Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
303/22.3PAVFX.L1-5
Relator: ESTER PACHECO DOS SANTOS
Descritores: CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
EXAME DE PESQUISA DE ÁLCOOL
APARELHOS DE MEDIÇÃO DO ÁLCOOL NO SANGUE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/23/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: 1 – A questão da inexistência de aprovação do aparelho utilizado no teste de alcoolemia é uma “falsa” questão, pois que aquilo que efetivamente releva é mostrarem-se satisfeitas as operações de verificação aplicáveis.
2 – Importa nesta matéria a Portaria n.º 366/2023, de 15/11, que aprovou o novo Regulamento Metrológico Legal dos Alcoolímetros e revogou o anterior regulamento constante da Portaria 1556/2007, de 15/11, de onde resulta que a verificação periódica é válida durante um ano após a sua realização.
3 – Tendo o aparelho sido submetido a verificação periódica na data de 12.01.2021, à data dos factos, 06.05.2022, já tinha expirado o prazo para a nova verificação, donde resulta a invalidade da prova produzida.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Em conferência, acordam os Juízes na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório
1. No processo comum singular n.º 303/22.3PAVFX do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo Local Criminal de Vila Franca de Xira – Juiz 3, em que é arguido AA, melhor identificado nos autos, foi proferida sentença, a 06.02.2025, condenando-o pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de €5,00, perfazendo o montante global de €400,00, bem como na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 4 meses.
2. Não se conformando, veio o arguido interpor recurso da decisão proferida, finalizando a respetiva motivação com as seguintes conclusões:
A. Por sentença datada de 6 de Fevereiro de 2025 decidiu a MMª Juiz condenar o arguido prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º, n.º 1 do Código Penal, na pena de multa, no valor global de 400€, correspondente a 80 dias à razão diária de €5 e na pena acessória de inibição de conduzir pelo período de 4 meses, conforme o art.º 69º, n.º 1, alínea a) deste mesmo diploma legal.
B. Deu a MMª Juiz como provado que o arguido conduzia, no local, data e hora descritas na sentença recorrida, o automóvel de matrícula …, com uma TAS de 1,628 g/l. assentando a sua convicção no depoimento do agente de fiscalização, no talão a fls.10 e certificado de verificação a fls.13.
C. Salvo melhor opinião não podemos concordar com esta sentença no concernente à validade do teste efectuado com o alcoolímetro Drager Alcotest 7110 MK II P, com o n.º ARTL – 0076, sujeito a verificação periódica na data de 12.01.2021,
D. não pelo decurso da validade da aprovação do modelo complementar, já que podem continuar em uso desde que satisfaçam os erros previstos para as verificações metrológicas (art.º 2º, n.º 7 do Decreto-Lei n.º 291/90, de 20.09 e Decreto-Lei n.º 29/2022, art.º 7º, n.º 7) mas porque nunca foi aprovado para utilização pelas entidades competentes, a saber DGV ou ANSR.
E. Ao contrário do pugnado em sentença (pág.5, penúltimo §) o alcoolímetro usado na detecção da TAS ao arguido não se encontra aprovado para uso pelo Despacho ANSR n.º 19684/2009, de 27 de Agosto, rectificado posteriormente em 2016.
F. O alcoolímetro usado na detecção da TAS ao arguido, identificado nos presentes autos, corresponde à aprovação complementar de modelo n.º 211. 06.97.3.50, e que como se pode ler no despacho do IPQ introduziu alterações complementares ao modelo aprovado pelo despacho 211.06.96.3.30.
G. Como se infere da leitura do despacho ANSR n.º 19684/2009, (ver n.º 11 das alegações) este aprovou tão somente o equipamento alcoolímetro quantitativo da marca Drager, modelo Alcotest 7110 MK IIIP, que obteve uma aprovação do modelo n.º 211.06.07.3.06, do Instituto Português da Qualidade, por Despacho n.º 11037/2007, de 24 de Abril de 2007.
H. Mal andam assim os Tribunais, e a douta sentença recorrida, quando se socorrem do conteúdo do despacho ANSR n.º 16984/2009 para justificar a aprovação para uso na fiscalização dos alcoolímetros aprovados ao abrigo do despacho n.º 211. 06.97.3.50!
I. Conclui-se, nesta parte, que o alcoolímetro Drager Alcotest 7110 MK II P, com o n.º ARTL – 0076, o qual foi aprovado pelo IPQ pelo despacho de aprovação de modelo complementar n.º 211.06.97.3.50, publicado na 3ª Série do DR em 05/03/1998, não se encontra aprovado para a medição da taxa de álcool no sangue, na fiscalização rodoviária, ao abrigo do despacho ANSR n.º 16984/2009. Aliás,
J. este MODELO COMPLEMENTAR (211.06.97.3.50) também nunca foi autorizado para uso na fiscalização pela DGV, como facilmente se verifica da leitura dos despachos DGV, (cfr. Despacho n.º 8036/2003 de 28 de Abril ou Despacho DGV n.º 20/2007), pelo que a sua utilização na fiscalização do trânsito viola o disposto no art.º 14º da Lei nº 18/2007, de 17/05 bem como o n.º 5 do artigo 5.º do Decreto-lei nº 44/2005, de 23 de Fevereiro e, anteriormente n.º 5 do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, logo
K. a sua utilização ao longo do tempo nas medições das taxas de álcool no sangue aos arguidos, e nesta em concreto, é proibida!
L. Consequentemente, e nesta parte, conclui-se que o resultado obtido através do alcoolímetro Drager Alcotest 7110 MK II P, com o n.º ARTL – 0076 usado na detecção da TAS ao arguido, ao contrário do assente na sentença recorrida, não respeitava as disposições legais aplicáveis resultando em prova inválida, invalidade esta que desde já requer a este Venerando Tribunal declare, com as legais consequências, mormente a absolvição do arguido.
M. A Jurisprudência para justificar que a verificação periódica era válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização chega ao ponto de considerar que a norma estipulada no art.º 4º n.º 5 do Decreto-Lei 291/90 afasta o disposto no n.º 2, do art.º 7º da Portaria n.º 1556/2007, por este ser considerado um acto normativo e não legislativo (Ac. TR. Évora, de 13-11-2012, Ac. TR Porto, de 24-10-2018),
N. Esquecendo-se, no entanto, que o Controlo Metrológico obedece não só aos actos legais mas também regulamentares, o que se encontra especificado no art.º 1º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 291/90, o qual dispõe que aquele é exercido nos termos do presente diploma e dos respectivos diplomas regulamentares, e em especial no n.º 2 daquele art.º 1º: Os métodos e instrumentos de medição obedecem à qualidade metrológica estabelecida nos respectivos regulamentos de controlo metrológico de harmonia com as directivas comunitárias ou, na sua falta, pelas recomendações da Organização Internacional de Metrologia Legal (OIML) ou outras disposições aplicáveis indicadas pelo Instituto Português da Qualidade. (negrito nosso)
O. O Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros foi aprovado pela Portaria n.º 1556/2007, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 1.º e no artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 291/90, como se lê no prólogo deste diploma legal, pelo que aqui nunca esteve em causa a hierarquia das leis, sendo obviamente aplicável o art.º 7º, n.º 2 neste previsto.
P. Agora a questão que se põe é se o termo anual (n.º 2 do art.º 7º da Portaria n.º 1556/2007) corresponde ao prazo dum ano ou em cada ano civil, o que também foi tema de discussão jurisprudencial, tendo esta maioritariamente entendido que anual é “em cada ano civil” pelo que poderia arrastar-se até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da verificação metrológica, posição esta assumida na douta sentença recorrida, pág. 6, e da qual discordamos em absoluto!
Q. Este alcoolímetro (n.º de série ARTL – 0076) foi sujeito a verificação periódica em 12 de Janeiro de 2021 pelo que se esta verificação se estendesse até 31 de Dezembro de 2022 estaríamos perante um período temporal de, praticamente 24 meses, ou mais precisamente de 23 meses e 19 dias! Perguntamos onde está aqui a “anualidade”?
R. Outrossim entendemos que anual só pode significar um ano, um ano após a data da última verificação metrológica, com a consequência, nos termos previstos no art.º 279º, al. c), do Código Civil, de o termo de tal prazo ter ocorrido às 24 horas do dia que correspondeu no ano seguinte a essa data, ou seja, no caso em apreço, 24 horas do dia 12/01/2022!
S. A apoiar o nosso entendimento o fabricante no manual do alcoolímetro usado na detecção da TAS ao arguido, ora recorrente, indica que as verificações periódicas devem ser efectuadas, no máximo, de 12 em 12 meses (cfr. ponto 5.11 da R 126 (2012), da OIML e ainda a decisão do STJ de 2012 (cfr. n.º 26 das alegações).
T. Finalmente, quer o parecer de que a Portaria 1556/2007 não constituía, quanto às verificações periódicas, “regulamentação específica em contrário” quer a clarificação do termo “anual” é completamente afastada com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 29/2022 e a Portaria n.º 366/2023, respectivamente art.º 9º, n.º 3 e 4 e art.º 8º, n. º1 destes dois diplomas legais. Mais dir-se-á que estes diplomas não são mais do que normas interpretativas do disposto nos diplomas que vieram revogar.
U. Ora, ainda que este Venerando Tribunal partilhe do entendimento plasmado na douta sentença recorrida quanto ao período da validade da verificação periódica, mas sem conceder, e salvo melhor opinião, a única interpretação “(…) consentânea com a vontade do legislador, manifestada no preâmbulo da Portaria nº 1556/2007, por sua vez concordante com as recomendações da OIML (Organização Internacional de Metrologia Legal), assim como do fabricante do aparelho em causa, e, sobretudo, com o disposto no art.º 8º, nº 1, da Portaria nº 366/2023, de 15/11, que aprovou o novo Regulamento Metrológico Legal dos Alcoolímetros, e assume a natureza de uma norma interpretativa, retroactivamente aplicável (ademais porque favorável ao arguido), ao vir estabelecer, de forma clarificadora, que “A verificação periódica tem uma periodicidade anual e é válida durante um ano após a sua realização”.” (Ac. do TR Porto de 28-02-2024).
V. Assim, e voltando ao nosso caso, a verificação periódica efectuada a 12/01/2021 expirou a 12/01/2022, (neste sentido ver Acórdãos do tribunal da Relação do Porto de 13-11-2024, 19-06-2024 e de 28/02/2024), entre outros.
W. Tendo sido o alcoolímetro com o n.º de série ARTL- 0076, da marca Drager modelo Alcoltest MK IIIP, aprovado pelo IPQ por despacho n.º 211. 06.97.50, sujeito à verificação periódica em 12/01/2021 impõe-se concluir que não é válido o resultado obtido através do aparelho em questão, porquanto o mesmo não podia ser usado à data da fiscalização da TAS ao arguido, uma vez que a validade da operação metrológica de verificação periódica tinha expirado a 12 de Janeiro de 2022.
X. Consideramos que na apreciação da prova assente no talão a fls 10, e certificado de verificação a fls. 13, existe erro de julgamento (error juris) na aplicação das normas, o qual desde já requere a este Tribunal declare com as legais consequências.
Y. A prova da taxa de álcool no sangue obtida através do alcoolímetro n.º de série ARTL-0076, da marca Drager modelo Alcoltest MK IIIP, consubstancia uma prova técnico-científica, cuja validade do resultado depende da validade do próprio equipamento, o qual como se viu não se encontrava à data de ... de ... de 2022 apto para ser usado na fiscalização da condução sob a influência do álcool, ficando subtraída a possibilidade de qualquer juízo de valoração probatória por parte da MMª Juiz, na determinação da taxa de álcool no sangue do arguido!
Z. Devendo, por tudo supra exposto, ser alterada a matéria de facto dada como provada nos pontos 1 e 2, da douta sentença, passando a mesma a constar dos factos não provados nos seguintes termos:
“II- FUNDAMENTAÇÃO
Produzida a prova e discutida a causa resultam os seguintes:
Factos Não Provados
1 – No dia ... de ... de 2022, pelas 00:05 horas, o arguido conduziu o veículo ligeiro de passageiros, da marca ..., modelo ..., matrícula..., pela ..., com uma taxa de álcool no sangue de 1,628 g/l(com a dedução do erro máximo admissível à taxa de álcool no sangue de 1,77 g/l).
2 - O arguido consumiu voluntariamente bebidas alcoólicas, as quais foram causa necessária da detecção de álcool no sangue, bem sabendo que as mesmas eram susceptíveis de o colocar no estado em que foi encontrado (com uma taxa de álcool de pelo menos 1,628 g/l) e que não podia conduzir na via pública após o seu consumo.
AA. Mais deve ser eliminado dos Factos Provados o n.º 3 e o n.º 4 passar a ter a seguinte redacção:
4 - O aparelho utilizado na fiscalização ao arguido foi o aparelho Drager Alcotest 7110 MK III P, com o n.º ARTL – 0076, o qual não se encontrava aprovado para uso, nem com verificação periódica válida.
BB. Face ao tudo que se expôs requer a este Venerando Tribunal, julgue o presente recurso procedente, absolvendo a final o arguido do crime de condução em estado de embriaguez, pelo qual foi condenado.
3. A Magistrada do Ministério Público junto da 1ª instância apresentou resposta ao recurso interposto pelo arguido, no sentido de que a sentença não merece censura, rematando com as seguintes conclusões:
1. O exame quantitativo de álcool a que o arguido foi sujeito foi efetuado através de um aparelho da marca Drager Alcotest, modelo 7110 MKIII P, que obteve uma aprovação do modelo n.º 211.06.97.3.50, através de despacho do Instituto Português de Qualidade e autorizada pela ANSR através do Despacho nº 19684/2009 de 27.08.2009 e posteriormente, foi ainda sujeito à primeira verificação periódica levada a cabo pelo I. P. Q. a 12.01.2021.
2. O prazo de validade da aprovação do aparelho é de 10 anos, conforme dispõe o art. 2º, nº 2 do Regime Geral do Controlo Metrológico aprovado pelo D. L. nº 291/90, de 20 de Setembro e art. 7º, nº 2 do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros aprovado pela Portaria nº 748/94, de 13 de Agosto, tendo prazo de vigência da aprovação terminado no dia 27 de Agosto de 2019.
3. O Regime Geral de Controlo Metrológico dos Alcoolímetros (n.º 7 do art.º 2 do DL 291/90, de 20.09), não obstante a caducidade do prazo de validade da aprovação de modelo, nada obsta à sua utilização desde que satisfaça as operações de verificação aplicáveis (Portaria n.º 1556/2007, de 10.12).
4. Por força do disposto no artº 7º da Portaria nº 1556/2007 de 10 de Dezembro, a verificação metrológica periódica destes aparelhos é anual e válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização (artº 7º, nº 2, da Portaria 1556/2007 e artº 4º, nº 5, do D. L. nº 291/90, de 20 de Setembro).
5. Neste sentido vai o Acórdão de fixação de jurisprudência do STJ de 27.01.2021, do relator Sénio Alves, disponível em Juris.stj.pt.
6. Assim, tendo a última verificação periódica do alcoolímetro com o qual o recorrente foi submetido a exame de pesquisa de álcool sido efetuada em 12.01.2021, quando foi utilizado naquele exame, no dia 06.05.2022, estava ainda a decorrer o período de validade da verificação, o qual só terminou em 31 de dezembro de 2022.
4. Nesta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, acompanhando o teor da resposta apresentada pelo Ministério Público na parte respeitante à aprovação do aparelho utilizado no teste de alcoolemia, mas não quanto ao outro fundamento do recurso, respeitante ao prazo de validade da verificação periódica a ele efetuada, que igualmente considera expirado à data dos factos, donde resulta a invalidade da prova, afigurando-se-lhe, pois, merecer o recurso provimento quanto a este fundamento.
Concretamente,
“Quanto ao prazo de validade da verificação periódica do alcoolímetro, cumpre referir que o acórdão do STJ, de 27/01/2021, proferido no P. 271/20.6GBBCL.G1-A.S1, citado pela nossa Colega na resposta, para firmar a posição nela defendida quanto a este fundamento do recurso, não é um acórdão de fixação de jurisprudência, e sim um acórdão que versou sobre um recurso para fixação de jurisprudência julgando não verificada a oposição de julgados.
Pretendia o ali recorrente que o acórdão recorrido decidira de forma oposta ao acórdão fundamento “a questão da verificação periódica do alcoolímetro que à luz da Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro- Regulamento dos Alcoolímetros- deve ser anual e, consequentemente, decide também de modo diverso a questão da valoração/validade da prova recolhida por alcoolímetro cuja verificação periódica se encontra caducada no momento da realização do teste do prazo de validade do controlo metrológico do aparelho de medição da taxa de alcoolemia.”
Assim, a parte do texto transcrita na resposta não se refere a matéria sobre a qual o STJ tenha decidido e tão só a excerto do acórdão recorrido, preferido no P. 271/20.6GBBCL.G1.
Ademais a jurisprudência citada no acórdão recorrido, é toda ela anterior à Portaria n.º 366/2023, de 15/11, que aprovou o novo Regulamento Metrológico Legal dos Alcoolímetros e revogou o anterior regulamento constante da Portaria 1556/2007, de 15/11.
A Portaria n.º 366/2023, de 15/11, no seu art. 8.º, n.º 1, clarificou o que vinha sendo discutido na jurisprudência, estabelecendo que “A verificação periódica tem uma periodicidade anual e é válida durante um ano após a sua realização.”
Ora, no caso, o aparelho foi submetido a verificação periódica na data de 12.01.2021, pelo que à data dos factos, 06.05.2022, há muito tinha expirado o prazo para a nova verificação.
(…)”
5. Cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (adiante designado de CPP), não foi apresentada resposta.
6. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
1. Objeto do recurso
De acordo com o estatuído no art. 412.º do CPP e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem deve apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no art. 410.º n.º 2 CPP.
No caso concreto, conforme as conclusões da respetiva motivação, cumpre apreciar a seguintes questões:
• Da aprovação do aparelho utilizado no teste de alcoolemia, de marca Drager Alcotest, modelo 7110 MKIII P, que o recorrente considera inexistir;
• Do prazo de validade da verificação periódica a ele efetuada, que o recorrente considera expirado à data dos factos.
Sentença recorrida
2.1. O tribunal a quo deu como provada e não provada a seguinte factualidade:
Factos provados
1. No dia ... de ... de 2022, pelas 00:05 horas, o arguido conduziu o veículo ligeiro de passageiros, da marca ..., modelo …, matrícula …, pela ..., com uma taxa de álcool no sangue de 1,628 g/l (com a dedução do erro máximo admissível à taxa de álcool no sangue de 1,77 g/l).
2. O arguido consumiu voluntariamente bebidas alcoólicas, as quais foram causa necessária da detecção de álcool no sangue, bem sabendo que as mesmas eram susceptíveis de o colocar no estado em que foi encontrado (com uma taxa de álcool de pelo menos 1,628 g/l) e que não podia conduzir na via pública após o seu consumo.
3. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, ciente que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
4. O aparelho utilizado na fiscalização ao arguido foi o aparelho Drager Alcotest 7110 MK III P, com o n.º ARTL – 0076.
5. O referido aparelho foi sujeito a verificação periódica na data de 12.01.2021.
6. O arguido reside com mulher, doméstica, sendo que beneficia da quantia de € 330,00 a titulo de reforma.
7. O arguido não possui antecedentes criminais.
2.2. Motivação da decisão de facto
O Tribunal formou a sua convicção na análise, crítica e global, de toda a prova produzida em audiência e constante dos autos, com recurso a juízos de experiência comum e da livre convicção do julgador, nos termos do artigo 127º, do Código de Processo Penal.
Assim, quanto aos factos que se consideraram provados e constantes da acusação e às circunstâncias em que os mesmos ocorreram, foram considerados o conjunto da prova documental contante dos autos, a saber de fls. 4/5 (auto de noticia), 10 (talão), 183(certificado de verificação) e certificado de registo criminal constante dos autos, entrecruzada e conjugada com a prova testemunhal, a saber o depoimento da testemunha BB, agente da P.S.P., Agente autuante do auto de noticia de fls. 4/5 e que há data dos factos exercia funções na ..., cujo depoimento foi atendido, a tenta a forma isenta e objectiva com que depôs.
Pela referida testemunha, presente no local aquando dos factos, descreveu de forma precisa e objectiva a dinâmica dos factos, confirmando na integra os factos constantes na factualidade dada como provada, tendo nessa medida descrito a dinâmica dos factos a que assistiu e teve intervenção. Mais descreveu a forma como procedeu à identificação do ora arguido. A este propósito explicou em que circunstâncias efectuou a abordagem e fiscalização ao ora arguido, não tendo quaisquer dúvidas de que o viu a conduzir o referido veiculo automóvel. Mais confirmou o teor de fls. 4/5, 10 e 13 dos autos.
Ora, da prova produzida, e não obstante o arguido se ter remetido ao silêncio, dúvidas não restam a este Tribunal de que os factos ocorreram e da forma dada como provada, atentos o depoimento acima referido, que encontrou suporte na prova documental acima mencionada e, que não deixaram este Tribunal com quaisquer dúvidas quanto à dinâmica dos factos.
Finalmente, os factos dados como não provados resultam da ausência de produção de prova acerca da sua ocorrência.
A verdade objecto do processo não é uma verdade ontológica ou científica, é uma convicção prática firmada em dados objectivos que, directa ou indirectamente, permitem a formulação de um juízo de facto.
***
3. Apreciando
O arguido/recorrente fundamenta o seu recurso na inexistência de aprovação do aparelho utilizado no teste de alcoolemia, de marca Drager Alcotest, modelo 7110 MKIII P, e no decurso do prazo de validade da verificação periódica a ele efetuada, que considera expirado à data dos factos.
Em consequência, pugna pela invalidade da prova produzida e a correspondente absolvição.
Sobre as questões suscitadas quanto ao aparelho usado aquando da fiscalização, teceu o tribunal recorrido as considerações que se passam a transcrever:
Sob a epígrafe “fiscalização da condução sob efeito do álcool”, estabelece o artigo 153º, nº 1, do Código da Estrada: “o exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito”.
Sendo que o artigo 14º da Lei nº 18/2007, de 17/05 (“Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas”) estabelece:
“1 - Nos testes quantitativos de álcool no ar expirado só podem ser utilizados analisadores que obedeçam às características fixadas em regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária.
2 - A aprovação a que se refere o número anterior é precedida de homologação de modelo, a efectuar pelo Instituto Português da Qualidade, nos termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros.
3 - Os analisadores qualitativos, bem como os modelos dos equipamentos a utilizar nos testes rápidos de urina, saliva ou suor a efectuar pelas entidades fiscalizadoras, são aprovados por despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária”.
Prevê-se no Regime Geral de Controlo Metrológico, aprovado pelo D.L. nº 291/90 de 20/09, as operações que têm de ser realizadas para o controlo metrológico dos aparelhos de medição em questão, sendo que, relativamente ao prazo de validade, dispõe o artigo 6º, nº 3, de tal diploma legal, que “a aprovação de modelo é válida por 10 anos, salvo disposição em contrário no despacho de aprovação de modelo”.
Decorre de todos os citados diplomas legais que a prova relativa à taxa de alcoolemia só pode ser feita da forma prevista na lei, ou seja, por aparelhos aprovados, sendo que a aprovação dos alcoolímetros exige a homologação das suas características técnicas pelo Instituto Português da Qualidade (IPQ) e a “autorização de uso” concedida pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR).
No caso concreto, foi utilizado para a mencionada fiscalização o aparelho “Drager Alcoltest 7110MKIIIP” n.º ARTL . 0076, aprovado por Despacho n.º 211.06.97.3.50 do I.P.Q., autorizada pela ANSR através do Despacho n.º 19684/2009, de 27 de Agosto e verificado pelo IPQ (verificação periódica) em 12.01.2021, em utilização ao abrigo do disposto no artigo 2º, n.º 7 do Decreto-Lei n.º 291/90, de 20.09.
Assim sendo, tendo o modelo do aparelho em questão sido aprovado pela ANSR através do Despacho nº 19684/2009, de 27 de Agosto de 2009 e tendo a fiscalização (que originou o presente processo) sido efectuada ao recorrente em 06.05.2022, dir-se-ia que à partida tal fiscalização ocorreu fora do prazo de validade da aprovação do alcoolímetro em causa.
Contudo, nesta matéria importa trazer à colação o disposto no artigo 7º, n.º 7 do Decreto-Lei n.º 29/2022, de 07.04, nos termos do qual, os instrumentos de medição em utilização, cuja aprovação de modelo não seja renovada ou tenha sido revogada, podem permanecer em utilização desde que satisfaçam as operações de verificação metrológica aplicáveis.
Em matéria de verificações metrológicas dos alcoolímetros, dispõe o artigo 7º da Portaria nº 1556/07, de 19/12:
“1 - A primeira verificação é efectuada antes da colocação do instrumento no mercado, após a sua reparação e sempre que ocorra violação do sistema de selagem, dispensando-se a verificação periódica nesse ano
2 - A verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação de modelo”.
Por sua vez, os nºs 2 e 5 do artigo 4º do D.L. nº 291/90, de 20/09, estatuem que tanto a primeira verificação como a verificação periódica são válidas até ao dia 31 de dezembro do ano seguinte ao da respectiva realização, salvo regulamentação específica em contrário.
Nesta sede, perfilhamos o entendimento de que a referência a “anual” significa que tem de haver uma verificação em cada ano civil.
Assim sendo, teremos de assentar em que a verificação a que foi sujeito, em 06.05.2022, o alcoolímetro utilizado no exame ao ar expirado feito ao arguido no presente processo se mantém válida até 31-12-2022, pelo que estava em vigor à data da realização do exame em causa nestes autos.
Em suma, o aparelho utilizado no exame efectuado ao arguido cumpria as exigências legais relativamente às verificações periódicas, pelo que, o resultado obtido através dele é válido, improcedendo o alegado pelo arguido em sede de contestação.”
Vejamos.
O exame quantitativo de álcool a que o arguido foi sujeito, do qual se extrai a conclusão que conduzia com uma taxa de álcool de pelo menos 1,628 g/l, foi efetuado através do aparelho Drager Alcotest 7110 MK III P, com o n.º ARTL – 0076.
O referido aparelho foi sujeito a verificação periódica na data de 12.01.2021.
Ora, no que se refere à aprovação do dito aparelho, que o recorrente pretende colocar em crise, acompanhamos o sentido da decisão recorrida, pois que não obstante a caducidade do prazo de validade da aprovação de modelo, nada obsta à sua utilização desde que satisfaça as operações de verificação aplicáveis.
Ou seja, importa efetivamente trazer à colação o disposto no artigo 7.º, n.º 7 do Decreto-Lei n.º 29/2022, de 07.04, nos termos do qual, “os instrumentos de medição em utilização, cuja aprovação de modelo não seja renovada ou tenha sido revogada, podem permanecer em utilização desde que satisfaçam as operações de verificação metrológica aplicáveis.”
Assim dizendo, a questão da inexistência de autorização é uma “falsa” questão, pois que aquilo que efetivamente releva é mostrarem-se satisfeitas as operações de verificação aplicáveis.
Vale nesta matéria a Portaria n.º 366/2023, de 15/11, que aprovou o novo Regulamento Metrológico Legal dos Alcoolímetros e revogou o anterior regulamento constante da Portaria 1556/2007, de 15/11 (citada, esta última, pela decisão recorrida).
Porém, esta nova redação da Portaria n.º 366/2023, de 15/11, não acompanha o sentido do decidido, pois que aí claramente se consigna, no seu art. 8.º, n.º 1, (que assume a natureza de uma norma interpretativa, retroativamente aplicável), que “A verificação periódica tem uma periodicidade anual e é válida durante um ano após a sua realização”.
Contudo, a decisão recorrida basta-se na redação anterior, por referência a uma verificação periódica anual, mas sem indicação de validade, perfilhando o entendimento de que a referência a “anual” significa que tem de haver uma verificação em cada ano civil.
Não é esse o sentido da nova redação, pelo que não vemos como nesta parte não dar razão ao recorrente.
É que o aparelho foi submetido a verificação periódica na data de 12.01.2021, pelo que à data dos factos, 06.05.2022, já tinha expirado o prazo para a nova verificação, donde resulta a invalidade da prova produzida.
Melhor dizendo, e convocando o acórdão do TRP, de 28/02/2024, proferido no P. 266/23.8GBAND.P1, disponível em www.dgsi.pt, citado pelo recorrente e pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta em parecer proferido nos autos, “tendo o teste de álcool no sangue dos autos sido realizado através de analisador que se encontrava fora do prazo de validade da verificação metrológica ultimamente realizada, impossibilitada estava a sua utilização, porquanto esta só seria válida, como resulta do art.º 2º, nº 7, do DL nº 291/90, e atualmente do art.º 7º, nº 7, do DL nº 29/2022, se relativamente a ele tivessem sido cumpridas as operações de verificação metrológica no período de tempo legalmente exigido. E no caso do aparelho dos autos elas não foram cumpridas”.
O recurso merece, por isso, provimento, com a consequente absolvição do arguido do crime pelo qual vinha acusado.
III – Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, consequentemente, absolvê-lo do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292.º, n.º 1 do Código Penal, de que vinha acusado.
Sem custas.
Notifique.
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Lisboa, 23 de setembro de 2025
(certifica-se, para os efeitos do disposto no artigo 94.º n.º 2 do CPP, que o presente texto foi processado e integralmente revisto pela relatora)

Ester Pacheco dos Santos
Alda Tomé Casimiro
Alexandra Veiga