Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | FRANCISCA MENDES | ||
Descritores: | DECISÃO REINTEGRAÇÃO DA TRABALHADORA EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA TRÂNSITO EM JULGADO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/15/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA A SENTENÇA | ||
Sumário: | Após a fase declarativa dos autos, a fixação de sanção pecuniária compulsória com vista à reintegração da trabalhadora apenas pode ser requerida após o trânsito em julgado da decisão e desde que não se mostre efectuada a reintegração (art. 74ºA, nº2 do CPT). (Elaborado pela Relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa I–Relatório Nos presentes autos para execução de prestação de facto que AAA, com o patrocínio do Ministério Público, move contra “BBB” foi, em 13.07.2022, proferida pela Exª Juiz a quo a seguinte decisão: «A exequente veio requerer a fixação de sanção pecuniária compulsória pelo não cumprimento da prestação quanto à obrigação de reintegração. Cumpre apreciar e decidir. Segundo o artigo 74º-A do Código de Processo do Trabalho, “a reintegração deve ser comprovada no processo mediante a junção aos autos do documento que demonstre o reinício do pagamento da retribuição”. E “transitada em julgado a sentença, sem que se mostre efetuada a reintegração, pode o trabalhador requerer também a aplicação de sanção pecuniária compulsória ao empregador, nos termos previstos no Código de Processo Civil para a execução de prestação de facto”. A sanção pecuniária compulsória visa, em suma, uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis. Deve, no entanto, atender-se a que no n.º 1 do artigo 829º-A, do Código Civil, o legislador confinou a sanção pecuniária compulsória às obrigações de carácter pessoal - obrigações de carácter intuitu personae, cuja realização requer a intervenção do próprio devedor, insubstituível por outrem - fazendo dela um processo subsidiário, aplicável onde a execução específica não tenha lugar. Nos presentes autos de execução foi peticionada a reintegração da exequente, conforme ordenado em sede de sentença. A executada foi citada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 868º, n.º 2 e nada disse ou requereu. Ora, a prestação em causa é infungível, pelo que o requerido mostra-se à luz dos normativos citados admissível, mostrando-se o montante indicado proporcional face ao efeito pretendido, pelo que vai deferido. Nestes termos, ao abrigo do disposto nos artigos 72ºA, do Código de processo do Trabalho, 829ºA, n.º 1, do Código Civil e 868º, do Código de processo Civil, fixo a sanção pecuniária compulsória de 1UC por cada dia de atraso no cumprimento da prestação ordenada de reintegração da exequente, a contar da notificação do presente despacho. Notifique.» A executada recorreu desta decisão e formulou as seguintes conclusões : A.–O presente recurso de apelação vem interposto: - Do despacho proferido no âmbito da ação de processo comum n.º 2222/20.9T8FNC, do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, Juízo do Trabalho do Funchal, em 13.07.2022 (Referência 51971229), que decidiu proceder à fixação de sanção pecuniária compulsória de 1 UC por cada dia de atraso no cumprimento da prestação quanto à obrigação de reintegração. - O mesmo despacho determina que tal condenação tem início na data da notificação de tal despacho. B.–A sentença proferida no âmbito da ação de processo comum n.º 2222/20.9T8FNC (que poderá ou não constituir título executivo para pedir a reintegração da trabalhadora), proferida em 02-06-2021, não transitou, ainda, em julgado, estando pendente recurso da mesma no Tribunal da Relação de Lisboa. C.–Tal recurso tem efeitos meramente devolutivos, mas tal não equivale a que a recorrida ou o Tribunal a quo possam – como pretende com a presente execução - extrair e atribuir um carácter definitivo ao decidido por aquela sentença. D.–Na medida da pendência do recurso, a referida sentença é precária, já que a decisão que vier a ser proferida pelo douto Tribunal da Relação de Lisboa pode corresponder ao fracasso nomeadamente quanto à pretensa obrigação de reintegração da trabalhadora. E.–O douto Acórdão do Supremo Tribunal da Justiça proferido em 26-02-1997, no processo n.º 96S146 (disponível em www.dgsi.pt) refere expressamente: "Antes do trânsito em julgado da sentença, o Autor [trabalhador despedido] não podia exigir da Ré [empregador] o cumprimento, total e definitivo, da obrigação em que fora condenada.” F.–Só com o trânsito em julgado da identificada sentença é que poderá quer a trabalhadora, quer o Tribunal a quo exigir, ordenar ou condenar a ora recorrente ao cumprimento da obrigação de reintegração que, em primeira instância, foi condenada, e isto caso a recorrente, porventura, não tomar voluntariamente tal atitude. G.–A condenação à reintegração só deve ocorrer se e na medida em que transite em julgado a condenação da empregadora na reintegração da respetiva trabalhadora e a primeira não concretize voluntariamente a reintegração ordenada pelo tribunal. H.–Isto mesmo foi reconhecido pelo Tribunal ao quo, nos termos do Apenso B dos presentes autos (Embargos de Executado), na medida em que, por sentença proferida em 11.03.2022, indeferiu os embargos deduzidos pela recorrida por via dos quais pretendia esta a sua reintegração imediata. I.–O mesmo Tribunal a quo que, nos termos da invocada sentença proferida no Apenso B, expressamente reconhece que a obrigação de reintegração fica com a sua eficácia suspensa, vem agora condenar a ora recorrida – que tem tal obrigação legalmente suspensa – ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da referida obrigação. J.–O Tribunal a quo força assim, de forma ilegal, o cumprimento de uma obrigação que está suspensa e que não é devida. K.–A decisão do Tribunal a quo deve, portanto, ser revogada por ilegal, julgando-se procedente a presente apelação e assim revogar o despacho proferido nos presentes autos pelo Tribunal a quo em 13.07.2022, com a referência 51971229. Nestes termos e no mais de direito deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser o despacho recorrido revogado, julgando-se procedente a presente apelação, com as devidas consequências legais. Não foram apresentadas contra-alegações. * II–Importa solucionar no âmbito do presente recurso se o Tribunal a quo poderia ter fixado a sanção pecuniária compulsória em apreço. III– Apreciação Os factos com relevo para a decisão são os supra relatados. Importa ainda considerar que à data da decisão recorrida a decisão que determinara reintegração da trabalhadora ainda não tinha transitado em julgado. De acordo com o disposto no art. 829º-A, nº1 do Código Civil, nas obrigações de facto infungível, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso. Conforme referem Pires de Lima e Antunes Varela in “ Código Civil Anotado”, vol. II, pág. 107, em anotação ao artigo citado : « O fim da sanção pecuniária compulsória não é o de indemnizar os danos sofridos pelo credor com a mora, mas o de forçar o devedor a cumprir, vencendo a resistência da sua oposição ou do seu desleixo, indiferença ou negligência». Atenta a referida finalidade, a sanção pecuniária não pode ter eficácia retroactiva. Em sede de acção declarativa, o Tribunal poderia ter fixado uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento após o trânsito em julgado da decisão de reintegração. Tal não ocorreu, pelo que importa atender às normas do processo executivo que regem a situação em apreço. Estatui o art. 74º-A do CPT: I-A reintegração deve ser comprovada no processo mediante a junção aos autos do documento que demonstre o reinício do pagamento da retribuição. 2-Transitada em julgado a sentença, sem que se mostre efectuada a reintegração, pode o trabalhador requerer também a aplicação de sanção pecuniária compulsória ao empregador, nos termos previstos no Código de Processo Civil para a execução de prestação de facto. Os termos previstos na execução para prestação de facto estão previstos no art. 868º do CPC. Conforme resulta do disposto no art. 704º, nº1 do CPC, a sentença só constitui título executivo depois do trânsito em julgado, salvo se o recurso contra ela interposto tiver efeito meramente devolutivo. Retornando ao caso em apreço, verificamos que a execução poderia ter o seu início perante a fixação de efeito devolutivo ao recurso. Mas, no que concerne à reintegração, importa atender à primeira parte do nº2 do art. 74º-A do CPT que exige, de forma expressa, o trânsito em julgado da decisão antes de ser fixada sanção pecuniária compulsória em sede de processo executivo. Mesmo que, entretanto, a sentença tenha transitado em julgado, não incumbe no âmbito do presente recurso alterar a data a partir da qual passará a ser devida a sanção, porque tal poderia implicar a atribuição de eficácia retroactiva à sanção que seria aplicada pelo Tribunal ad quem. Acresce ainda que falta de cumprimento da obrigação de reintegrar deve ser verificada após o trânsito da decisão, conforme resulta do preceito legal indicado. O que não invalida que seja de novo aplicada tal sanção pelo Tribunal recorrido após a verificação dos respectivos pressupostos e com efeitos para o futuro. Procede, desta forma, o recurso de apelação. IV–Decisão Em face do exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso de apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida. Sem custas, atenta a isenção da recorrida. Registe e notifique. Lisboa, 15 de Fevereiro de 2023 Francisca Mendes Maria Celina de Jesus de Nóbrega Paula de Jesus Jorge dos Santos |