Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ILÍDIO SACARRÃO MARTINS | ||
Descritores: | PROPRIEDADE HORIZONTAL TÍTULO CONSTITUTIVO CONDOMÍNIO USO DIVERSO LICENCIAMENTO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/20/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | N | ||
Texto Parcial: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
Sumário: | -Se um condómino dá à sua fracção um uso diverso do fim a que, segundo o título constitutivo da propriedade horizontal, ela é destinada, ou seja, se ele infringe a proibição contida no artigo 1422º nº 2 alª c) do Código Civil, o único remédio para essa afectação é a reconstituição natural (afectação da fracção em causa ao fim a que ela estava destinada). -Destinando-se a fracção autónoma, segundo o título constitutivo, a habitação, não lhe pode ser dado outro destino (alojamento mobilado para turistas) sendo para tanto irrelevante o licenciamento do local para a actividade comercial acima referida por aquelas entidades. -As autorizações de entidades administrativas, segundo as quais, determinada fracção autónoma de prédio constituído em regime de propriedade horizontal pode ser destinada a comércio, não tem a virtualidade de alterar o estatuto da propriedade horizontal constante do respectivo título constitutivo, segundo o qual essa fracção se destina a habitação. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa. I-RELATÓRIO: A..., com morada ..., intentou providência cautelar de Suspensão de Deliberação da Assembleia de Condóminos contra, CONDOMÍNIO B..., sito na Rua ... R..., residente ... E... e I..., residentes ... J... e B..., residentes ... A..., residente ... F..., residente ... A... LDA., com sede ... A... e M..., residentes ... J... e M..., residentes ... D... e J... residentes ... S... S.A., com sede ... V... e A..., residentes ... R..., residente ... A... e M..., residentes ... R..., residente ... R..., residente ... M..., residente ... M..., residente ... V..., residente ... C..., residente ... A..., residente ... A... e M..., residentes ... T..., residente ... A..., residente ... M..., residente ... A..., residente ... M..., residente ...... S..., residente ... J..., residente ... E... e M..., residentes ... B..., residente ... D..., residente ... B... e P..., residentes ... M..., residente ... A... e P..., residentes ... A..., residente ... J... e C..., residentes ... C... e M..., residentes ... L... e T..., residentes ... M..., residente ... I..., residente ..., N..., residente ... M..., residente ... S..., residente ... M..., residente ... M... e A..., residentes ... A..., residente ... M..., residente ... R..., residente ... A..., residente ... M..., residente ... J..., residente ... I..., residente ... R..., residente ... R..., residente ... M..., residente ... H..., residente ... M..., residente ... todos representados pelo administrador de condomínio, A..., com domicílio profissional .... A requerente pede que se decrete a suspensão da deliberação de 3 de Maio de 2016 da Assembleia de Condóminos do Edifício sito ... em Lisboa, que aprovou a proibição do alojamento local. Pede ainda a inversão do contencioso nos termos do artigo 369º do Código de Processo Civil. Alegou, em síntese, que é proprietária da fracção autónoma identificada pelas letras “AQ”, correspondente ao 6º andar, letra E, para habitação, incluindo um estacionamento. O imóvel possui a licença de utilização e destina-se a habitação. Deu entrada de uma declaração de início de actividade junto da Serviço de Finanças de Lisboa com vista a exercer a actividade Alojamento mobilado para turistas e deu entrada de um pedido de registo de alojamento local junto da Câmara Municipal de Lisboa, tendo o mesmo sido deferido pelo Turismo de Portugal. No dia 3 de Maio de 2016, realizou-se uma assembleia de condóminos do edifício, em que esteve representada e na qual foi aprovada a deliberação de proibição de alojamento local, com a maioria dos votos presentes e contra o voto da requerente. Os requeridos apresentaram oposição e juntaram a acta da assembleia de condóminos de 03 de Maio de 2016, onde consta a deliberação posta em causa. Pedem que o procedimento cautelar seja julgado improcedente e a requerente condenada como litigante de má-fé. Em síntese, alegaram que, encontrando-se no título constitutivo consignado que a fracção da requerente é destinada unicamente para habitação, não pode a mesma por si, atribuir-lhe uma função comercial, sem a prévia modificação do título nos termos do artigo 1419º do C. Civil. A requerente, ao praticar uma actividade comercial na sua fracção de uso exclusivamente comercial, viola o consagrado no título constitutivo. A deliberação é válida e eficaz, não devendo ser suspensa. A deliberação tomada na assembleia geral de 03.05.2016 é legal, havendo quórum para se iniciar a assembleia. O prejuízo resultante da actividade comercial no condomínio é muito superior para os condóminos e comproprietários das áreas comuns), do que a proibição para a requerente, devendo prevalecer o direito dos condóminos nos termos do disposto no artigo 335º nº 2 do Código Civil. A exigência de suspender a deliberação do condomínio constitui um manifesto e intolerável abuso de direito nos termos do artigo 334º do Código Civil. A requerente litiga de má-fé, sabendo que não pode utilizar a sua fracção para uma actividade comercial e que a sua decisão acarreta imensos prejuízos e lesa os demais direitos de todos os condóminos. Foi proferida a seguinte DECISÃO: “1-Nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 383º do Código de Processo Civil, decido julgar procedente a presente providência cautelar e consequentemente determina-se a suspensão de deliberação de 3 de Maio de 2016 da assembleia de condomínio do prédio sito ... em Lisboa, na parte em que proíbe o exercício do alojamento local na fracção “AQ”. 2-Dispensa-se a requerente do ónus de propositura da acção principal, nos termos do disposto no artigo 369º nº 1 do Código de Processo Civil”. Não se conformando com tal decisão, dela recorreram os requeridos, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES: 1ª-Veio a recorrida propor providência cautelar para suspensão da deliberação tomada em Assembleia Geral de Condóminos, que data de 3 de Maio de 2016, na qual se votou e deliberou por unanimidade a proibição, no condomínio da prática do alojamento local. 2ª-A providência cautelar conforme requerida tem como pressupostos cumulativos, a qualidade de condómina, a prova da ilegalidade da deliberação e o dano apreciável, nos termos do previsto nos arts.396º e 381º, ambos do C.C. 3ª-A requerida apesar de alegar os pressupostos cumulativos, apenas pugnou provar a qualidade de condómina. 4ª-Não conseguindo neste seguimento provar que a deliberação foi ilegal, nem o dano, por ausência total de prova. 5ª-Contudo, veio a Exma Juiz a quo, a avaliar e interpretar os factos de forma totalmente incorrecta, pelo que veio a considerar que os pressupostos da providência cautelar se encontram reunidos por verificados, quando na realidade, os mesmos não estão documentados nem provados. 6ª-Neste seguimento a deliberação tomada em Assembleia de Geral de Condóminos, encontrando-se a mesma em estrita concordância com todo o vertido legal, em cumprimento com o título constitutivo e tendo sido tomada por todos os condóminos, em unanimidade, tem-se a mesma válida por legal, al. d) do nº 1 e 2 do artº 1422º do CC. 7ª-Pelo que consequentemente, não pode a deliberação tomada em Assembleia Geral de Condóminos, ser tida por ilegal, não se compreendendo no imediato um dos pressupostos para que a providência conforme requerida pudesse ser decretada. 8ª-Não podendo também a Exa. Dra. Juiz a quo, sem qualquer prova, nem sequer das alegadas reservas, e consequente valor afecto às mesmas, considerar que o terceiro requisito da providência peticionada, enquanto provado. 9ª-A Exma Juiz a quo, ao ter decidido pelo cumprimento dos pressupostos da providência conforme peticionada, demonstra uma errada e deficiente compreensão dos factos que foram oferecidos por ambas as partes, sendo a sentença incorrecta, viciada, parcial com graves erros de direito. 10ª-Não se encontrando os pressupostos para a providência cautelar ser decretada por não se encontrarem preenchidos, não podia a mesma ser deferida e consequentemente a deliberação ficar suspensa nos seus efeitos. 11ª-A Exma Juiz a quo, na sentença, não se pronuncia sobre as questões que lhe foram acometidas pelos recorrentes, nomeadamente da existência de colisão de direitos, entre a pretensão da recorrida e dos recorrentes, bem como na petição dos recorrentes em condenar a recorrida enquanto litigância de má-fé. 12ª-Face a esta omissão de pronúncia, sobre as pretensões que foram acometidas à Exma Juiz a quo, incorrendo sobre a mesma o dever de pronúncia, viola a mesma o vertido no nº 2 do artº 608º e alª d) do nº 1 do artº 615º ambos do CPC, padecendo a sentença do vício da nulidade. Termina, pedindo que seja revogada a sentença e, consequentemente ser o recorrente absolvido da instância, declarando-se a deliberação tomada em Assembleia Geral de Condomínio válida por legal, com as demais consequências legais. A requerente contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida e ampliou o objecto do recurso, terminando nos seguintes termos: a) Deve o presente recurso, caso seja admitido, sê-lo apenas com efeito meramente devolutivo, nos termos conjugados do disposto na alínea a), do nº 1 do artigo 644º, da alínea a) do nº 1 do artigo 645º, do artigo 647º do CPC e da alínea d) do nº 3 do artigo 645º, todos do CPC; b) Deve a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, invocada pelos recorrentes, ser julgada improcedente; c) Deve a invalidade da sentença recorrida, por alegada violação da lei, ser julgada improcedente; d) Deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente e julgada verificada a ilegalidade da deliberação em causa nos presentes autos, assim como os demais requisitos de que depende o decretamento da presente providência, em consequência, ser mantida, na íntegra, a decisão recorrida, assim como a decisão de inversão do contencioso, não impugnada pelos recorrentes no âmbito do presente recurso; e) Na eventualidade de obter vencimento o fundamento do presente recurso, desde já se requer que seja admitida a ampliação do âmbito do recurso e apreciados os demais fundamentos invocados pela recorrida, no que respeita à ilegalidade da deliberação em causa, e, ainda assim, por verificação da ilegalidade da deliberação, ser mantida a decisão recorrida, assim como a decisão de inversão do contencioso, não impugnada pelos recorrentes no âmbito do presente recurso. Os recorrentes apresentaram resposta à matéria de ampliação do objecto de recurso, verificando-se que a deliberação tomada em assembleia geral de condóminos, cumpre com todos os requisitos legais, devendo a mesma ser considerada válida por legal. Devendo consequentemente a recorrida obstar, no imediato, o uso comercial na sua fracção por violação das demais disposições legais, bem como do próprio regulamento. Colhidos os vistos, cumpre decidir. II-FUNDAMENTAÇÃO: A) Fundamentação de facto. Mostra-se assente a seguinte matéria de facto: 1º–A requerente A... é proprietária e legítima possuidora da fracção autónoma identificada pelas letras “AQ”, correspondente ao 6º andar, letra E, para habitação, incluindo um estacionamento com o nº 52 e uma arrecadação com o nº 34, na 2ª cave, do prédio urbano sito na Rua ... descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº 468 da freguesia do Lumiar e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 2079 da referida freguesia do Lumiar (artigo 1º do requerimento inicial). 2º–O imóvel possui a licença de utilização nº 84, emitida pela Câmara Municipal de Lisboa, a 11 de Fevereiro de 1993 (artigo 2º). 3º–O imóvel destina-se a habitação (artigo 3º). 4º–No dia 23 de Dezembro de 2014, a requerente deu entrada de uma declaração de início/reinício de actividade junto do Serviço de Finanças de Lisboa – 6, com vista a exercer a actividade com o “CAE 55201 – Alojamento mobilado para turistas” (artigo 4º). 5º–A 30 de Dezembro de 2014, a requerente deu entrada de um pedido de registo de alojamento local do imóvel no Balcão único do Município Oriental da Câmara Municipal de Lisboa, ao qual foi atribuído o nº de pedido 159360, processo nº 85282014 (artigo 5º). 6º–O pedido foi deferido, tendo sido atribuído pelo Turismo de Portugal, I.P. ao estabelecimento de alojamento existente no imóvel o n.º de registo 2319/AL (artigo 6º). 7º–No dia 3 de Maio de 2016, realizou-se uma assembleia de condóminos do Edifício (artigo 9º). 8º–Da ordem de trabalhos constava “discussão e votação da proibição do alojamento local” (artigo 10º). 9º–A requerente esteve devidamente representada na Assembleia, por si e por G... (artigo 11º). 10º–Nessa assembleia foi aprovado a proibição do alojamento local, com a maioria dos votos presentes e com votos contra da requerente e do proprietário da fracção Z (artigo 17º). 11º–Desde Janeiro de 2015 que a requerente tem vindo a exercer a sua actividade regularmente no local. 12º–A requerente já tem reservas para o alojamento local para os meses de Julho e Agosto. B)Fundamentação de direito. As questões colocadas e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, em vigor desde 1 de Setembro de 2013, são as seguintes: -Nulidade da sentença; -A questão de direito. NULIDADE DA SENTENÇA. Argumentam os apelantes que a sentença é nula nos termos dos artigos 608º nº 2 e 615º nº 2 alª d), ambos do Código de Processo Civil, por não se ter pronunciado relativamente à invocada colisão de direitos prevista no artigo 335º do Código Civil e ainda quanto à peticionada condenação da requerente como litigante de má-fé. A litigância de má-fé. Comecemos pela litigância de má-fé, já que a questão da invocada colisão de direitos poderá ser decidida em conjunto com a questão principal. É verdade que a sentença enferma do invocado vício da nulidade, pois a primeira instância não se pronunciou sequer sobre estas questões que lhe foram colocadas pelos requeridos na sua oposição e que era obrigada a apreciar. Assim, compete a este Tribunal da Relação decidir tais questões, nos termos do artigo 665º do Código de Processo Civil. A sentença, efectivamente, não se pronunciou pela condenação da requerente como litigante de má-fé, conforme havia sido pedido pelos requeridos. Cumpre decidir. Como refere Lebre de Freitas, a propósito das alterações introduzidas pelo nº 2 do Decreto-Lei nº 329-A/95, a lei processual “ passou a sancionar, ao lado da litigância dolosa, a litigância temerária: quer o dolo, quer a negligência grave, caracterizam hoje a litigância de má fé, com o intuito, com se lê no preâmbulo do diploma, de atingir uma maior responsabilização das partes”[1]. A lide temerária ocorre quando se actua com culpa grave ou erro grosseiro. É dolosa quando a violação é intencional ou consciente. Mas será sempre de exigir que a prova de tal culpa ou do dolo seja clara e indiscutível. Agora, o incumprimento gravemente culposo ou doloso dos deveres de cooperação e das regras de boa-fé é sancionado civilmente através do instituto da litigância de má fé previsto no artigo 542º do C.P.C. Tal como está hoje configurado, o instituto da litigância de má-fé visa permitir ao juiz, quando necessário, proceder a uma “disciplina” imediata do processo, oferecendo resposta pronta, ainda que necessariamente limitada, para atitudes aberrantes, iniquidades óbvias, erros grosseiros ou entorpecimento evidente da justiça[2]. Ora, no dia 1 de Setembro de 2013 entrou em vigor o novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, conforme consta do seu artigo 8º. O artigo 542º do NCPC, preceitua o seguinte: 2-Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: a)Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b)Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d)Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. A lide temerária ocorre quando se actua com culpa grave ou erro grosseiro. É dolosa quando a violação é intencional ou consciente. Mas será sempre de exigir que a prova de tal culpa ou do dolo seja clara e indiscutível. Agora, o incumprimento gravemente culposo ou doloso dos deveres de cooperação e das regras de boa-fé é sancionado civilmente através do instituto da litigância de má-fé previsto no artigo 542º do C.P.C. Ora, da análise dos factos provados, não nos parece de modo algum evidente que a requerente/apelada tenha litigado de má-fé contra os requeridos/apelantes. No caso dos autos, não estamos perante uma situação claramente enquadrável na figura da litigância de má-fé, pois não foram, clara e ostensivamente ultrapassados os limites daquilo a que Luso Soares chama de litigiosidade séria, que "dimana da incerteza"[3] por parte da apelada. Não ficou demonstrado que a requerente/apelada tivesse qualquer intenção de prejudicar os requeridos/apelantes, limitando-se a discutir pormenores factuais e jurídicos não coincidentes. Sem necessidade de maiores considerações, improcedem as conclusões, nesta parte, não havendo lugar à condenação da requerente/apelada, como litigante de má-fé. A QUESTÃO DE DIREITO. O artigo 380º do Código de Processo Civil tratar dos pressupostos e formalidades da suspensão de deliberações sociais. No seu nº 1 prescreve o seguinte: “1-Se alguma associação ou sociedade, seja qual for a sua espécie, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode requerer, no prazo de 10 dias, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável”. O artigo 383º (Suspensão das deliberações da assembleia de condóminos), preceitua no seu nº 1 que: “O disposto nesta secção é aplicável, com as necessárias adaptações, à suspensão de deliberações anuláveis da assembleia de condóminos de prédio sujeito ao regime de propriedade horizontal”. São, assim, requisitos cumulativos da providência cautelar de suspensão das deliberações da assembleia de condóminos e que são constitutivos do direito da requerente: - A ilegalidade da deliberação. - A qualidade de condómino. - A probabilidade da ocorrência de dano apreciável decorrente da execução da deliberação inválida, que deverá ser igual ou superior ao que decorrerá da suspensão da deliberação. Cumpre, então, decidir, se a requerente, ora apelada, demonstrou a existência daqueles três requisitos. Primeiro requisito: ilegalidade da deliberação. Está provado, no essencial, que a requerente, ora apelada é condómina da fracção “AQ”, correspondente ao 6º andar E, e que a mesma se destina a habitação, conforme consta da escritura de constituição de propriedade horizontal de 13 de Outubro de 1992 – fls 73 vº. Está ainda provado que a requerente não a utiliza a fracção para sua habitação, mas deu à mesma um destino diferente, ou seja, passou nela a exercer regularmente, desde Janeiro de 2015, a actividade com o “CAE 55201 – Alojamento mobilado para turistas”, com autorização do Serviço de Finanças de Lisboa, da Câmara Municipal de Lisboa e do Turismo de Portugal, I.P. É contra esta situação que se insurge o condomínio e os requeridos, tendo sido deliberado no ponto nº 5 (Discussão e votação de proibição do alojamento local) da Acta nº 33 de 3 de Maio de 2016 o seguinte: “Ponto Cinco – o P.M (Presidente da Mesa) começou por explicar que o alojamento local, existente desde 2015, acarretou vários prejuízos para os condóminos. Ao longo do ano foram chegando à administração várias reclamações por parte de condóminos, nomeadamente a perda de privacidade nas áreas comuns, o mau uso da piscina (contaminação da água com bronzeadores e níveis de acidez anormalmente baixos, utilização da piscina por um número excessivo de pessoas provenientes da mesma fracção, elevadores, escadas e patamares molhados com água da piscina), níveis de ruído elevados que perturbam o sossego dos residentes em horário nocturno. Porta da rua danificada por um dos inúmeros utilizadores do alojamento local, tendo a proprietária referido, na altura, que não se responsabilizava pelo pagamento da mesma. Usando da palavra, o representante/advogado da proprietária do 6º E, onde se explora a actividade do alojamento local, é contra qualquer decisão que iniba uma fracção de ser utilizada para alojamento local, pois segundo o mesmo esta decisão atenta contra os direitos de propriedade da sua constituinte. Após discussão e sem nenhum consenso, o PM propôs o ponto à votação. A proposta de proibição do negócio de alojamento local foi aprovada por maioria com o voto contra do 6ªE e todos os restantes a favor” – Cfr fls 222 a 224. A requerente, ora apelada, exerce na sua habitação uma actividade comercial, oferecendo um serviço, mediante determinado preço, com vista ao lucro, em tudo semelhante ao um hotel, a uma pensão, a um hostal, aproveitando-se os seus clientes dos espaços comuns do condomínio, designadamente da piscina. A principal questão que aqui se coloca diz respeito ao fim a que se destina a fracção. O artigo 1418º do Código Civil (conteúdo do título constitutivo), preceitua no seu nº 2 que “ além das especificações constantes do número anterior, o título constitutivo pode ainda conter, designadamente: a) Menção do fim a que se destina cada fracção ou parte comum”. Ora, já sabemos e, por isso, se repete, que a fracção da requerente, ora apelada, se destina, única e exclusivamente a habitação e não ao exercício da actividade comercial. O título constitutivo da propriedade horizontal é válido e não foi posta em causa a sua nulidade nos termos do nº 3 do artigo 1418ºº do Código Civil. E o mesmo só pode ser modificado por escritura pública, havendo acordo de todos os condóminos – artigo 1419º nº 1. Por outro lado, o artigo 1422º (limitações ao exercício dos direitos), preceitua no nº 2 alª c) que: “É especialmente vedado aos condóminos dar-lhe uso diverso do fim a que é destinado”. O Tribunal Constitucional, aludindo a estas restrições do artigo 1422º, já se pronunciou sobre esta matéria, no seu Acórdão nº 44/99, de 19.01.1999 – procº nº 682/97, in www.tribunalconstitucional.pt, dizendo que: “ Mas esta proibição de afectação da fracção a fim diverso do que lhe é destinado não radica apenas nessas relações de proximidade e comunhão, características da propriedade horizontal, mas também em razões de ordem pública. Como é, aliás, do conhecimento comum, as características técnicas dos edifícios, designadamente do ponto de vista arquitectónico, em aspectos de construção e de segurança, como os da área ou da higiene, variam consoante a respectiva utilização, que se encontra, aliás, sujeita a verificação e licenciamento pela Câmara Municipal competente, a qual certifica assim que foram observadas as regras e especificidades técnicas inerentes a essa utilização. E o mesmo se diga relativamente à adequação do destino das edificações à política urbanística, sabido como é que a própria vida social nos centros urbanos em muito depende de uma harmoniosa distribuição da localização dos edifícios destinados à habitação ou a outros fins, sendo certo que ao Estado incumbe aprovar legislação sobre ordenamento do território e urbanismo, de modo a assegurar «uma correcta localização das actividades» (cfr. artigo 65º, nº 4, e artigo 66º, nº 2, alínea b), da CRP). (…)Na verdade, as condições de segurança, higiene, de compartimentação e áreas mínimas, etc., variam de forma significativa consoante o destino previsto para as diversas fracções de um prédio. Não é indiferente o destino ou fim de cada fracção, não podendo cada proprietário dispor da sua fracção indistintamente, antes devendo observar tal fim, de acordo com o respectivo licenciamento. Consoante o destino respectivo, assim cada fracção estará sujeita a específicas e próprias regras de segurança, salubridade e construção, designadamente; e, atento o regime da propriedade horizontal, compreensível é que cada condómino tenha de antemão o direito de saber qual o fim não só da sua fracção, como o das restantes, atenta a influência que tal destino pode exercer sobre o desejo de contratar, sobre o preço, etc.. Nomeadamente, nunca pode o fim da fracção ser diverso do constante da respectiva licença camarária de utilização, pelo que, na verdade, tal fim ou destino não está (nem pode estar), na livre disponibilidade do respectivo proprietário, antes estando submetido aos regulamentos de construção e licenciamento (nomeadamente camarários); só mediante aprovação de tal alteração pelas entidades legais respectivas, e, no caso de propriedade horizontal, obtido o acordo expresso de todos os restantes condóminos (cfr. artigo 1419º do Código Civil), poderá assistir-se a uma eventual alteração do fim da fracção em causa. Todas estas limitações impostas aos proprietários, em âmbito de propriedade horizontal, visam, assim, salvaguardar também aqueles interesses de ordem pública atrás referidos: interesses públicos e colectivos, relacionados com condições de salubridade, estética e segurança dos edifícios, assim como das condições estéticas, urbanísticas e ambientais, ainda mais prementes nos grandes centros urbanos, onde proliferam os edifícios em propriedade horizontal; isto, para além dos interesses privados atinentes às relações entre condóminos, derivadas da especial natureza da propriedade horizontal. Em conclusão, as restrições ou limitações impostas aos proprietários de fracções autónomas radicam em duas ordens fundamentais de razões: por um lado, razões privadas de relações de proximidade e comunhão, e, por outro, em razões de ordem pública”. Ora, é por força daquelas normas de interesse e ordem pública, por tal modo interpretadas, que o proprietário de fracção de edifício constituído em propriedade horizontal só pode afectá-lo ao fim que consta no título constitutivo da propriedade horizontal – no caso dos autos, exclusivamente ao da habitação. Provado está, como já dissemos, que o imóvel se destina a habitação - (nº 3 da Fundamentação de facto, retirado do artigo 3º da petição inicial). Ora, para a definição do destino das fracções autónomas, as expressões usadas nos actos constitutivos de propriedade horizontal devem ser interpretadas em função, não da sua eventual acepção normativa, mas do seu significado corrente e das características do imóvel bem como do destino dado às demais fracções – Ac STJ de 28.05.2002-02B 1432, in www.djsi.pt (Moitinho de Almeida), que também considerou: “ Tratando-se de um imóvel destinado à habitação e em que apenas uma fracção serve como “loja”, há que admitir que com este destino se pretendeu garantir a tranquilidade dos que no imóvel habitam, e que, por isso, importa dar a tal noção um sentido restritivo…”. No mesmo sentido e muito próximo do caso sub judice, o Ac RC de 17.01.1993[4], assim sumariado: “Não podem ser utilizados para a actividade de esteticista nem para consultório médico as fracções que no título da propriedade horizontal são destinados a habitação”. Na verdade, tais expressões têm de valer com um sentido que tenha um mínimo de correspondência no texto dos respectivos documentos e que um declaratário normal possa dele deduzir – artigos 236º e 238 do Código Civil[5]. Deste modo, parece-nos evidente que os apelantes têm razão: o destino comercial dado à fracção “AQ”, correspondente ao 6º E, não é compatível com o fixado no título da propriedade horizontal, que o destina a habitação. “ Se um condómino dá à sua fracção um uso diverso do fim a que, segundo o título constitutivo da propriedade horizontal, ela é destinada, ou seja, se ele infringe a proibição contida no artigo 1422º nº 2 alª c) do Código Civil, o único remédio para essa afectação é a reconstituição natural (afectação da fracção em causa ao fim a que ela estava destinada)”[6] Deste modo, o destino da fracção “AQ” não pode ser outro que não o da habitação. Contra este entendimento de nada vale dizer que a condómina do 6º E, passou nele a exercer regularmente, desde Janeiro de 2015, a actividade com o “CAE 55201 – Alojamento mobilado para turistas”, com autorização do Serviço de Finanças de Lisboa, da Câmara Municipal de Lisboa e do Turismo de Portugal, I.P. É que o destino da fracção “AQ” não poderia contrariar o que consta do título de constituição da propriedade horizontal. Deste modo, podemos concluir que, destinando-se a fracção autónoma, segundo o título constitutivo, a habitação, não lhe pode ser dado outro destino (alojamento mobilado para turistas) sendo para tanto irrelevante o licenciamento do local para a actividade comercial acima referida por aquelas entidades. As autorizações de entidades administrativas, segundo as quais, determinada fracção autónoma de prédio constituído em regime de propriedade horizontal pode ser destinada a comércio, não tem a virtualidade de alterar o estatuto da propriedade horizontal constante do respectivo título constitutivo, segundo o qual essa fracção se destina a habitação. Como se disse, são cumulativos os requisitos para ser decretada a providência, cautelar de suspensão das deliberações da assembleia de condóminos. Não se provando o primeiro, torna-se inútil a apreciação dos restantes, não podendo ficar suspensa a deliberação da assembleia de condóminos de 03 de Maio de 2016, por não ser contrária à lei. E quanto à colisão de direitos prevista no artigo 335º do Código Civil? Esta questão, já o dissemos na página 8 deste acórdão, foi levantada na oposição dos requeridos e não foi sequer abordada na sentença, o que, à semelhança da litigância de má-fé, a torna nula, nos termos dos artigos 608º nº 2 e 615º nº 2 alª d), ambos do Código de Processo Civil. Todavia, merece tratamento distinto da litigância de má-fé. Na verdade, não ficando demonstrado, pela requerente/apelada, o primeiro dos requisitos acima referidos, apesar da nulidade da sentença, torna-se inútil apreciar a referida nulidade nos termos do artigo 665º do Código de Processo Civil, relativamente à questão da colisão de direitos. Mesmo que assim se não entenda, prevalece o direito à habitação, superior ao direito ao comércio e ao lucro a obter através de uma actividade proibida no condomínio pelo título de constituição da propriedade horizontal – Código Civil artigo 335º nº 2. Como bem referem os apelantes, não existindo possibilidade de harmonizar estes direitos em conflito, a solução terá de passar pela prevalência de um deles em relação ao outro. Concedendo a CRP a maior protecção aos direitos de liberdades e garantias de que aos direitos económicos, sociais e culturais, pelo que devem os direitos violados dos recorrentes ter prevalência sobre o direito da recorrida, atenta a prevalência fruto de hierarquia decorrente de normais constitucionais. A AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO POR PARTE DA RECORRIDA. Na eventualidade de obter vencimento o fundamento do recurso, a requerente/apelada requer que seja admitida a ampliação do âmbito do recurso e apreciados os demais fundamentos invocados pela recorrida, no que respeita à ilegalidade da deliberação em causa, e, ainda assim, por verificação da ilegalidade da deliberação, ser mantida a decisão recorrida, assim como a decisão de inversão do contencioso, não impugnada pelos recorrentes no âmbito do presente recurso. Face ao que já se deixou decidido, em matéria de ampliação do objecto do recurso importa apenas analisar os seguintes aspectos: - Da ilegalidade da deliberação, por violação do artigo 1432º, nº 4 do Código Civil (segunda assembleia, em regime de segunda convocação, sem respeitar os prazos mínimos legais). Argumenta a apelada que, na convocatória da assembleia de condóminos em causa nos presentes autos, constava que se à hora indicada para a assembleia (21h) não comparecer o número de Condóminos suficientes para se obter vencimento, “fica desde já feita segunda Convocatória para as 21:30 horas do mesmo dia, no mesmo local (…)” (cfr. convocatória para a assembleia geral junto ao requerimento inicial como doc.7. Mais refere que a deliberação de proibição de alojamento local veio a ser tomada em segunda assembleia, realizada cerca de 30 minutos depois da hora marcada para a primeira assembleia, conforme resulta do texto da acta junta pelos recorrentes com a oposição, da qual consta “Aos três dias do mês de Maio de dois mil e dezasseis, pelas vinte e uma horas e trinta minutos, reuniu (…) em segunda convocatória, a Assembleia-Geral de Condóminos (…)”. Cumpre decidir. O artigo 1432º do Código Civil (Convocação e funcionamento da assembleia), preceitua no seu nº 4 o seguinte: “ Se não comparecer o número de condóminos suficiente para se obter vencimento e na convocatória não tiver sido desde logo fixado outra data, considera-se convocada nova reunião para uma semana depois, na mesma hora e local, podendo neste caso a assembleia deliberar por maioria de votos dos condóminos presentes, desde que estes representem, pelo menos, um quarto do valor total do prédio”. Na acta consta, logo no início, que a assembleia se reuniu, pelas 21.30h, em segunda convocatória. Trata-se de um mero lapso, pois na mesma acta consta que as fracções presentes perfazem “globalmente uma permilagem de 512,2% (quinhentos e doze vírgula dois), suficiente para fazer funcionar a assembleia regularmente constituída e em condições de deliberar sobre os pontos da O.T. em primeira convocatória” (sublinhado nosso) – cfr fls 222. Assim, como bem referem os apelantes, existindo pelas 21h00, quórum de 51,22%, existe quórum mais do que suficiente, para o início da assembleia de condóminos. Tendo tido a mesma lugar pelas 21h00, ou seja à primeira marcação, é a mesma legal, inexistindo assim, qualquer violação legal, nos termos do peticionado pela requerente, por violação do previsto no nº 4 do 1432º do Código Civil. Não existindo ausência de quórum, verifica-se a validade e legalidade da deliberação tomada em assembleia geral de condóminos. Nesta conformidade, indefere-se a ampliação do objecto do recurso, nesta parte. - Da ilegalidade da deliberação, por violação do artigo 1422º, nº 2, alínea d) do Código Civil. Argumenta ainda a apelada que, caso se entenda que uma deliberação de proibição de alojamento local possa ser subsumível à norma do art. 1422.º, n.º 2, alínea d) do CC, então sempre se diga que a deliberação tomada na assembleia é igualmente ilegal por violação do referido artigo, pois não só não estavam presentes ou representados todos os condóminos, como houve dois condóminos que se opuseram à mesma (a ora Recorrida e o condómino proprietário da fracção Z), não constando também a referida proibição do título constitutivo da propriedade horizontal (cfr. doc. 8 junto ao requerimento inicial). Sendo, por isso, a deliberação aprovada nos termos em que o foi ilegal, por violação do referido artigo 1422º nº 2, alínea d) do Código Civil e, por isso, anulável, uma vez que viola preceitos da lei material ou procedimental aplicável. Cumpre decidir. A alínea d) do nº 2 do artigo 1422º preceitua o seguinte: “É especialmente vedado aos condóminos, praticar quaisquer actos ou actividades que tenham sido proibidos no título constitutivo ou, posteriormente, por deliberação da assembleia de condóminos aprovada sem oposição”. Além da razão referida na alínea c) do mesmo número e que já deixámos sobejamente exposta,, é esta também uma das razões que levam os condóminos a deliberar a proibição constante do ponto 5 da acta de 03.05.2016. A recorrida, ao dedicar-se a uma actividade comercial – prática do alojamento local-, de forma directa viola o constante na alª a) do nº 2 do art. 1418º CC, violando também consequentemente o vertido nas alíneas c) e d) do artigo 1422º do Código Civil. A indicação expressa, no título constitutivo que a fracção em causa, é de uso habitacional, veda à condómina recorrida e proprietária da fracção “AQ” dar-lhe um uso diverso daquele que se encontra inscrito no título. Tendo-se por inquestionável que um condómino que dê à sua fracção um uso diverso, o único remédio, para além da proibição, é a reconstituição natural, como bem observam os recorrentes. Improcede, também nesta parte a pretensão da recorrida. -Da ilegalidade da deliberação, por violação dos artigos 1305º e 1420º do Código Civil. Alega ainda a apelada, em sede de ampliação do âmbito do recurso, que a deliberação objecto dos presentes autos e cuja suspensão se pretendeu obter por via do procedimento cautelar, impede que a recorrida exerça de modo pleno o seu direito de propriedade sobre a fracção; como se compreende, uma deliberação que impede a recorrida de arrendar a sua fracção ou de a dar em hospedagem ou alojamento local, constitui uma restrição ilícita ao direito de propriedade daquela e uma violação dos artigos 1305º e 1420º do Código Civil. Cumpre decidir. O artigo 1305º do Código Civil prevê que “o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas.” E o nº 1 do artigo 1420º do mesmo código prevê que “cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício.” Face ao que já deixámos decidido, é a condómina recorrida quem viola a lei, praticando uma actividade comercial numa fracção de uso exclusivamente habitacional, podendo retirar rendimento da referida fracção, colocando-a, por exemplo, no mercado de arrendamento. Improcede, também nesta parte a pretensão da recorrida. -Da ilegalidade da deliberação, por violação do artigo 1432º nº 4 do Código Civil (falta de quórum). Alega ainda a apelada que existe falta de quórum para a validade da deliberação tomada. Cumpre decidir. Face ao que se deixou decidido a propósito da ilegalidade da deliberação, por violação do artigo 1432º, nº 4 do Código Civil (segunda assembleia, em regime de segunda convocação, sem respeitar os prazos mínimos legais), torna-se inútil a apreciação da presente questão. - Do uso da fracção para alojamento local. Finalmente, refere a apelada que a assembleia de condóminos, ao ter deliberado e aprovado a deliberação de proibição do alojamento local manifestamente excedeu os poderes que lhe foram atribuídos pelo legislador, pois enquanto mera administradora das partes comuns do edifício estão-lhe vedados poderes no sentido de deliberar que uso a recorrida dá à sua fracção, conforme decorre do nº 1 do artigo 1430º do Código Civil. Cumpre decidir. Face ao que se deixou decidido no recurso principal interposto pelos requeridos, torna-se inútil a apreciação da presente questão. A actividade comercial que tem como objectivo o alojamento local extravasa o conceito e actividade de locação de bens imóveis, que, como já se disse e repete-se, pode constituir uma fonte de rendimento ao alcance da proprietária da fracção “AQ”, sem que haja qualquer possibilidade de os condóminos a isso se oporem. Improcede, também esta parte da ampliação do objecto do recurso. CONCLUSÕES: -A fracção de que a requerente, ora apelada é proprietária, destina-se a habitação, conforme consta da escritura de constituição e propriedade horizontal. -A requerente não utiliza a fracção para sua habitação, mas deu à mesma um destino diferente, ou seja, passou nela a exercer regularmente, desde Janeiro de 2015, a actividade com o “CAE 55201 – Alojamento mobilado para turistas”, com autorização do Serviço de Finanças de Lisboa, da Câmara Municipal de Lisboa e do Turismo de Portugal, I.P. -O destino comercial dado à fracção “AQ”, correspondente ao 6º E, não é compatível com o fixado no título da propriedade horizontal, que o destina a habitação. -Se um condómino dá à sua fracção um uso diverso do fim a que, segundo o título constitutivo da propriedade horizontal, ela é destinada, ou seja, se ele infringe a proibição contida no artigo 1422º nº 2 alª c) do Código Civil, o único remédio para essa afectação é a reconstituição natural (afectação da fracção em causa ao fim a que ela estava destinada). -Destinando-se a fracção autónoma, segundo o título constitutivo, a habitação, não lhe pode ser dado outro destino (alojamento mobilado para turistas) sendo para tanto irrelevante o licenciamento do local para a actividade comercial acima referida por aquelas entidades. -As autorizações de entidades administrativas, segundo as quais, determinada fracção autónoma de prédio constituído em regime de propriedade horizontal pode ser destinada a comércio, não tem a virtualidade de alterar o estatuto da propriedade horizontal constante do respectivo título constitutivo, segundo o qual essa fracção se destina a habitação. III-DECISÃO. Atento o exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso e, consequentemente: -Decreta-se a nulidade da sentença recorrida, nos termos que se deixaram expostos e ao abrigo do disposto nos artigos 608º nº 2 e 615º nº 2 alª d), ambos do Código de Processo Civil. -Julga-se improcedente a condenação da apelada como litigante de má-fé. -No mais, julga-se procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida, julgando improcedente a providência cautelar de suspensão da deliberação da assembleia de condóminos de 03 de Maio de 2016 do Edifício sito na ... Custas pelos apelantes e pela apelada, na proporção do vencimento. Lisboa, 20/10/2016 Ilídio Sacarrão Martins Teresa Prazeres Pais Octávia Viegas [1][1] “ Código de Processo Civil Anotado”, pág. 196-197. [2]Regime Jurídico da Litigância de Má fé, Estudo de Avaliação de Impacto, DGPJ, Ministério da Justiça, Novem de 2010, acessível na Internet. [3]A Responsabilidade Processual Civil, Almedina, 1987, pág. 26. [4]BMJ 423º-614. [5]Ac. STJ de 09.12.1999, in CJSTJ III/99.136. [6]Ac. STJ de 19.05.1981, in BMJ 305º-303. | ||
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