Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4607/17.9T8LSB.L1-6
Relator: CRISTINA NEVES
Descritores: CONTRATO DE INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
PRESUNÇÃO DE CULPA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I- As instituições de crédito devem assegurar aos seus clientes elevados níveis de competência técnica (artº 73 do RICSF) devendo nas relações com estes proceder com diligência, neutralidade, lealdade, e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados (artº 74 do RICSF), prestando-lhes todas as informações sobre os produtos financeiros (artº 75 do RGICSF e 312 do CVM), de acordo com os princípios da boa fé, à luz de elevados padrões de diligência, correcção, lealdade, transparência e probidade comercial, nele se incluindo os riscos que existissem ou fossem previsíveis.
II- Este dever de informação completa, verdadeira e objectiva deve ser tanto maior quanto menor for o conhecimento do cliente, tendo em conta o seu perfil de investidor não institucional (cfr. referia o artº 321 nº1 do CVM).
III- Ao A. incumbe o ónus de prova de que não lhe foram prestadas todas as informações, ou que as prestadas não reflectiam a realidade, presumindo-se então, verificada esta violação do dever legal de informação, a culpa do banco e incumbindo ao R., neste caso, alegar e provar que não decorreu de culpa sua, conforme resulta do disposto no nº1 artº 314 do CVM.
IV- Provando-se que foram prestados ao cliente informações que não correspondiam ao produto adquirido e omitidas informações relevantes para a decisão de contratar, o banco tem o dever de indemnizar o seu cliente, pelos danos causados
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
A…. instaurou a presente ação declarativa comum contra BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A. peticionando a condenação de:
a) O Banco R. a reconhecer que se vinculou perante o ora A. a co-assumir as obrigações de reembolso do capital subscrito nos Produto SLN 2006 e respectivos juros que sobre a então SLN SGPS, S.A., enquanto entidade emitente recaia nos mesmos moldes em que sucederia se de um depósito a prazo se tratasse e por conseguinte condenar o Banco R. na obrigação de pagar ao A. a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) acrescido dos respectivos juros contados à taxa civil em vigor desde 9 de maio de 2016 para o capital de € 50.000,00 até efectuar o integral pagamento, bem como em custas de parte e procuradoria.
b) Se assim não se entender, e a título subsidiário, ser convertido o negócio jurídico em causa num contrato de depósito a prazo e por conseguinte ser o Banco R. condenado a proceder à restituição ao A. da quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescidos dos respectivos juros à taxa civil em vigor desde 9 de maio de 2016 para o capital de € 50.000,00 até efetivo e integral pagamento, bem como em custas de parte e procuradoria.
c) Caso assim não se entenda e a título subsidiário ser nos termos do disposto no art. 289 do C. Civil declarado nulo o negócio jurídico em causa e em consequência o Banco R. condenado a restituir ao A. a quantia global de € 50.000,00 acrescida de juros de mora à taxa civil em vigor desde a citação até integral pagamento, em custas de parte e procuradoria.
d) Por ultimo e se ainda não se entender, a titulo subsidiário, com base no instituto da responsabilidade civil contratual e pré contratual, por violação dos deveres legais a que o Banco R. estava adstrito, e conforme explanado na p.i. o Banco R. ser condenado na obrigação de indemnizar ao A. pelo prejuízo sofrido, nomeadamente condenando no pagamento ao A. da quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) acrescida dos respectivos juros de mora civil desde 9 de maio de 2016 para o capital de € 50.000,00 bem como em custas de parte e procuradoria.
Para fundamentar os seus pedidos, alegou, em síntese, ter sido convencido pelos funcionários da Agência de Leiria a subscrever um produto denominado SLN-Rendimento Mais 2006 no valor de € 50.000,00, por lhe ter sido assegurado que se tratava de um produto semelhante a um depósito a prazo, sem risco e que podia ser resgatado a qualquer altura, com o que apenas sofreria uma penalização nos juros, o que verificou posteriormente ser falso, não tendo sido reembolsado do capital investido.
*
Citado, o réu contestou, excepcionando a incompetência territorial, a ineptidão da p.i. por coexistência de duas causas de pedir - a colocação do produto com deficiência de informação ou informação incorrecta e a colocação do dinheiro do Autor num produto sem que aquele tivesse conhecimento do facto - que são incompatíveis e a prescrição do direito do autor nos termos do artº 324º do CVM.
Por impugnação, alega que o A. teve perfeito conhecimento do produto em causa, tendo-lhe sido explicada a sua natureza, condições de remuneração, reembolso e liquidez, bem sabendo que não estava a contratar um depósito a prazo ou sequer um produto equivalente.
*
Deferida a excepção de incompetência territorial e remetidos os autos ao tribunal competente, foi após designada audiência prévia, na qual, proferido despacho saneador, foi julgada improcedente a excepção de ineptidão da p.i., fixado o objecto do litígio e identificados os temas da prova, relegando-se para final o conhecimento da excepção de prescrição.
*
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, findo o qual, foi proferida sentença que condenou “o réu a pagar ao autor a quantia de €50.000,00, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento”, com fundamento no facto de o Banco ter garantido o reembolso do capital empregue na aquisição das referidas obrigações.
*
Interposto recurso desta sentença, veio este colectivo a proferir acórdão em 07/05/20 no qual se determinou a anulação da sentença proferida para que o tribunal a quo “profira nova decisão quanto aos pontos 2, 6 e 8 da matéria de facto;
-profira decisão quanto aos artigos 26, 27, 46 a 52, 56, 90 a 92 da p.i., com renovação da prova, se o entender necessário para resposta dos mesmos;
-fundamente a sua decisão quanto a todos os factos (provados e não provados), nos termos previstos no artº 607 nº 4 do C.P.C.”
*
Baixando os autos à primeira instância veio esta a proferir nova decisão, na qual se condenou novamente o banco R. no pagamento ao “autor a quantia de €50.000,00, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento.”, desta vez com fundamento na violação dos deveres de informação, na não ilisão de culpa pelo R. e, no que se reporta à excepção de prescrição, por ainda não ter “decorrido o prazo de 2 anos a que alude o artigo 324.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários.” 
*
Novamente inconformado com esta decisão, impetrou o R., recurso da mesma, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
“CONCLUSÕES
I. O Banco Recorrente não pode concordar com a matéria de facto dada como provada.
II. Com base nas declarações da testemunha (….)a) O Autor sempre deu carta branca ao funcionário … na aplicação do seu património depositado, apenas dizendo que queria produtos seguros, de capital garantido e com boa remuneração.
b) Independentemente da informação transmitida o Autor sempre subscreveria o produto se as características referidas em a) lhe fossem transmitidas pela funcionário …
III.A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado teria que ver com a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado aos Autores (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era um produto sem risco e com capital garantido, não transmitindo a característica da subordinação ou a possibilidade de insolvência da emitente, configura a prestação de uma informação falsa.
IV. Porém, tal realidade não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.
V. O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é exactamente o
relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso.
VI.Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente!
Ou seja, corresponde ao chamado RISCO GERAL DE INCUMPRIMENTO!
VII.A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente
ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos!
VIII.Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2016, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à excepção de ser uma mera hipótese académica -, em 2006, dez anos antes!
IX.A SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.
X. O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN.
XI.E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco!
XII.A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.
XIII.O risco BPN ou risco SLN, da perspectiva da insolvência era também equivalente!
XIV.A única diferença consistiu no facto do Banco ter sido resgatado através da sua nacionalização, numa decisão puramente política e alicerçada num regime aprovado propositadamente para atender a essa situação e não em qualquer quadro legal previamente estabelecido.
XV.A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não
pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objectivamente razoáveis e previsíveis.
XVI.A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação…
XVII.A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição!
Ou seja, o valor do capital investido é garantido!
XVIII.A este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores
Portugueses – www.todoscontam.pt! descreve as características de produtos financeiros, entre os quais as Obrigações, e explica a garantia de capital, exactamente nos termos que vimos de expor.
XIX.Ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá afirmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!
XX.O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo seu obrigações
assegurar-se de que o cliente compreendeu a afirmação.
XXI.A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é susceptível de
ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no artº 236º do CCiv. uma vez que esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.
XXII.A comercialização por intermediário financeiro de produto com a indicação de que o mesmo tem “capital garantido” não implica a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente da falta de reembolso por parte da entidade emitente.
XXIII.O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exactas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco.
XXIV.O grau de exactidão em relação às informações será variável, consoante o tipo de informação em causa.
XXV.No caso dos presentes autos, ficou demonstrado, e foi assumido pelos Autores, que era
do seu interesse e vontade investir em produtos de com boa rentabilidade e de elevada segurança.
XXVI.Apesar de os autores não serem investidores com especiais conhecimentos técnicos na
área financeira, o risco do produto em causa nos presentes autos era, pelas razões já várias vezes repetidas, baixo uma vez que nada fazia antever qualquer dificuldade futura do emitente.
XXVII.Assim, não pode o Banco Recorrente senão concluir que foram salvaguardados os legítimos interesses do cliente.
XXVIII. Resultou demonstrado que os funcionários, mais concretamente o funcionário que o
colocou, sempre acreditaram - até praticamente ao momento do incumprimento - que se tratava de produto seguro e se preocupavam com os interesses dos clientes.
XXIX. Dispunha sobre esta matéria o artigo 304º do CVM no sentido de que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, devendo conformar a sua actividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
XXX.E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea a) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais
envolvidos nas operações a realizar”.
XXXI.Tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.
XXXII.Tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si!
XXXIII.A informação quanto ao risco dos instrumentos financeiros propriamente dito apenas veio a ser exigida prestar aos intermediários financeiros com o D.L. 357-A/2007 de 31/10, que aditou o art. 312º-E nº 1, passando a obrigar o intermediário financeiro a informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.
XXXIV.O legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E.
XXXV.São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação, mesmo na actual redacção do CdVM.
XXXVI.A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento.
XXXVII.Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.
XXXVIII.O investimento em causa foi feito em Obrigações não estando sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do titulo (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.
XXXIX.Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, pois que nunca resultaria do mecanismo interno do instrumento em causa!
XL.A informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem!
XLI.Em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actiidade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.
XLII.E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das
hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!
XLIII. Esse hipotético incumprimento tem que ver com as qualidades ou circunstâncias do emitente (ou obrigado) do instrumento financeiro e não com o tipo do instrumento financeiro, conforme referido no art. 312º-E nº 1 do CdVM, que é expressão que aponta claramente para uma objectivização do risco em função do próprio instrumento de investimento e não para uma subjectivação em função do emitente!
XLIV.O artigo 312º, alínea e) do CdVM refere-se apenas aos riscos da actividade dos serviços
de intermediação financeira. Os deveres de transparência, lealdade e defesa dos interesses do investidor que sobre o intermediário financeiro impendem, obrigam apenas à informação sobre os riscos endógenos ao mecanismo de funcionamento do concreto instrumento financeiro, não abrangendo o risco geral de incumprimento das obrigações. Neste sentido não estava o intermediário financeiro obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto.
XLV.Do elenco de factos provados não resultam factos provados suficientes que permitam estabelecer uma ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida aos AA. e o acto de subscrição.
XLVI.A nossa lei consagra essa perfeita autonomia de cada um dos pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, apresentando-os e regulando-os de forma perfeitamente estanque.
XLVII.No que toca à causalidade não conseguimos sequer vislumbrar como passar da presunção de culpa – juízo de censura ético-jurídico sobre o agente do ilícito, e expressamente prevista na lei – à causalidade – nexo factual de associação de causa-efeito, como se de uma inevitabilidade se tratasse!
XLVIII.Do texto do art. 799º nº 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade.
XLIX.E, de resto, nos termos do disposto no artº 344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!
L. Se em abstracto, e de jure condendo até se pode, porventura e em tese, perceber esta interpretação para uma obrigação principal de um contrato – tendo por critério o interesse contratual positivo do credor -, não se justifica já quando estão em causa prestações acessórias do mesmo contrato.
LI. Analisado o fim principal pretendido pelo contrato aqui em apreço – contrato de execução
da actividade de intermediação financeira, de recepção e transmissão de ordens por conta de outrem -, parece-nos evidente que o mesmo se circunscreve à recepção e retransmissão de ordens de clientes – no caso os AA. É este o único conteúdo tipico e essencial do contrato e que é, portanto, susceptivel de o caracterizar.
LII.Não é por um dever de prestar ser mais ou menos relevante para qualquer parte, ou até para o comércio jurídico em geral, que será quantificável como prestação principal ou prestação acessória de um contrato. Releva outrossim se o papel de uma tal prestação na economia do contrato se revela como o núcleo tipico ou não do acordo contratual entre as partes.
LIII.A única prestação principal neste contrato será a de recepção e transmissão de ordens do cliente.
LIV.Sendo uma obrigação acessória, a prestação de informação não estaria nunca, nem no entender do Prof. Menezes Cordeiro, ao abrigo da proclamada presunção de causalidade.
LV.Estamos perante uma situação em que e configuram dois contratos distintos e autónomos
entre si: por um lado, (i) um contrato de execução de intermediação financeira, e por outro, (ii) a contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato!
LVI.Neste caso, estaremos perante uma falta de resultado no âmbito da emissão obrigacionista e não do contrato de execução de intermediação financeira.
LVII.O contrato de intermediação financeira foi já cumprido no acto de subscrição, tendo-se esgotado nesse momento.
LVIII.É esta uma óbvia dificuldade: como pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear uma presunção de ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um outro contrato?
LIX.O juízo de verificação de causalidade mecânica, aritmética ou hipotética tem inevitavelmente de se fundar em factos concretos que permitam avaliar da referida probabilidade, e não apenas em juízos abstratos ou meras impressões do julgador!
LX.A causalidade resume-se a uma avaliação de um dano hipotético apenas em casos em que
esse dano não seja efectivo, como é o caso do citado dano da perda da chance! Em todos os restantes casos, o juízo deverá ser feito, não numa perspectiva probabilidade, mas sim de adequação entre uma causa e um efeito.
LXI.No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!
LXII.O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito – uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e um concreto dano (que não hipotético)!
LXIII.Não basta afirmar-se genericamente que eles não foram informados do risco de insolvência ou da falta de liquidez das obrigações e que é essa causa do seu dano!
LXIV.Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.
LXV.Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.
LXVI.E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.
LXVII.E nada disto foi feito!
LXVIII.A origem do dano dos Recorrentes reside na incapacidade da SLN em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco Recorrido é alheio!
LXIX.Estribar na violação do dever de informação uma qualquer indemnização devida pelo Recorrente é solução injusta e que repugna qualquer espírito são, sobretudo quando é certo que o Autor, por sua livre e própria iniciativa deu “carta branca” ao funcionário do Réu para efectuar os investimentos que bem entendesse, assim renunciando àquele seu direito à informação e à condução do seu investimento.
LXX.O acolhimento de uma solução semelhante à que consta da sentença recorrida, significa dar respaldo ao exercício de um direito muito para lá dos limites da boa fé, configurando abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, nos termos e para os efeitos do art. 334º do CC.
LXXI.Ora, compaginando o que vimos de afirmar com a prova produzida, resulta à saciedade que o Autor, com o seu comportamento, criou no Réu a legítima expectativa de que não viria a invocar qualquer omissão do dever de informação em momento prévio à subscrição dos produtos.
LXXII. Daqui resulta a ininvocabilidade da pretensa omissão do Réu, para aí fundar um direito à indemnização.
LXXIII. Aquela conduta do Autor e lesado, supra referida em sede de impugnação da matéria
de facto, tem que ser valorada para efeitos da violação dos direitos do Autor.
LXXIV. Uma tal conduta potencia a inobservância do dever de informação que o funcionário
do Réu venha a incorrer, pois conforta-o nesse incumprimento, contribuindo para que ele próprio não cumpra com o seu dever, até convencido que o credor da informação não pretende ter a maçada de a receber, pois dela prescindiu...
LXXV. Tal circunstância tem consequências ponderosas. É que a aquela conduta do Autor é reconduzível à figura da culpa do lesado!
LXXVI.E, nos termos do art. 570º nº 2 do C.C., havendo culpa do lesado, fica definitivamente excluída a obrigação de indemnizar, sempre que a imputação de responsabilidade se baseie numa presunção de culpa, como foi a presunção do art. 304º-A nº2 do CdVM que serviu à Mma. Juiz a quo para estribar a condenação do Réu!
LXXVII.Essa culpa do lesado tem também que ser necessariamente avaliada e levada em conta no montante de indemnização a conceder, que tem por isso que ser inferior àquele que o Mmo. Juiz a quo concedeu.
Termos em que se requer a V. Exas. que alterem a decisão sobre a matéria de facto nos termos acima expostos, revogando a decisão recorrida e absolvendo o Recorrente do pedido deduzido pelos Autores
Ainda que assim não se entenda sempre se requer a V. Exa. que, com base na matéria dada como provada na primeira instância, revoguem a decisão recorrida absolvendo o Recorrente do pedido deduzido pelos Autores”
*
Não foram interpostas contra-alegações pelo A.
*
Corridos que se mostram os vistos aos Srs. Juízes Adjuntos, cumpre decidir.
*
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos do disposto nos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[2]
Nestes termos, as questões a decidir que delimitam o objecto deste recurso, consistem em apurar se:
a) Se se verificam os requisitos para a alteração da matéria de facto e se esta deve ser alterada no sentido propugnado pelo recorrente;
b) Se foram violados os seus deveres de informação e de boa fé na intermediação das obrigações SLN rendimento mais 2006;
c) Se existindo violação dos deveres de informação e boa fé por parte do Banco R., se existe nexo de causalidade entre esta violação e os danos patrimoniais sofridos pelo A.
d) Se o A. actua em abuso de direito, na modalidade do venire contra factum proprium.
*
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O tribunal recorrido considerou a seguinte matéria de facto:
1. Em Maio de 2006, o autor foi contactado telefonicamente pelo gestor de conta, funcionário do réu, que lhe propôs a subscrição de obrigações da SLN, pelo preço de €50.000,00.
2. No referido telefonema:
a. O gestor de conta disse ao autor que o produto era igual a um depósito a prazo, que se chamava SNL 2006.
b. O gestor de conta sabia que era essencial para o autor que o capital fosse garantido.
c. O gestor de conta disse ao autor que o capital era garantido.
d. O gestor de conta disse ao autor que os juros eram pagos de 6 e 6 meses, 2% acima da Euribor.
e. O gestor de conta disse ao autor que a subscrição era renovável.
f. O gestor de conta não disse que a subscrição era a 10 anos, porque na altura era fácil transacionar para terceiros e porque o gestor de conta sabia que se o dissesse, o autor não compraria.
g. O gestor de conta nada explicou acerca da SLN.
h. O autor aceitou comprar o produto acima descrito.
3. O autor é titular do seguinte valor mobiliário: uma obrigação subordinada SLN 2006, no valor nominal de €50.000,00, com vencimento em 09.05.2016.
4. O dinheiro proveio de depósitos a prazo do autor.
5. Na data de vencimento, em 09.05.2016, o banco não procedeu ao reembolso do capital aplicado, apesar de interpelado pelo autor.
6. Apenas após ter interpelado o banco para o pagamento do capital, o autor teve conhecimento que as características do produto financeiro não eram as que lhe haviam sido referidas telefonicamente pelo gestor de conta.
7. O autor pretendia que a aplicação não comportasse qualquer risco e que a recuperação dos valores fosse segura a 100% e que fosse possível o resgate do capital em qualquer altura do decurso do prazo.
8. Estes factos eram de pleno conhecimento do gestor de conta.
9. O autor confiou na palavra do gestor de conta do Banco Réu, pessoa que bem conhecia e por quem tinha consideração e confiança.
10.O gestor de conta sabia que a condição essencial para o autor era a garantia do produto ao nível do reembolso de capital bem como a oportunidade do resgate em qualquer data posterior.
11.O Autor sempre confiou que poderia reembolsar os valores depositados no Banco em qualquer altura.
12.O autor propôs esta ação em 21.2.2017.
***
Não se provou que:
13.O réu prestou ao autor todas as informações acerca da obrigação subordinada SLN 2006.
14.O agente de conta do Banco sabia que se fosse explicada a transformação dos depósitos a prazo do autor em obrigações subordinadas, nunca este aceitaria a subscrição de produto com tal índice de risco.
15.Pois, nunca adquiriria um produto desse género se lhe explicassem as condições do resgate, garantia de capital e subordinação.
16.E desta forma foi convencido a fazer este investimento.
17.Funcionários do banco réu explicaram ao autor os elementos que constam da nota informativa de fls. 70V-87V.
18.Em Maio de 2006, o Autor foi informado de que as obrigações eram emitidas pela Sociedade que detinha o Banco Réu – a SLN, Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A. (SNL) – e que o reembolso antecipado da emissão só era possível por iniciativa da SLN a partir do 5.º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.
19.Foi ainda informado que a única forma do investidor liquidar este produto de forma unilateral seria transmitindo as suas obrigações a um terceiro interessado, mediante endosso.
20.O autor pretendia subscrever €50.000,00 em obrigações subordinadas SLN 2006.
21.O banco agiu de acordo com as instruções do autor.
22.Até porque este pretendia rentabilizar o seu investimento nesta modalidade de investimento, pois as taxas que o mesmo proporcionava:
23.As taxas das Obrigações SLN 2006 eram as seguintes: 4,5% no primeiro semestre; Euribor a 6 meses + 1,15% nos 9 semestres seguintes; Euribor a 6 meses + 1,50% nos semestres restantes.
24.O autor recebeu no mês seguinte à da operação supra, em casa, por correio, não só o aviso de débito correspondente à subscrição efetuada, bem como o aviso de crédito a cada seis meses relativo a juros.
25.“Concretamente foram dadas instruções aos colaboradores e funcionários da Banco, para que as notas informativas que se juntam sob (o doc. 4) não fossem entregues ou sequer explicadas aos clientes.”
26.“Os quais deveriam ser incentivados à adesão a estes novos produtos como se de depósitos a prazo se tratassem.”
*
DA REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
No recurso interposto da nova sentença proferida pelo tribunal a quo, pretende a apelante que sejam aditados à matéria de facto dois novos pontos que teriam resultado do depoimento da testemunha .., ou seja que:
a) O Autor sempre deu carta branca ao funcionário …. na aplicação do seu património depositado, apenas dizendo que queria produtos seguros, de capital garantido e com boa remuneração;
b) Independentemente da informação transmitida o Autor sempre subscreveria o produto se as características referidas em a) lhe fossem transmitidas pelo funcionário ….
Decidindo
b) Dos fundamentos de reapreciação da matéria de facto;
Relativamente aos requisitos de reapreciação da matéria de facto, dispõe o artº 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, que:
«Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
No que toca à especificação dos meios probatórios, «Quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (Artigo 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil).
Quer no corpo das suas alegações, quer nas suas conclusões recursórias, o recorrente satisfaz este ónus, pelo que nada obsta à apreciação do recurso nesta parte.
Para apreciação deste segmento do recurso, o tribunal ouviu a totalidade dos depoimentos prestados nos autos, em essencial o depoimento da referida testemunha , funcionário que propôs ao A. a subscrição deste produto.
Posto isto, do depoimento da testemunha , resultou que este contactou o cliente referindo-lhe textualmente que “tinha um produto igual a um depósito a prazo”, “pagável a seis meses, renovável automaticamente” e “com capital 100% garantido pelo banco”, mais afirmando que “nunca mencionou o nome SLN, nunca referiu serem estas obrigações”, subordinadas ou não e nunca mencionou “o prazo de 10 anos”., referindo várias vezes que aquilo era um produto “tipo depósito a prazo, com capital garantido, renovava-se de seis em seis meses, pagava juros, com uma taxa ligeiramente mais alta que um depósito a prazo”.
Mais acrescentou, no que se reporta às relações de confiança com o A., que os clientes tinham total confiança em si e portanto nunca duvidaram do afirmado, subscrevendo o que ele aconselhava. Acrescentou ainda que se o cliente tivesse conhecimento de que “o capital não estava garantido não subscrevia o produto” e que se tivesse dito ao cliente o que estava no argumentário provavelmente ele não subscrevia, pelo que mencionou apenas as informações positivas.
Deste mesmo depoimento resultou que, não foi exibido ao cliente a nota informativa, nem o argumentário de venda, nem a nota interna do produto, sendo a subscrição por contacto telefónico, sendo perfeitamente irrelevantes para a sorte dos autos o teor dos documentos referentes a esta obrigação, pois que não foi dado conhecimento ao A. do produto a subscrever, nem que os aludidos documentos existiam e podiam ser consultados.
Deste depoimento absolutamente decisivo decorreu que as únicas informações foram as referidas no ponto 2, mais não foi explicado porque senão o cliente não subscrevia, só sendo explicado as informações positivas e que o cliente confiava em si (e no banco), o que difere em muito de “dar carta branca” ao funcionário à semelhança de um contrato de gestão de carteira (que inexistia) e de “subscrevo qualquer produto”, não sendo necessário qualquer informação desde que seja um “produto seguro, de capital garantido e com boa remuneração”.
Sendo perfeitamente credível que, no início deste século, os clientes tivessem plena confiança nos bancos e maior ainda nos seus gestores de conta, em especial em meios pequenos em que a relação entre o cliente e os funcionários bancários é mais próxima, tal não desonera o funcionário da prestação cabal de todas as informações sobre os produtos que propõe e convence os clientes a subscrever, nem significa que desta relação de confiança decorra uma autorização tácita para toda e qualquer subscrição de produtos.
Está aliás esta pretensão em desconformidade com o teor da alínea f) do ponto 2, dos 7 e 10.
Assim sendo, mantém-se a matéria de facto assente pelo tribunal recorrido.     
***
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Alega o Banco R. como fundamento do seu recurso, que foram prestadas todas as informações que determinaram a aquisição destas obrigações pelo A., não fazendo parte das obrigações do Banco, nem podendo este advertir o investidor para a hipótese de insolvência do emitente das obrigações e que, em qualquer caso o A. pela relação de confiança tida com o funcionário bancário, subscreveria as obrigações, desde que se tratasse de um produto seguro, com capital garantido e uma boa remuneração.
Alega ainda que, à data em que foi subscrito este produto não existia nenhuma norma que obrigasse o intermediário financeiro a prestar informações acerca dos riscos do instrumento financeiro em causa e que, mesmo na actual redacção, a menção a riscos especiais das operações a realizar, não se reporta ao concreto instrumento em si.
Invoca ainda que, neste caso, não existe nenhum risco especial uma vez que, à data, ninguém suponha o risco de incapacidade financeira do banco ou da sociedade emitente das obrigações.
Por último alega que o A. actua em abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, nos termos e para os efeitos do art. 334º do CC., por ter criado “com o seu comportamento, criou no Réu a legítima expectativa de que não viria a invocar qualquer omissão do dever de informação em momento prévio à subscrição dos produtos. (…) “Uma tal conduta potencia a inobservância do dever de informação que o funcionário do Réu venha a incorrer, pois conforta-o nesse incumprimento, contribuindo para que ele próprio não cumpra com o seu dever, até convencido que o credor da informação não pretende ter a maçada de a receber, pois dela prescindiu... (…) havendo culpa do lesado, fica definitivamente excluída a obrigação de indemnizar…”
Vista esta argumentação, tendo em conta os factos que se apuraram, incumbe-nos responder às seguintes questões:
-Violou o então BPN os seus deveres de informação, diligência, competência e lealdade para com o A., cliente desta instituição bancária?
-Se sim, decorreram dessa actuação danos para o A. (estão verificados os danos e o nexo de causalidade entre os factos e os danos), imputáveis estes ao banco R. (ex BPN)?
-Neste caso, conforme considerou a decisão recorrida, deve o banco R., reembolsar o A. do montante investido?
-Existe abuso de direito por parte do A. na modalidade do venire contra factum proprium?
Vejamos a primeira questão:
e) Se pelo Banco recorrido foram violados os seus deveres de informação e de boa fé, na intermediação das obrigações SLN rendimento mais 2004;
Para responder a esta questão há que examinar as normas aplicáveis às instituições financeiras, constantes do RGICSF e os deveres que neste diploma e no CVM se cometem a estas instituições, mormente no que se reporta às actividades de intermediação financeira, não sendo posto em causa que, neste caso, actuou o Banco R. enquanto intermediário financeiro na colocação das referidas obrigações emitidas pela SLN, junto dos seus clientes.
 Que esta actividade de intermediação financeira era permitida e fazia parte das actividades que o R., enquanto instituição de crédito paradigmática, podia realizar, também não é colocado em causa, estando estas actividades definidas no nº2 do RGIC, podendo estas instituições exercer todos as operações constante do artº 4 deste diploma, sem prejuízo ainda da realização de “...outras operações análogas e que a lei lhes não proíba”, ou seja, entre elas a actividade de intermediação financeira, estabelecendo a ligação entre a oferta e a procura no mercado de capitais, por parte dos agentes económicos não financeiros.
Esta actividade de intermediação, encontra-se regulada em várias disposições do nosso ordenamento jurídico, nomeadamente no RGICSF e no Código dos Valores Mobiliários (na redacção dada pelos D.L. 252/2003, de 17/10 e D.L. 66/2004 de 24/03, tendo em atenção a data da prática dos factos[3]), mormente nos seus artºs 289° e 290, n° 1 a).
De acordo com o disposto no art 305 e segs. do CVM, a actividade de intermediação financeira está dependente, da observância de princípios e regras gerais relativos à organização e funcionamento dos intermediários financeiros, mais se exigindo destes uma elevada aptidão profissional e a disponibilidade de meios técnicos, materiais e humanos para a prestação do serviço em condições de qualidade e eficiência, sendo-lhes exigido que prossigam dois interesses principais:
-o funcionamento regular do mercado;
-os interesses dos investidores/clientes que lhes incumbe salvaguardar (a poupança dos fundos confiados e respectiva capitalização, de molde que o cliente obtenha a maior rentabilidade possível com os capitais investidos).[4]
Na defesa dos interesses dos seus clientes (que lhes confiaram fundos com a obrigação de os restituir e de os aplicarem de acordo com o pretendido pelo cliente e o seu perfil (investidor qualificado ou conservador) de forma a obterem melhor rentabilidade), exige-se que os intermediários financeiros actuem de acordo com os princípios da boa fé, à luz de elevados padrões de diligência, correcção, lealdade, transparência e probidade comercial.
No âmbito destes deveres, inclui-se, nomeadamente, a abstenção por parte dos intermediários de comportamentos susceptíveis de fazer perigar o património que lhes é confiado, exigindo-se o cumprimento de especiais deveres de informação aos clientes (artº 312 e segs. do CVM), transmitindo de forma fidedigna e atempada todas as informações relevantes para a manutenção /rentabilidade do património confiado, devendo a “A extensão e a profundidade da informação (…) ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.” (artº 312 nº2 do CVM)[5]
Não basta pois, para que se considere cumprido este dever, que o intermediário financeiro preste informações vagas, mais ou menos verídicas, sem grande profundidade, de forma a convencer um cliente a subscrever um produto, uma vez que, conforme decorre do disposto no artº 7º do CVM, a informação “deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a actividades de intermediação e a emitentes que seja susceptível de influenciar as decisões dos investidores”.
Este dever de informação completa, verdadeira e objectiva deve ter ainda em conta o perfil deste investidor como investidor não institucional (cfr. referia o artº 321 nº1 do CVM), resultando dos factos assentes que teria apenas constituídos depósitos a prazo (ponto nº1).
O que não significa que o cliente/investidor esteja desonerado da adopção de um comportamento diligente aquando da subscrição de qualquer produto, visando o seu cabal esclarecimento, incumbindo-lhe também, de acordo com os seus conhecimentos, se dúvidas subsistirem, o dever de as dar a conhecer ao banco e dele obter esclarecimentos.[6]
Ou seja, este dever de informação, não desonera o investidor de por sua vez, adoptar activamente um comportamento diligente com vista ao seu esclarecimento sobre o produto que visa adquirir, salvaguardando-se casos de total ignorância ou incapacidade na apreensão dos concretos condicionalismos deste produtos.
No caso em apreço, a informação que foi transmitida ao cliente pelo funcionário bancário, via telefone, era que este produto era “igual a um depósito a prazo, que se chamava SNL 2006”, igual não semelhante denote-se, “que o capital era garantido” que os “juros eram pagos de 6 e 6 meses, 2% acima da Euribor (…) que a subscrição era renovável.” (ponto nº2) Estas as informações transmitidas ao cliente.
As informações que não foram transmitidas e que deviam ter sido resultam também deste ponto 2: não foi dito que “a subscrição era a 10 anos, porque na altura era fácil transacionar para terceiros e porque o gestor de conta sabia que se o dissesse, o autor não compraria.”
A esta omissão deliberada e justificada pela circunstância de que se não fosse a omissão o cliente não queria o produto, acresceu ainda o facto de o “gestor de conta nada explicou acerca da SLN”, desconhecendo o cliente A. afinal que eram obrigações emitidas pela sociedade SLN e que o funcionário bancário não exibiu nem explicou todos os elementos que constam da nota informativa de fls. 70V-87V.
Ora, a confiança que existia entre o A. e o funcionário que, via telefone, lhe propõe um produto que é igual a um depósito a prazo e que se chama SLN 2006, não exonera esse funcionário nem o Banco do dever de prestar todas as informações completas ao seu cliente, como o apelante parece considerar.
Por outro lado, se é certo que se exigia à data um dever de informação completa verídica, clara e objectiva por parte do Banco, é igualmente certo que do teor do artº 312 e segs. do CVM na redacção então vigente, não resultava um grau de explicitação dos deveres de informação, análogos aos que posteriormente vieram a constar da redacção introduzida pelo D.L. 357-A/2007, de 31 de Outubro (da qual resulta a obrigação deste intermediário de informar o investidor sobre o produto financeiro, "com grau suficiente de pormenorização” incluindo “a natureza e os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa" (n° 1 do artigo 312° e artigo 312°-E), "incluindo uma explicação (...) do risco de perda da totalidade do investimento" (al. a) do n° 2 do artigo 312°-E) de forma a ser compreendida "pelo destinatário médio" (art. 312-A, n° 1, c). Esta “densidade do dever de informação resulta tanto das características do produto financeiro que o intermediário financeiro tem, obrigatoriamente, de fornecer ao cliente, como da necessidade de suprimento da insuficiência de conhecimento ou experiência revelada pelo cliente”.[7]
No entanto, apesar de não constar expressamente descriminado em anterior redação que a explicação teria de apresentar um grau suficiente de pormenorização, com indicação dos riscos de perda da totalidade do investimento, se os existissem, o certo é que se inseria na previsão normativa o dever de informação do Banco, com o grau de pormenorização necessário à compreensão do produto. Dever de informação que teria de incidir sempre na explicitação do produto e dos riscos especiais deste, que existissem à data ou fossem previsíveis (incluindo-se nestes riscos a perda do investimento, se previsível), incluindo todas as informações que permitissem a tomada de uma decisão esclarecida pelo cliente, abstendo-se da prestação de informações inverídicas, incompletas ou assegurando características inexistentes ou ilusivas, visando convencer o cliente a subscrever produtos financeiros por ele não desejados, caso tivesse conhecimento das verdadeiras características.
Quer isto dizer que a redação deste preceito vigente à data, não consagrava um dever de informação diminuído em relação ao que veio a constar do D.L. 357-A/2007. O grau e intensidade deste dever de informação, é o mesmo: completo, verídico, claro e objectivo.
A inobservância destes deveres de informação, constitui o banco no dever de indemnizar o seu cliente se, desta inobservância, resultarem danos para o cliente (forem causa adequada da existência deste dano), conforme decorre do teor do artº 314 do CVM.
Volvendo ao caso concreto, tendo o R., então BPN, intermediado, através da sua rede comercial, a subscrição de obrigações subordinadas SLN Rendimento Mais 2006, impunha-se que os seus funcionários, agindo em sua representação, prestassem informação fidedigna e completa aos seus clientes, sobre este produto, nestas informações se incluindo a característica do produto (obrigações), o emitente, o prazo, possibilidade de endosso ou vencimento antecipado, conforme decorre não só dos preceitos acima referidos do CVM, mas também do disposto nos artºs 75 e 76 do RGICSF e do disposto no artº 227 do C.C.
A pedra de toque deste conjunto de deveres consiste efectivamente neste dever de informação cabal, esclarecida e pormenorizada ao cliente dos produtos em causa e dos riscos envolvidos, uma vez que “a existência de deveres informativos visa essencialmente proteger os investidores e este princípio nuclear tem subjacente a defesa do interesse público, a segurança nos mercados e a igualdade entre os vários agentes de mercado. E, por conseguinte, toda e qualquer avaliação da responsabilidade contratual não pode ficar apartada dessa ideia matricial.”[8]
Como bem refere Agostinho Cardoso Guedes, “A Responsabilidade do banco por informações à luz do artigo 485.º do Código Civil, Revista de Direito e Economia, Ano XIV, 1988, a pág.s 138 e 139: “… o problema da responsabilidade por informações como problema autónomo, coloca-se, principalmente, quando o dador aparece, perante o destinatário, portador de qualidades específicas que o habilitam a fornecer tais informações, as quais induzem o mesmo destinatário a nelas fazer fé. No caso do banco, o cliente presume uma competência e organização, uma profissionalização específica, que os bancos objectivamente possuem.”, mais referindo a págs. 146, 147, “Sempre que alguém se dirige a um banco para com ele celebrar um contrato (um depósito bancário, um empréstimo, a compra de títulos da sociedade proprietária do banco, um desconto, um empréstimo hipotecário, depósito de títulos, etc., e se inicie «uma actividade comum dos contratantes, destinada à análise e elaboração do projecto de negócio», não parece restar qualquer dúvida que qualquer dos contraentes fica imediatamente vinculado aos deveres resultantes do art. 227.º, e, consequentemente, o banco pode ser obrigado a prestar informações ou conselhos ou, quando tal dever não surja por força do dever de agir com boa-fé, responsabilizado, ainda assim, por informações ou conselhos inexactos (desde que, com esse comportamento, se violem outros deveres de conduta, tal como acontecia com os deveres laterais de origem contratual de que resultem danos”.
Por outro lado, e conforme refere Menezes Leitão[9] é sempre de presumir a culpa do banco, “…mesmo nos casos em que (…) presta conselhos ou recomendações sobre negócios (consultoria em relação a decisão de investimento, intermediação em operações sobre valores mobiliários, etc.) mesmo neste âmbito, sempre que a informação prestada tenha um cariz objectivo, se deve presumir a culpa do banco nos termos do art. 799 do CC que como entidade especializada na matéria se compromete à prestação de informações exactas, cabendo a ele ilidir sempre essa presunção com a demonstração de que o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua”.
Que assim é, resulta também da consideração do depositante/cliente, como a parte mais fraca, apurada pela falta de conhecimentos concretos e de experiência por parte dos clientes deste banco e pela especial relação de confiança que tinham com o funcionário da agência.
No entanto, esta presunção de culpa, não equivale a presunção de ilicitude, incumbindo ao A. o ónus de prova de que não lhe foram prestadas todas as informações, ou que as prestadas não reflectiam a realidade, presumindo-se então, verificada esta violação do dever legal de informação, a culpa do banco e incumbindo ao R., neste caso, alegar e provar que não decorreu de culpa sua.
Prova que o A. realizou conforme decorre dos pontos 2, 7 e 10, não tendo o banco R. logrado provar que a culpa não foi sua.
Com efeito, resulta do disposto no nº1 do artº 314 do CVM, que  “Os intermediários financeiros (…) obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.” mais acrescentando o nº 2 que “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.”
Ora, dos factos assentes decorreu que o banco R., através do seu funcionário, previamente à subscrição, prestou ao A. informação sobre este produto, identificando-o como igual a um depósito a prazo, quando o não era, sem prestar qualquer informação sobre o que era a SLN, alegadamente o nome do produto igual a um depósito a prazo, e não informou que a subscrição era a 10 anos, porque entendeu que à data era fácil a sua transmissão e, facto essencial, porque se assim não fosse, o cliente A. não compraria.
Não resultou provado que o banco R. tenha assumido a garantia de reembolso do capital constante das referidas obrigações e do recebimento da respectiva remuneração (juros contratados), caso em que estaria em causa essa obrigação, e não a responsabilidade por danos decorrentes da violação do dever de informação. A menção a capital garantido, não significa que o fosse pelo próprio banco (como foi considerado na primeira decisão anulada por este colectivo).
Ora, a informação prestada não pode ser vaga, ambígua, omissa, pouco explícita ou confusa, visando deixar o cliente em erro, convencendo-o a adquirir um produto alegadamente com características que afinal não possui, sendo certo que neste caso, não existiu sequer boletim de subscrição e não foi exibida ao A. a nota explicativa do produto, onde tal elemento constava explicitado e também não foi explicado ao A. as características do produto de que só tomou conhecimento em 2016.
Ora, dos pontos 1, 2, 4, 6 e 7 a 10, decorre que, tendo sido dito ao A. que este era um produto igual a um depósito a prazo, omitindo as demais características que o pudessem identificar como produto financeiro/obrigações subscritas por uma entidade terceira, embora detentora do banco R., só em 2016 o A. soube que afinal não era um depósito a prazo.
Tendo em atenção a natureza e características do produto em causa, nos deveres de informação dos elementos necessários a uma decisão esclarecida e fundamentada incluem-se os respeitantes à natureza da aplicação e á identidade e demais características do emitente e das condições de reembolso, essencial para o A., uma vez que igualmente se provou que se o A. tivesse tido conhecimento das características referentes ao período de subscrição e às condições de reembolso, não teria subscrito esta aplicação.
Aliás o depoimento do funcionário, testemunha L … é esclarecedor. Só transmitiu as informações favoráveis, porque senão o cliente não queria.
Se resultou como facto não provado que tenha sido prestada informação sobre a concreta natureza do produto, prazo e reembolso (sendo no entanto certo que o ónus de prova de que o não fora incumbia ao A.), decorreu do facto dado como provado nos aludidos pontos, que esta era uma característica essencial para o A,. no que concerne à sua decisão de contratar e que se este soubesse (o que inclui o seu desconhecimento, pelas razões acima apontadas-não existe boletim de subscrição, nem foi exibido ao A. a nota explicativa), não contrataria.
No que se reporta às características das obrigações em causa, é igualmente certo que, conforme referido no Ac. desta relação de 21/06/2018, proferido no Proc. nº 7747/17.0T8LSB.L1, (em que a relatora foi 2ª adjunta) “em termos de segurança e de risco para o investidor/aplicador, são diversas as diferenças entre os depósitos a prazo e as obrigações, sendo que, (…) os primeiros têm a particularidade de terem reembolso garantido de capital, e, sobretudo, beneficiam (ao contrário das obrigações) da protecção do Fundo de Garantia de Depósitos [ Fundo que se rege pelo disposto nos artigos 154.º a 173.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras - aprovado pelo DL n.º 298/92, de 31 de Dezembro - e que tem por objecto garantir o reembolso de depósitos constituídos nas instituições de crédito que nele participem ] , protecção esta que salvaguarda o eventual risco da instituição financeira não cumprir com os seus deveres.
Já as obrigações [ valor mobiliário, por regra representativo - como vimos supra - de dívida de uma empresa, sendo o obrigacionista um credor da entidade emitente - porque de tradicional mecanismo se trata de financiamento empresarial (18) - e sendo o risco de incumprimento acentuadamente superior ], além de se tratarem de títulos de dívida de uma determinada entidade emitente, por regra o respectivo reembolso depende essencialmente da capacidade económico financeira do emitente e, ao contrário do que acontece nos depósitos a prazo , não se mostram “apadrinhadas “ por um qualquer Fundo de Garantia, razão porque verificando-se a incapacidade do emitente em cumprir com os seus devedores, o investidor dificilmente conseguirá reaver o investimento.”
Assim sendo, concorda-se com a decisão recorrida quando refere que existiu violação dos deveres de informação do intermediário financeiro na explicitação dos deveres de informação que lhe estavam cometidos e que esta violação é culposa.
Que existiu dano é também certo e adquirido.
No entanto, porque conforme referido no Ac. desta Relação de 11/07/19[10] a responsabilidade civil do intermediário perante o cliente está sujeita aos tradicionais pressupostos da responsabilidade civil (delitual e contratual): a conduta ilícita e culposa (“violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade”), o dano (“obrigados a indemnizar os danos”), e o nexo de causalidade (“causados a qualquer pessoa em consequência” daquela violação)” e uma vez que ainda que se verifique a violação dos deveres de informação do intermediário financeiro e que esta seja ou se presuma culposa, não está dispensada a existência de um dano e da verificação de um nexo de causalidade entre esta conduta e o dano.
Não aderindo à tese de presunção de causalidade, tal nexo terá de decorrer dos factos provados ou seja, se destes resulta a existência de nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação do banco e os prejuízos tidos na esfera jurídica do A., questão que passaremos a apreciar.
c) se existe nexo de causalidade entre esta violação e os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo A. (mormente se existe uma presunção de nexo de causalidade).
Volvendo ao acórdão supra mencionado, dele decorre (citando SANTOS, G. Castilho, A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o Cliente, 235 e segs., Almedina, Coimbra, 2008) que “para que o intermediário financeiro se constitua em responsabilidade perante o cliente é necessário que este tenha sofrido danos ou prejuízos patrimoniais: tais prejuízos tanto se podem traduzir numa desvalorização ou diminuição real do património do cliente (danos emergentes) como numa frustração da valorização ou do incremento desse mesmo património (lucros cessantes) (arts. 563.º e 564.º, nº 1 do Código Civil). Sublinhe-se que, no âmbito da prestação de serviços de intermediação financeira, a imputação da obrigação indemnizatória não pressupõe a exclusividade causal da conduta ilícita e danosa do intermediário responsável, sendo possíveis e conhecidos casos em que a conduta dos próprios clientes concorrem ou agravam de algum modo para a dimensão dos danos sofridos, justificando concomitantemente a redução do “quantum” indemnizatório”.
“Quintus”, e por último, exige-se ainda que os danos ou prejuízos sofridos pelo cliente possam ser considerados como provocados ou resultantes da conduta (ativa ou omissiva) ilícita e culposa daquele (nexo de causalidade). A integração deste derradeiro requisito coloca problemas delicados para que importa, desde já, advertir. Não se perca de vista que os juízos de causalidade são, por definição, bastante complexos em domínios particulares que, como é o caso dos mercados financeiros, são caracterizados pela álea do seu funcionamento: como fatores coadjuvantes desse juízo, deverão ser tidos em conta os serviços de intermediação financeiro prestados (já que uma mesma conduta ilícita do intermediário poderá ter repercussões diferentes consoante o concreto tipo de serviço prestado), o tipo ou natureza do cliente (mormente, se se trata de um investidor qualificado ou institucional, ou inversamente de um investidor não qualificado ou profano), ou ainda a natureza controlável ou incontrolável dos eventos que determinaram as perdas patrimoniais (havendo alguma doutrina e jurisprudência estrangeiras que distingue, a este propósito, entre fatores controláveis e incontroláveis). (…) Questão relevante é a da distribuição do ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade civil do intermediário financeiro, tendo especialmente em conta a presunção fixada no nº 2 do art. 304.º-A do CVM: “a culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.
Este preceito legal veio assim inverter o ónus de prova relativamente à culpa do intermediário financeiro: é ao intermediário financeiro, e não ao cliente, que incumbe provar que uma eventual conduta ilícita e danosa não lhe é subjetivamente imputável a título de dolo ou negligência. (…) A partir daqui, é já controverso na doutrina e na jurisprudência qual o exato alcance a dar a semelhante presunção legal relativamente à prova dos demais requisitos da responsabilidade civil do intermediário financeiro. Com efeito, segundo alguns, tal presunção legal valeria também como uma presunção do nexo de causalidade: à semelhança do que sucede noutros dispositivos da lei mobiliária que consagram presunções relativas ao nexo causal (v.g., arts. 152.º, nº 2, 282.º, 334.º do CVM), a necessidade de proteção dos clientes-investidores – especialmente, dos investidores não qualificados, os quais, enquanto leigos destituídos de conhecimentos e competências técnicas especiais, ficariam expostos a uma espécie de “probatio diabolica” – e a situação privilegiada dos intermediários financeiros – instituições altamente especializadas com acesso privilegiado à informação relevante – justificariam a extensão da inversão do ónus probatório relativamente a nexos causais particularmente complexos.”

Constituindo objeto de divergência doutrinária e jurisprudencial a existência de uma verdadeira presunção de causalidade, a consideração que a aludida presunção existe não tem, a nosso ver, suporte na lei (nem na letra nem nos fins visados com a proteção em causa), uma vez que do disposto no artº 304-A e 314 do CVM, resulta apenas uma presunção de culpa do intermediário financeiro, mas não resulta nem a presunção de existência do ilícito, nem do dano e do nexo de causalidade entre o suposto ilícito e o dano, incumbindo ao lesado o ónus de prova destes factos, nomeadamente elencando factos dos quais decorra a violação deste dever pelo R. e os danos resultantes desta omissão.
Acresce que, no nosso ordenamento civil, vigora o princípio da causalidade adequada, ou seja, “não basta que o evento tenha produzido (naturalística ou mecanicamente) certo efeito, para que este, sob o ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele: sendo ainda necessário que o evento danoso seja uma causa provável, adequada desse efeito. Não bastando, pois, a relação de condicionalidade concreta entre o facto e o dano, sendo, ainda, preciso que, em abstracto, o facto seja uma causa adequada do dano. Sendo antes necessário, para que um facto seja causa de um dano, que, por um lado, no plano naturalístico, ele seja condição (directa ou indirecta) sem a qual o dano se não teria verificado, e, por outro, que em abstracto ou em geral, seja causa adequada do mesmo.”[11]
Daqui decorre que, ainda que resultasse dos autos que existiu violação dos deveres de informação por parte do R, necessário seria que resultasse igualmente o nexo de causalidade entre a violação destes deveres e o dano,[12] uma vez que, conforme se refere em Ac. do STJ de 11/10/18 (proc. n.º 2339/16.4.T8LRA.C2.S1) “a presunção de culpa prevista naquele preceito não inclui presunções de ilicitude e de causalidade, desde logo, por tal amplitude não encontrar um “mínimo de correspondência” na letra da lei (cf. art. 9º, nº2, do CC)[13]
Assim incumbia ao A., cfr. decidido no citado Ac. desta relação de 07/02/19 “nos quadros do artº. 563º, do Cód. Civil, a prova do nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, que se tivesse sido informado, por completo, da totalidade das características do produto financeiro que lhe foi proposto, nomeadamente da natureza subordinada das Obrigações em venda, o que poderia ter sido efectuado mediante a exibição ou entrega da nota informativa e/ou da informação existente a nível interno, não teria adquirido a Obrigação, mediante a entrega da quantia monetária despendida”, ou seja para que se demonstrasse a existência de um nexo de causalidade, necessário seria que o A. provasse que não teria subscrito este produto caso soubesse das suas características, mormente que se não tratava nem era igual a um depósito a prazo, que constituía uma obrigação subordinada, emitida por terceiro e do respectivo prazo e condições de reembolso.
Tal prova foi feita, uma vez que, demonstrado ficou que: o gestor de conta afirmou ao A. que o produto era igual a um depósito a prazo; não disse que a subscrição era a 10 anos, porque na altura era fácil transacionar para terceiros e porque o gestor de conta sabia que se o dissesse, o autor não compraria; nada explicou acerca da SLN; apenas após ter interpelado o banco para o pagamento do capital, o A. teve conhecimento que as características do produto financeiro não eram as que lhe haviam sido referidas telefonicamente pelo gestor de conta; o A. pretendia que a aplicação não comportasse qualquer risco e que a recuperação dos valores fosse segura a 100% e que fosse possível o resgate do capital em qualquer altura do decurso do prazo; estes factos eram de pleno conhecimento do gestor de conta, que bem sabia que a condição essencial para o autor era a garantia do produto ao nível do reembolso de capital bem como a oportunidade do resgate em qualquer data posterior.
Tendo sido feita a prova destes factos, verifica-se a ocorrência de nexo de causalidade entre a violação dos deveres cometidos ao intermediário financeiro e os prejuízos verificados pois que se essa violação não tivesse ocorrido, o A. nada teria contratado[14]
Por outro lado, no que se reporta ao montante dos prejuízos devem este ter como critério o disposto no artº 562 do C.C., não estando limitados ao interesse contratual negativo, não se aceitando a solução constante do STJ de 11/07/19, no qual se refere que  “se a fonte da responsabilidade do banco fosse a violação do dever de informação, o banco teria de responder pelos danos que não se teriam verificado caso a informação fosse prestada e tivesse sido esclarecedora; ora, pela indicação do A. vê-se que o mesmo não quereria senão um depósito a prazo do valor de 50.000 euros e os DP não tinham, na data em que a subscrição ocorreu, uma rentabilidade igual à das obrigações subordinadas subscritas. Sabendo que o A. recebeu periodicamente o valor dos juros das obrigações até ao momento em que a emitente deixou de os pagar e também não reembolsou o capital, a indemnização a atribuir teria de entrar em linha de conta com aqueles juros percebidos pela A.”[15]
Na senda do já decidido nesta secção e quer neste colectivo, quer no integrado enquanto 2ª adjunta pela ora relatora[16], a indemnização a arbitrar abrange quer os danos emergentes, quer os lucros cessantes, nada havendo a criticar à decisão recorrida neste conspecto.
Resta a questão do abuso de direito que o apelante invoca.
Alega que o A. actua em abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, nos termos e para os efeitos do art. 334º do CC., por “com o seu comportamento, criou no Réu a legítima expectativa de que não viria a invocar qualquer omissão do dever de informação em momento prévio à subscrição dos produtos. (…) “Uma tal conduta potencia a inobservância do dever de informação que o funcionário do Réu venha a incorrer, pois conforta-o nesse incumprimento, contribuindo para que ele próprio não cumpra com o seu dever, até convencido que o credor da informação não pretende ter a maçada de a receber, pois dela prescindiu... (…) havendo culpa do lesado, fica definitivamente excluída a obrigação de indemnizar…”
Fundava a sua pretensão nos factos que pretendia ver aditados ou seja que o Autor sempre deu carta branca ao funcionário L... na aplicação do seu património depositado, apenas dizendo que queria produtos seguros, de capital garantido e com boa remuneração e que, independentemente da informação transmitida o Autor sempre subscreveria o produto se as características referidas lhe fossem transmitidas pelo funcionário L....
Ainda que adquiridos, estes factos nunca conduziriam a uma situação de abuso de direito, mas antes eventualmente de ausência de culpa no não cumprimento dos deveres de informação e de nexo de causalidade entre a eventual violação e dos danos sofridos, desde que alegado e demonstrado que as características enunciadas faziam parte deste concreto produto.
Refira-se desde já que a expressão “carta branca” na ausência de qualquer contrato de gestão de carteira celebrado com o A., não tem nem pode ter o significado que o apelante pretende lhe seja dado: que este funcionário beneficiando da relação de confiança estabelecida com o A. e do facto de este nele e no banco confiar, estar autorizado ab initio a realizar todos os investimentos (com dinheiro alheio e sem mandato para tal), independentemente de qualquer informação completa, cabal e fidedigna, como o impõe o artº 312 do CVM, desde que ele funcionário os julgasse seguros, de capital garantido e com boa remuneração.
Não é nem pode ser assim.
A confiança que os clientes depositam nos bancos e nos seus gestores de conta, não pode ser utilizada de forma abusiva para que estes decidam aplicar o dinheiro dos clientes em produtos que estimam como mais ou menos seguros, com mais ou menos remuneração, sem que cuidem de explicar na íntegra todos as características destes produtos, quer por entenderem que o cliente os não adquirirá se souber dos riscos, ou do prazo, quer por entenderem que o cliente, fruto quiçá de pouca instrução, não tem capacidade de entender as aludidas características de produtos financeiros mais ou menos complexos, hipótese que deveria conduzir à abstenção da recomendação da aquisição destes produtos.
Fora de um quadro contratual estabelecido entre as instituições bancárias e os seus clientes, nada autoriza que estes apliquem a seu bel prazer, muito menos com “carta branca”, dinheiros que lhes não pertencem e se encontram à sua guarda. Os bancos têm de zelar pelo interesse dos seus clientes e não apenas pelos eventuais ganhos que para si decorrem da colocação destes produtos.
A excepção alegada improcede na sua totalidade.
*
DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta 6ª secção, em julgar improcedente a apelação, mantendo a decisão recorrida.
Custas pelo apelante (artº 527 nº1 e 2 do C.P.C.).
                                              
Lisboa, 15.07.2021
Cristina Neves
Manuel Rodrigues
Ana Paula Carvalho
_______________________________________________________
[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 84-85.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 87.
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
[3] Neste sentido vidé Acs. do S.T.J. de 12 de Janeiro de 2017, proc. n° 428/12.3TCFUNCLLS1, de 10 de Novembro de 2018, proc. n° 2339/16.4T8LRA.C2.S1, 9 de Janeiro de 2019, proc. n° 1479/16.4T8LRA.C2.S1 e de 30 de Abril de 2019, proc. nº 2632/16.6/8LRA.LLS1, todos disponíveis para consulta in www.dgsi.pt
[4] Veja-se neste sentido, Gonçalo André Castilho dos Santos, A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro Perante o Cliente, pág. 85.
[5] Sobre a extensão dos deveres de informação, vidé Paulo Câmara, Manual dos Valores Mobiliários, pág. 364 e segs
[6] No que se reporta ao dever de diligência dos investidores vidé Felipe Canabarro Teixeira, Os deveres de informação dos intermediários em relação aos seus clientes e a sua responsabilidade civil, em Caderno de Mercado dos Valores Mobiliários, nº 31, de Dezembro de 2008, págs. 74 e segs..
[7] Ac. do STJ de 12/01/17, relator Olindo Geraldes, Proc. nº. 428/12.3TCFUN.L1.S1, disponível  in www.dgsi.pt
[8] Ac. do TRE de 11/01/18, relator Tomé de Carvalho, Proc. nº 1821/16.8T8STR.E1, disponível in www.dgsi.pt
[9]  Informação Bancária e Responsabilidade, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor. Inocêncio Galvão Telles, Volume II, Direito Bancário, Almedina, 2002, p. 230
[10] De que foi relatora Laurinda Gemas, proc. nº 14285/18.2T8LSB.L1-2, disponível in www.dgsi.pt
[11]Ac.do S.T.J. de 18/10/12, 5817/09.8TVLSB.L1.S1; Acs. do STJ de 13/09/8, proc. n°13809/16.4T8LSB.L1.S1; de 6/11/2018, proc. n° 2468/16.4T8LSB.11.S1; de 8/11/18, proc. n° 6164/09.TVLSB.L1.S1, de 30/04/19, proc. nº 2632/16.6/8LRA.LLS1, disponíveis para consulta in www.dgsi.pt.
[12] neste sentido, Sinde Monteiro, in “Responsabilidade Por Conselhos e Recomendações ou Informações”, Almedina, 1999 a pag. 49)
[13] Neste sentido vidé ainda Acs. do STJ de STJ de 8-11-18, proc. nº  2147/16, em www.dgsi.pt e de 24/01/19, relator Abrantes Geraldes Proc. nº 2406/16.4T8LRA.C1.S1; Ac. do TRL de 07/02/19, relator Arlindo Crua, proc. nº 906/17.8T8LSB.L1-2
[14] Ac. do STJ de 06/11/18, proc. nº  6295/16.0T8LSB.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt
[15] Ac. do STJ de 11/07/19, relatora Fátima Gomes, proc. nº 901/17.7T8VRL.G2.S1, disponível in www.dgsi.pt
[16] Mormente o Ac. de 22/02/2018, relator António Santos, proc. n.º 20742/16.8T8SNT.L1, disponível in www.dgsi.pt