Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1427/16.1PCSNT.L2-5
Relator: SANDRA OLIVEIRA PINTO
Descritores: PROVA PRODUZIDA EM AUDIÊNCIA
PROIBIÇÃO DE PROVA
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
ERRO DE JULGAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/03/2025
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I- As respostas a questões formuladas pelo titular do inquérito e ao mesmo dirigidas, não são «documentos» trocados entre os sujeitos investigados (e, nesse sentido, com existência exterior ao processo) e que como tal tivessem sido facultados.
II- A “substituição” da prova oral, em julgamento, por um documento (que consubstanciaria assim uma declaração documentada) contraria princípios como o da imediação e o da oralidade e restringe o contraditório.
III- Todo o edifício probatório erigido pela decisão recorrida assenta em “prova” que não pode ser valorada pelo Tribunal, e excluída a mesma, quedam-se as conclusões extraídas pelo Tribunal recorrido sem qualquer suporte indiciário, que não esteja relacionado com a prova inválida.
IV- A dúvida sobre o facto essencial à presunção constitui um obstáculo à prova indireta do facto. Persistindo dúvidas sobre os factos indiciantes ou sobre o concreto juízo de inferência que deles se pode retirar, o juiz tem de aplicar o princípio in dubio pro reo, dando como não provado o indício ou como não provado o facto presumido, respetivamente.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
*
I. Relatório
1. O arguido AA, filho de BB e de CC, natural do ..., nascido em ........1991, solteiro, residente na ..., foi julgado1 no processo comum singular nº 1427/16.1PCSNT do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local Criminal de Cascais - Juiz 3, tendo sido condenado, por sentença datada de 14.12.2023, “em autoria material e em concurso efectivo, nos termos dos arts. 26º e 30º, n.º 1 do CP, [pel]a prática de três crimes de burla, p. e p. pelo art.º 217º, n.º 1 do CP na pena de 1 ano de prisão por cada um dos crimes em questão e de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art.º 256º, n.º 1, als. a), b), e e) do CP, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado “na pena única, e após aplicação das regras do concurso de crimes, de 2 anos e seis meses de prisão, suspensa por igual período.
O arguido/demandado foi ainda condenado “no pagamento à DD, da quantia de €3.847,34 acrescido de juros vencidos e vincendos ainda não contabilizados, à respectiva taxa legal”.
2. Inconformado com a decisão final, dela interpôs recurso o arguido, pedindo que, pela respetiva procedência, seja a sentença recorrida revogada e o arguido absolvido dos crimes de burla e de falsificação em que foi condenado, bem como do pedido de indemnização civil. Extraiu da sua motivação de recurso as seguintes conclusões (após aperfeiçoamento):
“I – O presente recurso tem como objeto toda a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos que condenou o recorrente pela prática de 3 crimes de burla p. e p. pelo artigo 217º nº 1 do Código Penal.
II – A sentença em crise nega e não considera a prova testemunhal produzida quer pelo recorrente, EE e FF, sendo por tanto nula nos termos e por violação do disposto no artigo 379º nº 1 alínea c) do Código de Processo Penal.
III– A sentença a quo continua a não dar nas motivações uma concreta e cabal justificação da motivação para a decisão de condenação do Arguido no processo.
IV – A sentença objecto do presente recuso considerou provado, em comum para os 3 processo que se encontravam apensos nos presentes autos, que:
“O AA trabalhou na sociedade ..., no período compreendido entre ... de ... de 2015 e ... de ... de 2016, desempenhando as funções de angariador de contratos de fornecimento para operadoras, designadamente para a operadora DD.
No exercício dessas funções, o arguido AA não tinha um salário fixo, pelo que a sua remuneração dependia diretamente da celebração de contratos, recebendo €250,00 pela angariação de cada dois novos clientes no primeiro mês e de três novos clientes no segundo mês.
Aproveitando-se das funções que desempenhava na ..., o arguido AA formulou o propósito de, através da obtenção de dados de identificação de várias pessoas, obter benefício económico indevido, celebrando contratos de fornecimento de serviços de telecomunicações em nome de terceiros, sem o conhecimento ou o consentimento dos mesmos.”
V - E alicerça o fundamento destes factos em prova inválida, nomeadamente a extraída de fls 49 e 240 dos Autos, conforme melhor se explana nos artigos 12º, 17º, 20º-A (…), 29º e 46º da motivação do presente recurso, uma vez que, como também se demonstra na motivação, a dita prova não foi produzida em audiência de julgamento em violação do artigo 355º do Código de Processo Penal.
VI – A matéria dada como provada na Douta Sentença em sindicância tem mais conclusões do que factos, e o Douto Tribunal a quo, para além de repetir o alegado em sede de acusação pouco ou nada mais acrescenta em concreto para justificar a fundamentação e motivação da sua decisão, pelo que a sentença em crise é também nula por violação do disposto no artigo 379º nº 1 alínea a) conjugado com o disposto no artigo 374º nº 2 , ambos do Código de Processo Penal.
VII – Ainda quanto aos factos em comum para os 3 processo que se encontravam apensos nos presentes autos:
“O AA trabalhou na sociedade ..., no período compreendido entre ... de ... de 2015 e ... de ... de 2016, desempenhando as funções de angariador de contratos de fornecimento para operadoras, designadamente para a operadora DD.
No exercício dessas funções, o arguido AA não tinha um salário fixo, pelo que a sua remuneração dependia diretamente da celebração de contratos, recebendo €250,00 pela angariação de cada dois novos clientes no primeiro mês e de três novos clientes no segundo mês.
Aproveitando-se das funções que desempenhava na ..., o arguido AA formulou o propósito de, através da obtenção de dados de identificação de várias pessoas, obter benefício económico indevido, celebrando contratos de fornecimento de serviços de telecomunicações em nome de terceiros, sem o conhecimento ou o consentimento dos mesmos.”
O Tribunal a quo não considerou, nem valorou a restante prova produzida em audiência e constante no processo, e ao dar como provado na versão que consta da sentença violou o princípio da livre apreciação da prova, conforme consagrado no artigo 127º do Código do processo Penal (CPP).
VIII – E mais uma vez, conforme consta nos artigos 12º, 17º, 20º-A, 29º e 46º da motivação, esses factos resultaram da valoração das meras comunicações feitas em sede de inquérito constantes de fls 49 e 240, que não resultaram da prova produzida em audiência de julgamento e como tal em evidente violação do disposto no artigo 355º nº 1 do CPP.
IX - processo nº 1427/16.1PCSNT Não pode a sentença em recurso dar como provado que o AA ou alguém a seu pedido preencheu um registo de intenção de compra no dia ... de ... de 2016, porque nenhuma prova desse facto foi feita em audiência e do documento constante de fls 203, o que a ... informa por e-mail do seu ... é: “b)….existe somente um registo de intenção de compra, efectuado na aplicação do operador DD no dia ........2016 e com o login associado ao ... AA”, sem que com isso viole quer o consagrado no artigo 127º, como ainda o disposto no artigo 355º nº 1 todos do CPP.
X - O processo 507/16.8PHOER O único elemento cuja prova consta nos autos deste processo é constar do contrato de adesão o nome AA, e aparentemente um dos números de agente que a ... teria dado à operadora DD como pertencendo ao Arguido, ora Recorrente,
XI - Ao ter o Tribunal a quo considerado provado neste processo os factos que considerou sem ter sido feita qualquer prova no processo dos mesmos, viola a sentença em crise o consagrado no artigo 127º, como ainda o disposto no artigo 355º nº 1 todos do CPP.
XII - processo nº 980/16.4PEOER O Tribunal a quo deu ainda como provado : “Assim, em ... de ... de 2016, o arguido, ou alguém a seu pedido, preencheu e assinou a proposta de subscrição de fornecimento de serviços de televisão com a operadora DD, em nome de GG e assinado a mesma em nome daquele, sem o seu consentimento e conhecimento e o arguido AA apresentou tal contrato a ... como mais uma angariação de cliente , por forma a ampliar a siua remuneração” .
XIII - Ao ter o Tribunal a quo considerado provado neste processo os factos que sem prova bastante e sem ter atendido ao também constante da prova e elementos carreados para os Autos, e vertido nas motivações deste recurso, de que esse contrato não foi angariado pela empresa ..., mas antes por outra angariadora da operadora DD, viola a sentença em crise o consagrado no artigo 127º, como ainda o disposto no artigo 355º nº 1 todos do CPP.
XIV - Deu o Tribunal a quo ainda provado nos presentes autos que: “Tendo o arguido AA, em data não concretamente apurada, contactado HH – filha de II – declarando-lhe que durante dois meses beneficiaria gratuitamente dos serviços da DD” e ainda “Pelo que HH concordou com a instalação dos referidos serviços naquelas condições”
XV - Descurou e desconsiderou no entanto a restante prova produzida em audiência, nomeadamente a decorrente do testemunho do FF e do EE, assim como o facto de, como se pretende evidenciar, o testemunho do Sr. II ter sido um testemunho indireto, e a testemunha HH não só não foi, notoriamente uma testemunha não isenta, mentiu abalando a sua credibilidade e demonstrou o seu pouco a vontade sempre tentando vitimizar-se e incutindo culpa no Arguido, o que era compreensível, atendendo a que estava nas mesmas condições, e em nossa opinião até piores do que o JJ, pois beneficiou do serviço DD decorrente do contrato fraudulento.
XVI - Ao ter o Tribunal a quo considerado provado neste processo os factos que considerou sem ter sido feita qualquer prova no processo dos mesmos, viola a sentença em crise o consagrado no artigo 127º, como ainda o disposto no artigo 355º nº 1 todos do CPP.
XVII – Nesta conformidade, foram, conforme se reporta nos artigos da motivação 15º, 24º, 24º-A, 26º, 27º, 34º e 42º, incorretamente julgados os factos consignados nos pontos 1, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 11º, 13º, 14º, 17º, 18º, 19º, 21º, 22º, 25º e 27º na matéria provada na sentença recorrida.
XVIII – Conforme melhor se invoca nos artigos 47º e 48º da motivação, atendendo a prova constante dos presentes autos e produzida em audiência, nunca poderia o Tribunal a quo, sem qualquer prova concreta, mas apenas e tão só com base em meras convicções e conjeturas, condenado, como condenou, o Réu, violando assim o princípio basilar do direito penal de “in dúbio pro reo”.
XIX – Acresce que, também resulta da prova constante dos autos e produzida em audiência, conforme se apresenta nos artigos 56º a 59º das motivações deste recurso, que os elementos típicos dos crimes de burla e falsificação, pelos quais veio o ora Recorrente a ser condenado não se encontram preenchidos.
XX – Termos em que mal andou, mais uma vez, o Tribunal a quo ao condenar o ora Recorrente por crimes cujos elementos tipo, não foram em sede de julgamento de todo preenchidos.
XXI – Do Pedido Cível – Não resultou provado que o Arguido tivesse cometido qualquer ilícito penal, como tal não pode ser responsabilizado por aquilo que não se provou ter praticado.
XXII - Por outro lado, também não resultou provado o prejuízo patrimonial da sociedade, uma vez que não fica provado se a lesada, ficou com o prejuízo dos contratos fraudulentos em decorrência única e exclusivamente da fraude, ou se se conformou com o prejuízo pois nada se provou sobre a lesada ter cobrado dos beneficiários dos serviços.”
3. O recurso foi admitido, por ser tempestivo e legal.
4. O Ministério Público apresentou resposta ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pela respetiva improcedência. Extraiu as seguintes conclusões:
“1. O presente recurso vem interposto da recurso interposto da sentença proferida nos presentes autos no dia ... de ... de 2023 que condenou o recorrente, AA, pela prática de 3 (três) crimes de burla, previstos e punidos pelo disposto no artigo 217.º, n.º 1, do Código Penal e 1 (um) crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo disposto no artigo 256.º, n.º 1, alíneas a), b) e e), do Código Penal, na pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
2. O vício da sentença por omissão de pronúncia, previsto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, apenas se verifica quanto o tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que ou problemas concretos a decidir e não quanto aos motivos ou razões alegadas.
3. A eventual falta de análise crítica do depoimento prestado por testemunhas ou dos motivos do afastamento de tal depoimento não são suscetíveis de conduzir ao vício de omissão de pronúncia, previsto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, podendo ser, eventualmente, recondutíveis ao vício de falta de fundamentação (cf. artigos 374.º, n.º 2 e 349.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal).
4. Apenas se verifica a nulidade por falta de fundamentação de facto e de direito quando exista falta absoluta de motivação ou quando a mesma se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao respetivo destinatário a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial.
5. No caso concreto não se verifica a falta absoluta de fundamentação, nem a essa fundamentação é gravemente insuficiente.
6. A fundamentação em causa permite ao recorrente a perceção das razões de facto e de direito da decisão condenatória.
7. Perante a prova produzida e analisada em julgamento, outra decisão não poderia ter tomado o tribunal a quo que não a que se traduzisse na condenação do arguido pela prática de 3 (três) crimes de burla e 1 (um) crime de falsificação de documento, nos exatos termos constantes da sentença recorrida.
8. Analisando, na sua globalidade, a motivação de recurso apresentada pelo recorrente, verifica-se que a sua discordância assenta na valoração da prova efetuada pelo tribunal a quo, valoração essa, livremente formada e fundamentada, a qual é a convicção lógica em face da prova produzida e das regras do normal acontecer, pelo que deve ser acolhida a opção do julgador que beneficiou da oralidade e da imediação na recolha da prova.
9. No caso em apreço, não existem dúvidas de que a prova foi apreciada segundo as regras do artigo 127.º do Código de Processo Penal, com respeito pelos limites ali impostos à livre convicção, pelo que bem andou o tribunal a quo ao dar como provados os factos constantes da matéria de facto provada.
10. Deverá, pois, ser mantida a sentença recorrida.
Termos em que, deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo recorrente AA e, consequentemente, ser mantida a decisão recorrida nos seus exatos termos.”
5. Neste Tribunal, o Exmo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, subscrevendo a resposta apresentada na 1ª instância e pugnando pela improcedência do recurso.
Foi cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não tendo o recorrente apresentado resposta.
6. Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre decidir.
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II. questões a decidir
Como é pacificamente entendido, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso2.
Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem as razões de divergência do recurso com a decisão impugnada – a sentença condenatória proferida nos autos – as questões suscitadas pelo recorrente são as seguintes (além das que são de conhecimento oficioso):
- nulidade da sentença, por omissão de pronúncia (artigo 379º, nº 1 alínea c) do Código de Processo Penal), por não ter o Tribunal considerado a prova testemunhal resultante dos depoimentos das testemunhas EE e FF;
- nulidade da sentença por falta de fundamentação (artigo 379º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Penal), por não estar concretamente justificada e motivada a decisão;
- violação do princípio da livre apreciação da prova (artigo 127º do Código de Processo Penal), por não ter sido analisada toda a prova produzida em audiência e por ter sido valorada prova que não foi produzida em audiência, em violação do artigo 355º, nº 1 do Código de Processo Penal;
- erro de julgamento, mostrando-se incorretamente julgados os §§ 1 a 6, 11, 13, 14, 17 a 19, 21, 22, 25 e 27 da matéria de facto provada, e violação do princípio in dubio pro reo;
- erro de direito quanto ao preenchimento dos elementos típicos dos crimes de burla e falsificação;
- improcedência do pedido de indemnização civil, por não estar demonstrado que os prejuízos da lesada sejam decorrentes da atuação do arguido.
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III. Da decisão recorrida
Com interesse para as questões em apreciação em sede de recurso, consta da decisão recorrida3:
Factos Provados:
Da discussão da causa e no que respeita à acusação pública resultaram provados os seguintes factos:
§ 1º O AAtrabalhou na sociedade ..., no período compreendido entre ... de ... de 2015 e ... de ... de 2016, desempenhando as funções de angariador de contratos de fornecimento para as operadoras, designadamente para a DD.
§ 2º No exercício dessas funções, o arguido AA não tinha um salário fixo, pelo que a sua remuneração dependia directamente da celebração de contratos, recebendo € 250 pela angariação de cada dois novos clientes no primeiro mês e de três novos clientes no segundo mês.
§ 3º Aproveitando-se das funções que desempenhava na ..., o arguido AA formulou o propósito de, através da obtenção de dados de identificação de várias pessoas, obter benefício económico indevido, celebrando contratos de fornecimento de serviços de telecomunicações em nome de terceiros, sem o conhecimento ou o consentimento dos mesmos.
Factos do processo n.º 1427/16.1PCSNT:
§ 4º Provado apenas que em data não concretamente apurada, mas antes do dia ... de ... de 2016, o arguido AA Oliveira tomou conhecimento de vários elementos de identificação da ofendida KK, designadamente número de cartão de cidadão e NIF.
§ 5º Provado apenas que, aproveitando-se desse facto, o arguido AA formulou o propósito de obter benefício económico indevido, celebrando contrato de fornecimento de serviços de telecomunicações com a DD em nome da ofendida, mas sem o conhecimento ou o consentimento da mesma.
§ 6º Provado apenas que, no cumprimento desse desígnio, em ... de ... de 2016, o arguido AA, ou alguém a seu pedido, preencheu um registo de intenção de compra de fornecimento de serviços de televisão, internet e telefone fixo com a operadora DD, em nome da ofendida, mas sem o seu conhecimento ou consentimento.
§ 7º A proposta de subscrição nunca foi devolvida à operadora DD.
§ 8º Não obstante, em ... de ... de 2016 os serviços solicitados foram instalados na residência dos arguidos, LL, MM e JJ, sita na ....
§ 9º Tendo o arguido JJ assinado o comprovativo da instalação dos serviços.
§ 10º Pelo que, após a instalação, foram os arguidos LL, MM e JJ os únicos beneficiários dos serviços instalados.
§ 11º Provado apenas que o arguido AA apresentou tal proposta à ... como mais uma angariação de cliente e, dessa forma, visou o aumento da sua remuneração.
§ 12º Entre ...de 2016 e ... de 2016, a DD emitiu as facturas relativas aos serviços prestados de que os arguidos LL, MM e JJ beneficiaram, no valor total de € 1.603,87 (mil seiscentos e três euros e oitenta e sete cêntimos), que nunca foi pago.
Factos do processo n.º 980/16.4PEOR:
§ 13º Ainda aproveitando as suas funções na ..., em data não concretamente apurada, mas localizada antes de ... de ... de 2016, o arguido tomou conhecimento de vários elementos de identificação do ofendido GG, designadamente número de cartão de cidadão e NIF.
§ 14º Assim, em ... de ... de 2016, o arguido, ou alguém a seu pedido, preencheu e assinou a proposta subscrição de fornecimento de serviços de televisão com a operadora DD, em nome de GG e assinando a mesma em nome daquele, sem o seu consentimento ou conhecimento.
§ 15º Em ... de ... de 2016 os serviços solicitados foram instalados na ..., em ... morada totalmente desconhecida de GG.
§ 16º À data dos factos, era II e respectiva família quem residia nessa morada.
§ 17º Tendo o arguido AA, em data não concretamente apurada, contactado HH – filha de II – declarando-lhe que durante dois meses beneficiaria gratuitamente dos serviços da DD.
§ 18º Pelo que HH concordou com a instalação dos referidos serviços naquelas condições.
§ 19º E o arguido AA apresentou tal contrato à ... como mais uma angariação de cliente, por forma a ampliar a sua remuneração.
§ 20º Entre ... de 2016 e ... de 2016, a DD emitiu as facturas relativas aos serviços prestados, no valor total de € 110,97 (cento e dez euros e noventa e sete cêntimos), que nunca foi pago.
Factos do processo n.º 507/16.8PHOER:
§ 21º Ainda aproveitando as suas funções na ..., em data não concretamente apurada, mas localizada antes de ... de ... de 2006, o arguido tomou conhecimento de vários elementos de identificação do ofendido NN, designadamente número de cartão de cidadão e NIF.
§ 22º Assim, em ... de ... de 2016 o arguido, ou alguém a seu pedido, preencheu a proposta subscrição de fornecimento de serviços de televisão com a operadora DD, em nome de NN e assinando a mesma em nome daquele, sem o seu consentimento ou conhecimento.
§ 23º Em data não concretamente apurada, mas localizada em ... de 2016, os serviços solicitados foram instalados na ..., em ..., morada totalmente desconhecida de NN.
§ 24º À data dos factos, tal residência encontrava-se desabitada.
§ 25º Desta forma, o arguido AA apresentou tal contrato à ... como mais uma angariação de cliente para, dessa forma, poder ampliar a sua remuneração.
§ 26º Entre ... de 2016 e ... de 2016, a DD emitiu as facturas relativas aos serviços prestados, no valor total de € 1.263,58 (mil duzentos e sessenta e três euros e cinquenta e oito cêntimos), que nunca foi pago.
§ 27º O arguido AA forneceu todos os elementos de identificação, bem como a morada de KK, GG e NN, pelo que os referidos contratos ficaram em nome daqueles, de forma a que a facturação fosse debitada aos ofendidos.
§ 28º Os ofendidos só tiveram conhecimento dos factos ora descritos no final do ano de 2016, altura em que foram interpelados judicialmente para o pagamento das quantias em dívida.
§ 29º O arguido AA agiu de forma ardilosa, com o propósito, concretizado, de obter vantagem patrimonial a que sabiam não ter direito e causar a terceiro o prejuízo correspondente, conseguindo induzir em erro a operadora DD e determinando-a a celebrar o contrato acima identificado em nome de KK.
§ 30º O arguido AA agiu de forma ardilosa, com o propósito, concretizado, de obter vantagem patrimonial a que sabia não ter direito e causar a terceiro o prejuízo correspondente, conseguindo induzir em erro a operadora DD, determinando-a a celebrar os contratos acima identificados em nome dos ofendidos GG e NN, o que quis e conseguiu, não obstante saber que agia sem autorização e contra a vontade dos ofendidos.
§ 31º Ao apor – ou mandar apor – nos contratos com a DD o nome do ofendido GG, como se da assinatura deste se tratasse, o arguido sabia que abusava de assinatura que não lhe pertencia e que os documentos que apresentara à referida empresa não tinham sido assinados pelo ofendido, visando alcançar um benefício a que sabia não ter direito e causar a terceiros o prejuízo correspondente, pondo em crise a confiança merecida por esses documentos, o que quis e conseguiu.
§ 32º O arguido AA agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.
Da discussão da causa e no que respeita ao pedido de indemnização civil, e com relevo para os autos, resultaram provados os seguintes factos:
§ 33º A lesada é uma sociedade comercial que se dedica à implementação, operação, exploração e oferta de redes de prestação de serviços de comunicações electrónicas, bem como de quaisquer recursos conexos e ainda ao fornecimento e comercialização de produtos e equipamentos de comunicações electrónicas.
§ 34º A lesada celebrou um contrato de prestação de serviços de comunicações electrónicas (televisão, internet e telefone) alegadamente com KK tendo-lhe sido atribuído o n.º de cliente C837919837.
§ 35º Os serviços acima referidos foram activos, tendo no dia ... de ... de 2016 a lesada procedido à instalação na morada ... (morada que se veio a apurar ser a dos arguidos LL, MM, e JJ) dos seguintes equipamentos: BOX 2.0 HD (Cabo) – PVP 100€ - HUB 3.0 – PVP 100€.
§ 36º Sucede que os serviços foram primeiro suspensos por falta de pagamento das facturas e posteriormente desativados a ... de ... de 2016.
§ 37º Tendo-se apurado posteriormente que os serviços em causa não foram subscritos por KK e que foram os arguidos LL, MM e JJ que usufruíram dos serviços contatados na sua residência na morada acima identificada.
§ 38º E ainda que o AA presentou tal contrato à ... como mais uma angariação de cliente visando com isso o aumento da sua remuneração.
§ 39º A actuação dos arguidos lesou, desde logo, os interesses de KK, na medida em que s seus dados pessoais foram utilizados no âmbito da celebração fraudulenta de um contrato de prestação de serviços, contrato esse que nunca desejou nem subscreveu, tendo sido, em consequência, vítima de uma fraude.
§ 40º Mas também a lesada foi prejudicada nos seus interesses uma vez que as facturas emitidas para cobrança dos valores devidos pela efectiva utilização dos serviços contratados encontram-se todas, ainda, em dívida.
§ 41º Não tendo, naturalmente, sido liquidadas por KK, uma vez que esta não contratou, nem utilizou ou serviços da lesada.
§ 42º Os valores que se encontravam em dívida, em virtude do contrato em causa, foram anulados, através de emissão da nota de crédito.
§ 43º Provado apenas que devido à actuação do AA, a lesada sofreu um prejuízo patrimonial no montante de €1.803,87 correspondente ao valor total das referidas facturas, no que se inclui o valor devido a título de mensalidades em dívida até ao termo do período de fidelização contratual e do valor dos equipamentos que nunca foram devolvidos (€200,00) a que acrescem os respectivos juros de mora à taxa civil sucessivamente em vigor, contados desde a data do vencimento de cada uma das facturas, os quais perfazem, até à presente data, a quantia de € 260,55.
§ 44º Sendo o valor do prejuízo da lesada, que compreende os montantes acima referidos, de €2.064,42.
§ 45º O AA agiu de forma livre e deliberada com o propósito de obter para si um benefício a que sabia não ter direito, tendo perfeita consciência que o seu comportamento era adequado ao objectivo alcançado e que visou, simultaneamente, causar prejuízos a KK e à aqui Lesada, resultados que previu e quis, com eles se conformando.
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§ 46º A lesada celebrou um contrato de prestação de serviços de comunicações electrónicas (televisão, internet e telefone) alegadamente com GG tendo-lhe sido atribuído o n.º de cliente C838009062.
§ 47º Através do respectivo formulário de adesão foram subscritos os serviços de televisão, internet e telefone.
§ 48º Os serviços acima referidos foram activos, tendo no dia ... de ... de 2016 a lesada procedido à instalação na morada indicada no contrato - ..., em ...dos seguintes equipamentos: BOX 2.0 HD (Cabo) – PVP 100€ - HUB 3.0 – PVP 100€.
§ 49º Morada que se veio a apurar ser de II e sua família, tendo a filha daquele concordado com aquela instalação porque o AAlhe declarou que durante dois meses beneficiaria gratuitamente dos serviços DD.
§ 50º Sucede que os serviços foram primeiro suspensos por falta de pagamento das facturas e posteriormente desativados a ... de ... de 2016.
§ 51º Tendo-se apurado posteriormente que os serviços em causa não foram subscritos por este último mas antes pelo arguido AA que apresentou tal contrato à ... como mais uma angariação de cliente, e dessa forma visou o aumento da sua remuneração.
§ 52º A actuação dos arguidos lesou, desde logo, os interesses de GG, na medida em que s seus dados pessoais foram utilizados no âmbito da celebração fraudulenta de um contrato de prestação de serviços, contrato esse que nunca desejou nem subscreveu, tendo sido, em consequência, vítima de uma fraude.
§ 53º Mas também a lesada foi prejudicada nos seus interesses uma vez que as facturas emitidas para cobrança dos valores devidos pela efectiva utilização dos serviços contratados encontram-se todas, ainda, em dívida.
§ 54º Não tendo, naturalmente, sido liquidadas por GG, uma vez que este não contratou, nem utilizou ou serviços da lesada.
§ 55º Os valores que se encontravam em dívida, em virtude do contrato em causa, foram anulados, através de emissão da nota de crédito.
§ 56º Os equipamentos instalados na morada da instalação dos serviços nunca foram devolvidos à lesada.
§ 57º Provado apenas que devido à actuação do AA, a lesada sofreu um prejuízo patrimonial no montante de €220,97 correspondente ao valor total das referidas facturas e dos equipamentos que nunca foram devolvidos (€200,00), a que acrescem os respectivos juros de mora à taxa civil sucessivamente em vigor, contados desde a data do vencimento de cada uma das facturas, os quais perfazem, até à presente data, a quantia de €15,86.
§ 58º Sendo o valor do prejuízo da lesada, que compreende os montantes acima referidos, de €236,83.
§ 59º O AA agiu de forma livre e deliberada com o propósito de obter para si um benefício a que sabia não ter direito, tendo perfeita consciência que o seu comportamento era adequado ao objectivo alcançado e que visou, simultaneamente, causar prejuízos a GG e à aqui Lesada, resultados que previu e quis, com eles se conformando.
*
§ 60º A lesada celebrou um contrato de prestação de serviços de comunicações electrónicas alegadamente com NN tendo-lhe sido atribuído o n.º de cliente …
§ 61º Através do respectivo formulário de adesão foram subscritos os serviços de televisão, internet e telefone.
§ 62º Os serviços acima referidos foram activos, tendo no dia ... de ... de 2016 a lesada procedido à instalação na morada indicada no contrato – ... em ... dos seguintes equipamentos: BOX 2.0 HD (SAT) – PVP 100€.
§ 63º Morada totalmente desconhecida de NN e que, à data dos factos, se veio a apurar que se encontrava desabitada.
§ 64º Sucede que os serviços foram primeiro suspensos por falta de pagamento das facturas e posteriormente desativados a ... de ... de 2016.
§ 65º Tendo-se apurado posteriormente que os serviços em causa não foram subscritos por este último, mas antes pelo AA que apresentou tal contrato à ... como mais uma angariação de cliente visando com isso o aumento da sua remuneração.
§ 66º A actuação dos arguidos lesou, desde logo, os interesses de NN, na medida em que s seus dados pessoais foram utilizados no âmbito da celebração fraudulenta de um contrato de prestação de serviços, contrato esse que nunca desejou nem subscreveu, tendo sido, em consequência, vítima de uma fraude.
§ 67º Mas também a lesada foi prejudicada nos seus interesses uma vez que as facturas emitidas para cobrança dos valores devidos pela efectiva utilização dos serviços contratados encontram-se todas, ainda, em dívida.
§ 68º Não tendo, naturalmente, sido liquidadas por NN, uma vez que esta não contratou, nem utilizou ou serviços da lesada.
§ 69º Os valores que se encontravam em dívida, em virtude do contrato em causa, foram anulados, através de emissão da nota de crédito.
§ 70º O equipamento instalado na morada da instalação dos serviços nuca foi devolvido à lesada.
§ 71º Devido à actuação do AA, a lesada sofreu um prejuízo patrimonial no montante de €1.368 correspondente ao valor total das referidas facturas, no que se inclui o valor devido a título de mensalidades em dívida até ao termo do período de fidelização contratual e do valor dos equipamentos que nunca foram devolvidos (€100,00) a que acrescem os respectivos juros de mora à taxa civil sucessivamente em vigor, contados desde a data do vencimento de cada uma das facturas, os quais perfazem, até à presente data, a quantia de € 182,51.
§ 72º Sendo o valor do prejuízo da lesada, que compreende os montantes acima referidos, de €1.546,09.
§ 73º O AA agiu de forma livre e deliberada com o propósito de obter para si um benefício a que sabia não ter direito, tendo perfeita consciência que o seu comportamento era adequado ao objectivo alcançado e que visou, simultaneamente, causar prejuízos a NN e à aqui Lesada, resultados que previu e quis, com eles se conformando.
Mais se provou que:
§ 74º Do certificado de registo criminal do Arguido constante de fls. 248 nada consta.
§ 75º A MM trabalha nas limpezas e num restaurante auferindo cerca de €1.200,00 mensais e vive numa casa arrendada na qual paga €250,00 de renda com a LL
§ 76º A LL trabalha num restaurante auferindo cerca de 750,00.
§ 77º O JJ está desempregado e não aufere qualquer rendimento.
Factos não provados:
Quanto à Acusação Pública:
Factos do processo n.º 1427/16.1PCSNT:
Em data não concretamente apurada, mas antes do dia ... de ... de 2016, os arguidos LL, MM e JJ tomaram conhecimento de vários elementos de identificação da ofendida KK, designadamente número de cartão de cidadão e NIF.
E, aproveitando-se desse facto, os arguidos supra identificados formularam o propósito conjunto de obter benefício económico indevido, celebrando contrato de fornecimento de serviços de telecomunicações com a DD em nome da ofendida, mas sem o conhecimento ou o consentimento da mesma.
Assim, no cumprimento desse desígnio, em ... de ... de 2016, os arguidos supra identificados, ou alguém a seu pedido, preencheram uma proposta de subscrição de fornecimento de serviços de televisão, internet e telefone fixo com a operadora DD, em nome da ofendida e assinando a mesma em nome daquela, mas sem o seu conhecimento ou consentimento.
Os arguidos LL, MM e JJ agiram em comunhão de esforços e de forma ardilosa, com o propósito, concretizado, de obter vantagem patrimonial a que sabiam não ter direito e causar a terceiro o prejuízo correspondente, conseguindo induzir em erro a operadora DD e determinando-a a celebrar o contrato acima identificado em nome de KK e, desse modo, conseguiram usufruir dos serviços contratados sem lhes ser exigido o pagamento do preço devido, o que quis e conseguiu, não obstante saber que agiam sem autorização e contra a vontade da ofendida.
Os arguidos LL, MM e JJ agiram livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.
Quanto ao pedido de indemnização civil:
Devido à actuação dos Arguidos LL, MM e JJ, a lesada sofreu um prejuízo patrimonial no montante de €1.803,87 correspondente ao valor total das referidas facturas, no que se inclui o valor devido a título de mensalidades em dívida até ao termo do período de fidelização contratual e do valor dos equipamentos que nunca foram devolvidos (€200,00) a que acrescem os respectivos juros de mora à taxa civil sucessivamente em vigor, contados desde a data do vencimento de cada uma das facturas, os quais perfazem, até à presente data, a quantia de € 260,55.
Os Arguidos LL, MM e JJ agiram de forma livre e deliberada com o propósito de obter para si um benefício a que sabiam não ter direito, tendo perfeita consciência que o seu comportamento era adequado ao objectivo alcançado e que visou, simultaneamente, causar prejuízos a KK e à aqui Lesada, resultados que previram e quiseram, com eles se conformando.
Convicção do Tribunal:
O Tribunal formou a sua convicção com base na análise e valoração da prova produzida e examinada em audiência de discussão e julgamento, designadamente, na análise do teor dos documentos a este juntos, conjugado com o depoimentos das testemunhas inquirida, as quais revelaram um conhecimento directo e imediato sobre os factos que relataram.
Quanto à Acusação Pública:
Factos do processo n.º 1427/16.1PCSNT:
Assim, é reter, e primeiro lugar, o depoimento da testemunha KK, inquirida em audiência de julgamento e qual testemunhou com credibilidade e isenção, tendo esta confirmado nunca ter celebrado qualquer contrato com a DD, desconhecendo de todo, morada onde os serviços alegadamente por si contratados foram instalados, não conhecendo nenhum dos Arguidos, entre os quais aqueles que nela habitam. Mais confirmou de forma clara a inequívoca, ter sido surpreendida com as facturas emitidas pela DD pelos serviços daí decorrentes uma vez que nunca os contratou nem deles usufruiu.
De salientar assim que o Tribunal atendeu ao teor das facturas de fls. 19 a 24, emitidas pela DD à aqui testemunha, assim como o valor e datas delas constantes sendo de mencionar a morada constante destas a qual corresponde à morada dos Arguidos JJ, MM e LL e por fim, a nota de crédito emitida pela DD a KK constante de fls. 25 e 26 da qual é possível retirar que a lesada não cobrou qualquer valor a esta última.
Teve-se em atenção a informação de fls. 17 remetida pela DD a qual informou que o contrato foi celebrado pelo agente ... e a instalação sido realizada pela empresa ..., da mesma forma que se atendeu à ordem técnica de instalação de fs.18 na qual consta a assinatura do JJ enquanto cliente, muito embora a identificação do cliente se refira a KK, com a morada deste último.
Por sua vez, é de atender ao teor de fls. 81, nomeadamente à informação facultada pela ... e referente ao número de telefone constante dessa ordem técnica de instalação, a qual menciona que o mesmo corresponde a um cartão pré-pago, remetendo os carregamentos multibanco do mesmo e constantes de fls. 82. Assim, confrontando tais dados de carregamento com o teor de fls. 130 e 131 dos autos, nomeadamente a informação facultada pela ..., é de constatar que o telemóvel em questão foi carregado através de uma conta bancária da titularidade do JJ cuja assinatura de fls. 131 é idêntica à assinatura constante da ordem técnica de instalação de fls. 18.
De referir igualmente o teor da informação facultada pela empresa ... e constante de fls. 49 e a qual refere que o contrato em questão nunca foi entregue na empresa em apreço pelo ... em questão, identificando este como o AA o qual realizou um registo de intenção de compra efectuado na aplicação do operador DD no dia ... de ... de 2016, assim como foi relevante a informação constante de fls. 240 da qual é possível retirar quais as datas em que o Arguido em questão colaborou com a empresa ..., assim como o seu sistema de retribuição, informação essa confrontada com o teor do contrato de fls. 241 a 244 dos autos.
De salientar que o Tribunal escudou-se, essencialmente, e no tocante ao apuramento da responsabilidade do AA na obtenção dos elementos de identificação de KK, GG e NN (pessoas que não conheciam o arguido), a responsabilidade do Arguido na subscrição das propostas de contrato aludidas supra, o percebimento de vantagens por parte do Arguido e por fim, a disposição interior deste Arguido, a consciência e a vontade de atuar no domínio da prova indirecta.
Ou seja, a prova indireta (lógica, por presunção ou por indícios) consiste em dar como provado um facto sem que sobre ele exista qualquer meio (direto) de prova, chegando-se ao factum probandum a partir da prova de outros factos que a ele se ligam com segurança, segundo as regras da lógica e da experiência comum.
Assim, do que o Tribunal retirou da documentação de fls. 49 dos autos é que a mesma refere que o contrato solicitado nunca foi entregue na ... pelo AAo que não é impeditivo da operadora DD acionar os serviços contratados, uma vez que todo o processo subsequente ao pedido de adesão é feito por sms/intranet.
E mais, tal documento refere que inexiste contrato em suporte de papel, mas existe um registo de intenção de compra, efectuado na aplicação do operador DD no dia ... de ... de 2016 com o login associado ao ..., que trabalhou na ... de ... de ... de 2015 a ... de ... de 2016.
Assumindo que o AA receberia €250,00 se no primeiro mês cumprisse o mínimo que passaria pela angariação de dois clientes activos e se no segundo mês cumprisse o objectivo mínimo de três clientes activos receberia €250,00, tal como consta da informação de fls. 240 e no contrato de fls. 241 e seguintes, há que assumir, com toda a probabilidade, que este era o único beneficiário de uma conduta como a descrita nos autos.
Por sua vez, a documentação em questão corresponde a documentos particulares, nomeadamente comunicações por email, porém, nada nos autos nos permite duvidar que essas comunicações foram emitidas por quem não consta das mesmas como o seu remetente assim como nada nos autos nos permite sequer desconfiar que a informação nelas contida não corresponde à verdade.
Carrear testemunhas para julgamento por forma a confrontar as mesmas com a autoria e veracidade dos documentos em questão seria, na realidade, um acto inútil pois, as regras da experiência comum dizem-nos que essas testemunhas viriam apenas confirmar o teor do contrato junto aos autos, assim como o registo de intenção de celebração do contrato e por fim, o período de tempo em que o AA trabalhou para a ....
Desta forma, todo o referido supra permite-nos concluir que o Arguido em questão teve benefícios com o contrato em apreço, não podendo como tal, esse raciocínio, obstar à prova dos factos mencionados supra e os quais lhe imputam a responsabilidade pelo sucedido.
O único beneficiário foi o AA e seria uma improbabilidade imensa que este não tivesse participado nos termos em que participou, na concretização dos factos dados como provados supra.
Retira-se assim, sem qualquer margem de dúvidas, a intervenção do AA na situação em apreço.
Porém, é de referir que o Tribunal não considerou como provados os factos passíveis de imputar qualquer responsabilidade aos Arguidos LL, MM e JJ uma vez que, quanto às primeiras arguidas, o Tribunal apenas dispõe do conhecimento de que estas residem na mesma morada onde os serviços foram instalados sendo normal acreditar que, como tal, beneficiaram dos mesmos. Porém, tal circunstância é muito distinta de acreditar que tais arguidas pretenderam enganar a DD e KK uma vez que carecem os autos de todo e qualquer elemento de prova capaz de imputar às mesmas qualquer participação no esquema descrito nos autos para além de, eventualmente terem usufruído dos serviços em questão.
Quem vive numa casa onde se instalam serviços de comunicações, não constando qualquer elemento documental ou testemunhal que lhes impute responsabilidades, vivendo outras pessoas nessa mesma casa que assinaram a ordem técnica de instalação, não pode ser responsabilizado criminalmente por alguma irregularidade na celebração desse contrato pois, o Tribunal nada tem ao seu dispor que lhe permita fazê-lo.
Por sua vez, e no que diz respeito ao JJ, sempre teremos que referir que o Tribunal não sabe se porventura o mesmo não teria, eventualmente, sido convencido nos mesmos moldes que GG e a filha destes o foram, pelo AA. Ou seja, que os serviços em questão seriam um período experimental.
Os Arguidos em questão remeteram-se, de forma legítima, ao silêncio, pelo que todas estas questões ficam por responder, com dúvidas sobre a imputabilidade dos factos aos mesmos.
Porém, não se afiguram quais os mecanismos adequados a decidir, para além daqueles que já foram efectivamente realizados durante a audiência de julgamento, e de forma segura, sobre a prática dos factos em análise.
De referir ainda que a livre apreciação da prova ou livre convicção do Tribunal, pressupõe-se hoje necessariamente objectivável e motivável, pois o sistema da íntima e pura convicção, em que a culpa estava apenas na cabeça do juiz, está felizmente ultrapassado sendo incompatível com o figurino que a nossa Constituição (cfr. art.º 32.º n.º 2 da CRP) desenhou ao processo penal.
O princípio in dubio pro reo (Vide Cristina Líbano Monteiro in Perigosidade de inimputáveis e in dubio pro reo, pág. 165 e ss.), como regra de decisão da prova, é solução que resulta de um conjunto de factores em verificação cumulativa, nomeadamente, (i) a necessidade de pôr fim ao processo, com decisão definitiva que não represente, do ponto de vista da paz jurídica do arguido, uma demora intolerável, (ii) a inadmissibilidade da pena de suspeição, (iii) a opção pelo modus probandi de livre apreciação da prova ou livre convicção do tribunal, necessariamente objectivável e motivável (iv) a possibilidade do surgimento de dúvidas, resistentes à prova e impeditivas da tal convicção, na verificação dos enunciados factuais abrangidos pelo objecto do processo, (v) a consciência da diferença entre o processo criminal e a lide civilística, que impede a transferência para o primeiro da solução do ónus de prova, típica de um processo de partes e (vi) a convicção de que o Estado não deve exercer o seu ius puniendi quando não obtiver a certeza de o fazer legitimamente.
Daí que, o princípio in dubio pro reo, deve ser perspectivado e entendido, como remate da prova irredutivelmente dúbia, destinado a salvaguardar a legitimidade da intervenção criminal do poder público.
O Estado não deve exercer o seu ius puniendi quando não obtiver a certeza de o fazer legitimamente.
Consequentemente, só releva e restringe o seu âmbito de aplicação à questão de facto, é mais do que o equivalente processual do princípio da culpa, desligando-se, quanto ao fundamento, da presunção de inocência e abarcando, quer as dúvidas sobre o facto crime, quer a incerteza quanto à perseguibilidade do agente.
E finalmente o controle da sua efectiva boa ou má aplicação está dependente de os Tribunais cumprirem a obrigação de fundamentarem a sua convicção.
Em suma, não se afigura, em moldes adequados, a possibilidade de o Tribunal fundamentar, de forma objectivável, um juízo que presida à prática dos factos passíveis de consubstanciar os elementos subjectivos do tipo em análise, pelos Arguidos JJ, MM e LL, e tudo considerando a ausência de outras provas que figuram nos autos.
Factos do processo n.º 980/16.4PEOR:
No que a estes factos diz respeito é de referir que o Tribunal atendeu ao teor dos depoimentos das testemunhas GG, o qual revelou em Tribunal nunca ter assinado qualquer contrato com a DD, desconhecendo de todo a morada constante do contrato de fls. 25 a 28 do apenso em questão, da mesma forma que confirmou a recepção da carta de cobrança emitida pela DD constante de fls. 15 dos mesmos, com as facturas de fls. 30 a 35, não tendo usufruído de qualquer serviço dela decorrente, tendo esta sido anulada pela DD mediante a nota de crédito de fls. 14 e 16.
Do contrato de fls. 26 consta o nome do AA com o seu código de agente, tendo estes serviços sido efectivamente instalados e prestados tal como se pode retirar da ordem técnica de instalação de fls. 29 e 29 verso.
Atendeu-se ainda ao relatório pericial referente à assinatura de GG do qual consta, a fls. 136, que conclui-se como muitíssimo provável que a escrita suspeita da assinatura não seja da autoria deste.
Tais elementos de prova foram conjugados com os depoimentos das testemunhas II e HH os quais confirmaram em julgamento, de forma credível, que o AA foi amigo desta última tendo-a convencido que os serviços da DD seriam instalados na casa desta e do seu pai, a primeira testemunha identificada, a título experimental e sem qualquer custo, tendo estes acedido a tal situação.
Mais referiram que estranharam a chegada das facturas em nome de uma terceira pessoa que não conheciam mas que o AA transmitiu à testemunha HH que isso seria um procedimento normal, e que se pagassem estariam a solicitar a manutenção do serviço sendo que, caso não o quisessem bastaria não pagar as ditas facturas, o que eles fizeram.
Ou seja, dúvidas não existem assim quanto ao facto de o AA ter praticado os factos em questão.
Factos do processo n.º 507/16.8PHOER:
No que a esta matéria diz respeito, o Tribunal atendeu ao teor do depoimento da testemunha NN, o qual confirmou de forma clara e espontânea nunca ter celebrado qualquer contrato com a DD, nomeadamente o constante de fls. 7 e 7 verso do apenso em questão, onde consta o nome do AA e o seu código de agente, tendo recebido a notificação do procedimento de injunção de fls. 8 e 8 verso, valores esses que nunca foram cobrados tal como consta de fls. 321, 322, 406 e nota de crédito de fls. 407 dos autos.
O Tribunal atendeu ainda às facturas de fls. 408 a 415 dos autos, assim como à ordem técnica de instalação de fls. 416, o qual demonstra a efectiva realização do serviço em causa.
Por sua vez, atendeu-se ao depoimento da testemunha PP, proprietário da casa onde tais serviços foram instalados, o qual referiu nunca ter usufruído dos mesmos, nem os solicitados, desconhecendo a testemunha NN e o Arguido AA.
Valorou-se ainda o teor do certificado de registo criminal do AA, assim como as regras da experiência comum (cfr. art.º 127.º do CPP), as quais, conjugadas com os factos objectivos considerados como provados nos autos, nos permitem concluir que o Arguido, ao agir como agiu, o fez com o dolo próprio deste tipo de crimes.
No que respeita ao pedido de indemnização civil:
O Tribunal atendeu ao teor da documentação constante de fls. 404 a 435, nomeadamente às facturas emitidas, notas de crédito referente às mesmas e ordens de instalação técnica, conjuntamente com os contratos já mencionados supra, documentação essa a qual não mereceu qualquer desmérito.
Foi ainda relevante o depoimento da testemunha QQ, funcionária da DD, a qual confirmou a matéria de facto por esta alegada no pedido de indemnização civil formulado, com conhecimento directo sobre os factos em análise.
Reitera-se novamente o já exposto quanto à matéria de facto não provada referente a acusação pública, ou seja, quanto à falta de elementos probatórios capazes de sustentar a responsabilidade dos Arguidos LL, MM e JJ.
Por fim, o Tribunal atendeu às declarações dos Arguidos em questão quanto às suas condições económicas e sociais.
Procura-se assim justificar o raciocínio lógico, dedutivo e sistemático que presidiu à tomada de decisão sobre a matéria de facto indicada supra.”
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IV. Fundamentação
Como acima se assinalou, face à alegação do recorrente importa discutir a eventual nulidade da sentença (por falta de fundamentação e/ou omissão de pronúncia), a verificação de erro de julgamento, suscetível de determinar a alteração da matéria de facto dada como provada, e, em função do resultado desse exame, avaliar se a subsunção jurídica dos factos deve também ser alterada e, consequentemente, se deve manter-se a condenação do arguido, quer me matéria criminal, quer em matéria cível.
iv.1. Da nulidade por falta de fundamentação – omissão de pronúncia
Alega o recorrente que a sentença é nula, por não se ter pronunciado sobre os depoimentos das testemunhas RR e FF, e por não se mostrar adequadamente fundamentada a decisão do Tribunal a quo quanto à matéria de facto dada como provada.
Vejamos.
Em conformidade com o disposto no artigo 379º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Penal, é nula a sentença “Que não contiver as menções referidas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do artigo 374º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do nº 1 do artigo 389º-A e 391º”.
O artigo 374º do Código de Processo Penal, por seu turno, abrange uma ampla consignação de deveres que recaem sobre o julgador, em sede de fundamentação da convicção e de enquadramento jurídico, no que concerne a três instâncias decisórias, que constituem em grande medida a sentença que terá de ser proferida a final. Pese embora tais deveres se mostrem interligados (dada a sede em que têm de ser cumpridos, isto é, no texto decisório que põe termo à causa), a verdade é que se distinguem entre si.
Assim, determina o artigo 374º, nº 2 do Código de Processo Penal que “ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
Tal preceito traduz a consagração legal da imposição constante do artigo 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, que estabelece que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são, sempre, fundamentadas (nos termos definidos por lei).
Como tem jurisprudencialmente vindo a ser entendido, de modo pacífico, o dever de fundamentação da decisão traduz-se em assumir uma síntese intelectualmente honesta e suficientemente expressiva do resultado do exame contraditório sobre as distintas fontes de prova. Pela fundamentação decisória o juiz presta conta aos destinatários da sentença do veredicto que emana, denotando o seu verdadeiro perfil. O juiz examina a prova e depois manifesta uma opção de sentido e valor, e essa tarefa não dispensa que ao fixar os seus elementos de convicção o faça de forma clara, em vez de, materialmente, descrever, mas, antes, convencer, não «ad pompam», em puras e absurdas exibições de banal «erudição de disco duro», por isso a fundamentação decisória se reconduz a uma exposição tanto quanto possível completa , porém concisa das razões de facto e de direito – artigo 374º, nº 2 , do Código de Processo Penal - contrariada, vezes sem conta, espelhando uma alongada reprodução da matéria de facto, que exige e só um trabalho de síntese, de seleção, conexo e explicativo do processo decisório, dispensando a enumeração pontual, à exaustão das fontes em que o julgador se ancorou.4
O dever de fundamentação em matéria de facto mostrar-se-á cumprido quando do texto da decisão se depreenda, não apenas a matéria de facto provada e não provada (sujeita a enumeração, ou seja, com indicação dos factos um a um), mas também a expressa explicitação do porquê dessa opção (decisão) tomada, o que se alcança através da indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, isto é, dando-se a conhecer as razões pelas quais se valorou ou não valorou as provas e a forma como estas foram interpretadas5.
A fundamentação adequada e suficiente da decisão constitui uma exigência do moderno processo penal e realiza uma dupla finalidade: em projeção exterior (extraprocessual), como condição de legitimação externa da decisão, pela possibilidade que permite de verificação dos pressupostos, critérios, juízos de racionalidade e de valor, e motivos que determinaram a decisão; em outra perspetiva (intraprocessual), a exigência de fundamentação está ordenada à realização da finalidade de reapreciação das decisões dentro do sistema de recursos - para reapreciar uma decisão, o tribunal superior tem de conhecer o modo e o processo de formulação do juízo lógico nela contido e que determinou o sentido da decisão (os fundamentos) para, sobre tais fundamentos, formular o seu próprio juízo - cf. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 19.12.20196.
Como se escreveu neste aresto, «O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que, em tal exame crítico, estejam exteriorizadas as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte. O que não se exige, na fundamentação da decisão fáctica (quer na enunciação das provas produzidas, quer no exame crítico das mesmas), é uma qualquer operação épica, em que o juiz tenha de expor, um a um, passo por passo, com inteiro detalhe, todo o seu percurso lógico dedutivo. Não se exige, pois, que o juiz explane todas as possibilidades teóricas de conceptualizar a forma como se desenvolveu a dinâmica dos factos em determinada situação, e, muito menos, que o juiz equacione todas as possibilidades (muitas delas até desrazoáveis, e, mesmo, absurdas) suscitadas, ao sabor das suas conveniências, pelos diferentes sujeitos processuais.
Também não se exige ao juiz que, de forma exaustiva e meramente descritiva, referencie e analise todas as declarações e todos os depoimentos, e, depois disso, vá ainda, facto a facto, pormenor a pormenor, circunstância a circunstância, explicar onde foi retirar a prova de cada um deles. Exige-se, isso sim (mas é coisa diferente), a enunciação, especificada, dos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal, a referência à credibilidade que os mesmos mereceram ao tribunal, e o exame do seu valor e relevância probatórios, permitindo-se, assim, no contexto ambiental, de espaço e de tempo dos factos delitivos em apreço, compreender os motivos e a construção do percurso lógico da decisão segundo as aproximações permitidas razoavelmente pelas regras da experiência comum.»
Assim, mantendo presente o que acima se deixou dito quanto às características que deve revestir a fundamentação da matéria de facto: ou seja, uma justificação tanto quanto possível completa, mas concisa, que se cumpre num modelo de economia argumentativa onde a explicitação do juízo decisório deve ser sintética, ao invés de exaustiva, sem usar mais argumentos do que os necessários para dizer o que é essencial – espera-se, pois, uma fundamentação razoável, mas estritamente suficiente, para cumprir o parâmetro legal da concisão – importa confrontar o paradigma legal com a concreta fundamentação plasmada na decisão sob recurso.
Ora, a fundamentação constante da sentença a quo merece diversos reparos, mas não está ausente, percebe-se em que provas se alicerçou o Tribunal recorrido para dar como provados (e não provados) os factos, e, conquanto possa discordar-se dos caminhos lógicos e conviccionais na mesma seguidos, não pode dizer-se que não está exposto, ainda que concisamente, o iter adotado.
Ao considerar inexistir fundamentação para este concreto aspeto da decisão, o recorrente, na verdade, limita-se a expor a sua discordância quanto à apreciação da prova e à subsequente decisão de direito – o que relevará de eventual erro de julgamento, mas não de ausência de fundamentação.
Outro tanto se dirá a propósito da convocada omissão de pronúncia.
Com efeito, prevê o artigo 379º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Penal, que “É nula a sentença: (…) c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
O vício de omissão de pronúncia consubstancia-se numa ausência, numa lacuna, quer quanto a factos, quer quanto a consequências jurídicas - isto é, verificar-se-á quando se constatar que o tribunal não procedeu ao apuramento de factos, com relevo para a decisão da causa que, de forma evidente, poderia ter apurado e/ou não investigou, na totalidade, a matéria de facto, podendo fazê-lo ou se absteve de ponderar e decidir uma questão que lhe foi suscitada ou cujo conhecimento oficioso a lei determina.
Numa primeira abordagem, poderemos dizer que para se verificar a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, é necessário que o tribunal deixe de se pronunciar sobre questões pertinentes para o objeto do processo, tal como delimitado pela acusação e pela contestação (bem como, nos casos em que existam, pelos articulados relativos ao pedido de indemnização civil).
Como anota Oliveira Mendes7, “a nulidade resultante de omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questão ou questões que a lei impõe que o tribunal conheça, ou seja, questões de conhecimento oficioso e questões cuja apreciação é solicitada pelos sujeitos processuais e sobre as quais o tribunal não está impedido de se pronunciar – artigo 608º, nº 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 4º, do CPP. Evidentemente que há que excepcionar as questões cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outra ou outras, como estabelece o citado nº 2 do artigo 608º do Código de Processo Civil.
A falta de pronúncia que determina a nulidade da sentença incide, pois, sobre as questões e não sobre os motivos ou argumentos invocados pelos sujeitos processuais, ou seja, a omissão resulta da falta de pronúncia sobre as questões que cabe ao tribunal conhecer e não da falta de pronúncia sobre os motivos ou as razões que os sujeitos processuais alegam em sustentação das questões que submetem à apreciação do tribunal, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte em defesa da sua pretensão.”
Ora, confrontada a previsão legal (com o conteúdo que se deixou exposto), tem de concluir-se pela não verificação do apontado vício na decisão recorrida.
É verdade que a fundamentação da sentença omite qualquer referência a dois depoimentos testemunhais prestados na audiência de julgamento, ignorando-se se os mesmos foram, ou não, tidos em consideração8.
Essa óbvia deficiência não representa, porém, uma omissão de pronúncia, no sentido de que não traduz a falta de conhecimento de qualquer questão compreendida no objeto do processo, que é o cerne da causa de nulidade que vimos analisando. Não está, aqui, em causa a apreciação da prova produzida, ou sequer a suficiência da prova para a decisão.
Deste ponto de vista, afigura-se claro que o Tribunal a quo tomou posição sobre a totalidade do objeto do processo, não ocorrendo qualquer omissão de pronúncia.
Não se mostra, pois, verificada a referida nulidade, seja por falta de fundamentação, seja por omissão de pronúncia, improcedendo o recurso nesta parte.
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iv.2. Da proibição de valoração de prova
Apesar de alguma confusão conceptual, na sua alegação invocou o recorrente a violação do disposto no artigo 355º do Código de Processo Penal, por ter a sentença recorrida feito apelo a meios de prova não produzidos na audiência de julgamento.
E, neste particular, com inteiro acerto.
Está aqui em questão a circunstância de o Tribunal a quo ter formado a sua convicção quanto aos factos da acusação com base em três mensagens de correio eletrónico juntas aos autos na fase de inquérito (a fls. 49, 203 e 240), que constituem respostas a ofícios dirigidos pelo Ministério Público à empresa ... em ........2017 (refª Citius 107265851), ........2018 (refª Citius 116639291) e ........2019 (refª Citius 117876140), que obtiveram resposta em ........2017 (refª Citius 10142079), ........2019 (refª Citius 13847051) e ........2019 (refª Citius 14343239), a primeira das quais supostamente proveniente de “SS”, muito embora se desconheça se tal ... representaria, ou não, a ..., não estando junta aos autos qualquer procuração passada a seu favor, e as duas últimas aparentemente provenientes do endereço de correio eletrónico .... SS e TT não foram formalmente inquiridos como testemunhas – seja no inquérito, seja na audiência de julgamento9 – e, em rigor, desconhece-se quem sejam.
A sentença recorrida qualificou tais mensagens de correio eletrónico como «documentos particulares», e, reputando inútil a audição em julgamento da(s) pessoa(s) que, supostamente, as subscrevem (por, previsivelmente, virem repetir o já antes afirmado nos escritos), fez assentar a sua convicção quanto ao “contrato de trabalho” do arguido AA, respetiva “remuneração”, período de tempo em que prestou serviço à ... e “contratos” pelo mesmo celebrados, nas informações contidas nessas mensagens.
Estas comunicações, no entanto, correspondem a respostas a questões formuladas pelo titular do inquérito e ao mesmo dirigidas, e, por assim ser, não são «documentos» trocados entre os sujeitos investigados (e, nesse sentido, com existência exterior ao processo) e que como tal tivessem sido facultados (ao contrário do que sucede com o «contrato de formação», de fls. 241-244). Ou seja, constituem «declarações», apesar de não terem sido prestadas perante autoridade judiciária (ou OPC a quem tivesse sido delegada a investigação), não estando cabalmente identificadas as pessoas que as produziram.
Ora, resulta do disposto no artigo 355º, nº 1 do Código de Processo Penal que “Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência”. Por seu turno, o nº 2 do mesmo preceito ressalva daquela proibição “as provas contidas em atos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos artigos seguintes”.
Refere, a propósito, Damião da Cunha10, que “o CPP, como não poderia deixar de ser num processo de estrutura acusatória, parte do princípio de que o lugar natural, electivo, para o debate sobre a produção e a valoração da prova é a audiência de julgamento. As excepções à produção de prova em audiência de julgamento (quando estejam em causa declarações de intervenientes processuais) são, pois, pontuais e limitadas e, além disso, reguladas por uma ideia de concordância prática com os princípios fundamentais da prova (o contraditório e a oralidade são, tanto quanto possíveis, salvaguardados)”.
E sustenta, ainda, que “estando em causa declarações de sujeitos processuais (ou meros participantes processuais) – no fundo a forma de actuação (o tipo de actos processuais) mais importante no processo penal -, tais princípios terão de vigorar na íntegra”.
O que significa que “toda a derrogação a qualquer um destes princípios só poderá vigorar como excepção, justificada por um determinado circunstancialismo (no qual deva intervir um outro valor – princípio conflituante) e regulada segundo um princípio de concordância prática”11.
Neste contexto, a “substituição” da prova oral, em julgamento, por um documento (que consubstanciaria assim uma declaração documentada) contraria princípios como o da imediação e o da oralidade e restringe o contraditório.
O princípio do contraditório (artigo 327º do Código de Processo Penal) tem tutela constitucional expressa para o julgamento (artigo 32º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa). Os meios de prova apresentados no decurso da audiência são submetidos ao contraditório e a contraditoriedade abrange tanto a produção como a valoração de todas as provas. Acusação e defesa podem oferecer as suas provas, controlar as provas contra si oferecidas e discutir o valor e o resultado de todas elas. As provas que hão-de ser objeto de apreciação têm, assim, de ser discutidas no contraditório da audiência de julgamento e só estas valem para a decisão (cf. citado artigo 355º do Código de Processo Penal)12.
O direito, reconhecido ao acusado, de “interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e obter a convocação e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições que as testemunhas de acusação” integra também o direito a um processo equitativo, previsto no artigo 6º (nº 3/d)) da CEDH.
Como lembra o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07.11.200713, “Na construção convencional, o contraditório, colocado como integrante e central nos direitos do acusado (apreciação contraditória de uma acusação dirigida contra um indivíduo), tem sido interpretado como exigência de equidade, no sentido em que ao acusado deve ser proporcionada a possibilidade de expor a sua posição e de apresentar e produzir as provas em condições que lhe não coloquem dificuldades ou desvantagens em relação à acusação.
No que respeita especificamente à produção das provas, o princípio exige que toda a prova deva ser, por regra, produzida em audiência pública e segundo um procedimento adversarial; as excepções a esta regra não poderão, no entanto, afectar os direitos de defesa, exigindo o artigo 6º, § 3º, alínea b), da Convenção, que seja dada ao acusado uma efectiva possibilidade de confrontar e questionar directamente as testemunhas de acusação, quando estas prestem declarações em audiência ou em momento anterior do processo (cfr., v. g., entre muitas referências, o acórdão VISSER c. Países Baixos, de 14 de Fevereiro de 2002).
Os elementos de prova devem, pois, em princípio, ser produzidos perante o arguido em audiência pública, em vista de um debate contraditório. Todavia, este princípio, comportando excepções, aceita-as sob reserva da protecção dos direitos de defesa, que impõem que ao arguido seja concedida uma oportunidade adequada e suficiente para contraditar uma testemunha de acusação posteriormente ao depoimento; sendo apenas os direitos da defesa limitados de maneira incompatível com o respeito do princípio sempre que uma condenação se baseie, unicamente ou de maneira determinante, nas declarações de uma pessoa que o arguido não teve oportunidade de interrogar ou fazer interrogar, seja na fase anterior, seja durante a audiência. São estes os princípios elaborados pela jurisprudência de Tribunal Europeu dos Direitos do Homem a respeito do artigo 6º, §§ 1 e 2, alínea d), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (cfr., v. g., acórdãos CRAXI c. Itália, de 5 de Dezembro de 2002, e S.N. c. Suécia, de 2 de Julho de 2002)”.
Na expressão esclarecedora de Damião da Cunha, trata-se da salvaguarda da observância de um contraditório pela (para a) prova e não apenas de um contraditório sobre a prova. Como refere este autor: “Ponto decisivo num processo de estrutura acusatória é que na audiência de julgamento se concretize um contraditório pela prova”14.
O que resulta da decisão recorrida, porém, é que o julgador a quo, não tendo as testemunhas disponíveis na audiência de julgamento, qualificou as declarações corporizadas nas referidas mensagens de correio eletrónico como «prova documental», e utilizou-a – conforme resulta claro da fundamentação da sentença, em termos decisivos – na formação da convicção do tribunal, podendo argumentar-se que só assim se mostrou possível a condenação do arguido, aqui recorrente (como veremos).
Ora, independentemente da abrangência do conceito de documento vertido no artigo 164º do Código de Processo Penal, à luz do qual assume essa natureza «a declaração, sinal ou notação corporizada em escrito ou qualquer meio técnico, nos termos da lei penal», afigura-se-nos redundar um tal entendimento numa fraude aos princípios que regem na matéria15.
Neste sentido, corrobora Tiago Caiado Milheiro, em anotação ao referido artigo 164º16, “O meio de prova será sempre o que se documenta. Por exemplo, as declarações de arguido, assistente, partes civis, testemunhas, mantêm sempre essa natureza, mesmo que estejam documentados, pelo que apenas poderão ser valorados à luz do seu regime próprio, destarte para efeitos de leitura ou exame em audiência de julgamento, impondo-se a verificação do circunstancialismo vertido nos arts. 355.º, 356.º e 357.º.”
Pretender o contrário, é, na verdade, subverter a disciplina dos mencionados artigos 355º, 356º e 357º, do Código de Processo Penal, o que não é defensável.
No quadro descrito, em termos gerais, não podemos deixar de reconhecer razão ao recorrente, enquanto defende a proibição da valoração da prova levada a efeito pelo julgador: as declarações plasmadas nas mensagens de correio eletrónico em questão, não preenchendo os requisitos exigidos pelo artigo 356º, do Código de Processo Penal, não podiam ser (como não foram) lidas em audiência, e também não podem qualificar-se como documento examinado em audiência, pelas razões já expostas.
A ser, assim, como se nos afigura ser, na impossibilidade de valorar a prova resultante das aludidas mensagens de correio eletrónico, na medida em que materializam declarações produzidas na fase de inquérito (na dimensão de prova dos eventos narrados na acusação), a consequência, em face da relevância decisiva que assumiram na formação da convicção do tribunal para dar por assentes (provados) tais factos, conducentes à responsabilização jurídico-penal do arguido/recorrente, é a de haver-se os mesmos como não provados. Já veremos se, por via de tal alteração, deve o mesmo ser absolvido.
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iv.3. Do erro de julgamento
O recorrente invocou a existência de erro de julgamento, no que se refere aos factos contemplados nos §§ 1º a 6º, 11º, 13º, 14º, 17º a 19º, 21º, 22º, 25º e 27º da matéria de facto dada como assente na sentença recorrida.
Alegou para o efeito (além da proibição de valoração de prova de que já tratámos), que inexiste outra prova que permita dar tais factos como assentes e que, por outro lado, os depoimentos prestados pelas testemunhas RR e FF – que o Tribunal a quo não analisou – importam uma avaliação diversa da matéria de facto em causa, não sendo, em sentido contrário, os depoimentos de HH e do seu pai, II, aptos a sustentar os factos provados.
Vejamos.
Como se sabe, a matéria de facto pode ser sindicada por recurso à chamada revista alargada, que se reconduz à invocação de ocorrência de qualquer um dos vícios consignados no artigo 410º nº2 do Código de Processo Penal, ou através da impugnação ampla, a que se reporta o artigo 412º, n.ºs 3, 4 e 6, do Código de Processo Penal, em que a apreciação se alarga à análise da prova produzida em audiência, dentro dos limites fornecidos pelo recorrente, só podendo alterar-se o decidido se as provas indicadas obrigarem a decisão diversa da proferida – cf., por todos, o acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 02.11.202117.
Nesta conformidade, a reapreciação só determinará uma alteração à matéria de facto provada quando, do reexame realizado dentro das balizas legais, se concluir que os elementos probatórios impõem uma decisão diversa, mas já não assim quando esta análise apenas permita uma outra decisão18.
Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa19.
Como se apontou, entre outros, no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 11.03.202120, “O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique «os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado».
E convém referir que quando o tribunal recorrido forma a sua convicção com provas não proibidas por lei, prevalece a convicção do tribunal sobre aquelas que formulem os recorrentes.
Normalmente, os erros de julgamento capazes de conduzir à modificação da matéria de facto pelo tribunal de recurso consistem no seguinte: dar-se como provado um facto com base no depoimento de uma testemunha que nada disse sobre o assunto; dar-se como provado um facto sem que tenha sido produzida qualquer prova sobre o mesmo; dar-se como provado um facto com base no depoimento de testemunha, sem razão de ciência da mesma que permita a referida prova; dar-se como provado um facto com base em prova que se valorou com violação das regras sobre a sua força legal; dar-se como provado um facto com base em depoimento ou declaração, em que a testemunha, o arguido ou o declarante não afirmaram aquilo que na fundamentação se diz que afirmaram; dar-se como provado um facto com base num documento do qual não consta o que se deu como provado; dar-se como provado um facto com recurso à presunção judicial fora das condições em que esta podia operar.”
Pois bem, analisada a sentença recorrida – e a prova produzida em julgamento – é evidente a ausência de suporte para boa parte da matéria de facto dada como provada.
Desde logo, em decorrência do que acima se expôs a propósito da proibição de valoração de prova não produzida na audiência de julgamento, não pode ser tomado em conta o conteúdo das «informações» de fls. 49, 203 e 240 (que são, como se disse, depoimentos escritos, prestados por pessoas que não foram identificadas, cuja razão de ciência se desconhece, e que não foram submetidos a contraditório). E, como se vê da fundamentação da sentença a quo, tais elementos cuja valoração não pode ser admitida, foram decisivos para que se dessem como provados os factos contemplados nos §§ 1º, 2º, 6º, 11º, 14º, 19º, 21º, 22º e 25º, posto que o «contrato de formação» que constitui o documento de fls. 241 a 244 (que pode ser tido em conta, até porque não foi posto em causa pelo arguido, que expressamente o convocou em sua defesa), não permite alcançar os resultados probatórios expostos na decisão recorrida, e não existe prova adicional que os sustente.
Com efeito, do documento em causa, intitulado «contrato de formação», consta que o mesmo é celebrado entre “...” (primeira outorgante) e “AA” (segundo outorgante), e que, por via do mesmo, “a primeira outorgante obriga-se a dar formação profissional ao segundo outorgante, por pessoa ou empresa por si designada, e este a recebê-la” (cláusula 4ª), e que “a formação profissional será ministrada pela ..., na ..., por um período de 60 dias e decorrerá durante 4 horas diárias nos dias úteis compreendidos entre o dia ........2015 e o dia ........2016” (cláusula 6ª), mais se prevendo que “para os formandos que completarem o ciclo de avaliação com a classificação final de apto será atribuída uma bolsa de formação nos seguintes termos:
1. No final dos primeiros 30 dias, o formando(a) é sujeito(a) a uma avaliação de aferição de conhecimentos individuais, da qual poderá resultar o seguinte:
a. Avaliação Positiva: Recebe uma bolsa de formação no valor singelo de 250€ (Duzentos e cinquenta euros), e o formando continua a frequentar a acção de formação durante o período remanescente de 30 dias até ao seu términus;
b. Avaliação Negativa: Não recebe o valor da bolsa de formação e o formando não continua a frequentar a acção de formação, ficando o presente contrato resolvido.
2. No termo da ação de formação (decorrido o prazo de 60 dias), Segundo Outorgante, será novamente sujeito a avaliação de aferição de conhecimentos individuais, da qual poderá resultar o seguinte:
a. Avaliação Positiva: Recebe uma bolsa de formação no valor singelo de 250€ (Duzentos e cinquenta euros).
b. Avaliação Negativa: Não recebe o valor da bolsa de formação, ficando o presente contrato resolvido.
3. Em caso de desistência do Segundo Outorgante, antes da primeira ou segunda avaliação, ou seja, dispensado o formando não recebe o valor da bolsa de formação.
4. A avaliação da formação será da responsabilidade única e exclusivamente da ...” (cláusula 7ª)
Assim, mantendo presente que as únicas testemunhas que mostraram algum conhecimento sobre as condições em que o arguido AA esteve ao serviço da ... foram, precisamente, RR e FF (que reportaram ter celebrado contratos de formação em moldes idênticos ao recorrente, no mesmo período temporal), e não sendo referida na decisão recorrida qualquer outra prova que possa ser tida em conta sobre a questão, é de concluir que não pode ser dado como provado que:
§ 1º “O AA trabalhou na sociedade ..., no período compreendido entre ... de ... de 2015 e ... de ... de 2016, desempenhando as funções de angariador de contratos de fornecimento para as operadoras, designadamente para a DD.”.
§ 2º “No exercício dessas funções, o arguido AA não tinha um salário fixo, pelo que a sua remuneração dependia directamente da celebração de contratos, recebendo € 250 pela angariação de cada dois novos clientes no primeiro mês e de três novos clientes no segundo mês.”
Na verdade, com base no mencionado documento de fls. 241 a 244, e nos depoimentos das testemunhas RR e FF apenas é possível considerar demonstrado que:
- O arguido AA foi colocado na sociedade ..., no período compreendido entre ........2015 e ........2016, pela sociedade ..., ao abrigo de um contrato de formação profissional, como angariador de contratos de fornecimento para operadoras de telecomunicações, nomeadamente a DD (esta última parte é confirmada pela testemunha RR, aos minutos 00:02:38 e 00:03:34 do seu depoimento, e pela testemunha FF, aos minutos 00:02:17, 00:03:35 e 00:04:10);
- De acordo com o contrato de formação celebrado, o arguido AA receberia uma bolsa de formação de € 250,00, ao fim dos primeiros 30 dias, caso obtivesse avaliação favorável, e mais € 250,00, no final do período de 60 dias, se obtivesse avaliação favorável.
Quanto a esta questão, além do teor da cláusula 7ª do contrato, FF confirmou o valor de € 250,00 em cada mês de formação (minuto 00:02:30), mais aditando que não recebiam salário, nem o referido valor se achava indexado ao número de contratos que conseguissem, na medida em que a formação ministrada “(…) foi muito ver e aprender. Nós íamos com pessoas que já eram profissionais, que iam bater à porta ou que até depois também faziam algumas chamadas tipo para tentar angariar mais clientes. Mas foi só muita observação. Depois também cheguei a bater em algumas portas, sempre com a supervisão por um dos colegas que já era profissional. Mas nunca fiz isso sozinho, nunca, a formação nunca nos deixava fazer quase nada sozinhos” (minutos 00:03:35 a 00:03:57), e, mais adiante “pelo que eu me lembro na formação não ganhávamos, era só o base da formação” (minutos 00:08:33). Já RR não mostrou recordar tal questão, referindo que “não chegou a fazer duas semanas” e que “não chegou a falar em valores, era uma formação” (minutos 00:05:59 e 00:11:20), mais dizendo não ter recebido qualquer valor e ter ficado com a ideia de que, caso ficasse aprovado na formação e ficasse na empresa, receberia em função das vendas realizadas (minutos 00:10:07 a 00:10:47).
Ambos referiram que, enquanto formandos, não estavam autorizados a concluir contratos, o que cabia aos elementos da equipa que já eram profissionais, e que não lhes foi atribuído qualquer número de .../angariador. Por isso, com base em tal prova não é possível ter como assente que o arguido AA atuou com o propósito de obter benefício económico indevido, que tenha tido em vista aumentar a sua remuneração, ou que tenha sido ele quem preencheu os dados transmitidos à operadora DD (§§ 3º, 4º, 5º, 6º, 11º, 13º, 14º, 19º, 21º, 25º e 27º da matéria considerada provada na decisão recorrida).
É verdade que constam dos autos – constituindo documentos juntos pela demandante DD – dois «formulários de adesão», um deles em nome de «GG» e outro em nome de «NN», o primeiro com a morada de HH (...), e o segundo com a morada de uma casa pertencente a PP (..., em ...), nos quais, no lugar destinado ao «nome do agente» se indica “AA”, mais constando, do primeiro o «código de agente» “80019012”, e do segundo o «código de agente» “...”. No local destinado à «assinatura do ...», em ambos os formulários está manuscrito “AA”, sem qualquer semelhança com a assinatura constante do «contrato de formação» (que o arguido, no recurso, aceita ter assinado). Ressalva-se, ainda, que o «formulário de adesão» relativo a GG/HH está datado de ........2016, data em que, de acordo com o «contrato de formação», o arguido já teria terminado o período de formação ao serviço da ....
Não divisamos nos autos outros indícios que tornem suficientemente consistente a possibilidade probatória acolhida pelo Tribunal a quo: o arguido não conhecia nenhum dos «ofendidos» identificados (KK, GG e NN assim o declararam), não existindo qualquer explicação para as circunstâncias em que poderia ter obtido os respetivos dados de identificação (e o Tribunal recorrido não a indicou); e também inexiste qualquer evidência de que conhecesse os coarguidos JJ, LL ou MM, ou PP (que, para mais, reside no ...). Os dados inseridos nos mencionados «formulários de adesão» não o identificam inequivocamente, não é possível ter como certo que tenham sido preenchidos pelo arguido23 (ou por qualquer terceiro agindo de acordo com as suas instruções24), e inexiste rasto de qualquer pagamento que tenha sido feito ao arguido por força da celebração de tais contratos (e o único documento disponível nos autos não confirma que o pagamento a que eventualmente teria direito estivesse relacionado, ou não, com o número de contratos que lograsse realizar).
É certo que a testemunha HH refere, no seu depoimento, que foi o arguido AA quem lhe propôs a instalação dos serviços da operadora DD na sua casa, mais esclarecendo terem sido colegas de escola e conhecidos de …. Foi vaga, no entanto, quanto ao que lhe foi proposto – diz: “O AA falou-me de uma promoção que havia no seu trabalho. Não recordo em quanto tempo, mas havia uma parte de internet grátis” (minuto 00:04:30), “decidi aproveitar esse pacote, supostamente sem qualquer tipo de valor, seria um período de experiência” (minutos 00:04:39 a 00:04:55). Já quanto aos dados fornecidos, revela falta de memória, e menciona uma única fatura remetida para a sua casa, dizendo a tal respeito ter falado com o arguido AA, reportando ter-lhe o mesmo transmitido que, se não quisesse manter o serviço, bastava não pagar (minutos 00:05:52 a 00:06:15). E, novamente, não se recorda em que nome viria a fatura (minuto 00:06:22).
Ora, dos documentos juntos pela demandante DD aos autos resulta que, na ficha de instalação relativa à morada de HH (que esta assinou), o «cliente» identificado é “GG”, e das faturas emitidas relativamente a esta instalação consta que, efetivamente, a 1ª mensalidade (referente a ...) não era cobrada, e que, depois disso, foram ainda emitidas 5 outras faturas, endereçadas para a morada de HH, em nome de GG, com valores em dívida crescentes, que não foram pagas – e que esta não mencionou no seu depoimento. Admitimos que, se fossem duas faturas, podia não ter boa memória, já seis faturas afigura-se um nadinha excessivo que quer a testemunha HH, quer o seu pai, II, não achassem estranho e não procurassem resolver a questão – tanto mais que continuavam a usufruir dos serviços instalados na sua casa, pelos quais pagaram exatamente € 0,00.
Ou seja, por um lado, não pode extrair-se do depoimento desta testemunha que o arguido AA lhe tenha proposto a instalação de serviços contratados em nome de terceira pessoa, sendo certo que não era mentira que houvesse um período grátis (um mês)25, e, por outro lado, dos referidos documentos resulta que a instalação foi feita em ........2016, tendo sido emitidas faturas relativas aos meses de ..., ..., ..., ..., ... e ... de 2016, altura em que o arguido já não se encontrava a “trabalhar” para a empresa.
Adicionalmente, a testemunha FF deu conta de que, na formação que realizaram, lhes era pedido que facultassem contactos de amigos ou conhecidos, que seriam posteriormente contactados pelos profissionais, tendo em vista a celebração de contratos, o que igualmente teria sucedido com HH, que também era sua amiga (minutos 00:05:37 a 00:06:31 e 00:07:42 a 00:08:18). Neste contexto, a circunstância de HH reportar ter sido o recorrente quem lhe falou da possibilidade de instalar o serviço da DD na sua casa não é, em si mesma, determinante para que se considere suficientemente demonstrado ter sido este último a indicar o nome do terceiro que veio a figurar no já referido «formulário de adesão».
O Tribunal recorrido, na sequência do determinado por este Tribunal da Relação no acórdão proferido em 27.06.2023, fundamentou a sua decisão quanto aos factos dados como provados – designadamente no que se refere ao arguido AA – no que qualificou como «prova indireta».
Expôs, a este respeito, que:
“(…) a prova indireta (lógica, por presunção ou por indícios) consiste em dar como provado um facto sem que sobre ele exista qualquer meio (direto) de prova, chegando-se ao factum probandum a partir da prova de outros factos que a ele se ligam com segurança, segundo as regras da lógica e da experiência comum.
Assim, do que o Tribunal retirou da documentação de fls. 49 dos autos é que a mesma refere que o contrato solicitado nunca foi entregue na ... pelo AAo que não é impeditivo da operadora DD acionar os serviços contratados, uma vez que todo o processo subsequente ao pedido de adesão é feito por sms/intranet.
E mais, tal documento refere que inexiste contrato em suporte de papel mas existe um registo de intenção de compra, efectuado na aplicação do operador DD no dia ... de ... de 2016 com o login associado ao ... AA, que trabalhou na ... de ... de ... de 2015 a ... de ... de 2016.
Assumindo que o AA receberia €250,00 se no primeiro mês cumprisse o mínimo que passaria pela angariação de dois clientes activos e se no segundo mês cumprisse o objectivo mínimo de três clientes activos receberia €250,00, tal como consta da informação de fls. 240 e no contrato de fls. 241 e seguintes, há que assumir, com toda a probabilidade, que este era o único beneficiário de uma conduta como a descrita nos autos.
Por sua vez, a documentação em questão corresponde a documentos particulares, nomeadamente comunicações por email, porém, nada nos autos nos permite duvidar que essas comunicações foram emitidas por quem não consta das mesmas como o seu remetente assim como nada nos autos nos permite sequer desconfiar que a informação nelas contida não corresponde à verdade.
Carrear testemunhas para julgamento por forma a confrontar as mesmas com a autoria e veracidade dos documentos em questão seria, na realidade, um acto inútil pois, as regras da experiência comum dizem-nos que essas testemunhas viriam apenas confirmar o teor do contrato junto aos autos, assim como o registo de intenção de celebração do contrato e por fim, o período de tempo em que o AA trabalhou para a ....
Desta forma, todo o referido supra permite-nos concluir que o Arguido em questão teve benefícios com o contrato em apreço, não podendo como tal, esse raciocínio, obstar à prova dos factos mencionados supra e os quais lhe imputam a responsabilidade pelo sucedido.
O único beneficiário foi o AA e seria uma improbabilidade imensa que este não tivesse participado nos termos em que participou, na concretização dos factos dados como provados supra.
Retira-se assim, sem qualquer margem de dúvidas, a intervenção do AA na situação em apreço.”
Como se vê, todo o edifício probatório erigido pela decisão recorrida assenta em “prova” que não pode ser valorada pelo Tribunal, e excluída a mesma, quedam-se as conclusões extraídas pelo Tribunal recorrido sem qualquer suporte indiciário, que não esteja relacionado com a prova inválida.
Sem aquela “informação”, que, repetimos, não foi produzida em audiência de julgamento, não há nenhuma circunstância que permita estabelecer que o arguido visou obter alguma espécie de benefício26 (e, menos ainda, que o tenha efetivamente alcançado), que tenha obtido dados de identificação de terceiros e que os tenha fornecido seja à ..., seja à DD, de modo a que os serviços de telecomunicações fossem instalados em casa de pessoas que não tencionavam pagá-los.
Por assim ser, não é possível afirmar, para além da dúvida razoável, ao contrário do que consta da decisão recorrida, que o único beneficiário foi o arguido AA e seria uma improbabilidade imensa que este não tivesse participado nos termos em que participou, na concretização dos factos dados como provados supra.
O Tribunal Constitucional já se pronunciou, em várias ocasiões, sobre a admissibilidade da prova indireta em processo penal, tendo reiteradamente afirmado a sua conformidade constitucional, como sucedeu, nomeadamente, no Acórdão TC nº 391/201527, no qual se considerou que “concluir-se pela prova de um facto em resultado do funcionamento de uma presunção é compatível, em processo penal, com uma presunção geral de inocência e com o princípio in dubio pro reo.
O princípio da presunção da inocência, tendo sido consagrado pela primeira vez na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, veio a ter posterior acolhimento no artigo 11.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, encontrando-se previsto no n.º 2, do artigo 32.º, da Constituição, no qual se dispõe que «todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa».
Da consagração constitucional do princípio da presunção de inocência decorre que o processo penal tem de ser estruturado de forma a assegurar todas as garantias de defesa do arguido, tido à partida como inocente, por não haver qualquer fundamento para que aquele não se considere como tal enquanto não for julgado culpado por sentença transitada em julgado. Em matéria de prova, este princípio é identificado por muitos autores com o princípio in dubio pro reo, o qual se traduz numa imposição dirigida ao julgador no sentido de que qualquer situação de dúvida a respeito dos factos relevantes para a decisão da causa ou da culpabilidade do arguido deve ser valorada a favor deste, resolvendo-se desta forma os casos de non liquet em matéria de prova (sobre as diferentes opiniões defendidas na doutrina acerca das relações entre o princípio da presunção de inocência e o princípio in dubio pro reo, cfr. Helena Magalhães Bolina, «Razão de ser, significado e consequências do princípio da presunção da inocência (art.º 32.º, n.º 2, da CRP»), Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Vol. LXX, Coimbra, 1994, págs. 440-442). No entanto, mesmo a nível probatório, ele tem um sentido e alcance mais amplos que o princípio in dubio pro reo, como explica Helena Magalhães Bolina (cit., págs. 443-446):
«O princípio in dubio pro reo só se aplica no caso de surgir a dúvida quanto à apreciação da matéria de facto. O princípio da presunção de inocência, atento o objetivo que visa atingir, intervém em momento anterior, condicionando o surgimento dessa dúvida, impondo-o em todas as situações em que, à luz da verdade material, a culpabilidade do arguido não possa considerar-se afirmada com certeza.
A dúvida é, assim, por imposição do princípio de presunção de inocência, uma dúvida legal: uma dúvida que deve surgir em determinadas circunstâncias e constitui também matéria de direito, não só a questão de saber se a dúvida surgida na apreciação da prova foi resolvida favoravelmente ao arguido – caso em que se está perante a verificação do respeito do princípio in dubio pro reo –, mas também se, em face da prova produzida, a dúvida surgiu quando devia, ou, noutra perspetiva, se o juízo de certeza foi bem fundado. Nesse caso, o princípio cujo respeito se avalia é, não já o in dubio pro reo, mas, mais rigorosamente, o princípio da presunção de inocência.
O princípio da presunção de inocência distingue-se, assim, do princípio in dubio pro reo, não só pela sua relevância no tratamento do arguido ao longo de todo o processo e pelo seu reflexo extraprocessual como critério dirigido ao legislador ordinário, mas também, em sede de prova, impondo que a dúvida surja em determinadas circunstâncias, assim possibilitando, em momento lógico posterior, a aplicação do princípio in dubio pro reo».
[…]
Ora, na prova por utilização de presunção judicial, a qual pode sempre ser infirmada por contraprova, na passagem do facto conhecido para a prova do facto desconhecido, intervêm juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais que permitem fundadamente afirmar, segundo as regras da normalidade, que determinado facto, que não está diretamente provado é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido. Quando o valor da credibilidade do id quod e a consistência da conexão causal entre o que se conhece e o que não se apurou de uma forma direta atinge um determinado grau que permite ao julgador inferir este último elemento, com o grau de probabilidade exigível em processo penal, a presunção de inocência resulta ilidida por uma presunção de significado contrário, pelo que não é possível dizer que a utilização deste meio de prova atenta contra a presunção de inocência ou contra o princípio in dubio pro reo. O que sucede é que a presunção de inocência é superada por uma presunção de sinal oposto prevalecente, não havendo lugar a uma situação de dúvida que deva ser resolvida a favor do Réu.”
Pode, pois, afirmar-se que a prova indireta, indiciária, lógica ou por presunção diz respeito a um procedimento racional ou lógico em que a partir de um facto provado (o indício) se retira a existência de um outro facto essencial ao objeto do processo. Esse juízo fundamenta-se em regras de normalidade ou regularidade como as regras da experiência ou as leis científicas. Deste modo, as categorias conceptuais convocadas pela chamada prova indireta ou indiciária de um facto são: a base da presunção ou facto-indício; o juízo de inferência e as regras de normalidade que o suportam; e o facto (probandum) presumido ou indiciado28.
Na medida em que o facto conhecido (base da presunção) não prova mas antes indicia o facto presumido, a convicção probatória do julgador, admitida pelo artigo 127º do Código de Processo Penal, está sujeita ao dever acrescido de fundamentação nos termos do artigo 374º, nº 2 do Código de Processo Penal. O juiz é livre de decidir por determinada convicção probatória, mas não é livre de não a justificar.
O cumprimento dos deveres acrescidos de fundamentação e motivação no uso da prova indireta do facto é essencial ao exercício do direito de defesa, isto é, à possibilidade de, em recurso, o arguido poder reagir contra a prova daquele facto.
O controlo de valoração da prova indireta passa ainda por outros parâmetros processuais (gerais), para além do princípio da objetividade. A convicção sobre a presunção há de ser objetivada e racionalizada para que, desse modo, o tribunal possa mostrar-se convencido para além de toda a dúvida razoável e, com isso, comunicar o seu juízo a terceiros. Tal grau de convencimento não se basta com a mera probabilidade e é exigível quer quanto aos factos-indícios (devidamente enumerados), quer quanto à regra da experiência invocada e aplicada para sustentar a presunção. Deste modo, a dúvida sobre o facto essencial à presunção constitui um obstáculo à prova indireta do facto. Persistindo dúvidas sobre os factos indiciantes ou sobre o concreto juízo de inferência que deles se pode retirar, o juiz tem de aplicar o princípio in dubio pro reo, dando como não provado o indício ou como não provado o facto presumido, respetivamente29.
Neste quadro, detidamente examinada a prova de que podia servir-se o Tribunal a quo para formar a sua convicção, e confrontada esta com a fundamentação exposta na sentença recorrida, impõe-se concluir que efetivamente ocorreu erro de julgamento.
De um lado, porque se fez assentar a aquisição de factos apurados por via indireta em prova que não podia ser valorada pelo Tribunal, carecendo os factos presumidos do suporte de outros factos-indício (independentes da prova inquinada), que permitam estabelecer o juízo de inferência necessário a que os mesmos se pudessem ter por demonstrados, e de outro lado, porque foi desconsiderada prova produzida em audiência, que a sentença recorrida pura e simplesmente não examinou, e cujo conteúdo impõe decisão diversa da que foi tomada, como cremos ter deixado claro – importando, em consequência, a sentença proferida violação do princípio da presunção de inocência de que o arguido não pode deixar de beneficiar, já que se trata de uma garantia constitucional.
Assim, impõe-se alterar a matéria de facto provada e não provada, nos seguintes termos:
Factos provados:
§ 1º- O arguido AA foi colocado na sociedade ..., no período compreendido entre ........2015 e ........2016, pela sociedade ..., ao abrigo de um contrato de formação profissional, como angariador de contratos de fornecimento para operadoras de telecomunicações, nomeadamente a DD
§ 2º- De acordo com o contrato de formação celebrado, o arguido AA receberia uma bolsa de formação de € 250,00, ao fim dos primeiros 30 dias, caso obtivesse avaliação favorável, e mais € 250,00, no final do período de 60 dias, se obtivesse avaliação favorável.
§ 17º- O arguido AA, em data não concretamente apurada, contactou HH, filha de II, informando-a da proposta de serviços de telecomunicações da operadora DD, dando-lhe conta de que existia um período em que poderia beneficiar gratuitamente dos mesmos. (e § 49º)
§ 18º- HH manifestou intenção de aderir a esse pacote de serviços.
Factos não provados:
- Que o arguido AA tenha sido trabalhador ao serviço da sociedade ..., ou que tal tenha sucedido até ........2016. (§ 1º)
- Que a remuneração do arguido AA dependesse diretamente da celebração de contratos, ou que recebesse, ou não, € 250 pela angariação de cada dois novos clientes no primeiro mês e de três novos clientes no segundo mês. (§ 2º)
- Que, aproveitando-se das funções que desempenhava na ..., o arguido AA tenha formulado o propósito de, através da obtenção de dados de identificação de várias pessoas, obter benefício económico indevido, celebrando contratos de fornecimento de serviços de telecomunicações em nome de terceiros, sem o conhecimento ou o consentimento dos mesmos. (§ 3º)
- Que, em data não concretamente apurada, mas antes do dia ... de ... de 2016, o arguido AA tenha tomado conhecimento de vários elementos de identificação da ofendida KK, designadamente número de cartão de cidadão e NIF. (§ 4º)
- Que, aproveitando-se desse facto, o arguido AA tenha formulado o propósito de obter benefício económico indevido, celebrando contrato de fornecimento de serviços de telecomunicações com a DD em nome da ofendida, mas sem o conhecimento ou o consentimento da mesma. (§ 5º)
- Que, no cumprimento desse desígnio, em ... de ... de 2016, o arguido AA, ou alguém a seu pedido, tenha preenchido um registo de intenção de compra de fornecimento de serviços de televisão, internet e telefone fixo com a operadora DD, em nome da ofendida, mas sem o seu conhecimento ou consentimento. (§ 6º)
- Que o arguido AA tenha apresentou tal proposta à ... como mais uma angariação de cliente e, dessa forma, visado o aumento da sua remuneração. (§§ 11º e 38º)
- Que, ainda aproveitando as suas funções na ..., em data não concretamente apurada, mas localizada antes de ... de ... de 2016, o arguido tenha tomado conhecimento de vários elementos de identificação do ofendido GG, designadamente número de cartão de cidadão e NIF. (§ 13º)
- Que, em ... de ... de 2016, o arguido, ou alguém a seu pedido, tenha preenchido e assinado a proposta de subscrição de fornecimento de serviços de televisão com a operadora DD, em nome de GG, ou que tenha assinado a mesma em nome daquele, sem o seu consentimento ou conhecimento. (§ 14º)
- Que o arguido AA tenha apresentado tal contrato à ... como mais uma angariação de cliente, por forma a ampliar a sua remuneração. (§§ 19º e 51º)
- Que, ainda aproveitando as suas funções na ..., em data não concretamente apurada, mas localizada antes de ... de ... de 2016, o arguido tenha tomado conhecimento de vários elementos de identificação do ofendido NN, designadamente número de cartão de cidadão e NIF. (§ 21º)
- Que, em ... de ... de 2016, o arguido, ou alguém a seu pedido, tenha preenchido a proposta de subscrição de fornecimento de serviços de televisão com a operadora DD, em nome de NN e assinado a mesma em nome daquele, sem o seu consentimento ou conhecimento. (§§ 22º e 65º)
- Que o arguido AA tenha apresentado tal contrato à ... como mais uma angariação de cliente para, dessa forma, poder ampliar a sua remuneração. (§§ 25º e 65º)
- Que o arguido AA tenha fornecido todos os elementos de identificação, bem como a morada de KK, GG e NN, pelo que os referidos contratos ficaram em nome daqueles, de forma a que a faturação fosse debitada aos ofendidos. (§ 27º)
- Que o arguido AA tenha atuado de forma ardilosa, com o propósito, concretizado, de obter vantagem patrimonial a que sabia não ter direito e causar a terceiro o prejuízo correspondente, conseguindo induzir em erro a operadora DD e determinando-a a celebrar o contrato acima identificado em nome de KK. (§ 29º)
- Que o arguido AA tenha atuado de forma ardilosa, com o propósito, concretizado, de obter vantagem patrimonial a que sabia não ter direito e causar a terceiro o prejuízo correspondente, conseguindo induzir em erro a operadora DD, determinando-a a celebrar os contratos acima identificados em nome dos ofendidos GG e NN, o que quis e conseguiu, não obstante saber que agia sem autorização e contra a vontade dos ofendidos. (§ 30º)
- Que, ao apor – ou mandar apor – nos contratos com a DD o nome do ofendido GG, como se da assinatura deste se tratasse, o arguido soubesse que abusava de assinatura que não lhe pertencia e que os documentos que apresentara à referida empresa não tinham sido assinados pelo ofendido, visando alcançar um benefício a que sabia não ter direito e causar a terceiros o prejuízo correspondente, pondo em crise a confiança merecida por esses documentos, o que quis e conseguiu. (§ 31º)
- Que o arguido AA tenha agido livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal. (§ 32º)
Em consequência do que fica dito, tem também de considerar-se não provado que os prejuízos sofridos pelos ofendidos e/ou pela demandante DD, dados como provados nos §§ 39º, 43º, 44º, 45º, 52º, 57º, 58º, 59º, 66º, 71º, 72º e 73ºsejam consequência da atuação do arguido AA.
Procede, pois, nesta medida, a impugnação da matéria de facto.
*
iv.4. Do enquadramento jurídico-penal
A sentença recorrida condenou o arguido AA pela prática de três crimes de burla, previstos e punidos pelo artigo 217º, nº 1 do Código Penal, e de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256º, nº 1, alíneas a), b), e e) do Código Penal.
Face à falta de prova, consistente e segura, de que tenha praticado os factos que, na acusação contra ele deduzida, sustentavam tal imputação, é evidente que tem de ser deles absolvido.
E outro tanto se dirá relativamente à condenação no pedido de indemnização civil.
Não podendo considerar-se que tenha sido qualquer atuação do arguido AA que determinou a demandante à prestação dos serviços de telecomunicações que ficaram por pagar, mostra-se ausente o facto ilícito imputável ao demandado essencial do qual pudesse emergir a obrigação de indemnizar (cf. artigo 483º do Código Civil).
A latere, não deixará de dizer-se que, estando em causa a prática de ilícitos extracontratuais, não pode a demandante exigir o ressarcimento de prejuízos que advêm da violação do seu interesse contratual positivo, ou seja, o recebimento dos valores que lhe seriam devidos se o contrato fosse válido (aplicando, por essa via, as sanções que decorreriam de eventual violação contratual – como sucede com a exigência de pagamento do valor devido até ao termo do período de fidelização).
A questão, no entanto, perde relevância, na medida em que não se pode considerar provado que a atuação do arguido AA tenha sido causal dos prejuízos sofridos pela demandante, devendo, por isso, ser absolvido também desse pedido indemnizatório.
*
Há, pois, que reconhecer provimento ao recurso.
V. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso interposto por AA e, em consequência:
A. Alterar a matéria de facto, considerando provado que:
§ 1º- O arguido AA foi colocado na sociedade ..., no período compreendido entre ........2015 e ........2016, pela sociedade ..., ao abrigo de um contrato de formação profissional, como angariador de contratos de fornecimento para operadoras de telecomunicações, nomeadamente a DD
§ 2º- De acordo com o contrato de formação celebrado, o arguido AA receberia uma bolsa de formação de € 250,00, ao fim dos primeiros 30 dias, caso obtivesse avaliação favorável, e mais € 250,00, no final do período de 60 dias, se obtivesse avaliação favorável.
§ 17º- O arguido AA, em data não concretamente apurada, contactou HH, filha de II, informando-a da proposta de serviços de telecomunicações da operadora DD, dando-lhe conta de que existia um período em que poderia beneficiar gratuitamente dos mesmos. (e § 49º)
§ 18º- HH manifestou intenção de aderir a esse pacote de serviços.
B. E como não provado que:
- o arguido AA tenha sido trabalhador ao serviço da sociedade ..., ou que tal tenha sucedido até ........2016. (§ 1º)
- a remuneração do arguido AA dependesse diretamente da celebração de contratos, ou que recebesse, ou não, € 250 pela angariação de cada dois novos clientes no primeiro mês e de três novos clientes no segundo mês. (§ 2º)
- e, bem assim, a matéria contemplada nos §§ 3º a 6º, 11º, 13º, 14º, 19º, 21º, 22º, 25º, 27º, 29º a 32º, 38º, 39º, 43º, 45º, 51º, 52º, 57º, 59º, 65º, 66º, 71º e 73º dos factos assentes na sentença recorrida.
C. Revogar a sentença recorrida, absolvendo o arguido AA dos crimes de burla e falsificação pelos quais fora condenado em 1ª instância, bem como do pedido de indemnização civil contra ele formulado pela demandante DD
D. Sem tributação.

Lisboa, 03 de Junho de 2025
(texto processado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal)
Sandra Oliveira Pinto
Ana Lúcia Gordinho
Paulo Barreto (vencido, nos termos da declaração de voto junta)

Voto de Vencido
“Voto vencido porque:
As respostas por correio electrónico podem ser entendidas como documento, por ser uma declaração, sinal ou notação corporizada em escrito (164/1/CPP).
Na sentença explica-se por que não foram ouvidas as pessoas que assinam tais declarações:
Por sua vez, a documentação em questão corresponde a documentos particulares, nomeadamente comunicações por email, porém, nada nos autos nos permite duvidar que essas comunicações foram emitidas por quem não consta das mesmas como o seu remetente assim como nada nos autos nos permite sequer desconfiar que a informação nelas contida não corresponde à verdade.
Carrear testemunhas para julgamento por forma a confrontar as mesmas com a autoria e veracidade dos documentos em questão seria, na realidade, um acto inútil pois, as regras da experiência comum dizem-nos que essas testemunhas viriam apenas confirmar o teor do contrato junto aos autos, assim como o registo de intenção de celebração do contrato e por fim, o período de tempo em que o AA trabalhou para a ....
Não me parece que esta seja uma situação pensada por Damião da Cunha quando refere que "a “substituição” da prova oral, em julgamento, por um documento (que consubstanciaria assim uma declaração documentada) contraria princípios como o da imediação e o da oralidade e restringe o contraditório".
As pessoas que, no caso concreto, enviam o correio electrónico não são testemunhas, não têm conhecimento directo de nada (128/CPP). São advogados (ninguém discute essa qualidade) que respondem em nome da empresa, fornecendo as informações que o MP pediu. Concordo com o Tribunal a quo, vinham dizer que nada sabiam, que se limitaram a receber os dados da empresa.
As mensagens por correio electrónico têm a protecção constitucional do art.º 34.º, n.ºs 1 e 4, contra a inviolabilidade e ingerência, sendo que a ingerência das autoridades públicas só pode ocorrer no âmbito do direito penal e autorizada por juiz (art.º 17.º da lei do cibercrime). São correspondência, são documentos.
Depois. Como se refere em Ac. da TRC de 06.01.2010:
-"Assim, de acordo com a jurisprudência quase unânime do STJ, que trilhou a orientação de Maia Gonçalves Código de Processo Penal Anotado, 7.ª Edição, pág. 521., «valem em julgamento, independentemente da sua leitura em audiência, as provas contidas em actos processuais cuja leitura é permitida», nos termos dos artigos 356.º e 357.º do CPP."
- "Decorre da conjugação das referidas normas que é permitida, mas não obrigatória, a leitura em audiência de julgamento dos documentos existentes no processo, independentemente dessa leitura, podendo o meio de prova em causa ser, como foi no caso concreto, objecto de livre apreciação pelo tribunal, sem que resulte ofendida a proibição legal prevista no art.º 355.º do CPP Vide, a título meramente exemplificativo, os Acs. do STJ de 23-02-2005, CJ/STJ, XIII, tomo I, pág. 50, e de 31-05-2006, proc. n.º 06P1412, in www.dgsi.pt."
Não vejo violação do 355/CPP
Também não vejo violação do contraditório. Os documentos ou comunicações por correio electrónico estão no processo há muito tempo, podiam ser lidos, contraditados, seja o que for. O arguido tem deles conhecimento. Não foi surpreendido.”
Paulo Barreto
_____________________________________________________
1. Juntamente com o arguido foram também julgados LL, MM e JJ, que viriam a ser absolvidos a final.
2. Cf. Germano Marques da Silva Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª ed., pág. 335, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 9ª ed., 2020, págs. 89 e 113-114, e, entre muitos outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007, Procº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art.º 412.°, n.° 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.»
3. A numeração dos parágrafos foi aditada pela relatora, para maior clareza e melhor referenciação.
4. cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.01.2014, proferido no processo nº 7/10.0TELSB.L1.S1, Relator: Conselheiro Armindo Monteiro, acessível em www.dgsi.pt.
5. Cf. anotação de Oliveira Mendes, Código de Processo Penal Comentado, 3ª ed. revista, Almedina, 2021, pág. 1144.
6. No processo nº 10/18.1GBFTR.E1, Relator: Desembargador João Amaro, acessível em www.dgsi.pt
7. Em comentário ao artigo 379º, in Código de Processo Penal Comentado, 3ª ed. revista, Almedina, 2021, pág. 1157.
8. Pode especular-se, como fez o Ministério Público na resposta ao recurso, que tais depoimentos não foram atendidos “porquanto não revelaram um conhecimento direto e imediato sobre os factos” – mas é evidente que nada foi dito a tal respeito na sentença.
9. TT foi indicado como testemunha pela acusação, porém, face à dificuldade em notificá-lo (por virem devolvidas as sucessivas cartas remetidas à empresa ... para o efeito, com a informação de que o mesmo já ali não trabalhava), acabou o Ministério Público por prescindir da sua inquirição.
10. “O regime processual de leitura de declarações na audiência de julgamento (arts. 356.º e 357.º do CPP)”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal. N.º 3, Separata (1997), pág. 442.
11. Loc. cit. pág. 406.
12. Cf. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 05.05.2015, no processo nº 1084/14.0GDSTB.E1, relatado pela, então, Desembargadora Ana Barata de Brito, acessível em www.dgsi.pt.
13. No processo nº 07P3630, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar, acessível em www.dgsi.pt.
14. Loc. cit. pág. 412.
15. Cf. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 03.07.2013, no processo nº 1568/08.9TAVIS.C2, relatado pela Desembargadora Maria José Nogueira, acessível em www.dgsi.pt.
16. Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo II, 3ª ed., Almedina, 2021, pág. 520.
17. No processo nº 477/20.8PDAMD.L1-5, relatado pelo, então, Desembargador Jorge Gonçalves, disponível em www.dgsi.pt.
18. Note-se que, como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 01 de abril de 2008 (no processo nº 360/08-01, Relator: Desembargador Ribeiro Cardoso, acessível em www.dgsi.pt): “Impor decisão diversa da recorrida não significa admitir uma decisão diversa da recorrida. Tem um alcance muito mais exigente, muito mais impositivo, no sentido de que não basta contrapor à convicção do julgador uma outra convicção diferente, ainda que também possível, para provocar uma modificação na decisão de facto. É necessário que o recorrente desenvolva um quadro argumentativo que demonstre, através da análise das provas por si especificadas, que a convicção formada pelo julgador, relativamente aos pontos de facto impugnados, é impossível ou desprovida de razoabilidade. É inequivocamente este o sentido da referida expressão, que consubstancia um ónus imposto ao recorrente.
As provas que impõem decisão diversa são as provas relevantes e decisivas que não foram analisadas e apreciadas, ou, as que, tendo-o sido, ponham em causa ou contradigam o entendimento plasmado na decisão recorrida.”
19. Sobre estas questões, cf. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14.03.2007 (no processo nº 07P21, Relator: Conselheiro Santos Cabral), de 23.05.2007 (no processo 07P1498, Relator: Conselheiro Henriques Gaspar), de 03.07.2008 (no processo nº 08P1312, Relator: Conselheiro Simas Santos), de 29.10.2008 (no processo nº 07P1016, Relator: Conselheiro Souto de Moura) e de 20.11.2008 (no processo nº 08P3269, Relator: Conselheiro Santos Carvalho), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
20. No processo nº 179/19.8JDLSB.L1-9, Relator: Desembargador Abrunhosa de Carvalho, em www.dgsi.pt.
21. Ouvidos nas sessões de julgamento de 08.06.2022 e 05.07.2022, respetivamente.
22. O arguido afirmou expressamente não os conhecer, e eles nada disseram a tal respeito.
23. A perícia realizada apenas conclui pela elevada probabilidade de a assinatura atribuída a GG não ter sido pelo mesmo efetuada (cf. fls. 136).
24. O que, tendo em conta que o arguido era um mero formando, cuja missão era apenas acompanhar os trabalhadores ao serviço da empresa, se afigura como manifestamente improvável.
25. O que é, aliás, confirmado pelo depoimento da testemunha RR (minutos 00:08:20 a 00:08:30).
26. Quem, sem margem para dúvidas, teve benefícios na situação relatada nos autos, foram os indivíduos em cujas casas foram instalados equipamentos e que usaram os serviços prestados pela DD, sem jamais os terem pago – mas tal matéria encontra-se fora do objeto do recurso.
27. De 12.08.2015, relatado pelo Conselheiro Cura Mariano, acessível em www.tribunalconstitucional.pt.
28. Cf. Susana Aires de Sousa, “Prova indireta e dever acrescido de fundamentação da sentença penal”, em Estudos em Homenagem ao Professor Germano Marques da Silva, Universidade Católica Editora, pág. 2756, acessível em linha em https://www.uc.pt/site/assets/files/2255778/prova_indireta.pdf
29. Susana Aires de Sousa, loc. cit., págs. 2772-2773.