Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5340/17.7T9LSB-AR.L1-3
Relator: ANA PAULA GRANDVAUX
Descritores: CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE
LEGITIMIDADE
JORNALISTA
CORRUPÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/20/2023
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: - O estatuto material do assistente e a natureza dos interesses que a qualidade e posição processual se destinam a assegurar nos casos de legitimidade «popular», previstos no artigo 68°, n° 1, alínea e) do C.P.P. ­impedem a apropriação da qualidade quando através da constituição de assistente se pretendem prosseguir outros interesses, fora ou em desvio das finalidades da atribuição do estatuto de sujeito processual.
-A constituição de jornalistas como assistentes em processos sobre os quais desenvolvam trabalho é incompatível com o exercício da profissão, uma vez que a natureza e a função desse sujeito processual, tal como legalmente definidas, comprometem a independência, integridade profissional e dever de imparcialidade desses jornalistas.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
1- O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Central de Instrução Criminal - Juiz 8, recorreu do despacho proferido no dia 29.7.2023 pela Srª Juíza de Instrução Criminal, de admissão da constituição como assistente, do jornalista MJB, que formulara tal pedido ao abrigo do artº 68° nº1 e) do Código de Processo Penal.
2- Em concreto, no seu recurso, invoca o Ministério Público, a violação dos artºs. 68º, 69º, 88º, 89º, 97º nº 5 , 135º e 145ºdo Código de Processo Penal, conjugados com a previsão dos artºs. 20º, 37º e 38º da Constituição da República Portuguesa, terminando as suas conclusões nos seguintes transcritos termos:
O douto despacho recorrido admitiu a constituição de MJB, jornalista, como assistente nestes autos de inquérito ao abrigo da previsão contida no artigo 68°, n° 1, alínea e) do Código de Processo Penal.
Nos crimes identificados na alínea e), do n°1, do artigo 68° do Código de Processo Penal a lei prevê a possibilidade de qualquer pessoa se poder constituir assistente.
Contudo, o espírito do artigo n° 68°, n°1, alínea e) do Código de Processo Penal, o que legislador pretendeu garantir foi, nos casos em que estivessem em causa bens jurídicos supra individuais, interesses difusos ou os chamados «crimes sem vítima», os cidadãos/a comunidade pudessem intervir ativamente na atividade processual
Sucede que, o recorrido expressamente apresenta-se como jornalista e não como cidadão.
O recorrido é jornalista encontrando-se deontologicamente obrigado a uma posição de independência e integridade profissional.
Verifica-se uma incompatibilidade manifesta entre o exercício da atividade independente dum jornalista e a função de assistente no processo-crime, com as atribuições próprias que a lei lhe concede (cf. artigo 69º, n°s 1 e 2 do Código de Processo Penal).
Ao assumir a qualidade de assistente, o recorrido tem o papel de coadjuvante do MP na ação penal, papel contrário ao seu Estatuto Profissional, à independência de atuação face a qualquer poder ou órgão, ao direito/dever a não revelar as suas fontes.
A obtenção do estatuto de assistente por parte do recorrido assume um carácter manifestamente desviante da função que lhe é inerente no seio da ordem jurídica e acarreta o risco sério de instrumentalização do processo penal e do estatuto de assistente ser utilizado como um «cavalo de Troia» da investigação.
A liberdade de informação, a liberdade de imprensa e o direito à informação encontram-se consagradas na CRP e na Lei Geral, sendo que o seu núcleo essencial não é ferido pela vigência, sempre temporária, do instituto do segredo de justiça, nem pela não admissão da constituição como assistente de jornalista.
A própria consagração constitucional da liberdade de imprensa e dos meios de comunicação social expressamente prevê que o acesso às fontes de informação por parte dos jornalistas é feito nos termos da lei, é enquadrado - cf. artigo 38°, n° 2, alínea b) da CRP.
No Código de Processo Penal, designadamente nos seus artigos 88° e 135º, regula-se a intervenção da comunicação social em sede de processo penal.
O requerimento de concessão do estatuto de assistente a jornalista pode mesmo configurar um abuso de direito.
Ao admitir o recorrido na qualidade de assistente nos presentes autos, o despacho recorrido incorreu na violação dos artigos 68°, 69°, 88°, 89°, 97°, n° 5, 135° e 145° do Código de Processo Penal, conjugados com a previsão dos artigos 20°, 37° e 38° da Constituição da República Portuguesa.
Pelo que deverá ser substituído por outro, que não admita a requerida constituição como assistente.
Porém e como sempre, V. Exas decidindo, farão inteira JUSTIÇA!
3- O jornalista MJB, respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência, em manifesta oposição à visão da arguida SLB.
Esta arguida já anteriormente se havia pronunciado nos autos contra a requerida constituição de assistente, assentando em síntese a sua oposição, na seguinte linha de argumentação : “(…) Destarte, o artigo 68º, nº 1, alínea e), do CPP e o artigo 8º, nº 3, da Lei n° 1/99, de 01 de janeiro, isolada ou conjugadamente interpretados em sentido conforme à Constituição, de modo a que haja uma concordância adequada entre interesses com dignidade constitucional, onde a adequada proteção legal do segredo de justiça baliza os termos em que o direito de acesso às fontes de informação se concretiza, vedam a constituição como assistente de jornalistas nos processos onde esteja determinado o regime de segredo de justiça, seja na sua vertente interna, seja na sua vertente externa (…) Assim, é materialmente inconstitucional a norma segundo a qual, em processos sujeitos a segredo de justiça, é admitida, na fase de inquérito, a constituição de assistente requerida por jornalistas ao abrigo do artigo 68°, n° 1, alínea e), do CPP.(…)”
Na sua resposta, o jornalista MJB, finalizou as suas contra-alegações com as seguintes (transcritas) conclusões:
Vem o MP recorrer do despacho proferido a 29 de julho de 2023 que admitiu a constituição como assistente do jornalista MJB, ao abrigo da norma da alínea e), do n° 1, do artigo 68° do Código de Processo Penal.
O MP opôs-se à constituição como assistente requerida, com fundamento na alegada interpretação errónea do artigo 68°, n° 1, alínea e) do CPP.
O MP sustentou o recurso apresentado em quatro linhas de orientação: o facto de o recorrido não requerer a sua constituição como assistente enquanto cidadão comum mas na sua qualidade de jornalista; o facto de não parecer ser compatível com o estatuto de jornalista a posição de assistente (direito a requerer diligências, deduzir acusação, interpor recurso); que o indeferimento de constituição de assistente não é contraditório com o direito constitucional da liberdade de informar, de ser informado e da liberdade de imprensa dos artigos 37° e 38° da CRP; e que o requerimento de concessão do estatuto de assistente a jornalista pode configurar um abuso de direito.
Todavia, salvo o devido respeito, não pode o recorrido concordar com o entendimento do MP.
Na verdade, o recurso apresentado pelo MP não foi mais do que uma tentativa de impedir que o recorrido tivesse acesso aos atos praticados no processo.
Em primeira linha, o MP entendeu como problemático o facto de o recorrido apresentar-se como jornalista e não como cidadão.
A este respeito, importa destacar que a alínea e) do n.° 1 do artigo 68.° CPP dispõe que qualquer pessoa se pode constituir assistente no processo penal, quando estejam em causa determinados tipos de crimes independentemente da profissão que se exerça.
Ora, dúvidas não restam que este requisito está preenchido: em primeiro lugar, o presente processo versa sobre dois dos crimes elencados na referida norma, nomeadamente, os crimes de tráfico de influência e de corrupção. Em segundo lugar, dispondo a norma que «qualquer pessoa» tem direito de se constituir assistente, facilmente se conclui que a qualidade de jornalista não pode ser fundamento para invocar a ilegitimidade do recorrido.
Objetivamente, o que está subjacente a esta norma é legitimar toda e qualquer pessoa, independentemente do seu interesse, a exercer o seu direito a colaborar com o MP. É, pois, uma expressão do exercício de um direito de cidadania.
O MP invocou também, enquanto fundamento de recurso, a incompatibilidade entre o estatuto de jornalista e a constituição como assistente.
Ora, negar ou vedar o direito à constituição de assistente consubstancia na violação de um direito e configura uma flagrante inconstitucionalidade e discriminação aos jornalistas.
O objetivo subjacente ao artigo 68.°, n.° 1 alínea e) CPP é, pois, "proporcionar o exercício de uma "cidadania ativa" em colaboração com o Ministério Público (...)" (Tribunal da Relação de Lisboa, Proc. n.° 122/13.8TELSB-BE.L1-5).
Sendo que, é indiscutível a importância de atuação do assistente, que goza de meios eficazes para colaborar com o MP.
No entanto, importa reter que apesar de ser colaborador, a lei não obriga a que este sujeito processual requeira, na prática, alguma diligência
Veja-se, a este respeito e no mesmo sentido, a posição do Tribunal da Relação de Lisboa, no Processo 122/13.8TELSB-BF.L1, que considera que a colaboração do Assistente com o Ministério Público é "uma suscetibilidade e não uma obrigação e em última análise até por concordar com o exercício da atividade desenvolvida pelo MP no caso concreto" e que "o assistente tem o direito de intervir no processo, não está, porem, obrigado a fazê-lo e muito menos de acordo com o juízo de oportunidade ou a vontade do Magistrado do Ministério Público titular do processo (ou do Juiz de Instrução Criminal) porquanto a subordinação não impede que face aquele tenha autonomia". (sublinhado e negrito nossos).
No entanto, note-se que o assistente, nos presentes autos, tem efetivamente interesse em auxiliar e cooperar com o MP e pretende cumprir com os seus deveres.
Além do mais, a atividade do jornalismo traz à tona situações que às vezes são ocultadas, as quais devem ser reveladas para garantia do estado de direito democrático.
Assim, e com base nesta linha argumentativa do MP, é claro que este discrimina o recorrido em função da profissão e limita severamente a comunicação social.
Ademais, será sempre ao recorrido a quem competirá compatibilizar as suas funções de jornalista com a sua posição de assistente. O recorrido tem conhecimento dos seus direitos e deveres em qualquer uma das qualidades e não compete ao tribunal substituir-se a este no processo de compatibilização.
Entende, também, o MP que indeferir o requerimento de constituição de assistente não conflitua com o direito a informar e com o direito de acesso à informação.
Ora, não obstante a verdadeira intenção do recorrido ser poder colaborar com o MP num processo de interesse público, a verdade é que constituir-se assistente também permite ao recorrido obter informação fidedigna de forma transparente, consistente, fiável e devidamente documentada.
Note-se que tal não significa que pretenda recolher informações para publicar nos órgãos de comunicação social, mas tão-só manter-se informado do que está a ocorrer no processo em causa, enquanto colabora com o MP, cabendo-lhe a si a gestão de quando e o quê poderá (ou não) ser objeto de notícia em cumprimento com o Estatuto do jornalista que rege a sua profissão e com respeito pelos deveres processuais e limites legais a que se encontra obrigado.
No entanto, mesmo que assim não fosse, e que o recorrido tivesse requerido a sua constituição de assistente com o objetivo único de informar e servir o interesse público, tal não conflituaria com a posição de assistente.
Vejamos o Acórdão supramencionado que dispõe que "o ato de informar, só por si, servindo o interesse público, com informação que seja relevante, segundo o critério do próprio jornalista, não é contrário à posição de assistente nos autos, desde que seja cumprido o respeito pelos limites legais impostos à divulgação do que seja proibido divulgar, ou do que ultrapasse o objeto do processo, e finalmente, concorrentemente, com os limites da violação do âmbito dos direitos de estrita privacidade dos intervenientes processuais (...)".
Dado o supra exposto, terá de se concluir que os argumentos utilizados pelo MP em sede de recurso não têm qualquer fundamento e que o Tribunal a quo andou bem nas suas considerações.
Assim, e na medida em que a decisão do Tribunal a quo não merece, no entender do recorrido, qualquer censura, deverá ser negado provimento ao presente recurso. mantendo-se a douta decisão recorrida.
Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, deverá ser negado provimento ao presente Recurso, mantendo-se integralmente a douta decisão instrutória recorrida.
Assim decidindo, Venerandos Juízes Desembargadores, farão V. Exas. a costumada e sã JUSTIÇA!
4- O recurso foi admitido na 1ª instância por despacho de 31-08-2023.
5- Nesta Relação de Lisboa, o Sr. Procurador-Geral Adjunto, quando o processo lhe foi apresentado, nos termos e para os efeitos do artº 416º do C.P.P, emitiu parecer (fls 84 e 85) onde acompanha, a motivação do recurso interposto pelo M.P, nos seguintes (transcritos) termos:
“(…) Aderimos à muito bem fundada argumentação constante da motivação de recurso, que expõe com total clareza os fundamentos determinantes da conclusão de que se “ verifica uma incompatibilidade manifesta entre o exercício da atividade independente dum jornalista e a função de assistente no processo-crime, com as atribuições próprias que a lei lhe concede”, o que impede a admissão do requerente como assistente nos autos.
Em seu reforço, apenas se nos oferece sublinhar:
Nos presentes autos, encontram-se em investigação crimes de corrupção ativa e passiva, e de tráfico de influência e oferta ou recebimento indevido de vantagem.
É inquestionável que a lei prevê no artº 68 nº 1 e) do CPP a possibilidade de admissão como assistente de “qualquer pessoa”, quando estão em causa os crimes tipificados na al. e) do artº 68º do CPP .
Estando em causa o conceito de “qualquer pessoa” aí previsto, o mesmo não pode ser interpretado literalmente, antes se impondo uma interpretação da norma, quer analisando a sua “ratio”, quer harmonizando-a com o ordenamento jurídico, aqui sopesando desde logo o facto de se verificar que o legislador não exige ( nem afasta ) qualquer requisito para integrar esse conceito de “qualquer pessoa” nem, como tal, distingue para esse fim, os conceitos de personalidade jurídica e capacidade jurídica definidos nos artº 66º e 123º do Código Civil.
Olhando à unidade de sentido do sistema jurídico, cremos assim deverem ser relevados os argumentos assertivamente expendidos pelo Ministério Público na motivação e conclusões de recurso, impondo-se concluir pela inadmissibilidade legal de admissão de um jornalista como assistente nos autos, a tal não obstando o facto de a lei referir que “ qualquer pessoa” pode adquirir essa qualidade.
Em consonância com o exposto e com os fundamentes expressos na motivação de recurso, emitimos parecer no sentido da procedência do recurso.”
6 - Foi oportunamente cumprido o artº 417º/2 do C.P.P e o recorrido, jornalista MJB, veio responder em 4.12.2023, onde reitera a argumentação por ele anteriormente exposta nestes autos.
Nessa resposta, salientou em particular, que o legislador não restringiu a legitimidade para a constituição como assistente à verificação de nenhum outro requisito, que não o facto de estar a ser investigada ou julgada a prática de qualquer dos crimes previstos na alínea b) do artº 68º/1 do C.P.P, os quais tutelam bens jurídicos com relevância comunitária e supra individual.
Conclui pois que o Tribunal a quo, valorou correctametne a interpretação e aplicação do Direito, não merecendo qualquer censura a decisão recorrida, quando em respeito pelo CPP admitiu a constituição do jornalista como assistente.
7- Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência cumprindo agora apreciar e decidir.
II- Fundamentação
1.Delimitação do objecto do Recurso ou questões a decidir:
Do artº 412º/1, do CPP resulta que são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso e consequentemente, definem as questões a decidir em cada caso, exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso.
A questão colocada pelo M.P recorrente, é apenas uma:
É legítima e válida a decisão do JIC de admitir a constituição de um jornalista como assistente, na fase de inquérito de um processo penal, em que a investigação do M.P tem por objecto um dos crimes enunciados no artº 68º/1 e) do C.P.P?
2. A Decisão recorrida
O despacho recorrido proferido em 29.7.2023, que admitiu a constituição de MJB como assistente, foi proferido nos seguintes (transcritos) termos:
“Investigam-se nos presentes autos a prática de crimes de corrupção activa e passiva, tráfico de influência e oferta ou recebimento indevido de vantagem no fenómeno do futebol.
Em 2.3.2023, MJB, identificando-se como jornalista, veio requerer a sua constituição como assistente, ao abrigo do disposto no Artigo 68° n.1 e) do Código de Processo Penal.
Após vicissitudes processuais diversas, apenas agora se mostra devidamente cumprido o Artigo 68° n.4 do Código de Processo Penal; cumprindo apreciar o requerido.
Em suma, tanto o Ministério Público quanto os arguidos que apresentaram oposição requerida constituição como assistente, fundamentam a sua posição numa interpretação restritiva da aliena e) do Código de Processo Penal. Afirmando que, quando a lei dispõe que qualquer cidadão se pode constituir como assistente em processos cujo objecto se reconduza a determinados ilícitos, não prevê os cidadãos jcrnalistas. Pois seria permitir um acesso privilegiado aos autos, em segredo de justiça.
Decidindo.
Dispõe o Artigo 68° nº1 e) que:
"Podem constituir-se assistentes no processo penal, além das pessoas e entidades a quem leis especiais conferirem esse direito:
Qualquer pessoa nos crimes contra a paz e a humanidade, bem como nos crimes de tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário, denegação de justiça, prevaricação, recebimento ou oferta indevidos de vantagem, corrupção, peculato, participação económica em negócio, abuso de poder e de fraude na obtenção ou desvio de subsídio ou subvenção."
Parecendo resultar da norma que, em determinados crimes, o legislador não limitou a posição de assistente ao titular dos interesses especialmente protegidos pela incriminação; mas a todo e qualquer cidadão.
Contudo, em face dos crimes expressamente previstos na alínea e); efectivamente, todo e qualquer cidadão é titular dos interesses especialmente protegidos pela incriminação,
Aqui chegados, não restariam dúvidas de que MJB sento, poderia ser assistente.
Mas a oposição do Ministério Público e dos arguidos prende-se com o facto deste cidadão exercer a actividade profissional de jornalista.
Deverá tal circunstância condicionar a atribuição da qualidade de assistente? Cremos que não.
Pelos motivos que em seguida se explanam.
O requerente, enquanto assistente ficará vinculado aos deveres e direitos que processualmente estão consagrados, Entre eles, os respeitantes ao segredo de justiça.
Por outro lado, enquanto jornalista, está igualmente condicionado por um Estatuto Profissional que lhe impõe direitos e deveres.
Não cabe ao tribunal, substituir-se ao requerente no exercício da compatibilização dos seus direitos e deveres; enquanto assistente e enquanto jornalista, em caso de conflito.
Apenas caberá ao tribunal apreciar a violação dos seus deveres, caso ocorram,
Por todo o exposto,
Por estar em tempo, ter legitimidade, mandatário constituído e liquidado a taxa de justiça devida, admito a constituição como assistente de MJB; nos termos do Artigo 68° nº 1 e) do Código de Processo Penal.
Notifique.”
APRECIANDO
Observando o histórico dos presentes autos, verificamos que MJB, veio requerer a sua constituição como assistente, em 02-03-2023, nos termos que se transcrevem:
“MJB, jornalista, vem, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 68°, n° 1, alínea e), do Código de Processo Penal (adiante CPP), requerer a sua constituição como Assistente, fundamentando desde já a sua pretensão, o que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:
O presente inquérito tem como objeto a investigação de factos suscetíveis de configurar a prática de crimes corrupção ativa e passiva, tráfico de influência e oferta ou recebimento indevido de vantagem no fenómeno futebol.
Como é do conhecimento público, em causa estão diversas situações, entre as quais, a compra de passes de jogadores como contrapartida para que perdessem determinados jogos ou o pagamento a jogadores, feitos por clubes adversários, para estes vencessem outros rivais.
O (…) é suspeito por alegadamente ter prometido pagar quantias a atletas do (…) como incentivo para ganhar o jogo contra o (…), sendo que, as suspeitas das autoridades já levaram à concretização de buscas nas instalações do Estádio (…), às instalações do clube da (…), e a vários dirigentes e jogadores.
Conforme dispõe a alínea e) do n° 1 do art° 68° do CPP: "podem constituir-se assistentes no processo penal, além das pessoas e entidades a quem leis especiais conferirem esse direito, qualquer pessoa nos crimes contra a paz e a humanidade, bem como nos crimes de tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário, denegação de justiça, prevaricação, corrupção, peculato, participação económica em negócio, abuso de poder e de fraude na obtenção ou desvio de subsídio ou subvenção" — Destaque nosso.
Na verdade, e atenta a criminalidade faticamente indiciada nos presentes autos, verifica-se que o requerente tem legitimidade para se constituir assistente sem necessidade ter a qualidade de ofendido ou outra.
O legislador não restringiu a legitimidade para a constituição como assistente, nos casos supramencionados, à verificação de nenhum outro requisito que não o facto de estar a ser investigada ou julgada a prática de um dos crimes aí expressamente previstos, uma vez que tutelam bens jurídicos com relevância comunitária e supra individual.
A incriminação dos crimes relacionados com entes públicos é relativa à comunidade como um todo e protege os interesses de todos os cidadãos.
Dúvidas não restam que a alínea e) do mencionado artigo "prevê uma espécie ou forma de «Ação popular penal», através da atribuição do direito à constituição de assistente a «qualquer pessoa».
A constituição de assistente em processos pelos crimes referidos é considerada pelo legislador como uma expressão do exercício de um direito de cidadania, em face da natureza e relevância comunitária dos valores universais da dignidade da pessoa humana, ou não individualizáveis em direitos próprios - protegidos pelos crimes referidos.
É certo que a alínea e) admite, nos crimes aí referidos, a constituição como assistente de "qualquer pessoa", independentemente da averiguação do "interesse" que ela possa  ter na perseguição da infração.
Esta norma radica de uma longa tradição do processo penal pátrio que, tendo implícita a ideia de que nestes crimes qualquer cidadão é particular e imediatamente ofendido pela infração (cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1a Edição, 1974, Reimpressão, Coimbra Editora, 2004, pág. 514), se mostra justificada pelo interesse comunitário.
Demonstrado está o interesse do requerente ao requerer a sua constituição como assistente que, nessa medida, nada tem de processualmente abusiva, e certamente que não causará perturbação do processo.
Por outro lado, a atribuição desta qualidade processual ao requerente também não irá afetar e muito menos, impedir, a intervenção, com essa mesma qualidade, dos ofendidos pelos crimes indiciados.
Ademais, o requerente esclarece desde já que pretende colaborar com o Ministério Público na descoberta da verdade material no âmbito da presente investigação nos termos e para os efeitos do n° 1 do artigo 69° do CPP.
Em suma, verifica-se, sem margem para qualquer dúvida, que a legitimidade para constituição como assistente no caso previsto na alínea e) do n°1 do artº 68° do CPP apenas exige que esteja em causa a prática de um dos crimes aí previstos.
Em face de tudo quanto acaba de se expender, revela-se, assim, e sem necessidade de mais considerações, inequívoco que o requerente tem legitimidade para se constituir como assistente, ao abrigo do disposto na alínea e) do n.°1 do artº 68° do CPP penal.
Assim, por estar em tempo, ter legitimidade para o efeito, estar devidamente representada por advogado e ter pago a respetiva taxa de justiça, vem, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 68°, n° 1, alínea e), e do n° 1 do artigo 70°, ambos do Código de Processo Penal, requerer a sua constituição como Assistente.”
Sobre o requerimento de constituição de assistente pronunciou-se o Ministério Público nos seguintes (transcritos) termos:
“Compulsados os autos verifica-se que a fls. 5025 a 530, MJB, que se identifica expressamente como jornalista, vem requerer a sua constituição como assistente, fundamentado a sua legitimidade na redação do artigo 68°, n° 1, alínea e) do Código do Processo Penal, que estabelece que nos crimes contra a paz e a humanidade, bem como nos crimes de tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário, denegação de justiça, prevaricação, recebimento ou oferta indevidos de vantagem, corrupção, peculato, participação económica em negócio, abuso de poder e de fraude na obtenção ou desvio de subsídio ou subvenção, qualquer pessoa pode constituir-se assistente. O requerente também adianta que o legislador não restringiu a constituição de assistente à verificação de qualquer outro requisito que não a circunstância de estar a ser investigada ou julgada a prática de um dos crimes expressamente previstos na aludida alínea e) do n° 1, do artigo 68° do Código de Processo Penal e considera que tal faz sentido, pois tais crimes estão relacionados com a comunidade como um todo, com os interesses de todos os cidadãos, sendo uma expressão do exercício do direito à cidadania.
Contudo, se é verdade o acabado de afirmar, também é verdade que MJB não requer a sua constituição como assistente no papel de cidadão, mas sim como um jornalista.
Portanto e perante essa qualidade de jornalista, afigura-se-nos que a posição processual dos assistentes e as suas atribuições não se coadunam com essa mesma qualidade.
Na verdade, não é suposto os jornalistas terem a posição de colaboradores do MP - vide artigo 69°, n° 1 do Código de Processo Penal.
Igualmente, também não se vislumbra compatível com o estatuto de jornalista, que este, nessa qualidade, requeira diligências, deduza acusação, ou interponha recurso, pois se assim fosse criaria a própria notícia. O mesmo se diga do oferecimento de provas e da não obrigação dos jornalistas de revelar as suas fontes, do sigilo profissional.
Por outro lado, o indeferimento da pretensão do requerente não é em nada contraditório, ou incompatível, com a consagração constitucional da liberdade de informar, do direito a ser informado e da liberdade de imprensa, dos artigos 37° e 38° da CRP. Com efeito, tais direitos e liberdade estarão sempre assegurados através da consulta e obtenção de elementos dos autos, cujo regime encontra-se nos artigos 86° e seguintes do Código de Processo Penal.
Desta forma, afigura-se-nos ser de indeferir a pretensão do requerente.
Assim, organize certidão de fls. 5025 a 5030 e do presente despacho (cf. artigo 68,°, n° 5 do Código de Processo Penal) e remeta- ao Mm° JIC do TCIC, com a promoção que se indefira, por falta de legitimidade, a requerida constituição como assistente.”
Tambem a arguida SLB se pronunciou sobre o requerimento de constituição de Assistente, como se transcreve:
“I - TITULO ÚNICO: DA INCONSTITUCIONALIDADE DA SOLUÇÃO NORMATIVA SEGUNDO A QUAL É ADMITIDA A CONSTITUIÇÃO COMO ASSISTENTE DE JORNALISTAS EM PROCESSOS CRIMINAIS ONDE VIGORE O REGIME DE SEGREDO JUSTIÇA
O requerente apresentou um pedido de constituição como assistente nos presentes autos, invocando como base legal do seu pedido o artigo 68.°, n.° 1, alínea e), do CPP e a circunstância, segundo refere, de o presente inquérito ter "como objeto a investigação de factos suscetíveis de configurar a prática de crimes de corrupção ativa e passiva, tráfico de influência e oferta ou reecebimento indevido de vantagem no fenómeno futebol”.
Os tipos penais convocados, de facto, encontram-se incluídos no catálogo a que a referida alínea e) do n,° 1 do artigo 68.° se reporta. Tal constatação, porém, nãoimplica, automaticamente, o reconhecimento do preenchimento de todos os pressupostos normativos de que depende a constituição como assistente,
E, menos ainda, que se reconheça a legitimidade do requerente para assumir o estatuto de assistente nos presentes autos. Senão vejamos.
2. Conforme sustenta o Exrno. Conselheiro Presidente Emérito do Supremo Tribunal de Justiça, ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR,
"O estatuto material do assistente e a natureza dos interesses que a qualidade e posição processual se destinam a assegurar nos casos de legitimidade «popular», previstos no artigo 68.°, n.° 1, alínea e) e em disposições de leis avulsas - realização do direito de colaboração com o MP no exercício da ação penal para a realização do interesse público ­impedem a apropriação da qualidade quando através da constituição de assistente se pretendem prosseguir outros interesses, fora ou em desvio das finalidades da atribuição do estatuto de sujeito processual; exemplo típico de utilização desviaste e em clara situação de abuso de direito (abuso de direito de constituição de assistente) será o caso, de invenção recente, de jornalistas que requerem a constituição como assistentes utilizando a legitimidade «popular», não com qualquer intenção ou interesse de colaboração com o MP na prossecução das finalidades do processo e da realização da justiça, mas apenas com o objectivo de recolha de informação do processo, contornando as regras sobre o segredo de justiça, através do acesso que a qualidade de assistente lhe permite. Em tais casos, com fundamento em carência dos pressupostos materiais que justificam a qualidade de assistente e também no abuso de direito, não deve ser admitida a intervenção conto assistente, ou, se a verificação resultar de comportamento subsequente à admissão, deve ser retirada a qualidade de sujeito processual" (com destaques nossos) ([1]).
É, assim, a partir da alegada "carência dos pressupostos materiais que justificam a qualidade de assistente e também no abuso de direito" que aqueles que, como nós, sustentam que a alínea e) do número 1 do artigo 68.° do CPP não pode servir como uma porta sempre aberta para todo e qualquer jornalista que requeira a constituição como assistente, vêm, amiúde, tomando posição.
No polo oposto, a apreciação da questão que se coloca e que subjaz ao requerimento apresentado, vem sendo, essencialmente, reduzida à discussão sobre a ratio do direito de intervenção e participação cívica que decorre do artigo 68.°, n.° 1, alínea e), do CPP e, bem assim, a sua alegada compatibilidade com a função de jornalista. É, precisamente, o que foi procurado pelo requerente no seu requerimento e é o que, também, resulta do tratamento jurispruclencial que recentemente vem versando sobre o tema ([2]).
Essa discussão é, como dizemos, redutora, porque se centra quase em exclusivo na circunstância de que quem requer a constituição como assistente é jornalista, para daí passar, também quase em exclusivo, para o exacerbar do sentido e do alcance das liberdades de expressão e de informação e do direito de acesso às fontes de informação, com pouca ou nenhuma reflexão sobre os interesses que, eventualmente, podem colidir com as referidas liberdades.
Porém, uma discussão que se pretenda séria, e para que não se torne num monólogo argumentativo, tem de, parece-nos, ter presentes duas posições, sejam elas mais, ou menos, antagónicas. É o que procuraremos fazer de imediato, trazendo à liça os interesses que, salvo melhor opinião, se vêm descurando no tratamento dado à questão - que, grosso modo, encontram um teto comum sob o regime do segredo de justiça - e que, de modo muito claro, assim colocamos:
É ao abrigo do artigo 68º, n° 1, alínea e), do CPP, legítima a constituição como assistentes de jornalistas, em processos onde vigora o regime de segredo de justica?
3. Antecipado o sentido negativo da nossa resposta, à luz do título (único) que introduz a nossa alegação, passemos, pois, a procurar sustentar a validade dos nossos argumentos:
Nos termos do artigo 3º da Lei de Imprensa (Lei nº 2/99, de 13 de janeiro), "[a] liberdade de imprensa tem como únicos limites os que decorrem da Constituição e da lei, de forma a salvaguardar o rigor e a objectividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática"
Por sua vez, nos termos do artigo 8°, n° 3, do Estatuto do Jornalista (Lei n° 1/99, de 01 de janeiro), "3 - O direito de acesso às fontes de informação não abrange os processos em segredo de justiça, os documentos classificados ou protegidos ao abrigo de legislação específica, os dados pessoais que não sejam públicos dos documentos nominativos relativos a terceiros, os documentos que revelem segredo comercial, industrial ou relativo à propriedade literária, artística ou científica, bem como os documentos que sirvam de suporte a actos preparatórios de decisões legislativas ou de instrumentos ase natureza contratual".
Ao nivel da legislação penal adjetiva, permitimo-nos a destacar as normas segundo as quais é previsto que "[o] processo penal é, sob pena de nulidade, público, ,vssalvadas as excepcões  previstas na lei" (cf. artigo 86°, n° 1, do CPP), que "[o] sgredo de justica vincula todos os sujeitos e participantes processuaiz,-, bem  como as vessoas que, flor qualquer título, tiverem tomado contacto com o processo ou conhecimento de elementos a ele  pertencentes, e implica as proibições de: a) [a]ssistência à prática ou tomada de conhecimento do conteúdo de acto processual a que não tenham o direito ou o dever de assistir; b) [d]ivulgação de ocorrência de acto processual ou dos seus termos, independentemente do motivo que presidira tal divulgação” (cf, artigo 86°, n° 8, do CPP), "[é] permitida aos órgãos de comunicação social, dentro dos limites da lei, a narração circunstanciada do teor de actos processuais que se não encontrem cobertos por segredo de justiça ou a cujo decurso for permitida a assistência do público em geral" (cf artigo 88º, n° 1, do CPP), "[n]ão é permitida, sob pena de desobediência simples, e publicação, por qualquer meio, de conversações ou comunicações interceptadas no âmbito de uni processo, salvo se não estiverem  sujeitas a segredo  de justiça e os intervenientes expressamente consentirem na publicação" (cf. artigo 88º, nº4, do CPP), "durante o inquérito, o arguido, o assistente, o ofendido, o lesado e o responsável civil podem, mediante  requerimento, consultar o  processo ou elementos dele constantes, obter, em formato de papel ou digital, os correspondentes extratos, cópias ou certidões e aceder ou obter cópia das gravações áudio ou audiovisual de todas as declarações prestadas, salvo  quando, tratando-se de processo que se encontre em segredo de justiça, o Ministério Público a isso se opuser por considerar, fundamentadamente, que pode prejudicar a investigação ou os direitos dos participantes processuais ou das vítimas" (cf. artigo 89°, nº 1, do CPP) e "findos os prazos previstos no artigo 276º, o arguido, o assistente e o ofendido podem consultar todos os elementos de processo que se encontre em segredo de justiça salvo se o juiz de instrução determinar, a requerimento do Ministério Público, que o acesso aos autos seja adiado por um período máximo de três meses o qual pode ser prorrogado, por uma só vez, quando estiver em causa a criminalidade a que se referem as alíneas i) a m) do artigo 1º e por um prazo objectivamente indispensável à conclusão da investigação" (cf. artigo 89°, n° 6, do CPP) - destaques e sublinhados nossos,
Numa perspetiva jusfundamental, importa não descurar que a Constituição, do ponto de vista sistemático, coloca em primeiro lugar, no seu artigo 20°, nº 3, sob o Título 1, dos Princípios gerais dos Direitos e deveres fundamentais (Parte 1, da Constituição), a adequada proteção que o legislador deve assegurar ao segredo de justiça, sobre as liberdades de informação, de imprensa e dos meios de comunicação social, reconhecidas nos artigos 37º e 38º, já do Título II (Direitos, liberdades e garantias) da mesma Parte I. O mesmo é dizer que tais liberdades deverão conformar-se em obediência aos princípios gerais previstos e que lhes antecedem. Foi, precisamente, nessa ordem lógica e normativa que o legislador limitou o direito de acesso às fontes de informação e o enquadrou nas regras sobre o regime de segredo de justiça.
Também ao nível dos tratados internacionais que vinculam o Estado (cf. artigo 8.° da Constituição), já a Declaração Universal dos Direitos do Homem, previa, em primeiro lugar, que "[nlinguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a protecção da lei" (cf. artigo 12°) e, só depois, que "todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão" (cf. artigo 19º).
A Convenção Europeia dos Direitos Humanos, por sua vez, no n° 2 do artigo 10º, deixa expressa a possibilidade de ser limitada a liberdade de expressão (realidade mais genérica de onde emergem as liberdades de informar e de imprensa), ao prever que "[o] exercício destas liberdades, porquanto implicar deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a proteção da saúde ou da moral, a proteção da honra ou dos direitos de ou Irem, para impedira divulgação de niformações confidenciais, ou para garantira autoridade e a imparcialidade do podei judicial".
4. Feita esta resenha de normas que conformam e enquadram os limites normativos da atividade jornalística, temos como seguras as seguintes realidades:
O segredo de justiça tem como propósito a salvaguarda da eficácia da investigação criminal e, bem assim, a tutela de direitos individuais, tais com a presunção de inocência, a proteção da reserva da intimidade da vida privada e o direito à honra; interesses individuais que, invariavelmente, radicam na essência dos Estados de Direito democráticos, assentes na proteção da dignidade da pessoa humana;
As liberdades de informação e de imprensa e o direito de acesso às fontes de informação estão, também invariavelmente, balizadas e ]imitadas pelo regime de segredo de justiça, máxime em razão daquilo que o mesmo, por regra e por natureza, protege, de valor relativamente superior a essas liberdades;
As normas que disciplinam a atividade e a deontologia jornalística excluem, à partida, do exercício dessas liberdades e do direito de acesso às fontes de informação, a possibilidade de acesso, por jornalistas, a processos sujeitos a regime de segredo de justiça, sendo indiferente a concreta modalidade desse regime (se interno, se externo);
As normas que disciplinam a publicidade do processo penal e o seu acesso pelos jornalistas excluem, à chegada, do exercício dessas liberdades e do direito de acesso às fontes de informação, a possibilidade de acesso, por jornalistas, a processos sujeitos a regime de segredo de justiça, sendo indiferente a concreta modalidade desse regime (se interno, se externo);
O instituto processual penal da assistência não pode, e menos deve, servir de instrumento de ultrapassagem das limitações normativamente consagradas para a liberdade de informação e para a liberdade de imprensa, não se achando, de todo, inserido no leque de possibilidades reconhecidas para que seja exercido o direito de acesso às fontes de informação.
Isto dito;
5. A constituição de assistente por jornalistas, em casos em que o processo se encontra abrangido pelo regime do segredo de justiça, constitui uma forma de contornar a limitação imposta pelo artigo 8°, n° 3, do Estatuto do Jornalista, segundo o qual "[o] direito de acesso às fontes de informação não abrange os processos em segredo de justiça (...)". Tal limitação vai, aliás, ao encontro do que, antes dessa disposição legal, prevê o artigo 3º da Lei de Imprensa, segundo o qual a "[l]iberdade de imprensa tem como únicos limites os que decorrem da Constituição e da lei, de forma a salvaguardar o rigor e a objetividade da infirmação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse público e o ordem democrática".
Conforme vêm defendendo MARIA MANUEL BASTOS e NEUZA LOPES, "[a] liberdade de imprensa, apesar da relevância que entre nós assume, não poderá prevalecer, sempre e em qualquer circunstancia, quando confrontada com outro direito ou valor consiihicionalmente protegido. Não há direitos ilimitados no nosso ordenamento jurídico, pelo que a liberdade de imprensa tem de ser harmonizada e sujeita "a operações metódicas de balanceamento ou de ponderação com outros bens constitucionais" (Gomes Canutilho e Vital Moreira, ou. cit., p. 574)" ([3]).
Ainda segundo as mesmas Autoras, "os processos judiciais estão sujeitos a um princípio de publicidade e a sua cobertura mediática contribui para afirmar o controlo democrático sobre a actividade judicial. Todavia, a eficácia da investigação criminal obriga a que determinadas matérias, em situações específicas, estejam subtraídas do conhecimento público. Cabe ao legislador fazer a ponderação entre os diferentes bens jurídicos a proteger e consagrar as soluções jurídicas que, em conformidade, considere mais adequadas" ([4]).
No caso dos autos, estando o segredo de justiça exclusivamente adstrito à sua vertente externa, a partir do momento em que funciona a regra da publicidade para aqueles que surgem nos autos enquanto sujeitos processuais, ao admitir-se a constituição de assistente de jornalistas,  mostra-se habilmente  contornada aquela limitação imposta pelas normas que regem precisamente, a liberdade de informar e a liberdade de  imprensa.
Ora, "Embora se reconheça que à comunicação social cabe o direito de informação sobre casos judiciais e respetivos atos processuais, e que uma tal atividade pode até ser benéfica para a própria realização da justiça, a verdade é que, para além de ela contender com limites objetivos à liberdade de informação, entre os quais avultam o segredo de justiça e [...] as proibições judiciais e normativas à informação, apesar de o plocesso poder estar coberto pelo princípio da publicidade, o certo é que outros interesses se apresentam como limites à atuação da comunicação social, no âmbito da justiça penal. São interesses individuais e supra-individuais que de certo modo já estão implicados naqueles limites antes referidos (segredo de justiça e proibições de informação)" ([5]).
6.       Destarte, o artigo 68º, nº 1, alínea e), do CPP e o artigo 8º, nº 3, da Lei n° 1/99, de 01 de janeiro, isolada ou conjugadamente interpretados em sentido conforme à Constituição, de modo a que haja uma concordância adequada entre interesses com dignidade constitucional, onde a adequada proteção legal do segredo de justiça baliza os termos em que o direito de acesso às fontes de informação se concretiza, vedam a constituição como assistente de jornalistas nos processos onde esteja determinado o regime de segredo de justiça, seja na sua vertente interna, seja na sua vertente externa.
Mais: a limitação do direito de jornalistas se constituírem como assistentes, em processos penais que na fase de inquérito se encontrem sujeitos ao regime de segredo de justiça, cumpre integralmente a disciplina constitucional sobre restrições de direitos fundamentais (cf. artigo 18° n° 2 da Constituição), na medida em que (i) essa limitação é, não só, consentida, como é, até mesmo, imposta  pela Constituicão, (ii) acha-se prevista em lei  anterior e (iii) revela-se proporcional à salvaguarda dos interesses tutelados pelo regne de segredo de justiça, de dignidade relativamente superior às liberdades de informação e de imprensa e ao direito de acesso às fontes de informação.
Com efeito, ao estabelecer que " [a ] lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça" (cf. artigo 20°, n° 3, da Constituição), inclusivamente antes de reconhecer a liberdade de imprensa, a qual, desde logo, prevê que o direito de acesso às fontes de informação é exercido "nos termos da lei" (cf. artigo 38º, n° 2, alínea b), da Constituição), o legislador e o intérprete encontram na Lei Fundamental a autorização bastante para que o referido direito à constituição como assistente por jornalistas seja, pelo menos, limitado, impedindo-se o seu exercício nas situações onde o processo penal se encontre sob o regime de segredo de justiça;
É o que é alcançado, por exemplo, na conjugação das regras que resultam dos artigos 3° da Lei da Imprensa, 8°, nº 3, do Estatuto do Jornalista, 86°, n° 8 e 88°, do CPP, das quais decorre a exclusão do direito de acesso às fontes de informação, enquanto direito instrumental das liberdades de informação e de imprensa, os processos que se encontram sob o regime de segredo de justiça;
Face aos interesses que são salvaguardados pelo segredo de justiça, quer de natureza supra-individual - como o é a eficácia da ação penal e a proteção dos interesses da comunidade alcançada com essa eficácia -, quer de natureza individual - presunção de inocência, proteção da reserva da intimidade da vida privada, honra, etc. - e na medida em que ao impedir-se a constituição como assistente de jornalistas continua a ser possível o exercício das liberdades de informação e de imprensa - apenas já não com recurso a esse instituto processual penal, e num momento muito específico do processo, que é a fase de inquérito, em que a limitação de acesso aos autos se acha prevista em múltiplas outras situações -, estando, assim, em bom rigor, antes perante urna limitação de um direito e não tanto de uma restrição, a mesma revelar-se-á, objetivamente, adequada e necessária aos interesses que a justificam.
É que, a final, a liberdade de informar e a liberdade de imprensa serão, sempre, alcançadas e asseguradas, limitando-se e impedindo-se apenas a que estas se exerçam por via do acesso (que a Constituição quer restringir) a inquéritos que estejam sujeitos ao regime de segredo de justiça, através da constituição como assistentes.
Procurando a concordância prática entre interesses fundamentais, a liberdade de informar e a liberdade imprensa exercer-se-ão plenamente até ao ponto em que - e aí terão de recuar -, para serem exercidas, tenham de recorrer a mecanismos inclusivamente estranhos e alheios à atividade jornalística, como seja o instituto processual penal da assistência. Não foi erigido como ferramenta ou mecanismo próprio da atividade jornalística, pelo que a sua exclusão da atividade jornalística, sobretudo alicerçada ou suportada em interesses fundamentais de relativa preponderância - como são os tutelados pelo segredo de justiça - revela-se não apenas adequada, como necessária e, por isso, proporcional.
Assim, é materialmente inconstitucional a norma segundo a qual, em processos sujeitos a segredo de justiça, é admitida, na fase de inquérito, a constituição de assistente requerida por jornalistas ao abrigo do artigo 68°, n° 1, alínea e), do CPP.
Nos termos do artigo 204º da CRP, os Tribunais não podem "aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados", Por conseguinte, deverá ser recusada a aplicação da norma cuja inconstitucionalidade se alegou supra,
O que também se concretizou nos termos e para os efeitos do cumprimento do disposto no artigo 72º, n° 2, da Lei nº 28/82, de 15 de novembro, na parte em que prevê que os recursos das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo "só podem ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer",
A terminar:
7. Não obstante a circunstância de os presentes autos se encontrarem sujeitos ao regime de segredo de justiça (pelo menos na sua vertente externa), a verdade é que isso não impediu o órgão de comunicação social onde o requerente exerce a sua profissão de, profusamente, proceder à publicação e divulgação de artigos jornalísticos sobre o teor de atos processuais praticados nestes mesmos autos.
(…).
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exa. suprirá, por a Constituição impedir a constituição como assistente, de jornalistas, na fase de inquérito, em processos sujeitos ao regime de segredo de justiça, se esse requerimento for ancorado no artigo 68º, n° 1, alínea e), do CPP e, assim, por não se mostrarem preenchidos os pressupostos normativos de que depende o reconhecimento da legitimidade e capacidade do requerente para se constituir como assistente, deverá o seu requerimento ser indeferido.”
O requerente da constituição de assistente, MJB veio responder à oposição do Ministério Público à sua pretensão, nos termos que se transcrevem parcialmente, discordando desde logo do argumento do M.P quando defende não ser suposto os jornalistas assumirem a posição de colaboradores do M.P: (…)
27.Clara é a importância da atuação do assistente, que dispõe de meios para colaborar efetivamente com o esclarecimento dos factos, auxiliando para que o processo atinja o seu objetivo consubstanciado no cumprimento da lei através de uma decisão justa
28.E facto é que, a imprensa e o trabalho desenvolvido pelos jornalistas têm um papel de extrema importância na democracia e não devem ser considerados como "perturbadores" nem tel profissão deve ser confundida com outras atividades que tenham por fim desmantelar o estado ou sua ordem.
29.Muito pelo contrário: a atividade do jornalismo traz à tona, e tem trazido cada vez mais, situações que muitas vezes são ocultadas por interesses escusos, mas que devem ser reveladas para a garantia do estado de direito democrático.
30.E ao contrário do entendimento do Ministério Público, a participação do jornalista no processo penal, na qualidade de assistente, fulcrada no dispositivo acima mencionado, ainda que restrita aos processos de apuração de crimes do interesse público, em muito auxilia e contribui na efetivação de justiça ou no combate à criminalidade.
31, Pelo que, a atividade do jornalista é compatível com o acesso ao processo como assistente, ante a indiscutível contribuição, trazendo notórios avanços à Administração da justiça e ao bom andamento do processo, colaborando no combate à criminalidade, como requer o instituto da assistência.
32. Ao considerar que o Requerente não tem legitimidade para se constituir como assistente única e exclusivamente por exercer a profissão de jornalista, o Ministério Público discrimina o Requerente em função da profissão que exerce e desmesuradamente a comunicação social.
33.Assim, impedir a constituição como assistentes aos jornalistas,significa aceitar, até, uma corrosão completa da relevãncia  do jornalismo, nomeadamente até do jornalismo de investigação, figura fundamental numa sociedade democrática e no combate à criminalidade. (…)
36.Em suma, verifica-se, sem margem para qualquer dúvida, o requerente tem legitimidade para se constituir como assistente nos termos e para os efeitos da alínea e) do n°1 do artº 68° do CPP.
37.Entendimento diferente será manifestamente contrario à Lei, não assistindo  gualquer razão à Exma. Senhora Procuradora.
39. Pelo que, em face de tudo quanto acaba de se expender, revela-se sem necessidade de mais considerações, inequívoco  que o requerente tem  legitimidade para se constituir como assistente, ao abrigo do disposto na alínea e) do n°1 do artº 68° do CPP  penal, não devendo ser indeferida a sua pretensão, o que uma vez mais se requer para todos os efeitos legais
Vejamos.
Tal como bem foi já mencionado nos presentes autos, o jornalista MJB, apresentou um pedido de constituição como assistente nos presentes autos, invocando como base legal do seu pedido, o disposto no artigo 68°, n° 1, alínea e), do CPP e a circunstância, segundo refere, de o presente inquérito ter "como objecto a investigação de factos suscetíveis de configurar a prática de crimes de corrupção ativa e passiva, tráfico de influência e oferta ou reecebimento indevido de vantagem no fenómeno futebol”.
Ora é verdade que a investigação processual levada a cabo pelo M.P no caso presente, tem por objecto os crimes acima mencionados e que os tipos penais convocados, de facto, se encontram incluídos no catálogo a que a referida alínea e) do n° 1 do artigo 68° se reporta.
Tal constatação, porém, não implica, automaticamente, o reconhecimento do preenchimento de todos os pressupostos normativos de que depende a constituição como ass istente.
E, menos ainda, que se reconheça sem mais, a partir desta constatação, a legitimidade do requerente jornalista ora recorrido, para assumir o estatuto de assistente nos presentes autos.
Importa desde logo sublinhar, que os presentes autos no Tribunal de 1ª instância:
- encontram-se em fase de inquérito, sujeitos a segredo de justiça externo; encontrando-se o Ministério Público, ainda, a desenvolver diligências de investigação; foi também já preferido um despacho pelo Ministério Publico a restringir a consulta das informações coligidas no Apenso AL durante a fase de inquérito, por se encontrarem sujeitas a sigilo profissional;
- por fim os presentes autos são compostos por centenas de Anexos e Apensos sujeitos a diferentes sigilos – sigilo bancário, sigilo profissional, sigilo das telecomunicações, sigilo fiscal e disciplinar – cfr informação obtida oficiosamente em 7.12.2023 por este Tribunal de recurso.
Poderemos assim partir para a análise da questão objecto deste recurso, lembrando que o MP sustentou a sua posição, com base em quatro linhas de orientação:
- o facto de o recorrido não requerer a sua constituição como assistente enquanto cidadão comum mas na sua qualidade de jornalista;
- o facto de não parecer ser legalmente compatível com o estatuto de jornalista, a posição de assistente (uma vez que o estatuto de assistente comporta o direito a requerer diligências, deduzir acusação, interpor recurso);
- que o indeferimento de constituição de assistente não é contraditório com o direito constitucional da liberdade de informar, de ser informado e da liberdade de imprensa dos artigos 37° e 38° da CRP;
- e que o requerimento de concessão do estatuto de assistente a jornalista pode configurar um abuso de direito.
Na análise que faremos a seguir, procuraremos abordar todos este pontos acima sistematizados.
Começaremos pelo último ponto, para dizer que o STJ já veio falar na existência de abuso de direito, sempre que tal constituição de assistente seja comprovadamente usada para outros fins, como sucedeu no Acórdão relatado pelo SR Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR, de 09/09/2015, Proc. nº 499/12.2TTVCT.G1.S1, consultável em www.dgsi.pt: "O estatuto material do assistente e a natureza dos interesses que a qualidade e posição processual se destinam a assegurar nos casos de legitimidade «popular», previstos no artigo 68°, n° 1, alínea e) e em disposições de leis avulsas - realização do direito de colaboração com o MP no exercício da ação penal para a realização do interesse público ­impedem a apropriação da qualidade quando através da constituição de assistente se pretendem prosseguir outros interesses, fora ou em desvio das finalidades da atribuição do estatuto de sujeito processual; exemplo típico de utilização desviaste e em clara situação de abuso de direito (abuso de direito de constituição de assistente) será o caso, de invenção recente, de jornalistas que requerem a constituição como assistentes utilizando a legitimidade «popular», não com qualquer intenção ou interesse de colaboração com o MP na prossecução das finalidades do processo e da realização da justiça, mas apenas com o objectivo de recolha de informação do processo, contornando as regras sobre o segredo de justiça, através do acesso que a qualidade de assistente lhe permite. Em tais casos, com fundamento em carência dos pressupostos materiais que justificam a qualidade de assistente e também no abuso de direito, não deve ser admitida a intervenção conto assistente, ou, se a verificação resultar de comportamento subsequente à admissão, deve ser retirada a qualidade de sujeito processual" em Código de Processo Penal Comentado, 2016, 2ª Edição Revista Almedina pág.220.
De acordo com estabelecido no artigo 334º, do Código Civil, “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
O abuso de direito configura-se como um princípio fundamental da ordem jurídica, perspectivada na sua unidade – daí a sua aplicação transversal a todos os ramos do direito, ainda que o seu conceito seja dado a conhecer no Código Civil – traduzindo-se em que o exercício dos direitos tem limites, pelo que a titularidade de um direito não confere um complexo de poderes absolutos inerente ao seu exercício.

Todavia e sem prejuízo do acabado de expor, podemos adiantar em resumo que ressalvando a existência da figura do abuso de direito - a qual não nos parece poder ser aqui invocada a priori e em abstracto, apenas podendo ser invocada em concreto, perante uma determinada actuação que viesse a ser desenvolvida pelo jornalista, contrária às finalidades subjacentes ao instituto do assistente, se o mesmo viesse a ser admitido como assistente no ambito dos presentes autos), entendemos que assiste razão ao M.P e acompanhamos e subscrevemos a sua argumentação em geral, que aqui fazemos nossa, em especial o defendido nos pontos 6. e 9 das suas conclusões que  aqui damos por reproduzidas. 
Para iniciar, concedemos ser este um tema naturalmente controverso, dada a tensão que sempre existiu entre os meios de comunicação social e o decurso de um qualquer processo penal (em especial quando estão em causa processos que envolvem crimes de corrupção ou outros ilícitos ligados a importantes interesses desportivos, económicos e financeiros da nossa sociedade), devendo reconhecer-se à partida, que são objecto desta discussão, distintos direitos e interesses, todos eles com tutela constitucional entre nós.
Entendemos porém, ser obrigação do julgador, proceder a uma interpretação que seja, não literal e linear das mormas legais e princípios gerais aqui aplicáveis, mas sim sistemática e conjugada de todos os diferentes elementos relevantes, procurando respeitar a lógica e equilíbrio do sistema jurídico globalmente considerado, para que daí possam resultar soluções jurídicas adequadamente harmoniosas, o que sem dúvida se reconhece não ser uma tarefa fácil. 
Voltemos então ao caso concreto.
Encontrando-se os presentes autos na fase de inquérito e sujeito a segredo de justiça nos termos acima referidos, o jornalista MJB requereu em 2.3.2023 na 1ª instância, a sua constituição como assistente e foi admitido como tal por despacho proferido pela Srª JIC em 29.7.2023, ao abrigo do estabelecido na alínea e), do nº 1, do artigo 68º, do CPP, segundo a qual “podem constituir-se assistentes no processo penal (…) qualquer pessoa nos crimes contra a paz e a humanidade, bem como nos crimes de tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário, denegação de justiça, prevaricação, corrupção, peculato, participação económica em negócio, abuso de poder e de fraude na obtenção ou desvio desubsídio ou subvenção.”
Por via desta norma, quanto a determinadas categorias de crimes, denominados “sem vítima”, como os ali elencados, permite-se a qualquer pessoa que se constitua assistente, tendo assim intervenção no processo penal.
Já o dissémos atrás, não haver dúvidas que nos presentes autos se investigam crimes de corrupção activa e passiva, tráfico de influência e oferta ou recebimento indevido de vantagem e como tal, esses crimes estão claramente incluídos no catálogo a que se refere a alínea e) do nº 1 do artº 68º do C.P.P.
Todavia, concordamos com o MP recorrente, no sentido de que o estabelecido no aludido normativo não pode ser interpretado isoladamente, mas antes em conjugação com o plasmado no artigo 69º do CPP, segundo o qual, o assistente, ainda que sendo um sujeito processual, tem a posição de colaborador do Ministério Público, a cuja actividade subordina a sua intervenção, mais até quando for deduzida a acusação pública, com as excepções que a lei determina.
Todavia e sem prejuízo, há que reconhecer também, que o assistente tem o direito de intervir no processo, não estando, porém, obrigado a fazê-lo e muito menos de acordo com o juízo de oportunidade ou com a vontade do Magistrado do Ministério Público titular do processo (ou do Juiz de Instrução Criminal), porquanto a subordinação não impede que face aquele tenha autonomia, mas na realidade, não deixará nunca de ser um colaborador do M.P.
Daí que, o escopo que a lei visa quanto à constituição de assistente, quando em causa está algum dos crimes catalogados na dita alínea e), seja o de proporcionar o exercício de uma “cidadania activa” em colaboração com o Ministério Público e não quaisquer outros propósitos de natureza iminentemente subjectiva, como seja o de mais fácil obtenção de informação pelo assistente, para ser utilizada na sua actividade profissional - no caso do jornalista, para a usar em peças jornalísticas relativas a matéria constantes dos auto e seus intervenientes.
Seguindo este tipo de pensamento, defendemos por isso que apenas a posteriori, se poderia vir reivindicar estarmos perante um manifesto abuso de direito, quando comprovadamente se viesse a demonstrar que um determinado jornalista assim procedesse em concreto, isto é, num determinado processo, usasse claramente o instituto da constituição de assistente para outros fins diferentes, nos termos acabados de expor e nessa medida, defendemos que o actual estado dos autos, não nos permite apontar desde já, para a existência de um manifesto “abuso de direito” por parte do jornalista MJB, como fundamento para sustentar a posição do M.P.
Contudo e sem prejuízo, não se ignora que a abordagem deste tema pressupõe uma resposta à questão de saber, se nos casos como aquele que é objecto do presente recurso - em que temos um jornalista nessa qualidade e no pleno exercício do seu mester, a requerer a sua constituição de assistente - tal pretensão surge:
- apenas porque pretende ser um mero colaborador do M.P, nos termos permitidos pelo artº 69º do C.P, isto é, se a sua actuação se vai  desenvolver de acordo com o fim para o qual a norma legal do CPP prevê essa constituição ?
- ou se vai utilizar o estatuto do assistente para prosseguir outros fins, que não foram aqueles que o legislador previu, quando regulou este instituto?.
Dizemos também, que seguiremos aqui de perto e faremos nossas, as conclusões (a que de resto faremos expressa referência ao longo da nossa análise), constantes do estudo de Antonieta Arcoverde Nóbrega, Juíza de Direito no Estado de Paraíba Brasil e Mestranda em Ciências Jurídico Criminais pela FDUL, publicado num artigo, que constitui o seu relatório de Mestrado Científico em Ciências Jurídico Criminais apresentado na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa com o título “O Jornalista assistente no processo penal português”.
 É nossa convicção que no artº 68º/1 e) do C.P.P, com a utilização da expressão “qualquer pessoa”, o legislador não delimitou à priori quem pode requerer o estatuto de assistente, antes quis deixar claro que à partida, todos podem requerer tal estatuto, isto é, todos são elegíveis à partida.
Mas naturalmente que a resposta final sobre a procedência de tal admissão, terá que ser dada pelo Juiz em cada caso concreto, depois de analisada à posteriori a pretensão formulada, em função de todos os condicionalismos atinentes quer ao processo em si (por ex atinentes à fase processual em que o pedido é formulado e se o mesmo tem ou não natureza sigilosa), quer à pessoa que em concreto requer esse estatuto.
Com efeito, importa sublinhar que para nós, o jornalista não é própriamente « qualquer pessoa« , querendo com tal significar que por força do seu estatuto profissional está sujeito a certos deveres e é titular de certos direitos, que o distinguem do comum dos cidadãos e que tal realidade pode chegar mesmo a condicionar ou afectar o exercício da sua cidadania.
Tal como acontece aliás a outras profissões – por ex como é sabido, os médicos e bancários estão sujeitos ao sigilo profissional e os magistrados judiciais por exemplo estão sujeitos ao dever de sigilo e de reserva, de acordo com o qual lhes está vedado proferir declarações ou fazer comentários em praça pública sobre qualquer processo judicial, assim como também não podem revelar informações ou documentos a que tenham acesso no exercício das suas funções que estejam cobertos por segredo (artº 7º-B do EMJ aprovado pela Lei nº 21/85 de 30.7 na versão dada pela Lei nº 2/2020 de 31.3).
Nesta sequência, iremos de seguida fazer algumas considerações sobre a função do M.P enquanto titular do inquérito, sobre a função profissional do jornalista e sobre o estatuto do assistente (com base no já referido estudo de Antonieta Nóbrega).
Para podermos concluir depois, subscrevendo a argumentação do recorrente M.P, que se verifica no caso em apreço, na fase processual em que o pedido de constituição de assistente foi formulado, uma incompatibilidade entre o exercício da actividade dum jornalista (no caso o recorrido MJB), que se deve pautar pela objectividade e independência e a função de assistente no processo-crime, com as atribuições próprias que a lei lhe concede (cf. artigo 69º 1 e 2 do Código de Processo Penal) e que tal incompatibilidade permite fundamentar a recusa da sua pretensão aqui formulada.
Segundo nos ensina a autora Antonieta Nóbrega no já mencionado estudo (com sublinhados nossos): “(…) “Utilizando-se do permissivo legal que legitima qualquer pessoa a constituir­-se assistente no processo penal para apuração de crimes do interesse público, jornalistas portugueses têm insistentemente se habilitado nesses processos, com o fim exclusivo de obter informações constantes dos autos para publicá­-las através dos veículos de comunicação em que trabalham.(…) havendo casos em em que expressamente o jornalista veio publicamente reconhecer que não se constituiu assistente no processo penal para colaborar com a investigação ou com a acusação mas o fez com o fim de obter informações para repassar ao leitor do sistema de comunicação para o qual escreve (…).
A partir dessas declarações surgem diversos questionamentos que passam pela esfera de direitos fundamentais, como os direitos de informar e de ser informado, a liberdade de crônica e a liberdade de expressão, além da proteção legal da personalidade, com os meandros do segredo de justiça e da publicidade processual, até se perquirir sobre a função normativa dos sujeitos processuais, nomeadamente a do assistente, e sobre sua compatibilidade, ou não, com a atividade do jornalista – revelando que nesta matéria existe uma permanente tensão engre os vários interesses em causa, nomeadamente entre o interesse dos Media em informar e o interesse do M.P em que a investigação processual decorra na fase de inquérito longe dos olhares públicos, porque assim o requerem as boas práticas processuais para conservação da genuinidade da prova e por repeito ao princípio da presunção da inocência daquele que é denunciado pela prática de um crime.
Uma coisa é certa e constitui o ponto de partida da nossa análise subsequente: - as atribuições do assistente no processo penal português encontram-se muito bem delineadas no artº 69º CPP, não havendo hipótese de constituição com finalidades outras.
Nesse prisma, em face dos recorrentes casos em que jornalistas se constituem assistentes com finalidade exterior ao processo penal, surge o questionamento acerca da legitimidade dessas habilitações, à luz do que preceituam os arts. 68º e 69º CPP português.”
Concordamos pois com o MP recorrente, repetimos, no sentido de que o estatuto de jornalista em exercício de funções (no caso o recorrido MJB), briga com a constituição de assistente na fase actual do processo, em que tal pretensão foi formulada.
Tal como sustenta nas suas alegações de recurso, é legítimo a partir da "carência dos pressupostos materiais que justificam a qualidade de assistente”, defender que a alínea e) do número 1 do artigo 68° do CPP não pode servir como uma porta sempre aberta para todo e qualquer jornalista poder requeirer a constituição como assistente, fazendo entrar pela janela aquilo que o legislador não quis deixar entrar pela porta, como a experiência nos vem mostrando ter vindo a suceder com frequência nos ultimos tempos, na sociedade portuguesa.
Com efeito, concordamos com a argumentação sobre o papel do assistente, constante do referido estudo de mestrado, que fazemos nossa e aqui se deixa transcrita:
“(…) A atuação do assistente tem especial relevância no processo penal, visto que se propõe a coadjuvar o órgão acusador na produção da prova e no acompa­nhamento dos atos processuais, sobretudo nos sistemas e hipóteses em que a ação é pública.(…).
E depois de fazer uma breve análise por outros sistemas europeus (França, Itália e Alemanha) conclui assim a autora: “Assim, apesar de algumas semelhanças, não se verifica na legislação estran­geira qualquer precedente que se equipare à figura do assistente com a extensão conferida no Direito Processual Penal português, como destacado por Silva Dias, nos moldes que se verá a seguir.
Não obstante seja definido no artº 69º CPP português como mero colaborador do MP, a cuja atividade fica subordinada sua atuação, salvas as exceções legais, percebe-se que o assistente por aqui vai muito além desse papel de auxiliar, caracterizando-se, na verdade, como autêntico sujeito processual, conforme bem explicitado por Sousa Mendes e grande parte da doutrina.
Sua constituição pode se dar desde as fases preliminares do processo penal, como o inquérito, sendo-lhe facultado oferecer provas e requerer diligências, até a dedução de acusação, independente do MP, o requerimento de abertura de instrução e a interposição de recurso das decisões que lhe digam respeito, nos moldes do artº 69º, nº 2, als. a), b), c) c/c artº 284º, nº 1; artº 285º, nº 1 e artº 287º, nº 1, al. c), todos do CPP.
A constituição como assistente opera-se por despacho fundamentado do juiz, depois de ouvidos o MP e o arguido acerca do requerimento do interessado, podendo se dar em qualquer fase do processo, através de pedido formulado ao magistrado até cinco dias antes do início dos debates instrutórios ou da audiência de julgamento.
Note-se que o assistente será sempre representado por advogado, sendo um só advogado para todos os assistentes, cabendo ao juiz decidir acerca do advogado, quando houver divergência entre os assistentes, excetuando-se dessa regra os casos em que sejam vários os crimes apurados, hipótese na qual os assistentes podem constitutir um advogado para acompanhar de cada crime.
Mister destacar que a ação penal é pública e seu titular é o MP, motivo pelo qual o assistente é definido em lei como colaborador.
No entanto suas atribui­ções vão muito além do papel de coadjuvante, pois, na verdade, tem capacidade autônoma que lhe permite divergir do órgão acusador oficial; acusar por fato diverso daquele da acusação oficial; requerer abertura de instrução quando o MP assim não fizer e pedir o arquivamento do inquérito; requerer julgamento com intervenção do júri e interpor recurso das decisões que o afetem, mesmo que o MP não o tenha feito.(…) somente se justifica definir o assistente como colaborador do MP porque depois de fixado definitivamente o objeto do processo, com a dedução da acusação, ele passa a ter atuação subordinada à do MP, destina­tário último de seus atos, seja por via dos atos estimulantes da atividade do órgão acusador público ou de controle de sua atividade. Destaca o Autor, por outro lado, que na fase do inquérito a atuação do assistente é mais intensa e desvinculada do MP, contribuindo efetivamente para a delimitação do objeto do processo.
Registre-se, por oportuno, que a subordinação do assistente ao MP não se consubstancia em subserviência ou necessária concertação de posições, mas, importa dizer que o assistente contribui para que os interesses confiados ao MP através da ação penal sejam mais eficazmente realizados.
Vê-se, dessarte, que o assistente tem ampla atuação no processo penal português, merecendo análise acurada de alguns pontos de maior relevância para o presente estudo, nomeadamente, acerca de quem tem legitimidade de constituir-se para o mister.
Nesse aspecto é que o processo penal pátrio se diferencia dos demais sistemas conhecidos, posto que a legitimidade para se constituir assistente ultrapassa a pessoa do ofendido e seus sucessores, chegando a alcançar qualquer pessoa, nos casos previstos em lei, que envolvem o interesse público.
Percebe-se logo do artº 68º, nº 1, al. a) CPP, que, embora a jurisprudên­cia dominante restrinja o conceito de ofendido ao titular do interesse direta, imediata e predominantemente protegido pela incriminação, o legislador, ao tutelar o interesse que a lei especialmente quis proteger, permite, em consonância com a melhor doutrina, um alargamento desse conceito, baseado nos moder­nos parâmetros da vitimologia, com ampliação da participação processual da vítima, servindo o processo como autêntico meio de pacificação social.(…).
Registre-se, finalmente, a possibilidade de qualquer pessoa se constituir assis­tente, nos casos que tratam de crimes contra a paz e a humanidade, tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário, denegação de justiça, prevaricação, corrupção, peculato, participação econômica em negócio, abuso de poder e fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, nos termos do artº 68º, nº 1, al. e) CPP 18, que neste trabalho ficam todos englobados na designação genérica de crimes do interesse público, para evitar enfadonhas repetições da longa lista de crimes acima enunciada.
(…) Em recente decisão, proferida aos 18 de novembro de 2015, o Tribunal da Relação de Coimbra diferenciou esses conceitos, pontuando que o conceito de ofendido recepcionado pelo Código Penal, artº 113º, nº 1, com base no qual se confere a legitimidade para constituir-se assistente à luz do artº 68º, nº 1, a) CPP, é o conjunto de pessoas a quem a lei quis especialmente proteger com a incriminação, e não, o conceito lato de ofendido disposto no direito civil. No mesmo sentido, o Acórdão do STJ, nº 1/2003.
Há que se reconhecer, então, que a habilitação de qualquer pessoa como assistente no processo penal português não se dá pela elasticidade no conceito de ofendido, mas, em razão do interesse público envolvido nos crimes enumerados em lei, face à relevância do bem jurídico tutelado nesses tipos penais especí­ficos.
Conclui-se, pois, que o objetivo da lei com essas habilitações resume-se em política criminal que visa uma maior transparência na administração da justiça e um combate mais eficaz a certas formas de criminalidade. (…)
Ora, (…) a lei não exige sequer que a pessoa de que trata a alínea e), do n° 1, artº 68° CPP, seja cidadão português, sendo suficiente que tenha capacidade para estar em Juízo.
 Assim, difícil vislumbrar que tipo de colaboração com a acusação poderia proporcionar, por exemplo, pessoa estrangeira, mormente quando residente fora de Portugal, que justificasse seu interesse processual.
Nesse norte, difícil compreender o interesse processual de qualquer pessoa, para participar de um processo penal, ainda que como auxiliar do MP, mas com status de sujeito, se a sua atuação pode e deve ser absorvida pela própria atividade inerente ao órgão acusador público.(…)”
A subordinação da intervenção do assistente ao Ministério Público, sobretudo no caso de crimes de natureza pública, é compreensível na medida em que no processo criminal está em causa, acima de tudo, um interesse público que é a realização da justiça e reposição da ordem jurídica violada.
Mas como se pode ler na passagem acima transcrita, esta autora chama a atenção para o facto de o conceito de colaboração e de subordinação, não significar obviamente que a intervenção do assistente não possa entrar em directo conflito com as decisões do MP.
O que se pretende dizer é, isso sim, que o interesse que o assistente eventualmente corporize (que tem de ser um interesse particular, autónomo) tem que estar subordinado ao interesse público, pelo que a actuação do assistente, fundada no interesse particular, só assume relevância (processual) na medida em que contribua para uma melhor realização da administração da justiça (ou, no caso concreto, um melhor exercício da 'acção penal').
Em todo o caso, mesmo nessas situações de autonomia, o assistente é sempre um colaborador do Ministério Público, no sentido de que, com a sua actuação, contribui para uma melhor realização dos interesses cometidos ao Ministério Público, ou seja, para uma melhor realização da justiça.
Assim sendo cumpre averiguar em cada caso, se existem fundamentos para a atribuição do estatuto de assistente, na fase de inquérito dirigida pelo M.P (artº 262º e artº 263 do C.P.P) relativamente a pessoas que, tal como sucede com o jornalista MJB, apenas pretendem adquirir o mesmo, não para exercer qualquer prerrogativa inerente a esse estatuto, em sede de requerer diligências, de oferta de provas ou de dedução de acusação, mas sim, para utilizar a informação a que acedem dentro do processo para, no âmbito da sua profissão de jornalistas, produzirem peças, publicadas por órgãos de comunicação social.
Ora no caso presente, não foi apesentado de forma mínimamente estruturada, a existência de um qualquer interesse legítimo do jornalista MJB, para agir no exercício de uma cidadania activa e assim colaborar com o M.P na investigação em curso nos presentes autos.
Assim sendo, é legítimo concluir que o fundamento para a constituição como assistente deste Jornalista no caso em apreço, consiste básicamente em poder ter acesso à informação contida nos autos e não, tal como diz o artigo 69º nº 1 do CPP, em colaborar com o Ministerio Público no âmbito de uma cidadania activa.
Contudo, cumpre referir uma vez mais, tal como já acima ficou expresso, que o espirito do legislador ao conferir legitimidade a «qualquer pessoa», para intervir nos autos como assistente, quando estão em causa crimes de natureza supra-individual, é o de conferir aos cidadãos a possibilidade de exercerem uma cidadania activa, participativa e de colaborarem com Ministério Público na realização da justiça e não o de conferir aos jornalistas, o acesso a informação contida nos autos ou um interesse de através de um estatuto «de privilégio», obter informação de forma mais fácil – situação que ocorre nos presentes autos e levou o M.P à interposição do presente recurso.
Na verdade, a norma contida na aliena e) do citado artigo 68º nº 1 do CPP, não visa garantir o direito constitucional de acesso à informação, consagrado no artigo 38º da CRP, mas somente o exercício de uma cidadania activa.
Para garantir o direito de acesso às fontes de informação, o legislador processual penal consagrou o regime legal previsto nos artigos 88º e 90º do CPP e artigo 8º do Estatuto do Jornalista.
Posto isto, centremos agora a nossa análise na questão da incompatibilidade do estatuto de assistente, com o papel de um jornalista, em exercício de funções.
Consideramos que a constituição de um jornalista como assistente, nos termos e com as finalidades acima referidas, para além de constituir uma violação do espirito da lei, nos termos acima mencionados, suscita ainda questões ao nível do próprio estatuto do jornalista, no que concerne à sua obrigação de neutralidade e objectividade, em virtude de o assistente assumir a posição de colaborador e de subordinação ao MP.
Idêntica posição foi assumida na deliberação proferida a 3-11-2015 pelo plenário da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (com sublinhados nossos):
«A CCPJ, reunida em Plenário, deliberou considerar incompatível com o exercício da profissão de jornalista a respectiva constituição como assistente em processos penais sobre os quais desenvolva trabalho, atentos os seguintes fundamentos sumários:
Aos jornalistas, tal como a qualquer pessoa, é lícita a constituição como assistente em processos penais em que se averiguem crimes contra a paz e a humanidade, bem como os crimes de tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário, denegação de justiça, prevaricação, corrupção, peculato, participação económica em negócio, abuso de poder e de fraude na obtenção ou desvio de subsídio ou subvenção (artº 68º/1, e) do Código de ProcessoPenal);

 Porém, a constituição de jornalistas como assistentes em processos sobre os quais desenvolvam trabalho é incompatível com o exercício da profissão, uma vez que a natureza e a função desse sujeito processual, tal como legalmente definidas, comprometem a independência, integridade profissional e dever de imparcialidade desses jornalistas».
Voltaremos mais adiante, quando falarmos do regime de acesso dos jornalistas ao processo, que se encontra específicamente regulado no nosso C.P.P., a esta questão da integridade profissional e da imparcialidade, que devem pautar o trabalho de um jornalista na sua função de informar com objectividade a opinião pública, tornando-se assim tal função incompatível com o papel de colaborador do M.P. (por assumir este último uma visão necessáriamente parcial, já que representa a acusação).
Em face de tudo o acima exposto, neste ponto da nossa argumentação e em resumo, podemos dar como assentes os seguintes pontos:
A constituição de assistente nos processos relativos aos crimes referidos no artº 68º/1 al e) do C.P.P, é considerada pelo legislador como uma expressão do exercício de um direito de cidadania, em face da natureza e relevânca comunitária dos valores universais da dignidade da pessoa humana, e não individualizáveis em direitos próprios - protegidos pelos crimes referidos.
O que está subjacente nesta alínea é o principio de legitimar a toda e qualquer pessoa a exercer o seu direito e a colaborar com o Ministério Público investigação.
E tal resulta, não pela elasticidade no conceito de ofendido, mas em razão do interesse público envolvido nos crimes aqui em apreço, face à relevância do bem  jurídico  tutelado nesses tipos penais específicos.
Desse modo, a habilitação a qualquer pessoa para se constituir assistente nos crimes ali enumerados visa a transparência da justiça e a colaboração da sociedade para o efetivo combate aquele tipo de criminalidade, que envolve o interesse público por ter como bem jurídico ofendido, o património público, a paz ou a humanidade.
Por esse motivo, é que a lei não exige sequer por exemplo, que a pessoa de que trata a alínea e) do artigo 69° do CPP seja sequer cidadão português.
Uma vez assentes estes factos, iremos prosseguir na nossa análise para dizer o seguinte:
Sem prejuízo do resumo acima exposto e como já atrás deixámos expresso, o legislador no artº 68º/1 e) do C.P.P, quando nos apresenta o conceito de “qualquer pessoa”, apenas pretendeu signficar que a priori nenhuma pessoa pode ficar de fora, os seja que para ser admitida como assistente, o legislador considera em abstracto elegível qualquer pessoa.
Mas tal não significa porém, que a posteriori, o Juiz não seja obrigado a  avaliar em cada caso concreto que lhe for apresentado, se o requerente reune ou não todos os requisitos para a sua pretensão poder ter acolhimento legal, dentro do nosso sistema processual globalmente considerado.
Ora no caso dos jornalistas em exercício de funções, que venham a formular tal pretensão ao abrigo deste preceito, como sucedeu no caso presente, entendemos que tal pretensão não poderá ser atendida, pelas razões já acima afloradas e que de seguida melhor serão explicadas.
Desde logo, não se diga como faz o jornalista MJB na sua resposta ao recurso, que se vai negar um direito a um cidadão, recusa essa motivada única e exclusivamente na profissão que o mesmo exerce.
Ou que o Ministério Público, promove o indeferimento deste direito a um cidadão, motivada única e exclusivamente na profissão que o mesmo exerce.
Na verdade, recordemos que o jornalista MJB vem (quanto a nós sem razão) defender a seguinte tese: “Estamos perante uma norma que é aplicável a todas as pessoas, negar ou vedar tal direito a um cidadão, e neste caso, por desempenhar uma função de jornalista, configura uma clara e expressa inconstitucionalidade, bem como uma incompreensível e flagrante discriminação aos agentes que exercem esta profissão.”
   É nosso entendimento porém, que inexiste aqui qualquer violação da CRP.
Em 1ª lugar porque a constituição de assistente, nos crimes previstos no artº 68º/1 e) do C.P.P, visa um propósito concreto que não é o de permitir aos jornalistas ter acesso privilegiado à informação sobre os factos em investigação, nos termos acima expostos;
Em 2º lugar, porque os jornalistas sempre poderão ter acesso ao processo pela via própria, que se encontra regulada no artº 88º do C.P.P, não precisando por isso de se constituir assistentes para o efeito, nem de se sentir descriminados por efeito da sua profissão.
E por fim, em 3º lugar, quando for ultrapassada a fase de inquérito (a qual se encontra em segredo de justiça nos presentes autos, nos termos acima mencionados), e a publicidade do processo crime ganhar a sua verdadeira dimensão, com o pleno exercício do contraditório, então o pedido de constituição de assistente poderá ser formulado pelos senhores jornalistas, já sem os constrangimentos impostos na fase de inquérito, em que estão a ser desenvolvidas diligências de investigação sob a direcção do M.P, as quais se impõe que decorram longe do olhar público, a bem da realização da justiça.
O que se acaba de dizer em 3º lugar, é válido não apenas para os crimes a que se refer o artº 68º/1 e) do C.P.P, mas também para todos os crimes sob investigação pelo M.P, pois que a prática tem revelado no nosso país, que a proatividade dos jornalistas assistentes, vai no no sentido de eles se aproveitarem para seu beneficio próprio, da posição de assistentes para ter acesso privilegiado às provas colacionadas nos autos e divulga-las nos jornais para a qual trabalham.
Analisemos agora a questão da publicidade do processo versus segredo de justiça
O processo crime é em regra, por força do artigo 86º nº 1 do CPP, público.
Por sua vez, dispõe o artigo 90º nº 1 do CPP que, qualquer pessoa que nisso revelar interesse legítimo, pode pedir que seja admitida a consultar auto de um processo que não se encontre em segredo de justiça (…).
  Sendo a regra do processo penal a publicidade, esta constitui um requisito fundamental para a realização da justiça, quer se encare esta do ponto de vista dos sujeitos processuais, do Tribunal ou da sociedade.
Nesta medida, podemos compreender que se os sujeitos processuais devem colaborar com as autoridades judiciárias, com vista ao esclarecimento da verdade, nada melhor para conseguir esse desiderato do que permitir-lhes o conhecimento dos factos.
Por outro lado, também quanto à actividade do Tribunal e do M.P, é compreensível que se os mesmos agirem à vista de todos, se poderá evitar mais facilmente críticas de parcialidade.
«O princípio da publicidade (…) funciona como garantia para os sujeitos processuais particulares, pois assegura-lhes que a verdade não será abafada por uma jurisdição cega e parcial»; para o tribunal, porque a sua actuação torna-se transparente, ficando acima de críticas uma vez que a prova é produzida à vista de todos; para a comunidade em que o tribunal se insere, que verá nessa justiça a afirmação de que, em caso de lesão dos seus direitos, eles serão protegidos», ver, EIRAS, AGOSTINHO, Segredo de Justiça e Controlo de Dados Pessoais Informatizados, Coimbra Editora, Colecção Argumentum, 1992, pp. 27 a 29 e pp. 12 e 13, e, JÚNIOR, AMÉRICO BEDÊ e SENNA, GUSTAVO, Princípios do Processo Penal, Entre o Garantismo e a Efectividade da Sanção, Editora Revista dos Tribunais,2009,p.318.
A publicidade do processo implica os direitos de assistência, nomeadamente às audiências, pelo público em geral, à realização dos actos processuais, bem como à narração dos actos processuais, ou reprodução dos seus termos, pelos meios de comunicação social, assim como à consulta do auto e obtenção de cópias, extractos e certidões de quaisquer partes dele.
A CRP consagra no artigo 37º, «liberdade de expressão e informação”, estatuindo que “todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações».

 Consagra ainda no artigo 38º a “liberdade de imprensa e meios de comunicação social” a liberdade de expressão, o direito dos jornalistas ao acesso às fontes de informação e à protecção da independência e do sigilo profissionais, a independência dos órgãos de comunicação social, perante o poder político, económico, cabendo a uma entidade administrativa independente assegurar nos meios de comunicação social a “regulação da comunicação social»
Dispõe o artigo 22º nº 1 b) da Lei de Imprensa que Constituem direitos fundamentais dos jornalistas, com o conteúdo e a extensão definidos na Constituição e no Estatuto do Jornalista: «A liberdade de acesso às fontes de informação, incluindo o direito de acesso a locais públicos e respectiva protecção».

Artigo 6º al. b) do Estatuto do Jornalista consagra «A liberdade de acesso às fontes de informação».
Artigo 8º nº 3 do Estatuto do Jornalista, «O direito de acesso às fontes de informação não abrange os processos em segredo de justiça, os documentos classificados ou protegidos ao abrigo de legislação específica, os dados pessoais que não sejam públicos dos documentos nominativos relativos a terceiros, os documentos que revelem segredo comercial, industrial ou relativo à propriedade literária, artística ou científica, bem como os documentos que sirvam de suporte a actos preparatórios de decisões legislativas ou de instrumentosdenaturezacontratual.
Daqui resulta que os meios de comunicação social concretizam sem dúvida um direito constitucional e um direito internacional, ao noticiarem a actividade da justiça, de acordo com o princípio da publicidade do processo penal.
Para além disso, concordamos que a divulgação de actos processuais, pela comunicação social, desde que devidamente enquadrados e transmitindo a verdade material, constitui um forte contributo para a educação cívica, para o conhecimento dos direitos e deveres, para o acautelar de situações que o vulgar cidadão desconhece em relação a certa legislação, contribuindo outrossim para a formação cívica e informação da justiça.
Aqui chegados, cumpre sublinhar porém, que a liberdade de informar, apesar da protecção constitucional, não é um direito absoluto.
Desde logo, os jornalistas, os media, estão vinculados a deveres éticos, deontológicos, de rigor e objectividade.
Artº 3º da Lei de Imprensa - Lei 2/99, de 13.1- estatui:
“A liberdade de imprensa tem como únicos limites os que decorrem da Constituição e da lei, de forma a salvaguardar o rigor e a objectividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática.”

 Com efeito, os direitos fundamentais consagrados na Constituição não são ilimitados.Melhor dizendo, não existem direitos ilimitados, porque sempre que haja outros interesses constitucionalmente protegidos eles não poderão ser esquecidos.  
Tudo isto para dizer em resumo, que embora no nosso sistema processual vigore a regra geral da publicidade do processo penal (artº 86º/1 do C.P.P), ela só assume verdadeiramente toda a sua plenitude na fase do julgamento, ainda que após a dedução da acusação e também na fase da instrução (caso a mesma tenha lugarnos termos do artº 286º e segs do C.P.P) já possa haver uma maior abertura ao exterior.
É claramente o que resulta desde logo da expressão “ressalvadas as excepções previstas na lei” enunciada no nº 1 do artº 86º do C.P.P e da conjugação dos regimes delineados ao longo de todo o referido artº 86º, e nos restantes preceitos artºs 87º, 88º, 89º e 90º do C.P.P.
Da leitura destes preceitos, percebe-se que o legislador regula especificamente qual o condicionalismo e momento processual em que os vários interessados podem aceder ao processo, resultando claro que esse acesso ao longo da vida toda do processo, não é sempre livre, na total e plena acepção daquilo que dá sentido a esta palavra.
Com efeito, estabeleceram-se legalmente certas restrições no acesso ao processo penal, que se impõem não apenas quando é fixado o segredo de justiça, mas também mesmo que esse segredo não seja fixado, desde que simplesmente o processo se encontre em fase de inquérito – veja-se nomeadamente no artº 88º/2 a) do C.P.P, onde surge a cominação de crime de desobediência simples, haja ou não segredo de justiça, para a reprodução por parte dos senhores jornalistas, até à sentença de 1ª instância, de peças processuais ou documentos incorporados no processo, que não tenham sido obtidas por meio de certidão com menção do fim a que se destinam.   
   Na verdade, é claro para todos, que ao abrigo do artigo 88º nº 2 al. a) do CPP, fica proibida aos jornalistas, sob pena de cometimento de crime de desobediência simples, até à sentença de 1ª instância, a reprodução de peças processuais, incluindo gravações áudio de diligências, ou documentos incorporados no processo.
Desta forma, aquando da consulta dos autos, por parte de Jornalistas naquele contexto, deverá a secção no Tribunal identificar a pessoa em causa, mediante a carteira profissional e fazer constar no processo, através de cota, o dia e a hora da consulta.
  Assim sendo, damos como assente e com relevo para a discussão em causa, que dada a fase processual em que foi requerida a constituição de assistente nos presentes autos - inquérito em segredo de justiça nos termos acima mencionados - a publicidade do processo penal não é plena (artº 86º a 90º do C.P.P).
E essa imposição legal acontece, justamente pelo facto comprovado de que a investigação penal, para poder ser conduzida de forma eficaz, é exigivel que a mesma decorra com algum resguardo do olhar público, sob pena de muito elevado risco de manipulação das provas (documental ou testemunhal) que as partes visadas na investigação sempre tentariam sempre levar a cabo, se entrassem na posse da informação sobre as diligências de investigação em curso potencialmente incriminatórias e também em nome do princípio da presunção da inocência – para não se atingir o bom nome de cidadãos na praça pública, antes de haver indícios sérios recolhidos pelo M.P, no decurso da investigação.
A necessidade desse « recato », isto é a necessidade dessas diligências probatórias durante a fase do inquérito, decorrerem longe do olhar público, parece assim óbvia para qualquer cidadão médio, com mínimo conhecimento sobre a natureza e objecto dos processos penais e compreende-se também a opção feita pelo legislador de que o processo crime só seja público em plenitude, a partir da audiência de julgamento – sendo assim fundamentado o artº 86º/1 do C.P.P quando estipula “o processo penal é sob pena de nulidade público, ressalvadas as execpções previstas na lei”.
  Daqui resulta que o nosso legislador, ao criar o regime legal acima referido, teve sem dúvida como objectivo, a preservação da presunção de inocência do arguido e da imparcialidade do poder judicial.  
  Tendo em conta o caso concreto, não podemos pois esquecer que estão em jogo outros direitos e interesses constitucionalmente relevantes, como é o caso do interesse na realização da justiça, a presunção de inocência (artigo 32º nº 2 da CRP), a reserva da vida privada, bom nome e reputação (artigo 26º da CRP), os quais poderão entrar em rota de colisão, motivo pelo qual cumpre encontrar um critério com vista à harmonização dos vários direitos e interesses em conflito.
  Em face do exposto e tendo em conta a natureza dos vários interesses e direitos constitucionais em conflito, podemos concluir que o acesso aos autos, por parte dos jornalistas, não pode ser absoluto e terá que ser harmonizado nomeadamente com o interesse da realização da justiça, por forma a não perturbar o normal funcionamento desta fase processual, bem como os dados relativos à reserva da vida privada dos arguidos e demais intervenientes.
Nesta linha de pensamento, em conformidade com a nossa posição que vimos expondo, deixa-se aqui trasncrito (com sublinhados nossos), pelo seu interesse, uma passagem relevante do mencionado estudo da autora Antonieta Nóbrega, sobre este específico ponto:
“O processo penal é público e essa é uma importante garantia para o visado e para a credibilidade do sistema de justiça, não podendo, contudo, essa publici­dade ser confundida com banalização da criminalidade ou desrespeito à moral e à dignidade dos sujeitos processuais, através da dramatização dos fatos dedu­zidos nos autos e do sensacionalismo desvirtualizador da realidade judicial.
A imprensa livre e independente tem papel de extrema importância na democracia e não deve ser confundida com espionagem ou outras atividades que tenham por fim desmantelar o estado ou sua ordem. Ao contrário, ela traz à tona situações que muitas vezes são ocultadas por interesses escusos, mas que devem ser reveladas para a garantia do estado de direito democrático.
A informação é, sem sombra de dúvida, direito de todos e pilar da democracia. Contudo, há que se ponderar que nem toda informação chega ao público de forma revestida de legalidade, e mais, nem toda informação levada a público se consubstancia na verdade dos fatos, inclusive daqueles levados à esfera dos Tribunais.
Em um mundo no qual imperam a liberdade de expressão e a liberdade de crônica, não se pode exigir da imprensa menos que informação verdadeira, adquirida através de fontes credíveis, com críticas aceitáveis nos limites da reserva da privacidade e do respeito à moral, ainda que esta seja mitigada nos casos em que a notícia é sobre personalidades públicas. Além disso, deve-se observar o respeito à administração da justiça, como forma de manter a esta­bilidade das instituições públicas e preservar o estado democrático de direito.
Contudo, há que se reconhecer que frequentemente a mídia extrapola os limites da razoabilidade e publica os atos processuais, até mesmo quando revestidos pelo escudo do segredo de justiça, causando prejuízos ao processo, à credibilidade da justiça e às pessoas envolvidas no caso.(…)
A informação pelo meio massivo, dessarte, é bem de interesse jurídico, na medida em que tem papel formador no saber do homem médio, capaz de influenciar suas decisões para o próprio destino, o da sua família, a escolha do partido político e da religião, que se refletem na sociedade em que vive.
A Convenção Européia de Direitos Humanos (CEDH), em seu artº 10º, e a Constituição da República Portuguesa (CRP), artº 37º, garantem os direi­tos de informar, de ser informado e a liberdade de expressão, enquanto que a liberdade de imprensa, advem nos artigos seguintes, de ambas as normas – artº 11° CEDH e artº 38° CRP.
Frise-se, que os três direitos, ou liberdades, são autônomos entre si, embora correlatos, até mesmo por se entrelaçarem na manifestação comunicativa.
Registre-se que o Direito à informação deve ser compreendido em duas variantes, o direito de informar e o direito reflexo de ser informado. Por isso mesmo, o direito de informar deve ser exercido dentro dos parâmetros da ver­dade, transparência e imparcialidade3, paradigmas que também devem guiar a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão. (…). Por outro lado, não se pode olvidar que os chamados direitos da personali­dade, fundamentais para uma vida digna e livre, também encontram previsão nos sistemas jurídicos modernos, inclusive na seara constitucional.
A legislação portuguesa, em todas as esferas – constitucional, civil e penal –, tem avançado nessa proteção, incluindo nos direitos da personalidade, dentre outros, o direito da reserva da vida privada e da intimidade, o direito à palavra, o direito à imagem, o direito à autodeterminação informacional e o direito ao sossego.
Depreende-se, daí, que nenhum direito é irrestrito, eis que, toda pessoa é detentora de direitos que, de uma forma ou de outra, findam por limitar os direitos das demais e assim sucessivamente. Isso nada mais é do que o princípio da relatividade dos direitos fundamentais.
No mais, os direitos da personalidade, elencados no artº 26°, n.°s 1 e 2 CRP, são hodiernamente considerados corolários da dignidade da pessoa humana, tida como metaprincípio fundamental, que constitui alicerce de toda sociedade livre e democrática, posto que norteia os direitos e deveres da pessoa, bem como a posição do estado perante elas.
Ainda, a própria CRP, no artº 37°, n° 3, preserva os bens jurídicos protegidos pelo direito criminal, dispondo expresso limite constitucional à liberdade de imprensa e ao direito de informar, ao chancelar a tutela penal para proteção desses bens, em geral atrelados aos direitos da personalidade, como é o caso da honra, imagem, intimidade, e ainda, alguns outros de natureza pública, como é o caso preservação da investigação, da presunção de inocência do arguido e da proteção das vítimas e das testemunhas.
O resguardo dos direitos da personalidade vai muito além no processo penal, como por exemplo nas chamadas proibições de provas que evitam danos muitas vezes irreparáveis à pessoa dos sujeitos processuais e equilibram a paridade de armas entre acusação e defesa; na presunção de inocência do arguido, ou através da instituição do tipo incriminador do artº 371°, n° 1 do Código Penal (CP), para os casos de violação do segredo de justiça.
Com efeito, nos moldes já analisados, a liberdade de expressão e a de imprensa, assim como o direito de informar, devem ser entendidos à luz do artº 335° do Código Civil (CC), segundo o qual, na colisão de direitos deve-se obedecer ao princípio da ponderação, com conformação da concordância prática para direitos iguais ou de mesma espécie e utilizando-se o princípio da proporcio­nalidade para resolver os casos em que um direito deve ser sacrificado para a realização essencial de outro de superior magnitude.
Assim sendo, Costa Pinto alerta para o fato de que o direito de informa­ção, assim como as liberdades de expressão e de imprensa, não é ilimitado ou absoluto, já que seu exercício pode implicar na ofensa a bens jurídicos que, por sua magnitude, merecem a tutela criminal, com proteção garantida pela Lei fundamental.
Por outro lado, (…) adverte-se para o cuidado que o penalista deve ter para não limitar desmesuradamente a comunicação social, face à proliferação de novas categorias de crime que terminam por constituir uma forma de pressão do poder estatal sobre a imprensa, através de leis penais simbólicas, que sur­gem como tutela avançada a alguns bens jurídicos, através da criminalização de comportamentos afetos a essa categoria.
Nesse norte, impõe-se refletir acerca da extensão que se deve permitir à liberdade de expressão, à liberdade de imprensa e ao direito de informar, pois neles também se encontra o direito reflexo de ser informado e, não se pode aceitar da imprensa menos que informações verdadeiras e obtidas de forma amparada em lei, além de revestidas de verdade, ética e moralidade, mormente em razão do papel formador de opinião que detém a mídia e do seu largo poder de alcance popular (…).
Depreende-se, dessarte, que a liberdade de crónica ou imprensa, assim como a liberdade de expressão e o direito à informação, encontram limites solarmente delineados na Constituição da República Portuguesa, destacando-se, dentre outros, a preservação dos direitos da personalidade, a presunção de inocência e o segredo de justiça, que constituem bens jurídicos igualmente tutelados na esfera constitucional, sobretudo por irem de encontro ao interesse público e contribuírem com a harmonia e a estabilidade das relações sociais em seus múltiplos aspectos, favorecendo a tão almejada paz social.”
 E igualmente seguimos esta mesma autora, Antonieta Nóbrega, numa sua reflexão constante do referido estudo, sobre o segredo de justiça, que aqui se deixa trancrita (com sublinhados nossos), cuja salvaguarda se impóe tutelar, também no caso em apreço, sob pena da causação de graves prejuízos que resultariam da divulgação para o exterior de informação contida no processo e suas provas - prejuízos não somente para o arguido, mas também para o ofendido, os investigadores e os próprios julgadores, além de se poder perder a genuini­dade da prova indiciária.
 “A publicidade é regra inerente a todo estatuto processual dos estados demo­cráticos, como garantia que ampara não somente a sociedade, mas, também, a credibilidade e a lisura do sistema de justiça e do próprio processo.
Nos exatos termos do n° 1 do artº 86° CPP, o processo penal português é público, ressalvadas as exceções previstas em lei, caso em que será decretado o segredo de justiça pelo magistrado, ou, na fase de inquérito, pelo Ministério Público, com necessária validação do juiz.
Exceção a essa regra é o segredo de justiça, que somente deve ser decretado em situações especiais, para garantia da privacidade em casos, como o tráfico de pessoas e os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, ou naqueles casos em que o sigilo se preste a garantir a coleta de prova idônea, nas fases e atos processuais em que seja imprescindível.
O segredo de justiça consagrou-se como garantia constitucional no artº 20°, n° 3 CRP, por alteração ditada pela Lei Constitucional n° 1/97, de 20 de setembro daquele ano, vinculando, desde então, o legislador ordinário à sua emolduração.
Sua natureza jurídica, ao contrário do que parece, não é de direito subjetivo do arguido, eis que extrapola o plano individual de titularidade de direitos, perspassando pelo interesse e pelo dever do estado de promover a eficácia da investigação e a boa administração da justiça.
(…) Sabe-se que o processo penal português tem estrutura acusatória ditada pelo artº 32°, n° 5 CRP, com separação material e funcional absoluta entre órgão acusador e órgão julgador, não obstantes os posicionamentos no sentido de que nenhum sistema processual da atualidade é impermeável, havendo quem os classifique quase que na totalidade como mistos.
Seguindo essa linha, o processo penal pátrio tem duas fases bem distintas, a da investigação, tendencialmente secreta enquanto perdura o inquérito, e a do julgamento, pública por sua própria natureza, sobretudo no que tange à audiência de publicação da sentença.
Na verdade, o sigilo na fase do inquérito visa garantir a eficácia do prin­cípio da presunção de inocência do investigado; a eficiência da investigação com preservação de certos meios de prova e a proteção de vítimas e testemu­nhas contra retaliações e vinganças que poderiam advir numa fase ainda tão distante do julgamento, que afinal poderá nem acontecer, como nos casos de arquivamento.
Por tais razões, no inquérito, o segredo de justiça é, via de regra, interno e externo, ou seja, o sigilo é resguardado não somente para o público exterior ao processo, mas também, no que tange a alguns dos sujeitos processuais como o arguido, em alguns casos; o denunciante; o ofendido; as testemunhas e o assis­tente, nos termos dos arts. 86º, n°s 2, 3, 4, 5;  389°, n° 2 e 262°, todos do CPP.
Nesse contexto, há casos em que o suspeito toma conhecimento, através da mídia, de que está sendo investigado, antes mesmo de ser formalmente cientificado do processo.
Mister esclarecer, entretanto, que apesar da possibilidade de decretação do segredo de justiça interno com relação ao arguido, não fica este totalmente desprotegido em seu direito de defesa, posto que, na forma do artº 86º, nº 6, c/c artº 89°, n° 1, ambos do CPP, poderá consultar o auto do inquérito, e dele obter cópias, extratos e certidões.
(…) com a dedução da acusação e abertura da instrução, o sigilo trans­muda-se em apenas externo, face à necessidade de oferecimento de defesa; do contraditório e da busca da verdade material, arts. 289° e 297° ss., todos do CPP.
A essa altura, os sujeitos processuais passam todos a ter acesso aos autos, por força do artº 89°, n°1 CPP, permanecendo vinculados a manter o sigilo acerca dos atos, provas e documentos que ainda estiverem sob o manto do segredo de justiça.
Interessante notar, que a partir da leitura da sentença, todo processo se torna público, por comando do artº 87°, n°5 CPP, decaindo o segredo de justiça anteriormente decretado, a não ser quanto a peças protegidas pela reserva da vida privada dos sujeitos processuais ou de outrem, que podem ser, inclusive destruídos ou desentranhados do processo, quando não mais forem importantes para seu deslinde, conforme já acima assinalado.
A essa altura, os sujeitos processuais passam todos a ter acesso aos autos, por força do artº 89°, nº1 CPP, permanecendo vinculados a manter o sigilo acerca dos atos, provas e documentos que ainda estiverem sob o manto do segredo de justiça.
Interessante notar que a partir da leitura da sentença, todo processo se torna público, por comando do artº 87°, n° 5 CPP, decaindo o segredo de justiça anteriormente decretado, a não ser quanto a peças protegidas pela reserva da vida privada dos sujeitos processuais ou de outrem, que podem ser, inclusive destruídos ou desentranhados do processo, quando não mais forem importantes para seu deslinde, conforme já acima assinalado.(…)”.
Atentemos que um jornalista em exercício de funções, que deve obediência a um estatuto próprio (artº 1º/1 e artº 3º/1 c) do Estatuto de jornalista aprovado pela Lei nº 1/99 de 1.1.1999 com as modificações decorrentes da Lei nº 64/2012 de 6.11 e a Lei nº 114/2012 de 20.1), não tem o mesmo regime de acesso ao processo que outro qualquer cidadão.
Na verdade, uma vez ponderado esse seu estatuto legal, o nosso legislador processual penal definiu no artº 88º do C.P.P um regime próprio de acesso ao processo por parte da comunicação social.
Assim, se na fase de inquérito se admitisse a constituição de assistente dos jornalistas, nos exactos termos em que tal pretensão foi formulada nos presentes autos, nos crimes a que alude o artº 68º/1 e) do C.P.P, estava encontrada a forma de qualquer jornalista poder contornar esse regime legal previsto no artº 88º do C.P.P (o qual define de forma mais restritiva as condições em que o mesmo pode ter acesso ao processo), permitindo-lhe por via da sua admissão como assistente, ter acesso a informação processual, fora das condições estabelecidas no artº 88º do C.P.P.
Na verdade, nesse condicionalismo, ou seja, nos crimes a que alude o artº 68º/1 e) do C.P.P, ficaria aberta a porta para o jornalista poder usar o instituto da constituição de assistente, como meio de ter acesso privilegiado à informação sobre os factos objecto do processo em fase de inquérito e diligências de investigação em curso, que poderia livremente publicitar (uma vez que o seu estatuto profissional não o obriga a revelar as fontes), colocando dessa forma em risco o bom funcionamento da justiça.
Com efeito, resulta evidente para todos, que uma vez dentro do processo, tal e qual um “agente infiltrado”, o jornalista no exercício das suas funções, vai procurar matéria factual para informar o público, como o exigem os seus deveres profissionais (invocando quase sempre o interesse público das matérias em investigação) e poderá sempre fazer uso da informação recolhida, sem ser obrigado a revelar as suas fontes, donde resultarão grandes dificuldades de se lograr implementar um controlo externo sério.
Neste condicionalismo e ponderadas as normas do seu estatuto profissional, resultaria muito difícil a posteriori, isto é, uma vez publicada a notícia, executar-se um controlo efectivo da sua concreta actuação para a divulgação da mesma, quer do ponto vista interno (por parte do conselho dos jornalistas com poderes de fiscalização), quer por parte da justiça (em termos de responsabilização, a experiência tem-nos revelado ser sempre muito difícil, conseguir demonstrar onde surgem as fugas de informação processual e quem é responsável pela violação do segredo de justiça) muitas vezes com sérios danos para a realização da justiça.
Neste sentido, acompanhamos também as pertinentes considerações da autora Antonieta Nóbrega, constantes do já supra citado estudo, que evidenciam existir nos crimes artº 68°, n° 1, al. e) CPP , uma incompatibilidade entre a figura da constituição de assistente e o exercício da função de jornalista (com sublinhados nossos):
“(…) O permissivo do artº 68°, n° 1, al. e) CPP português, autoriza qualquer pessoa a se constituir assistente nos processos para apuração dos crimes do interesse público que elenca em seu bojo, objetivando, conforme foi visto, maior trans­parência na administração da justiça e um combate mais eficaz a certas formas de criminalidade, através da colaboração da sociedade para com a investigação e a prova a ser produzida nos autos.
Não é demais lembrar a advertência (…), no sentido de que esse instituto é absolutamente desligado do conceito de ofendido, sobretudo porque as incriminações nele inseridas tutelam interesses públicos, impassíveis de particularização do sujeito passivo. (…)
Vê-se, então, que a habilitação do assistente, mesmo no caso dos crimes previstos na alínea e), n° 1, artº 68° CPP, o vincula a uma posição de proatividade nas investigações e na acusação, condição indispensável para que tenha legitimidade de figurar nos autos.
Inicialmente, convém registrar, a prática forense tem demonstrado, em aná­lise empírica, que geralmente os jornalistas se constituem assistentes com o fim exclusivo de recolher e divulgar informações processuais, o que, por si só, torna ilegítimas essas habilitações, por não se afinarem com o que determina artº 69° CPP. (…)
Na realidade, assistentes que não colaboram com as investigações ou com a acusação, seja requerendo provas ou praticando efetivamente atos processuais, padecem da falta de interesse processual e tornam ilegítima sua posição de sujeito auxiliar da acusação. Mas, no caso dos jornalistas, a situação vai além.
Com efeito, mesmo nos raros casos em que os jornalistas efetivamente atuam no processo, em evidente manobra para se legitimarem na tão polêmica constituição como assistentes, essa posição não se coaduna com o exercício de suas profissões, por diversas razões, que passo a elencar.
Estabelece o Estatuto do Jornalista - - Estatuto do Jornalista – Lei n.º 1/99, de 1 de janeiro de 1999, com as modificações decorrentes da Lei n. 64/2012, de 6 de novembro, e Lei n.º 114/2012, de 20 de dezembro-, em seu artº 1., n° 1, que: “1 – São con­siderados jornalistas aqueles que, como ocupação principal, permanente e remunerada, exercem com capacidade editorial funções de pesquisa, recolha, selecção e tratamento de factos, notícias ou opiniões, através de texto, imagem ou som, destinados a divul­gação, com fins informativos, pela imprensa, por agência noticiosa, pela rádio, pela televisão ou por qualquer outro meio electrónico de difusão.”
Nessa esteira, observa-se que o jornalista tem atividade bem definida em seu estatuto profissional, revestida de função social, com importante papel formador de opinião no cenário das comunicações sociais, conforme já foi destacado ao se tratar das liberdades de imprensa e de expressão, ao lado do direito de informação, que são direitos fundamentais não somente do jornalista, mas também do povo que acessa a informação.
Analisando, então, a atividade característica do jornalista, tem-se que é seu dever pesquisar, recolher, selecionar e tratar fatos, notícias ou opiniões, para divulga-los, com fins informativos, pela imprensa.
Ora, o acesso ao processo penal não se pode prestar à recolha de notícias para divulgação midiática. E essa recolha e divulgação de notícia, nada mais são, do que atividade característica das funções do jornalista, notória mola propulsora de suas habilitações no processo.
Ao permitir o ingresso do jornalista no processo como assistente, não se pode retirar dele o exercício de suas funções laborais, presumindo-se, então, que utilizará as informações ali colhidas para divulga-las, como é imanente à sua atividade.
Essa divulgação precipitada, no entanto, poderá prejudicar a fideidignidade da prova a ser produzida, perturbar a serenidade dos sujeitos processuais e obstar o bom andamento do processo.
Ademais, o artº 3° do Estatuto da classe que disciplina as funções incom­patíveis com a atividade do jornalista, em sua alínea c), do n° 1, dispõe sobre a incompatibilidade entre o exercício do jornalismo e os serviços de informação e segurança, além de qualquer organismo ou corporação policial.
Ora, se a prática do jornalismo não se coaduna com as atividades de investi­gação e de polícia, evidentemente, também não se compatibiliza com o mister de investigar e julgar, inerentes ao sistema de justiça, materializado no processo, do qual se deve extrair uma decisão justa, livre dos vícios advindos de pressões e exposições da opinião do momento, matéria prima para o mercado midiático.
Nesse viés, ressalta a Juíza conselheira do TC Fátima Mata-Mouros in “Direito à Inocência – ensaio de processo penal e jornalismo judiciário” (vd sobre a disparidade entre a verdade jornalística e a verdade judicial in Mata-Mouros 2007, 27-31) que a verdade projetada pela imprensa é de partida, mas apresenta-se ao público como palavra final, enquanto que a verdade produzida no processo é amadurecida pelo tempo, com a dilação probatória e o contraditório.
Destaca esta autora que a verdade noticiosa é verdade de partida, porque surge logo com a notícia do fato e é repassada para a opinião pública sem sofrer obrigatório controle de plausibilidade ou contraditório, abrindo espaço para que o público interessado faça a seu respeito um juízo de valor aleatório.
A verdade noticiosa ou midiática, dessarte, pode trazer em si inquietação, escândalo, perplexidade, que muitas vezes só vem a ser serenada depois do longo transcurso de um processo, quando é noticiada a sentença, com a ver­dade apurada judicialmente.
Ao revés, a verdade que surge nos autos, salienta a autora, é uma verdade amadurecida pela produção equitativa de prova, refinada pelos debates legí­timos de todos os sujeitos processuais, transmudando-se através da sentença em veredicto que deve ter o condão de restabelecer a serenidade e a paz social, através do sentimento de efetivação da justiça que atinge não somente os sujei­tos processuais, mas, igualmente, a sociedade que dela toma conhecimento.
Dessa forma, a midiatização dos atos judiciais prejudica a sociedade que, através de fragmentos do processo, pensa conhecer toda a sua realidade, for­mando julgamentos paralelos e muitas vezes equivocados, o que tumultua a administração da justiça, na medida em que põe em risco sua credibilidade, sem motivos plausíveis para tal.
 Além disso, com a midiatização, direitos dos sujeitos processuais são desrespeitados, pois, através das notícias, rapidamente o arguido se torna condenado, pela opinião pública, sem sequer ter se concluído processo e julgamento judicial, com as garantias a que faz jus.
A razão de todo esse desalinho é que, para se apresentar como prova em juízo, o depoimento ou documento colacionado passa pelos rigores técnicos do processo, com o contraditório, perícias e outras providências que venham a ser necessárias, enquanto que, para o jornalista, ao contrário, é assegurado o sigilo da fonte, nos termos do artº 11º, nºs 1 e 2, Estatuto do Jornalista, pelo que a notícia obtida até mesmo por fonte sigilosa, e nem sempre idônea, é jogada para a opinião pública, sem a necessária filtragem de veracidade, que devem informar a prova que leva a uma condenação.
 Isso ocorre porque a mídia se alimenta do imediatismo, sob pena de perder espaço para a concorrência.
Oportuna, dessarte, a preocupação de alguns autores (…) com a atual feição que tem tomado a atividade jornalística, uma vez que para atender às exigências de mercado, a mídia compete pela audiência, pela publicidade, pelas fontes e pelos investidores, na procura de retorno dos investimentos e visando o lucro, o que torna a informação um bem de consumo, deixando de ser bem de inte­resse público, para ser bem de interesse comercial, sujeito ao sensacionalismo, a tabloidização, o infotainment e a superficialidade.
Destaca ainda a referida autora Mata - Mouros que, se por longo período a justiça portuguesa se manteve em silêncio midiático, hoje as questões a ela relacionadas têm agenda diária na imprensa, com a cobertura de processos judiciais, sobretudo os cri­minais, posto que, ao despertar emoções, o crime vende, transformando-se em excelente produto, em um jornalismo cada vez mais marcado pela cultura mercantilista.
Tudo isso, sem sombra de dúvida, é incompatível com a serenidade, certeza e imparcialidade que garantem a efetivação de boa justiça, através da atuação dos sujeitos no processo judicial.
Nesse passo, com a atuação do jornalista como assistente no processo crimi­nal, as notícias levadas a público, ora a partir de uma prova do processo, ora por informação obtida alhures, com fonte sigilosa, terminam por se fundir para o público, ficando todas com a aparência de algo que saiu dos autos, através do assistente, favorecendo a criação de juízos equivocados pela sociedade e gerando a expectativa de um julgamento muitas vezes divorciado da real prova dos autos.
Aliás, nesse tocante, outra situação que se repete é a violação do segredo de justiça, que, ao contrário do que se pensa à primeira vista, não visa resguardar direitos do arguido, posto que, na fase investigatória, até mesmo ele pode ser incluído nas vedações do segredo interno. Na verdade, o segredo de justiça, nos casos excepcionais em que é decretado, visa, sobretudo, prezar pela origi­nalidade da prova e a garantia da eficácia da prestação jurisdicional. Por isso, sua violação desestabiliza o processo e prejudica seu bom andamento, sendo contudo, prática contumaz do jornalista assistente, como é de se prever, ante as peculiaridades de sua profissão.
Nesse ponto, há de se convir que mais uma vez a habilitação do jornalista, profissional que tem a notícia como matéria prima e sua recolha e divulga­ção como finalidade laboral, não se coaduna com as obrigações impostas ao assistente no artº 69º CPP, que somente comporta as excepções expressamente previstas em lei.
Demais disso, no momento em que se constitui assistente no processo, o jornalista passa a ser acusador, afastando-se da imparcialidade que deveria ter para noticiar o fato, segundo a deontologia e o estatuto da sua profissão, a fim de garantir a qualidade e a isenção da informação que leva ao público e cumprir o relevante papel social de seu ofício.
Por fim, a alegação de alguns jornalistas no sentido de que se constituem assistentes para fiscalizar a atividade do Ministério Público, (…) também não merece ser acolhida.
Não se pode perder de vista que essa fiscalização é apenas atribuição reflexa do assistente, bem como de toda a sociedade, e dos órgãos designados em lei para o desiderato, não podendo se constituir em única premissa para justificar a sua habilitação no processo.
Sabe-se que a fiscalização recíproca entre os órgãos de soberania dispostos no artº 110º ss., CRP e, até mesmo na estrutura interna dos Tribunais, enten­dendo-se como tal todo o sistema de justiça não somente da magistratura, mas também do MP e dos advogados, com acompanhamento mediato da sociedade, têm perfeitas condições de realizar o controle da administração da justiça, não havendo qualquer necessidade fiscalização direta dos jornalistas asisistentes nos processos criminais, para garantir essa transparência.
Aliás, conforme multimencionado, a atuação dos jornalistas nos processos, muito mais que oportunizar transparência da administração da justiça, a tem prejudicado, ante a instabilidade criada a partir da divulgação de notícias que nem sempre refletem a realidade processual.
Frise-se, as liberdades de imprensa ou crônica, expressão e informação são pilares da democracia, e engrandecem a atividade do jornalista, que, no entanto, não tem qualquer função a desempenhar no processo penal.
Não se pode permitir que o processo se torne mera fonte de notícia para qualquer dos seus sujeitos.
Diante de tudo isso, percebe-se que a intervenção de jornalistas como assis­tentes, ao invés de servir como auxiliar na persecução criminal, consubstancia-se em fator de perturbação processual, eis que não se reveste da objetividade e da imparcialidade que devem informar o processo penal.
Por todos esses motivos, tenho como ilegítima a constituição do jornalista como assistente no processo penal, ante a incompatibilidade das suas funções profissionais com os deveres do assistente, além de considerar que, muito mais que contribuir para a eficácia do combate à criminalidade ou para uma justiça mais transparente, como requer o instituto da assistência, essa habilitação tumultua o processo e lhe traz prejuízos..”
Não podíamos estar mais de acordo com todas as considerações acima reproduzidas, sobre as funções de um jornalista à luz do seu estatuto profissional em Portugal, e sobre os efeitos nefastos que podem advir para a realização da justiça, da sua admissão como assistente nos processos crimes em fase de inquérito, no caso dos crimes previstos na alínea e), n° 1, artº 68° CPP.
Na verdade, entendemos que não será uma mera condenação de alguns jornalistas, por uma eventual violação do segredo de justiça que se venha a lograr comprovar a posteriori, que poderá ter a virtualidade de salvar as diligências probatórias em curso em determinada fase do processo e que por força dessa violação se perderam ou foram minadas e desvirtuadas para sempre, apenas devido à precipitada e precoce divulgação pública de factos que deveriam ser resguardados do conhecimento público, antes de se atingir a fase do contraditório processual, nos termos legais.
Nem se diga ainda, que com a negação desta pretensão nos termos pretendidos pelo MP recorrente, se estará a descriminar o jornalista face aos demais cidadãos violando-se assim a CRP.
Como já acima ficou expresso, não nos parece que se possa falar aqui em descriminação e muito menos em violação da C.R.P, apenas é sabido que há certas profissões onde o estatuto legal que lhes é inerente, exige uma contenção ou restrição ao exercício de certos direitos, por terem os mesmos que ser conciliados com outros, igualmente tutelados na nossa ordem jurídica.
Por exemplo, no que respeita aos magistrados judiciais, para além do dever de sigilo e reserva acima referido, também não podem exercer qualquer outra função pública ou privada, de natureza profissional (artº 8ºA nº 1 do referido EMJ) e não é por estas e outras restrições impostas por força do exercício das suas profissões, que os magistrados judiciais vão invocar que são menos cidadãos que os demais ou que são descriminados face à lei.
Mutatis mutandis, o mesmo sucede com o recorrido, o jornalista MJB.
Entendemos que o exercício de funções de jornalista é incompatível com a constituição de assistente na fase de inquérito do presente processo, uma vez que tal admissão no caso em apreço, briga ou coloca em sério risco, o direito a uma justiça penal independente, objectiva, eficaz e célere sob a égide directa do MP na fase da investigação processual - direitos esses que a nossa CRP e CPP também tutela e urge aqui salvaguardar.
Entendemos assim que o recurso do M.P deve ser julgado provido, porquanto a denegação da pretensão de constituição de assistente ao jornalista MJB, no caso dos crimes previstos na alínea e), n° 1, artº 68° CPP., na fase de inquérito (onde os interesses da investigação exigem que a mesma decorra longe dos olhares públicos, nada obstando a que o jornalista possa ser admitido enquanto tal numa fase posterior do processo, logo que o segredo de justiça cesse) não lesa de forma definitiva o direito à informação (já que o C.P.P estabelece os termos em que a mesma pode ter lugar, não carecendo o exercício desse direito de informar da constituição de assistente figura que serve outros desígnios que não são claramente servir de suporte para um acesso privilegiado e alargado às diligências de prova que o M.P se encontra a desenvolver).
Sob pena de assim não sendo, dando cobertura à pretensão do jornalista ora recorrido, se criar um sério risco de acontecer a divulgação pública de informaçóes sobre factos em investigação em fase de inquérito e tal resultado conduzir à frustração dos próprios objectivos da investigação em curso (risco de manipulação da prova documental/testemunhal e perda da genuinidade da mesma), com claro prejuízo para a realização da justiça e para a manutenção da paz social.
Como já acima ficou dito, o olhar do jornalista que acede ao processo numa sua fase inicial como é a fase do inquérito, nunca será um olhar de quem tem já acesso à prova em termos mais globais (como irá suceder numa fase posterior do processo onde já se admite o pleno exercício do contraditório, após a acusação ou despacho de pronúncia).
Nessa medida, a divulgação precoce de informações sobre determinados factos em investigação, criará escusadamente inquietação e sobressalto na opinião pública, além de que dificilmente poderá ser uma informação totalmente objectiva e imparcial, pois que o assistente não deixa de ser um colaborador do M.P que é quem dirige a investigação e vai deduzir a acusação. 
Neste mesmo sentido, vejam-se as pertinentes conclusões da autora Antonieta Nóbrega, com as quais concordamos inteiramente e aqui deixamos transcritas de seguida (com sublinhados nossos):
“A constituição do assistente no processo penal português apenas se justifica para que o sujeito possa colaborar com o Ministério Público, promovendo atos e requerendo provas que favoreçam o jus puniendi do estado, podendo habilitar-se para tal o ofendido, ou qualquer pessoa, nos casos em que o crime a ser apurado envolva o interesse público.
Na hipótese prevista no artº 68º, nº 1, al. e), CPP, o permissivo de que qualquer pessoa pode se constituir assistente nos crimes ali enumerados visa a transparência da justiça e a colaboração da sociedade para o efetivo combate àquele tipo de criminalidade, que envolve o interesse público por ter como bem jurídico ofendido, o patrimônio público, a paz ou a humanidade. A participação do jornalista no processo penal, na qualidade de assistente, fulcrada no dispositivo acima mencionado, ainda que restrita aos processos de apuração de crimes do interesse público, em nada auxilia na efetivação de justiça ou no combate à criminalidade, ao contrário, serve de meio para a obtenção de interesses meramente pessoais e exteriores ao processo, desequilibrando-o e tumultuando-o.
Observa-se do artº 1º do Estatuto do Jornalista, que é seu dever funcional recolher e tratar notícias para divulga-las através da mídia. Atente-se que essa é a função essencial do jornalista.
O processo penal, no entanto, não pode servir de mero instrumento de recolha de notícias para posterior divulgação, mormente em se tratando dos sujeitos ou participantes nele habilitados, com funções disciplinadas em lei, como é o caso do assistente, auxiliar do MP, a quem cabe intervir no processo, com amplos poderes, outorgados na legislação processual pátria, a teor do artº 69º, n.ºs 1 e 2 CPP.
Questiona-se, pois, a legitimidade dessas habilitações, mesmo em se tratando daquelas em que há disfarçada atuação processual para justificar a constituição do jornalista, uma vez que efetivamente incompatíveis com a atividade laboral do jornalista e porque se fundam em motivação e interesse exteriores ao processo penal.
Não se pode olvidar que com a mercantilização da imprensa e a concorrência entre os sistemas, o processo penal é ambiente fértil para notícias, sobretudo quando trata de pessoas com destaque político ou social, de quem, naturalmente se mitiga o direito à reserva da vida privada.
Contudo, o processo não é bem de consumo e não pode ser utilizado para estimular condenações sociais antecipadas acerca dos casos ainda pendentes de julgamento pelo Tribunal.
 Com efeito, uma divulgação equivocada de atos e provas do processo, não somente traz prejuízos de ordem moral para os sujeitos processuais e pessoas a eles relacionadas, como também, cria ambiente instável para a própria realização da justiça, uma vez que possibilita formação de convicção e até pré-julgamento paralelo pela sociedade, muitas vezes dissociado do conjunto probatório dos autos.
Não resta dúvida, tal situação pode abalar a fideidignidade da prova a ser colhida, influenciando testemunhas ou gerando pressões que venham a abalar a serenidade dos sujeitos processuais. Além disso, informações que não refletem a totalidade do caderno processual, favorecem julgamentos sociais distorcidos e têm reflexo na credibilidade da sentença vindoura, que se aterá à analise apurada da prova existente no processo, amadurecida pelo contraditório e demais garantias instrumentais, para a efetivação de uma decisão justa.
Por tudo isso, vê-se que a atividade do jornalista, consistente na recolha, tratamento e divulgação de notícias, segundo preconiza seu estatuto, é incompatível com o acesso ao processo como assistente, ante a indiscutível utilização do conteúdo processual como matéria prima para seu mister profissional, trazendo notórios prejuízos à administração da justiça e ao bom andamento do processo, ao invés de colaborar no combate à criminalidade, como requer o instituto da assistência.
 Percebe-se, pois, verdadeira incompatibilidade de funções entre o exercício do jornalismo e os deveres do assitente, por evidente conflito de interesses, que deve ser resolvido em prol do interesse público, consubstanciado no resguardo da efetividade da prestação jurisdiconal, livre da influência de sujeitos que desestabilizam e tumultuam o processo.
A análise acurada dessas situações conduz à incontestável conclusão de que a habilitação de jornalista como assistente no processo penal não se reveste de legitimidade, eis que foge ao escopo do artº 68.º, nº 1, al. e), c/c artº 69º, nºs 1 e 2, ambos do CPP
Por tudo o acima exposto, o recurso do M.P procede.

III- Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes da 3ª Secção Criminal da Relação de Lisboa em:
Julgar provido o recurso do M.P, revogando-se o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que não admita a constituição de assistente, nos termos e pelos fundamentos supra expostos.

Lisboa, 20.12.2023
Ana Paula Grandvaux Barbosa
Adelina Barradas de Oliveira - com voto de vencida-
Rui Miguel Teixeira

Voto vencida pelas seguintes razões:
O escopo que a lei visa, quanto à constituição de assistente quando em causa está algum dos crimes catalogados na dita alínea e) do n.º1, do artigo 68º, do CPP, será o de proporcionar o exercício de uma “cidadania ativa” e não quaisquer outros propósitos como por exemplo facilitar a obtenção de informações para utilização como jornalista na feitura de manchetes de jornais ou violações de segredo de justiça.
Mas isso implicaria a violação de outras normas e claro a aplicação das correspondentes sanções. Partimos do princípio que quem, sendo jornalista, vê deferido o seu pedido de constituição de assistente, sabe que está sujeito a normas deontológicas como o seu Estatuto. Não podemos esquecer a possibilidade que o jornalista tem e lhe é conferida pelos artigos 88.º e 90.º do C.P.P. e artigo 8.º do Estatuto do Jornalista.
O artigo 88.º diz quais os circunstancialismos em que os órgãos de comunicação social podem intervir ou não, começando por referir que é permitida, por aqueles, a narração circunstanciada do teor de actos processuais, não em segredo de justiça, mas dentro dos limites estatuídos na lei.
Sendo regra no processo penal a publicidade do mesmo, esta constitui um requisito fundamental para a realização da justiça, quer se encare esta do ponto de vista dos sujeitos processuais, do tribunal ou da sociedade. Se os sujeitos processuais devem colaborar com as autoridades judiciárias, com vista ao esclarecimento da verdade nada melhor para conseguir esse desiderato do que permitir-lhes o conhecimento dos factos. Na verdade, o segredo de justiça tornou-se a exceção, aplicável em casos muito apertados e necessários e estendesse aos intervenientes no processo também.
A publicidade do processo implica os direitos de assistência, nomeadamente às audiências, pelo público em geral, à realização dos actos processuais, bem como à narração dos actos processuais, ou reprodução dos seus termos, pelos meios de comunicação social, assim como à consulta do auto e obtenção de cópias, extratos e certidões de quaisquer partes dele.
É uma falsa questão a questão de proteger a factualidade e os envolvidos já que a lei tem solução para qualquer violação e, não se compadece o elemento sistemático com leituras que a lei não contém nem na sua letra nem no seu espírito.
A Constituição consagra no artº 37º, «liberdade de expressão e informação”, estatuindo que “todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações».
Consagra ainda o artº 38º a “liberdade de imprensa e meios de comunicação social” a liberdade de expressão, o direito dos jornalistas ao acesso às fontes de informação e à proteção da independência e do sigilo profissionais, a independência dos órgãos de comunicação social, perante o poder político, económico, cabendo a uma entidade administrativa independente assegurar nos meios de comunicação social a “regulação da comunicação social»
Por sua vez, o nº 2 al. a) do citado preceito refere que: «não é, porém, autorizada, sob pena de desobediência simples a reprodução de peças processuais ou de documentos incorporados no processo até à sentença de 1ª instância, salvo se tiverem sido obtidos mediante certidão solicitada com menção do fim a que se destina ou se para tal tiver havido autorização expressa da autoridade judiciária que presidir à fase do processo no momento da publicação».
Daqui resulta que o legislador teve como objetivo a preservação da presunção de inocência do arguido e da imparcialidade do poder judicial.
Dispõe o artigo 22º nº 1 b) da Lei de Imprensa que “constituem direitos fundamentais dos jornalistas, com o conteúdo e a extensão definidos na CRP e no EJ: «A liberdade de acesso às fontes de informação, incluindo o direito de acesso a locais públicos e respetiva proteção». Artigo 6º al. b) do Estatuto do Jornalista consagra «A liberdade de acesso às fontes de informação». Artigo 8º nº 3 do Estatuto do Jornalista, «O direito de acesso às fontes de informação não abrange os processos em segredo de justiça, os documentos classificados ou protegidos ao abrigo de legislação específica, os dados pessoais que não sejam públicos dos documentos nominativos relativos a terceiros, os documentos que revelem segredo
comercial, industrial ou relativo à propriedade literária, artística ou científica, bem como os documentos que sirvam de suporte a actos preparatórios de decisões legislativas ou de instrumentos de natureza contratual.
A recusa do acesso às fontes de informação por parte de algum dos órgãos ou entidades referidas no n.º 1 deve ser fundamentada nos termos do artigo 125.º do Código do Procedimento Administrativo e contra ela podem ser utilizados os meios administrativos ou contenciosos que no caso couberem».
Daqui resulta que os meios de comunicação social concretizam, dão voz, perseguem, um direito constitucional nacional e internacional de informar, de satisfazer o direito à informação e a ser informado. Neste Direito que faz parte do seu mister cabe o noticiarem a atividade da justiça sendo-lhes tal permitido publicidade do processo penal. ” É esta a medida em que o assistente (que até cabe na expressão “quaisquer pessoas “), pode contribuir ativamente para o exercício de direitos fundamentais que deve exercer e satisfazer, sujeito às regras a que sabe que está sujeito. Assim desde que transmitida a verdade material, e porque o direito a informar não e, como qualquer outro direito um direito absoluto, teremos um apelo ao exercício dos direitos e deveres de cidadania, acautelando-se o desconhecimento de situações que o vulgar cidadão desconhece em relação a certa legislação, contribuindo para a informação e formação cívica e da justiça sempre com respeito pelos direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos na defesa do interesse público Art. 3.º da Lei de Imprensa - Lei 2/99, de 13.1.
Mesmo que o assistente venha a esquecer as normas pelas quais se rege, certo é que não é ao tribunal que cabe fiscalizar a observação das mesmas, cabendo-lhe apenas aplicar a lei em caso de ser chamado por haver violação de alguma norma.
Não podemos defender que o espírito do legislador ao criar a figura do assistente, não foi conferir ao jornalista um acesso privilegiado às fontes de informação contidas no âmbito de um processo-crime em concreto, já que o legislador não distingue profissões que
possam aceder ao estatuto de assistente e as que não possam fazê-lo. Na verdade, a Lei se alguma diferença faz quanto á constituição de assistente não é quanto à pessoa que requer essa constituição é quanto aos crimes que estão em causa no processo em que a mesma é requerida.
A Lei não coloca qualquer limite a A ou a B.
E, onde o legislador não distingue não deve o aplicador ou o interprete distinguir, sob pena de se tornar inconstitucional uma escolha feita por razões sem razão, e, no mínimo, contra a lei em vigor.
Também não concede a lei nem vantagem, nem desvantagem a quem pretende constituir-se assistente e a quem a lei tal permite.
Assim voto vencida por entender que onde na verdade o legislador não distingue não pode o tribunal arranjar forma de distinguir e por entender que, num Estado de Direito em que os jornalistas conhecem as regras que os regem e a que estão sujeitos, sabendo que se o jornalista divulga violando o segredo de justiça deve ser exemplarmente punido pelas consequências que vier a causar, o Tribunal não é guardião de comportamentos e vontades.
Os tribunais têm de ser proactivos mas não podemos alimentar um Estado ou um Poder Judicial paternalista que toma conta de tudo e de todos, uma vez que todos são obrigados a conhecer a Lei e serão responsabilizados pela sua violação e até desconhecimento.
Por outro lado tendo o direito a constituir-se assistente que a Lei lhe confere sem exigir porquês, não pode o Tribunal pretender que uns têm mais “porquês” que outros.
Todos têm é uma grande responsabilidade na sua constituição de assistente e no exercício dos seus direitos.
Voto vencida por estas razões.
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[1] Código de. Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, pp. 246-247.
[2] E exemplo pa ra digm afico dessa jurisprudência o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08.03.2023 (Proc.º n.º 26/21.0TELSB-O.L1)
[3] Comentário á Lei de Imprensa e ao Estatuto do Jornalista, Coimbra Editora, 2011, p. 21
[4] Comentário à 1ei de imprensa .. , op. cit., p 214
[5] MARIO FERREIRA MONTE, Segredo e Publicidade na Justiça Penal, Almedina, 2018, p. 349.