido resultante da ampliação já pudesse ter sido reclamado logo na petição inicial, em prol do princípio da economia processual (Acórdão do TRL de 18.02.2020).
5. Exige-se apenas que “tal pedido e o pedido primitivo tenham essencialmente causas de pedir, senão totalmente idênticas, pelos menos integradas no mesmo complexo de factos”. (Acórdão do TRG de 06.02.2020)
6. Feitos esses esclarecimentos, e com base na mesma causa de pedir descrita na petição inicial, a A. requer a ampliação dos seus pedidos, para que esta ação seja julgada procedente, por provada, para:
(i) que os valores em causa descritos no artigo 5, b) a f) da petição inicial, no total de €34.455,61, sejam declarados bens próprios da A.;
(ii) que o R. seja condenado a reconhecer que os bens acima referidos são de titularidade exclusiva da A.;
(iii) que o R. seja condenado a excluir os bens acima referidos da lista de bens comuns a partilhar entre a A. e o R.;
(iv) em consequência, que o R. seja condenado a entregar imediatamente esses valores à A., de forma prévia ao futuro processo de inventário, com a incidência de juros de mora até a data da efectiva entrega.».
Mais uma vez a indicação do art.º 5º constitui um manifesto lapso, corrigível nos termos do art.º 146º do Código de Processo Civil e 249º do CC.
No âmbito do despacho pré-saneador foram julgadas improcedentes a nulidade por ineptidão da petição inicial, o erro da forma de processo e ainda a incompetência material do Tribunal.
Acresce que se proferiu despacho de aperfeiçoamento do seguinte teor: “Dispõe, ainda, o artigo 590.º, nos seus n.ºs 3 e 4, respectivamente, que “O juiz convida as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa”, incumbindo-lhe, também, “…convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido.”
Em conformidade com o previsto neste preceito legal, convida-se a Autora a, no prazo de 10 dias:
. Esclarecer qual o destino conferido às quantias referidas nas alíneas b), c), d) e e) do artigo 6.º da petição inicial;
. Relativamente à quantia referida na alínea b), do artigo 6.º, da petição inicial, esclarecer qual a data de início e término do vínculo laboral cuja cessação motivou a atribuição da indemnização por despedimento em apreço, bem como os anos de antiguidade tidos em conta para o respectivo cálculo;
. Juntar certidão electrónica do processo de divórcio n.º 742/19.7T8ALM, que protestou juntar a fls. 24-verso dos presentes autos.”.
No mesmo despacho entendeu-se ainda que:” No artigo 6.º, alínea a) da petição inicial, refere a Autora que “…considera (…) os seus bens próprios, que não podem ser integrados na comunhão de bens a dividir (…): a) Imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial da …, sob o número …, da Freguesia de …, sito na Avenida …, n.º 29, Praceta …, n.º 21 e 21-A, designado pela fração J, correspondente ao 4.º andar esquerdo”.
Por seu turno, o Réu pronuncia-se sobre tal alegação da Autora, designadamente, nos artigos 94.º e ss. da contestação, onde, inclusive, refere que “Quanto a esta ação, o imóvel aparece alegado, mas não se percebe onde é que ele “desagua” no pedido”.
Com efeito, compulsado o petitório formulado pela Autora na petição inicial, constata-se ser o mesmo omisso quanto à alegação em apreço.
Cumpre, pois, apreciar se estamos perante o que a jurisprudência tem vindo a apelidar de “pedido implícito” e aquilatar da sua admissibilidade.
Nos termos do artigo 552.º, n.º 1, alínea e) do CPC, na petição inicial, o autor deve formular o pedido, que irá conformar o objecto do processo e condicionar a decisão de mérito, pelo que o tribunal, sob pena de nulidade, não pode condenar em quantidade superior ou objecto diverso (artigos 615.º, n.º 1, alínea e) e 609.º, ambos do CPC) e deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se de outras (artigos 615.º, n.º 1, alínea d) e 608.º do CPC).
Defendia o Professor Antunes Varela (In “Manual de Processo Civil”. Coimbra Editora, 2.ª edição, revista e actualizada, 1985, pág. 245, nota 1.) que o “…pedido deve ser formulado na conclusão da petição, não bastando que apareça acidentalmente referido na parte narrativa dela. O autor deve, no final do seu arrazoado, dizer com precisão o que pretende do tribunal – que efeito jurídico quer obter com a ação”.
Mais recentemente – e atendendo à lógica inerente à estrutura do novo Código de Processo Civil, nomeadamente, de preferência do “conteúdo” em detrimento de razões puramente formais -, tem-se observado uma inversão deste entendimento, com autores como o Professor Lebre de Freitas (In “Código de Processo Civil Anotado. Volume II”. Coimbra: Almedina, 3.ª edição, julho de 2017, pág. 490) a admitirem que “…o pedido seja expresso na parte narrativa do articulado, desde que se revele com nitidez, com o sentido da declaração para o declaratário normal, a intenção de obter o efeito jurídico pretendido, máxime quando o réu o haja entendido correctamente…”. Os Tribunais superiores têm, bem assim, seguido esta linha de raciocínio, “(e)m primeiro lugar, porque a petição configura uma declaração de vontade tendente a obter um determinado efeito jurídico, devendo ser interpretada segundo o critério estabelecido nos arts. 236.º, n.º 1 e 238.º, n.º 1 do CC (cf., por ex., Ac do STJ de 21.4.05, em www.dgsi.pt). Depois porque se não releva a ineptidão por falta ou ininteligibilidade do pedido no caso de o réu haver interpretado convenientemente a petição inicial (art.º 193.º, n.º 3 do CPC), por maioria de razão, ou por aplicação analógica, deve admitir-se um pedido feito no corpo do articulado, máxime se foi correctamente interpretado pelo demandado”( Cfr. Acórdão do TRC, de 10.09.2013, proc. n.º 6/07, disponível em www.dgsi.pt.).
No caso sub judice, como já foi referido supra, no arrazoado do seu articulado inicial, a Autora considera que o imóvel em questão, sendo um bem próprio, deve ser excluído da lista de bens comuns a partilhar. É certo que, a final, não formula um pedido nesse sentido. Porém, também é verdade que, ainda assim, tal omissão não impediu o Réu de perceber o pretendido por aquela com tal alegação, debruçando-se, inclusive, sobre a mesma, em sede de contestação.
Termos em que, tendo em conta as considerações acima tecidas, considera-se que a alegação constante do artigo 6.º, alínea a) da petição inicial tem implícito um pedido de apreciação/declaração do bem imóvel aí descrito como próprio (da Autora), com consequente determinação da respectiva exclusão da lista de bens comuns a partilhar; pedido este que, por conseguinte, cumprirá apreciar, em sede própria.”.
No que concerne à ampliação do pedido também se decidiu que: “Compulsada a petição inicial, constata-se que, originariamente, a Autora formulou o pedido nos seguintes termos: “…pelo supra exposto, resulta evidente que, somando todas as quantias em causa, se conclui que a A. é única e exclusivamente titular de €34.455,61, os quais deverão ser desde já declarados bens próprios, e por isso desde já excluídos da lista de bens comuns a dividir, o que se requer”.
Por seu turno, mediante requerimento de fls. 47 e ss., pede a Autora que, ao abrigo do disposto no artigo 265.º, n.º 2 do CPC, seja admitida a ampliação do pedido inicialmente formulado, passando o mesmo, em súmula, a abranger a condenação do Réu na entrega, imediata, dos valores reconhecidos como bens próprios da Autora, de forma prévia ao futuro processo de inventário.
O Réu, exercendo o seu direito ao contraditório, requereu que fosse julgada improcedente a requerida “ampliação do pedido”, na medida em que, no seu entendimento, o novo pedido, mais do que uma simples ampliação, configura um pedido verdadeiramente diferente, com diferentes efeitos jurídicos, não encontrando, pois, esta “ampliação” acolhimento na previsão do referido artigo 265.º, n.º 2 do CPC.
Dispõe este preceito legal que “O autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo”.
Portanto, por ampliação do pedido entende-se o acrescentamento de outro pedido, de idêntica natureza ou não, que seja o desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo.
Ora, in casu, face ao desiderato da presente ação – o reconhecimento de certos bens/valores como próprios da Autora e, por conseguinte, excluídos da lista de bens comuns a partilhar – dúvidas inexistem que, uma vez declarado/reconhecido tal caráter próprio dos bens/valores em apreço, o próximo passo será ordenar a sua entrega à Autora, condenando-se, pois, o Réu em conformidade, nos termos da prova que vier a ser feita a esse propósito.
Face ao exposto, enquadrando-se o ora peticionado pela Autora na previsão do artigo 265.º, n.º 2 do CPC, defere-se o respectivo requerimento e admite-se a ampliação do pedido nos termos que constam do mesmo, a fls. 47 e ss. dos presentes autos.”
Considerando tal despacho veio o réu recorrer arguindo a sua nulidade. O Tribunal face a tal pedido que o próprio considerou implícito alterou o valor da causa adicionando o valor do imóvel descrito em a) do art.º 6º da p.i. e, consequentemente determinou a incompetência do juízo Local cível e remeteu os autos à Central cível, competente face ao valor que resultou da soma.
Por não ser passível de recurso autónomo o recurso não foi admitido.
A A. veio aperfeiçoar o seu articulado, dizendo além do mais, que a indemnização recebida pela A., referida na alínea b) do art.º 6 da P.I., foi em consequência, do seu despedimento da empresa onde trabalhou durante seis anos, desde 01.07.2002 até 31.07.2008, período este, que serviu de cálculo para a indemnização paga à A.
Considerando tais actos processuais e o que decorre da alegação das partes, aperfeiçoamento, pedido e ampliação do mesmo, haverá que considerar que estamos perante um pedido implícito nos termos pugnado pelo Tribunal a quo
Defende o recorrente que tendo a Autora aflorado no seu articulado um determinado imóvel e dito que deve ser bem próprio seu, mas nada peticionando, nem no petitório, nem no articulado, sobre ele, jamais um tribunal pode considerar que tal alegação comporta um pedido implícito e determinar-se a conhecê-lo. Argui que a Autora, consciente obviamente do que alegou sobre um imóvel, limita o seu pedido a dinheiros que nada têm a ver como o imóvel, é porque nada peticiona quanto a ele, nem tal ocorreu no âmbito da ampliação. Argumenta igualmente que o processo deve ser o primado da certeza, da segurança, da coerência e lealdade de posições e da confiança na relação processual, pelo que a ideia de “pedidos implícitos”, isto é, pedidos não formulados no petitório, mas que vão acabar apreciados, deve ser vista como absolutamente excepcional e (a ser admitida) de admitir em casos em que se afigure absolutamente clara a formulação, ainda que implícita, do mesmo. Em abono de tal procedência do recurso também refere que a indicação de tal bem na contestação, surge de forma fugidia e notando a ausência de qualquer pedido quanto a ele, jamais se pode considerar como exercício de contraditório pelo Réu demonstrativo de que este considerava tal pedido implícito. Por fim, alude que além da falta de pedido e da falência da tese do “pedido implícito”, estamos mesmo perante falta de interesse processual, posto que estamos perante uma situação manifestamente não carecida de tutela jurisdicional, já que o réu nunca contestou a posse que a Autora passou a exercer sobre o imóvel logo a seguir ao divórcio, pelo que entende que aquela parte do dispositivo da sentença tem como único efeito perverter as contas de custas porque a Autora decaiu em quase tudo e o Réu só decai numa coisa que nunca contestou e num pedido que a autora não fez.
Na sentença que também se aprecia neste recurso e concretamente quanto a tal pedido implícito e admitido nos termos sobreditos apenas se expõe que: ”A A. e o R. foram casados sob o regime da comunhão de adquiridos, encontrando-se presentemente divorciados e em litígio no âmbito de inventário para separação de meações.
Na presente ação comum está apenas em discussão saber se as quantias indicadas pela A. lhe pertencem em exclusivo e devem, por isso, ser excluídas da partilha.
Relativamente ao imóvel, decorre da matéria de facto provada que o mesmo pertence exclusivamente à A., por ter sido adquirido antes do casamento (art.º 1722.º, n.º 1, al. a) do CC).
O facto do bem ser próprio da A. não significa, porém, que não exista um acerto de contas a fazer com o património comum do casal, se tiverem sido aplicados activos do casal na amortização do empréstimo hipotecário que onerava o imóvel.
A este propósito está provado que €10.000,00 aplicados nessa amortização pertenciam ao casal e que os remanescentes €80.155,96 foram doados à A. pelo seu pai (art.º 940.º, n.º 1 do CC), constituindo, portanto, um bem próprio da A. (art.º 1722.º, n.º 1, al. b) do CC).
Acresce que, em virtude da casa de que se cura ser propriedade privada da A., não se coloca aqui qualquer questão no domínio da caducidade da doação, no âmbito do art.º 1791.º, n.º 1 do CC, por não poder afirmar-se que se trata de uma doação efetuada “em consideração do estado de casado”.”.
Analisando.
O pedido constitui o elemento identificador das acções, é este o círculo dentro do qual o tribunal se tem de mover para dar solução ao conflito de interesses que é chamado a decidir. Nas licões de Anselmo de Castro ( in “Direito Processual Civil Declaratário”, pág. 201 e ss.) por pedido, porém, tanto se pode entender as providências concedidas pelo juiz, através das quais é actuada determinada forma de tutela jurídica (condenação, declaração, etc.) ou seja, a providencia que se pretende obter com a acção; como os meios através dos quais se obtém a satisfação do interesse à tutela, ou seja, a consequência jurídica material que se pede ao tribunal para ser reconhecido. O primeiro é o objecto imediato; o segundo é o objecto mediato, sendo que para determinar o petitum concorrem ambos os aspectos.
Basta atender a tal análise para se poder concluir como o recorrente, pois a Autora formulou na acção, quer inicialmente, quer no âmbito da ampliação do pedido (esta anterior ao despacho que considerou o pedido implícito), um pedido de condenação do réu a pagar determinados montantes, os quais no primeiro pedido se concretizava apenas num valor único de 34.455,61€, e na ampliação admitida se decompunha no seguinte: (i) que os valores em causa descritos no artigo 5, b) a f) da petição inicial, no total de €34.455,61, sejam declarados bens próprios da A.; (ii) que o R. seja condenado a reconhecer que os bens acima referidos são de titularidade exclusiva da A.; (iii) que o R. seja condenado a excluir os bens acima referidos da lista de bens comuns a partilhar entre a A. e o R.; (iv) em consequência, que o R. seja condenado a entregar imediatamente esses valores à A., de forma prévia ao futuro processo de inventário, com a incidência de juros de mora até a data da efectiva entrega. Converte a Autora um pedido de condenação igualmente num pedido declarativo, mas este como pedido imediato, sendo que o mediato se resume à condenação do réu a proceder à entrega do valor correspondente. A indicação do artigo 5 é manifestamente um lapso, pois a concretização dos valores em alíneas foi feita no art.º 6º da petição inicial. Ora, omite a Autora a indicação da alínea a) do art.º 6º da petição inicial nessa aludida “ampliação”, sendo que era em tal alínea que a mesma descrevia o bem imóvel, mas sempre aludindo que este era um bem próprio, dado que adquirido pela mesma antes do matrimónio com o réu.
Socorre-se a decisão recorrida da doutrina do pedido implícito defendida por Lebre de Freitas e jurisprudência que convoca na decisão, concluindo que “No caso sub judice, como já foi referido supra, no arrazoado do seu articulado inicial, a Autora considera que o imóvel em questão, sendo um bem próprio, deve ser excluído da lista de bens comuns a partilhar.”. É manifesto o contra-senso de tal afirmação, pois se o bem é próprio não fará parte do acervo a partilhar, nem sequer o réu o considera comum, nem é posta tal dúvida na contestação, mas sim e apenas que poderão existir acertos de contas a considerar na partilha, como aliás se afirma igualmente na sentença proferida a final.
Com efeito, o pedido está ligado ao princípio do dispositivo, sendo este um dos princípios nucleares do processo civil e significa que as partes dispõem do processo e da relação jurídica nele controvertida. Como bem aludia Manuel de Andrade ( in “Noções Elementares de Processo Civil”, págs. 373 a 374), na visão conservadora e liberal o processo “é uma luta, um duelo entre as partes, que apenas tem de decorrer segundo certas normas”, em que o juiz arbitra a pugna, controlando a observância dessas normas e assinalando e proclamando o resultado –  daí a inércia, inactividade ou passividade do juiz, em contraste com a actividade das partes e, outrossim, que a sentença procure e declare a verdade formal (intra processual) e não a verdade material (extra processual)”.
Actualmente, reforçada pelos princípios que enformam o actual Código de Processo Civil, haverá um equilíbrio entre o princípio do dispositivo com o do inquisitório, mas tendo sempre em vista  a justa composição do lítigio, mas igualmente a igualdade das partes.
Como bem se refere no Acórdão do STJ de 29/09/2022 (proc. nº605/17.0T8PVZ.P1.S1, in www.dgsi.pt) “Com efeito, essa concepção liberal do princípio do dispositivo, dominada pela passividade do juiz, em que às partes é concedido o controlo sobre o processo e sobre os factos relevantes para a resolução do litígio e que minimiza o papel do juiz e dos terceiros para essa resolução, em que a legitimação da decisão está unicamente dependente da observância das regras e dos pressupostos processuais, não tem presente o interesse público que subjaz a todo e qualquer processo, em que a finalidade última é a de dirimir um conflito com vista a alcançar a pacificação social entre os litigantes, em particular, e da sociedade em geral e que essa pacificação só será efectivamente alcançada quando o processo assegure a obtenção da verdade formal, intra processual, mas acautele também a verdade material e a consequente obtenção de decisões materialmente justas.
De resto, essa concepção tradicional e liberal da figura do juiz enquanto “boca da lei” ignora que a actividade deste não é, sequer nunca foi, puramente neutra, uma vez que entre a lei e a respectiva aplicação se interpõe necessariamente uma actividade intermediadora do juiz, que é a actividade interpretativa da lei, a qual nunca é neutra, sequer imune a uma determinada ideologia, resultante da inserção do juiz na concreta comunidade histórica em que se insere.
Deste modo, há muito que se abandonou a concepção liberal de processo, assente exclusivamente no princípio do dispositivo e se tem paulatinamente avançado para um sistema misto, em que aquele princípio tem vindo sistemática e progressivamente a ser mitigado pelo princípio do inquisitório, de que a Lei n.º 41/2013, de 26/06, é exemplo, ao dar passos decisivos no sentido dessa mitigação, ao libertar as partes e o juiz de espartilhos processuais, os quais acabam por promover a prolação de decisões de forma em detrimento das substantivas e reforçando os poderes do juiz.”.
Também Teixeira de Sousa ( in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, pág. 59) alude que que no sistema actual “as partes repartem com o tribunal o domínio sobre o processo e elas próprias são consideradas uma fonte de informações relevantes para a decisão da causa; - as partes e terceiros estão obrigados a um dever de cooperação com o tribunal; - a legitimação da decisão depende da sua adequação substancial e não apenas da sua correcção formal; - as regras processuais podem ser afastadas quando não se mostrem idóneas para a justa composição do litígio”.
No entanto, sempre estará subjacente no âmbito processual e como decorrência do princípio do dispositivo o princípio do pedido, de acordo com o qual o tribunal não pode resolver qualquer conflito de interesses que a acção pressupõe sem que essa resolução lhe seja pedida (art.º 3º, n.º 1 do CPC), o que quer dizer que o processo só se inicia sob o impulso das partes, mediante o respectivo pedido, e não sob o impulso processual do próprio juiz.
Logo, haverá que considerar em tal binómio quer “o conflito de interesses”, bem como a delimitação da relação jurídica controvertida, na qual se inclui quer o alegado pela parte activa do processo, quer ainda o alegado na defesa que venha a ser apresentada pelo Réu, consubstanciando-se o pedido com base em tais premissas. Donde, ainda que se possa entender que o pedido não pode ser encarado com um sentido rígido e restrito, a consideração dos designados pedidos implícitos deve ser entendida como excepcional e desde que verificados determinados pressupostos.
A actuação permitida ao juiz neste âmbito sai reforçada desde o Assento n.º 4/95, do STJ. de 28/03/1995, Publicado no DR, I-A série de 17/05/1995 (atualmente, com valor de acórdão uniformizador de jurisprudência), onde se decidiu que “quando o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade do negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, e se na ação tiverem sido fixados os factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com fundamento no n.º 1 do art.º 289º do CC”, e bem assim no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 3/2001, de 23/01/2001, este publicado no DR I-A, de 09/02/2001, ali se decidindo que “tendo o Autor, em ação de impugnação pauliana, pedido a declaração de nulidade ou anulação do ato jurídico impugnado, tratando-se de erro na qualificação jurídica do efeito pretendido, que é a ineficácia do ato em relação ao autor (n.º 1 do art.º 616º do CC), o juiz deve corrigir oficiosamente tal erro e declarar tal ineficácia, como permitido pelo art.º 664º do CPC”.
A par de tais decisões, no Acórdão do  STJ de 30/05/2023 (proc. Nº 135/21.6T8LRA.C1.S1) faz-se ainda alusão a outros casos de admissão de pedidos implícitos pelo Tribunal superior, tais como:
- No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08-10-1998 (Processo n.º 83/98, não publicado na “dgsi”), entendeu-se que “(...) o pedido resolutivo está implícito como condição processualmente declarativa que fundamenta a seguir o pedido condenatório de restituição do sinal.”, fazendo notar o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-10-2004 (Processo n.º 04A2667), que, “no pedido de restituição do sinal em dobro está implícito o pedido de resolução do contrato promessa”. No mesmo sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17-10-2013 (Processo n.º 04A2667) decidiu que “em acção fundada no art.º 432.º do CC a resolução pode ser apenas um pressuposto do pedido de devolução do sinal e respectivos juros, sem que este seja expressa e necessariamente formulado.”
A estes somam-se ainda os casos de admissibilidade de pedidos implícitos que se afigurem como pressupostos dos pedidos expressamente formulados ou se retirem, por dedução ou interpretação, da alegação formulada pela parte, neste caso o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26-01-2012 (Processo n.º 1790/2002.L1.S1, não publicado na “dgsi”), com a seguinte conclusão:“(...) VI - Ainda que a Autora, na petição inicial, não tenha expressamente formulado um pedido de condenação dos Réus a verem decidida a nulidade dos contratos, o certo é que o pedido de condenação solidária dos Réus na restituição das quantias entregues a título de preço e despesas feitas com a celebração do negócio, implica – para a sua procedência – que o tribunal conheça e declara os negócios celebrados como nulos. VII - Trata-se de um pedido implícito, circunstancial, não autónomo, entendido como pressuposto do pedido expressamente formulado, cujo conhecimento se impõe como via de acesso ao conhecimento deste.”
No Acórdão do STJ de 30/05/2023, faz-se ainda menção aos seguintes:
“- Acórdão de 08-11-2018, Processo n.º 48/15.0, no qual se consagrou a orientação de que « É desnecessário que a invocação, em processo judicial, dos factos reveladores da usucapião seja acompanhada do pedido do seu reconhecimento, bastando que esses factos integrem a causa de pedir de um outro pedido que a pressuponha ou sejam alegados como elemento integrador da legitimidade de quem na ação a invoca».
- Acórdão de 19-05-2020, Processo n.º 1642/13.0..., não publicado na “dsgi”), em cujo sumário se pode ler “(...) VII - O pedido de anulação do contrato de seguro deve considerar-se contido, de forma implícita, na contestação quando ela assenta na existência de um vício na formação da vontade da seguradora, alegando que foi induzida em erro pelo segurado, decorrente da omissão sobre o seu estado de saúde.”
- Acórdão de 29-09-2022, Processo n.º 605/17.0..., em cujo sumário se postula que «Pedido implícito é aquele que com base na natureza das coisas, está presente na acção, apesar de não ter sido formulado expressis verbis, ou seja, o pedido apresentado na petição pressupõe outro pedido que, por qualquer razão, o autor não exprimiu de forma nítida ou óbvia.”.
Resulta assim, que para a consideração do pedido implícito esteja normalmente presente o binómio pedido imediato e mediato, ou ainda  a interpretação a ter em conta dos articulados. Como bem se refere no Acórdão do Tribunal Superior a que vemos fazendo referência, estando em causa a extinção de um contrato “interpretando a petição inicial, como acto jurídico que é, em conformidade com as regras hermenêuticas previstas nos artigos 236.º a 238.º do Código Civil (por remissão operada pelo artigo 295.º do mesmo Código), concluímos que a matéria alegada pelo autor aponta, em conjugação com o alcance do pedido formulado, para a compreensão da sua pretensão como implicando a destruição dos efeitos do contrato, compaginável com a resolução do mesmo, num contexto em que a reparação do automóvel em segunda mão se mostrou impossível pelo facto de o mesmo ter ficado destruído pelo incêndio.
A interpretação do pedido em conjugação com a “parte narrativa da petição inicial” (a expressão pertence ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 04-12-2008, Processo n.º 3597/08) leva-nos, pois, a integrar a resolução do contrato no domínio categorial do pedido implícito, que a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem reiteradamente admitindo no âmbito de ações em que se peticiona a restituição do sinal prestado na sequência da celebração de contratos-promessa.”.
A propósito de tal temática importa ainda trazer à colação o Acórdão da Relação de Coimbra de 3/12/2013 ( proc. n.º 217/12.5TBSAT.C1, in www.dgsi.pt) no qual se entende que: I – No percurso expositivo de uma petição inicial (contendo a identificação das partes e da ação a narração e a conclusão) podem existir pedidos expressamente formulados como tal na conclusão do articulado e pedidos deslocalizados dessa conclusão final, formulados ao longo do articulado na exposição dos factos e das razões de direito, mas com suficiente individualização em termos de propiciarem a sua deteção e compreensão com essa natureza: a de pedidos;
II – É o que sucede com a invocação expressa, embora ao longo da narração e não na conclusão do articulado, da aquisição pelos autores de um prédio por usucapião, quando da propriedade desse prédio se deduz (este no pedido expresso na conclusão) um direito de preferência dos referidos autores na alienação de um outro prédio (confinante e que onera o prédio dos autores com uma servidão de passagem);
III – Vale como situação deste tipo a indicação, no articulado, dos elementos que se entende integrarem a usucapião, seguida da referência expressa de se invocar esse título aquisitivo da propriedade, mesmo que no elenco final dos pedidos este reconhecimento da propriedade não seja expressamente formulado como pedido, mas tão-só o pedido de declaração do direito de preferência, condicionado pelo reconhecimento daquele direito de propriedade;
IV – A compreensão pelo réu, evidenciada na contestação, de que a afirmação dessa aquisição por usucapião envolve outras pessoas não demandadas pelos autores, significa ter o réu percebido a natureza de pedido implícito dessa aquisição por usucapião, alicerçando tal incidência, com base na regra interpretativa de um articulado processual que subjaz, com vocação de generalidade, ao artigo 193.º, n.º 3 do CPC (artigo 186.º, n.º 3 do Novo CPC) a consideração dessa referência à usucapião, não obstante deslocalizada da conclusão do articulado, como traduzindo um pedido efetivamente formulado pelos autores;
V – Assim, envolvendo esse pedido implícito e deslocalizado de reconhecimento da aquisição por usucapião o afastamento da dominialidade desse prédio de outras pessoas não demandadas (os formalmente comproprietários com os autores de um prédio mais vasto integrando o que se afirma ter sido adquirido por usucapião), ocorre uma situação de litisconsórcio necessário natural entre os autores e aqueles comproprietários, em termos de estes deverem ser igualmente demandados para que a decisão relativa a esse direito de propriedade (o pedido implícito condicionante do pedido explícito referido ao direito de preferência) produza o seu efeito útil normal, nos termos do artigo 28.º, n.º 2 do CPC (artigo 33..º, n.º 2 do Novo CPC)(…)”.
Nessa decisão convoca-se igualmente o entendimento de um articulado processual como configurando “uma declaração de vontade tendente a obter determinado efeito jurídico, devendo ser interpretada segundo o critério estabelecido nos artigos 236.º, n.º 1 e 238.º n.º 1 do Código Civil”, acrescentando-se colher este entendimento algum respaldo no artigo 295.º do CC, ao determinar a aplicação aos atos jurídicos que não se configurem como negócios jurídicos das disposições do Código Civil referentes a estes, designadamente das atinentes à interpretação e integração previstas nos ditos artigos 236.º, n.º 1 e 238.º, n.º 1, “na medida em que a analogia das situações o justifique”. Esta problemática acaba por entroncar na da caracterização disjuntiva dos actos das partes no processo, quanto aos efeitos, como actos de natureza constitutiva ou postulativa, sendo que um articulado processual – uma petição inicial, uma contestação, uma réplica ou um outro articulado – corresponderá tendencialmente, na sua função primordial (propor uma ação, contestá-la e reconvir, responder a uma exceção, etc.), à categoria de acto postulativo.
Note-se que a referência ao artigo 236.º do CC interessa neste contexto (o da interpretação de ato processual correspondente a um articulado) como via para afirmar a relevância de um sentido normal da declaração na compreensão do efetivo sentido desse ato em algum dos seus elementos e até, por referência ao n.º 2 do mesmo artigo 236.º, para conferir valor interpretativo ao conhecimento pelos destinatários desse ato processual – destinatários que aqui funcionariam como declaratários – da vontade real do declarante.”.
Faz-se apelo nessa decisão ao escrito por Paula Costa e Silva (in “Acto e Processo - O Dogma da Irrelevância da Vontade na Interpretação e nos Vícios do Ato Postulativo, Coimbra, 2003, pág 210 e ss.) ao aludir que “tomando como ponto de partida a afirmação de não ter o legislador do Código de Processo Civil construído um sistema de interpretação dos actos de processo nos termos em que isso sucede relativamente à lei, nos artigos 9.º e seguintes do CC e à declaração negocial nos artigos 236.º e seguintes do CC:“(…) Se é verdade que o Código de Processo Civil não contém um regime geral de interpretação dos atos das partes, é também verdade que ele inclui uma disposição fundamental em matéria de interpretação, a maioria das vezes não qualificada como tal. Referimo-nos ao artigo 193.º, n.º 3 (…) Existe um paralelismo evidente entre o disposto no artigo 236.º, n.º 2 do CC e no artigo 193.º, n.º 3 do CPC ( actualmente o art.º 186º nº 3 do actual C.P.C).
De acordo com o artigo 236.º, n.º 2 do CC, a declaração emitida vale com a vontade real do declarante, se esta for conhecida do declaratário. O que significa que pode existir uma total descoincidência entre a vontade real e a vontade tal como foi ou aparece declarada. Neste caso, e porque o declaratário sabe exatamente aquilo que o declarante pretende, passa-se por cima do texto, valendo a declaração eventualmente com um sentido que aquele nem sequer comporta.
O que encontramos no artigo 193.º, n.º 3 ( actualmente no NCPC artº 186º nº 3) é algo de semelhante. Também neste caso a petição vale de acordo com o sentido real que o autor pretendia atribuir-lhe. A interpretação (no caso da ininteligibilidade) ou a integração (no caso de falta) realizadas pelo réu mostram que ele atribuiu o sentido correto à imprecisa ou incompleta forma de expressão do autor.
Tanto num caso, como no outro, o sentido do acto pode ser fixado contra o texto.
No entanto, há uma dissemelhança entre os dois regimes. Enquanto o artigo 236.º, n.º 2 vincula o declaratário a uma intenção, que ele conhece, e que não pressupõe uma interpretação da declaração, o artigo 193.º, n.º 3 (actual 186º nº 3 do NCPC) pressupõe que seja através da interpretação que o declaratário consegue apurar a intenção do declarante. Num caso, a intenção é oponível porque é conhecida; no outro, essa intenção é oponível porque foi descoberta.”
Mais dizendo, na parte que ora releva, por aplicação da  regra do art.º 186º nº 3 do CPC “Se os diversos sujeitos processuais procederem a uma descodificação do acto, fixando-lhe um sentido comum, será este o sentido juridicamente relevante do acto postulativo. O que equivale a dizer que, havendo uma coincidência entre a intenção do autor e o sentido apreendido da formalização dessa intenção, será esse o sentido com que deve valer o acto.
Pelo que, em caso de entendimento comum do acto postulativo, o sentido que a este é fixado coincide com o sentido genericamente considerado relevante quando se procede à fixação do sentido de uma declaração negocial. Nestes casos, exprimindo o acto de forma adequada a intenção do seu autor e sendo essa intenção apreendida, tanto pelo tribunal, como pela parte contrária, poderá concluir-se que o acto terá o sentido correspondente à intenção do seu autor.”.
Na verdade a mesma autora e obra citada ao aludir ao acto postulativo como pretensão da parte refere igualmente que “se fizermos uma ponte para a teoria geral do negócio jurídico, diremos que, no acto postulativo, a parte começa por expor os motivos, que são a fundamentação, para deles extrair um efeito, que é o pedido. A difereneça estrutural que o acto postulativo apresenta relativamente ao negócio é que, naquele, os motivos devem ser explicitados no próprio acto. Exactamente porque a possibilidade de produção do efeito desejado depende do juízo feito por terceiros ( o julgador) sobre a pertinência dos motivos ou fundamentos invocados.” (in ob. Cit. Pág. 214 e 215). Porém, não será despiciendo considerar o destinatário, pois é certo que  a postulação dirige-se ao tribunal, mas tem destinatário, aqui entendido como aquele a quem a declaração é dirigida, ou seja, assume o que assume a qualidade de parte, e é aqui que entram as regras interpretativas nos termos sobreditos. A mesma autora na invocação dos dois sujeitos acaba por aludir  que “é da natureza das coisas que as declarações de vontade devam ser realizadas no confronto de um outro. Pois só no confronto desse outro, que é aquele a quem a declaração se destina, é que a declaração tem um sentido” (in ob. Cit. Pág. 229). Mais dizendo que “toda a actuação da parte contrária é condicionada pelo acto postelativo. Ela orienta a sua estratégia processual, quanto ao exercício do direito de defesa pelo conteúdo do acto, que lhe é notificado”. 
No caso, manifestamente não resulta da interpretação da petição inicial que a Autora pretenda que se discuta o bem imóvel identificado, pois a própria o identifica como próprio, cuja natureza aliás resulta do regime de bens do casamento e aplicação do princípio inserto no art.º 1722º nº 1 alínea a) do CC. Acresce que tal discussão também não advém da contestação do réu, pois este assume a natureza de tal bem como próprio da Autora, nem sequer pondo em causa a eventual aplicação do art.º 1726º do CC, pois assume que além de ter sido adquirido pela Autora antes do casamento, também admite que o pagamento da maior parte do empréstimo devido com a sua aquisição foi efectuada pelo pai da Autora. Outrossim, é a Autora que confessa que parte da dívida de tal aquisição foi suportada com dinheiro pertencente ao casal, mas tal não desloca a discussão sobre a natureza do bem como próprio ou comum, relevando apenas a título de eventual compensação a ter em conta no momento da dissolução e partilha da comunhão, como aliás acaba por se concluir na sentença.
Logo, o acto postulativo concreto, ou seja, aquele em que a parte formula um pedido e em que os efeitos produzidos no processo decorrem da decisão que o juiz venha a proferir ( cf. Teixeira de Sousa, in Blog do IPPC, de 30/01/2021, onde se faz a destrinça entre actos constitutivos e actos postulativos, dizendo que não obstante tal distinção a mesma não deva ser entendida como significando que os actos postulativos não produzem efeitos em processo antes de qualquer decisão do juiz, a verdade é que ela é intuitiva pelo menos no sentido de que há actos que apenas são constitutivos e há outros actos que, além de constitutivos, são também postulativos, porque contêm um pedido formulado pela parte ao tribunal) não integra tal pedido declarativo ou de simples apreciação considerado na decisão recorrida. Aliás, inexistindo litígio sobre tal questão somos ainda em sufragar o entendimento do apelante quando alude à falta de interesse em agir relativamente a tal petitório considerado implícito, mas que face ao referido manifestamente não o é, nem deve ser considerado.
Deste modo, procede a apelação nesta parte revogando-se a decisão que considerou o pedido implícito, e, consequentemente, procede-se à eliminação do contido na alínea a) do dispositivo da sentença sob recurso.
2ª Questão: Da condenação do réu ao pagamento à autora do valor recebido pela mesma a título de indemnização pelos seu despedimento
Entende o recorrente que não se questionando que o valor de €3.000 (quando recebidos) eram um bem próprio da Autora, tendo esta consentido que esse dinheiro fosse empregue na economia do casal, não pode ser considerado que se trata de uma doação entre casados. Sufraga ainda que a decisão da Autora de empregar essa quantia em dinheiro, que é bem próprio seu, na economia do casal, não é uma doação ao Réu, mas sim um emprego específico de um bem próprio, tendo tal dinheiro sido gasto como a Autora quis, usufruindo assim a dita do mesmo dessa forma, o valor não foi dado, doado ou entregue ao Réu e tão pouco transferido para a propriedade e/ou para a posse deste.
Defende que não há que aplicar o disposto nos artigos 1764º e 1791.º, n.º 1 do CC, devendo absolver-se totalmente o Réu do pedido.
Na sentença do juiz a quo decidiu-se quanto a esta questão que: “No que diz respeito à indemnização recebida pela A., relativa ao seu despedimento, trata-se de bem que integra, por lei, a comunhão conjugal, desde que recebido na constância do matrimónio. Neste sentido se pronunciaram:
- o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 02.07.2013 (Processo nº 988/12.9TMCBR-A.C1, in http://www.dgsi.pt/):
 “1.- Tendo A trabalhado numa empresa entre 1991 e 2011 e casado em 2004, sob o regime de comunhão de adquiridos, a quantia recebida por A, durante a vigência do casamento, a título de compensação por revogação consensual do seu contrato de trabalho, assume a qualidade de bem próprio, nos termos da al. c), do n.º 1, do artigo 1722.º do Código Civil, relativamente à fracção da compensação que é proporcional ao tempo correspondente ao período em que a relação laboral decorreu antes de A ter casado e comum na parte restante.”
- o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12.07.2021 (Processo nº 2579/20.1T8GDM.P1, in http://www.dgsi.pt/):
“II - Sendo certo que o pagamento da indemnização de antiguidade é desencadeado pela rotura contratual, é a constituição do vínculo laboral e o seu desenvolvimento que justificam e moldam essa compensação indemnizatória;
III – No regime de bens de comunhão de adquiridos, será comum aquilo que exprime a colaboração de ambos os cônjuges no esforço patrimonial do casamento e têm de ser excluídos da massa comum os bens que resultam do esforço, trabalho ou diligência de, apenas, um deles, ou seja, aqueles para cuja obtenção o outro cônjuge não deu qualquer contributo relevante;
IV - Nesse enquadramento, será de considerar bem próprio a indemnização de antiguidade recebida por um dos cônjuges na parte proporcional ao tempo em que a relação laboral decorreu fora do período da comunhão conjugal; será comum na parte restante.”
Assim, atendendo a que a indemnização por despedimento é calculada com base na antiguidade do trabalhador e que a A. começou a trabalhar na B… em 2002, mas apenas casou em 2006, tendo sido despedida em 2008, haverá que considerar que dois terços da indemnização constituem um bem próprio da A. (art.º 1722.º, n.º 1, al. a) do CC), ou seja, €3.000,00.
Porém, a alegação de que esse dinheiro foi investido pelo R. em certificados de aforro titulados exclusivamente por si não está provada, mas sabe-se que esse dinheiro foi colocado numa conta bancária titulada exclusivamente pelo R. e que a A. consentiu que o mesmo fosse usado em benefício do casal.
Deste modo, pese embora aquela quantia de €3.000,00 fosse originariamente um bem próprio da A., nada impede que o cônjuge disponha de um bem próprio em benefício do casal, tendo, portanto, ocorrido uma doação entre casados. Todavia, os bens próprios doados por um cônjuge não se comunicam, ainda que o regime de bens do casamento seja a comunhão geral (art.º 1764º do CC), e, por outro lado, estas doações caducam sempre com o divórcio (art.º 1791.º, n.º 1 do CC).
Consequentemente, os €3.000,00 referidos constituem um bem próprio da A., atento o divórcio do casal.” Concluindo-se que “Relativamente ao pedido de condenação do R. na entrega das quantias reconhecidas como bens próprios da A., deve o mesmo ser julgado procedente com respeito à quantia de €3.000,00.”.
Para  a presente decisão importa ter presente que se provou que a A. recebeu pelo seu despedimento o valor de €4.500,00, , sendo que tal quantia foi transferida para uma conta do R. Mais se provou que a A. consentiu que esse dinheiro fosse empregue na economia do casal. Em primeiro lugar, não haverá que apreciar ou alterar o raciocínio levado a cabo quanto à consideração de parte do valor indemnizatório, com o qual concordamos e não é posto em causa por nenhuma das partes. Porém, já não acompanhamos o demais exposto na decisão.
É na partilha que se processa quer a liquidação do património comum, bem como o apuramento do valor do activo líquido, através do cálculo das compensações e da contabilização das dívidas a terceiros e entre os cônjuges
Nos termos do art.º 1689.º, n.ºs 1 e 3, do C.C. «Cessando as relações patrimoniais entre os cônjuges, estes ou os seus herdeiros recebem os seus bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo cada um deles o que dever a este património.» e «Os créditos de cada um dos cônjuges sobre o outro são pagos pela meação do cônjuge devedor no património comum; mas, não existindo bens comuns, ou sendo estes insuficientes, respondem os bens próprios do cônjuge devedor».
Assim, manifestamente a dissolução do casamento e da comunhão implica o fim do regime patrimonial e o surgimento de um estado de indivisão que apenas cessará com a partilha dos bens comuns. Acresce que como operação prévia à partilha deve proceder-se à liquidação do regime matrimonial e, como dispõe o art.º 1697º é neste momento que se devem integrar as compensações entre os patrimónios próprios e o comum. A liquidação visa determinar e avaliar a massa a partilhar. É o activo que se partilha, mas, sempre que possível, o activo líquido, deduzindo-se o passivo ou as dívidas da comunhão.
Donde, é na fase da liquidação da comunhão que cada um dos cônjuges deve conferir ao património comum tudo o que lhe deve. O cônjuge devedor deverá compensar nesse momento o património comum pelo enriquecimento obtido no seu património próprio à custa do património comum. Uma vez apurada a existência de compensação a efectuar à comunhão, procede-se ao seu pagamento através da imputação do seu valor actualizado na meação do cônjuge devedor, que assim receberá menos nos bens comuns, ou, na falta destes, mediante bens próprios do cônjuge devedor de forma a completar a massa comum.
Deve, portanto, admitir-se um princípio geral que obriga às compensações entre os patrimónios próprios dos cônjuges e a massa patrimonial comum sempre que um deles, no momento da partilha, se encontre enriquecido em detrimento do outro. Caso contrário verificar-se-ia um enriquecimento injusto da comunhão à custa do património de um dos cônjuges ou de um dos cônjuges à custa do património comum.
Aqui chegados, importa ter presente que quando se expõe que a doação efectuada a um dos cônjuges após a celebração do casamento, para integrar a comunhão conjugal da donatária, recai no âmbito das liberalidades previstas no artigo 1791º do CC, concluindo-se que tal doação caduca por força da dissolução do casamento, revertendo automaticamente ao património do doador, pressupõe a existência e um bem concreto objecto de tal liberalidade. Mas haverá ainda que ter em conta que o património comum a partilhar deve ser definido não só pelo que nele existir no momento da dissolução do matrimónio, mas também por aquilo que cada um dos cônjuges lhe deve conferir, por lho dever. Pereira Coelho (in Curso de Direito da Família, 1987, pág. 478) refere a propósito que “os bens comuns constituem uma massa patrimonial a que, em vista da sua especial afectação, a lei concede certo grau de autonomia, e que pertence aos dois cônjuges, mas em bloco, podendo dizer-se que os cônjuges são, os dois, titulares de um único direito sobre ela”.
No caso, é certo que o dinheiro era próprio da Autora, todavia, inexiste qualquer doação ao outro cônjuge, pois não basta a mera prova que o dinheiro foi depositado numa conta do réu, (não há que esquecer que a A. não logrou provar que foi investida pelo R. em certificados de aforro em seu nome – cf. o facto não provado em d)), mas sim que a Autora consentiu que esse dinheiro fosse empregue na economia do casal.
Ora, tomando como referência o art.º 1764º do CC e a consideração da “doação” em proveito comum, importa ter presente o referido por Rita Lobo Xavier ( in “Limites à Autonomia Privada na Disciplina das Relações Patrimoniais entre os Cônjuges, Dissertação para doutoramento em Direito Civil na FDUC, Almedina, pág. 197 a 222) ao expor  “que só podem ser doados bens próprios do doador (n.º 1) e que os bens doados não se comunicam seja qual for o regime matrimonial (n.º 2). À primeira vista, ambas as proibições parecem fundar-se no respeito pelo princípio da imutabilidade. E, na verdade, a primeira impede que um dos cônjuges transmita ao outro o seu direito sobre bens comuns, ou seja, que transforme bens comuns em bens próprios do outro. A segunda não permite que um dos cônjuges transforme bens próprios em bens comuns.”
Daqui decorre que ao provar-se que a A. consentiu que tal valor na sua génese próprio fosse empregue na economia do casal, não podemos considerar que tenha existido doação qua tale, pois não há uma doação ao réu, nem pode entender-se que o foi em benefício comum, a tal impede o nº 2 do art.º 1764º do CC. Acresce que a A. não alegou ou provou que tal valor tenha sido considerado ou aplicado na aquisição de um bem próprio do réu, ou até de um bem comum, aplicando-se o disposto no art.º 1726º do CC, mas sempre a atender no momento da separação e, logo, da partilha. Aliás, como alude o apelante inexiste prova que tal valor ainda exista, pois provou-se que foi “empregue” na economia do casal, sendo que tal determina que tenha sido aplicado, e se o foi na “economia do casal” pode tê-lo sido nas despesas correntes, mas sempre em benefício de ambos os cônjuges, pois é este o significado de “economia do casal”.
Outrossim, haverá que considerar que se logrou provar que no Verão de 2012 o casal fez trabalhos de mudança de chão de algumas divisões, arranjos de canalização, pinturas, loiças e outras obras na casa onde viviam. E mais tarde, em uma ou duas ocasiões, foram feitas novas obras, em concreto uma casa de banho no piso de cima e outros arranjos. Ora, ficou demonstrado que o pagamento das obras foi feito pelo R., em nome do casal. Logo, inexistindo prova que este valor exista este pode ter sido “empregue” nesse pagamento. Frisando-se que não é devido por não constituir qualquer doação ao outro cônjuge, nem está em causa a eventual compensação que pudesse operar nos termos do art.º 1726º do CC, por ausência de prova da forma como foi “empregue”. Inexiste assim, fonte de obrigação que nos permita condenar o réu a pagar tal valor à Autora, dado que utilizado na economia do casal, beneficiando ambos e não fazendo parte do acervo a partilhar ou objecto de compensação. Logo não constitui objecto de discussão como bem próprio ou comum, ou sequer como decisão que determina o pagamento de tal valor do réu à Autora.
Procede assim, in totum a apelação, absolvendo-se o réu ora apelante.
*
IV. Decisão:
Por todo o exposto, Acorda-se em julgar procedente o recurso de apelação interposto pelo Réu e, consequentemente:
a) Revoga-se a decisão que considerou o pedido implícito, pelo que se elimina da parte decisória da sentença o contido na alínea a);
b) Absolve-se no mais peticionado o réu.
Custas pela apelada – cf. art.º 527º nº 1 segunda parte do CPC.
Registe e notifique.

Lisboa, 9 de Maio de 2024
Gabriela de Fátima Marques
Eduardo Petersen Silva
Teresa Soares