Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | JORGE ANTUNES | ||
Descritores: | PRINCÍPIO DA SUFICIÊNCIA DO PROCESSO PENAL VIOLAÇÃO DO DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA DELIBERAÇÕES VALIDADE PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL MOVIMENTOS JUDICIAIS | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/13/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I- Não ocorre violação do princípio da suficiência do processo penal, consagrado no nº 1 do artigo 7º do CPP quando o Tribunal profere decisão em que "(...) se resolvem todas as questões que interessarem à decisão da causa", ainda que se exima de tomar posição quanto a determinados argumentos expendidos, por serem estranhos ao processo e respeitarem a questões para cuja apreciação a Lei reserva a competência à Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça. II - O Direito da União Europeia consagra a garantia de tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo Direito da União, de modo a que todos tenham o direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei (artigo 47º, § 2º, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia), devendo assegurar-se a garantia de recurso (artigo 19º, nº 1, § 2º, do Tratado da União Europeia). Não ocorre violação do Direito da União Europeia quando no âmbito de processo de instrução são apreciadas e decididas as questões relativas à violação do princípio do Juiz Natural (evidentemente compreendidas no núcleo dos direitos conferidos aos particulares pelo Direito da União) que constituem objeto da causa e se admite recurso da decisão para o Tribunal da Relação. III - Não compete ao Tribunal da Relação ou a qualquer outros tribunal exceto ao STJ - Secção do Contencioso (em sede de recurso de decisão do CSM) apreciar a validade das deliberações do Conselho Superior da Magistratura referentes a movimentos judiciais. Por isso, estando mantida a validade e eficácia da deliberação do CSM nos termos da qual foi preenchido o lugar vago no Tribunal de Instrução Criminal em questão, a apreciação de alegada violação do princípio do Juiz Natural tem de partir desse pressuposto para, em face da lei, se apreciar se o juiz em funções é o "juiz legal", sendo certo que a decisão sobre a insubsistência dos efeitos da deliberação do CSM, por ilegalidade, se encontra subtraída à apreciação a fazer pelo JIC no âmbito do objeto da instrução. IV - O princípio do Juiz Natural exige que para cada processo haja, em cada momento, um juiz determinado a partir de regras legais (juiz lega, juiz predeterminado por lei). V - Por lei, na colocação dos juízes no âmbito dos movimentos judiciais é atendida a preferência manifestada pelos candidatos, de acordo com os critérios predeterminados da classificação de serviço e da antiguidade – solução que resulta do disposto nos artigos 44.°, n.° 2, do EMJ e 183.°, n° 3, da Lei da Organização do Sistema Judiciário. O funcionamento dessas regras de colocação dos magistrados judiciais não contende o princípio do Juiz Natural. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa * I – relatório Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: 1. Nos autos de Instrução nº 324/14.0TELSB, em apreciação do requerido pelos arguidos ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ... e ainda pela assistente ..., o Sr. Juiz de Instrução Criminal proferiu, em 23 de outubro de 2022, o seguinte despacho: “FLS. 73309 E SS. E 73507 E SS. Vieram os arguidos ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ... e ainda a assistente ... requerer que seja declarada: - a inexistência do despacho de folhas 73223 e seguintes dos autos; - ou, subsidiariamente, a sua nulidade insanável nos termos do artigo 119.º, alínea a), segunda parte, do Código de Processo Penal; - ou, ainda subsidiariamente, a sua irregularidade nos termos do artigo 118.º, n.º 2 do mesmo diploma legal. Para tanto, em apertada síntese, invocam os requerentes a ilegalidade de deliberações tomadas pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM), alegando a violação do artigo 32.º, n.º 9 da Constituição da República Portuguesa, no qual se mostra consagrado o princípio do juiz natural, por vicissitudes relacionadas com a promoção para o Tribunal da Relação do Magistrado Judicial que anteriormente tramitava os autos, referindo que tal promoção se encontra suspensa devido a processo disciplinar em curso quanto ao mesmo magistrado e, até à sua conclusão, entendem que o mesmo mantém o lugar que detinha neste juízo. Por outro lado, invocam os requerentes que, ainda que fosse admissível a substituição do magistrado judicial que anteriormente tramitava os autos, não poderia o magistrado judicial signatário ser o substituto, porquanto não cumpre os requisitos estipulados pela lei para a colocação no Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC). Mais referem que alguns dos ora requerentes irão ainda impugnar judicialmente as decisões do CSM suprarreferidas, que resultaram na afetação do magistrado judicial signatário ao presente processo. Juntaram 4 documentos. Por requerimento junto a fls. 73507 e ss., veio o arguido ..., em complemento do atrás mencionado, reiterar o requerido. Em sede de contraditório, responderam os arguidos ..., em suma, acompanhando o requerido. ..., requer ainda que lhe seja notificado “que razão levou à cessação de funções neste processo do juiz de instrução que o vinha conduzindo nesta fase; que critério presidiu à selecção do juiz que actualmente desempenha funções no mesmo, nomeadamente se houve sorteio, quais as regras e a factualidade relevada” (sic - cfr. fls. 73745 e ss.). Igualmente exercendo o contraditório, vieram ..., o Ministério Público (cfr. fls. 73673) e .... e outros (cfr. fls. 73734 e ss.) pugnar pela inexistência de qualquer dos apontados vícios. Requer ainda o Ministério Público a extração de certidão relativa à alegação dos requerentes quanto à actuação do Ministério Público na distribuição dos presentes autos. Cumpre apreciar. Os requerentes ancoram o pedido por si formulado na ocorrência de ilegalidades nas deliberações proferidas pelo CSM e, bem assim, ilegalidades nos despachos de distribuição de serviço proferidos pelo Juiz Presidente do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, homologados pelo CSM. Mais apontam ilegalidades decorrentes do processo disciplinar pendente quanto ao Mmo. Juiz de Direito anteriormente titular destes autos e subsequente suspensão da promoção deste Magistrado ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa. Referem igualmente ilegalidades na colocação do magistrado judicial subscritor como Juiz de Direito neste TCIC, decorrentes do alegado incumprimento dos pressupostos legais para o exercício de funções jurisdicionais neste Tribunal. Tais decisões, na óptica dos requerentes, violam o princípio do juiz natural. “Através do princípio do juiz natural ou legal, proíbe-se a escolha arbitrária de um juiz ou tribunal para resolver um processo (caso determinado) ou determinado tipo de crimes, garantindo-se, assim, a imparcialidade e independência dos juízes que têm a competência para apreciar as causas penais, os quais devem ser escolhidos de acordo com critérios objetivos. Este princípio, visa, assim, garantir uma justiça penal independente e imparcial.” (cfr. https://dre.pt/dre/lexionario/termo/principio-jurisdicao-processo-penal) O princípio do juiz natural encontra assento constitucional no n.º 9 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa. Como referido por Miguel Nogueira de Brito, recorrendo a Figueiredo Dias: “(…) uma interpretação da citada disposição constitucional que apenas atendesse ao respetivo teor literal perderia completamente de vista a razão que substancialmente justifica o princípio do juiz natural. Segundo o mesmo autor, «o princípio do juiz natural não obsta a que uma causa penal venha a ser apreciada por tribunal diferente do que para ela era competente ao tempo da prática do facto que constitui o objeto do processo; só obsta a tal quando, mas também sempre que, a atribuição de competência seja feita através da criação de um juízo ad hoc (isto é, de exceção), da definição individual (e portanto arbitrária) da competência, ou do desaforamento concreto (e portanto discricionário) de uma certa causa penal, ou por qualquer outra forma discriminatória que lese ou ponha em perigo o direito dos cidadãos a uma justiça penal independente e imparcial» 20 . Se retirarmos a estas palavras o qualificativo penal que nelas surge, ficaremos com uma boa formulação do alcance do princípio para todos os tribunais. (…) Em qualquer caso, podem ser consideradas como restrições inadmissíveis ao princípio do juiz natural a nomeação individual de um juiz para decidir uma certa causa, bem como a ingerência do poder executivo nos planos de distribuição dos processos.” (cfr. O princípio do juiz natural e a nova organização judiciária. in Revista Julgar, n.º 20. pp. 19 a 37, disponível em http://julgar.pt/wp-content/uploads/2013/05/019-037-Princ%C3%ADpio-do-juiz-natural.pdf) Todavia, segundo se entende, não se mostram os presentes autos o local próprio para o conhecimento das questões elencadas. Por um lado, cumpre começar por salientar que, do ponto de vista material, as questões levantadas pelos requerentes quanto ao movimento dos magistrados judiciais e respectivo resultado e, bem assim, aquelas relacionadas com eventuais procedimentos disciplinares que o CSM instaure no âmbito das suas competências legais se mostram absolutamente estranhas às finalidades da instrução, fase processual que “visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento” (cfr. artigo 286º, nº. 1 do Código de Processo Penal). De outro lado, conforme cristalinamente explica a Senhora Conselheira Maria dos Prazeres Beleza, “das deliberações do Conselho Superior da Magistratura cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. A natureza e a função constitucional do Conselho Superior da Magistratura, que justificam a respetiva competência, bem como a sua composição, particularmente qualificada, justificam manifestamente que as suas deliberações sejam diretamente impugnadas perante o Supremo Tribunal de Justiça, e não em tribunais de primeira ou segunda instância. Basta ter em conta as matérias que estão em causa.” (cfr. Duas Questões Sobre a Impugnação das Deliberações do Conselho Superior da Magistratura para o Supremo Tribunal de Justiça: Inadmissibilidade de Recurso e Controlo do Erro de Facto. in Revista Julgar n.º 30 – 2016, p. 14, disponível em http://julgar.pt/wp-content/uploads/2016/09/JULGAR-30-01-MPB.pdf) O mesmo, diga-se, se extrai directamente do artigo 170.º da Lei n.º 21/85, de 30 de julho (Estatuto dos Magistrados Judiciais - EMJ), cujo nº. 1 dispõe que “[é] competente para o conhecimento das acções referidas no presente capítulo a secção de contencioso do Supremo Tribunal de Justiça.” Encontrando-se, aliás, a correr acção instaurada junto do Supremo Tribunal de Justiça cujo objecto é, precisamente, o do requerimento aqui apresentado. Sempre se deve adiantar, por último, que não colhe, salvo o devido respeito, o entendimento de que o magistrado judicial subscritor deveria declarar-se incompetente para a tramitação dos presentes autos por falta de preenchimento dos requisitos legais para o efeito, o que apenas uma leitura parcial do regime legal a respeito permitiria concluir. Com efeito, dispõe o artigo 45.º, n.º 4 do EMJ que na “falta de juízes de direito com os requisitos constantes dos nº.s 1 e 2, o lugar é provido interinamente, aplicando-se o disposto nos nº.s 2 e 3 do artigo 44.º”. Já este último normativo legal estabelece, no seu nº. 3, que “em caso de premente conveniência de serviço, o Conselho Superior da Magistratura pode colocar, em lugares de juízo central ou local de competência especializada, juízes de direito com menos de cinco anos de exercício de funções em juízo local de competência genérica.” Em face de tudo o exposto, considerando que o requerimento em apreço não convoca argumentos cuja cognoscibilidade se mostre legitimada nos presentes autos, não se conhece do mesmo, devendo os requerentes impugnar as decisões do CSM que fundam na totalidade o por si requerido em sede própria. * Quanto ao requerido pelo arguido ..., não sendo competência própria deste Tribunal a colocação ou cessação de funções de Magistrados Judiciais nem a definição de critérios de conveniência na distribuição de serviço, indefere-se o requerido. * No mais, satisfaça a certidão requerida pelo Ministério Público. * Notifique e D. N.”. 2. Não se conformando com o teor do aludido despacho judicial, dele recorreu o arguido ..., apresentando o seguinte petitório: “Por todo o exposto, deve esse Alto Tribunal decidir como se pede na motivação e nas conclusões do presente recurso e, portanto, deve, bem decidindo as questões de Direito da União Europeia suscitadas - ou, subsidiariamente, determinando o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia para decisão acerca de tais questões de interpretação de Direito da União -, e em função dessa decisão, deve revogar o douto despacho de 23 de outubro de 2022, melhor supra identificado, e substitui-lo por outro que, conhecendo os vícios invocados, declare a invalidade (inexistência, nulidade insanável ou, subsidiariamente, irregularidade) da retirada do Exmo. Senhor Dr. AA do lugar de Juiz 2 do TCIC e, bem assim, a intervenção nestes autos do Exmo. Senhor Dr. BB, em ilegal substituição do Exmo. Senhor Dr. AA, bem como do douto despacho de fls. 73.223 e segs. dos autos e de todos os atos subsequentes ao mesmo, neste último caso ao abrigo do artigo 122.°, n.°s 1 e 2, do CPP ou, subsidiariamente, do artigo 123.°, n.° 1, do CPP (consoante se qualifique a invalidade em causa como inexistência, como nulidade ou ainda como irregularidade).”. Extraiu o recorrente as seguintes conclusões da motivação de recurso: “1.ª O presente recurso deve subir imediatamente, nos termos do artigo 407.°, n.° 1, do CPP, pois a sua retenção até final torná-lo-ia absolutamente inútil, em separado, nos termos do artigo 406.°, n.° 2, do CPP, e com efeito suspensivo do processo, nos termos do artigo 408.°, n.º 3, do CPP, na medida em que da decisão que vier a ser proferida quanto a este recurso depende a validade de todos os atos do processo praticados nestes autos pelo Exmo. Senhor Dr. BB. 2.ª A subida a final do recurso torna-o absolutamente inútil porque mesmo que lhe seja concedido provimento, quando regressarem ao TCIC, já a suspensão da promoção a Juiz Desembargador do Exmo. Senhor Dr. AA terá cessado, e; portanto, este já terá deixado de ser o Juiz titular do Juiz 2 do referido TCIC, já não se encontrando, pois - nem de facto nem de iure -, no lugar de Juiz 2 do TCIC para que o processo lhe possa ser reafectado. 3.ª Ou seja, a atribuição de efeito meramente devolutivo ao presente recurso e a sua subida a final permitirão que se materialize a situação à qual o Recorrente pretende obstar através do presente recurso, que é, justamente, evitar que, em violação dos princípios do juiz natural e da inamovibilidade dos juízes, seja outra pessoa que não o natural e legítimo Juiz titular do Juiz 2 do TCIC (o Exmo. Senhor Dr. AA) a tramitar a presente instrução. 4.ª O Recorrente recorre do douto despacho do Tribunal a quo, de 23 de outubro de 2022, que recaiu sobre requerimento, de 22 de setembro de 2022, de arguição de invalidade apresentado pelo Recorrente (juntamente com outros Arguidos e uma Assistente), e no qual, em suma, se expõe terem sido violados os princípios do juiz natural e da inamovibilidade dos juízes, verificar-se a incompetência do Tribunal a quo por incumprimento das regras legais relativas ao modo de determinação da sua composição, ser inválida a intervenção do Exmo. Senhor Dr. BB, nestes autos e, por conseguinte, serem inválidos todos os atos que esse mesmo Mmo. Juiz, Exmo. Senhor Dr. BB, neles venha futuramente a praticar. 5.ª No douto despacho recorrido, o Tribunal a quo entendeu que no referido requerimento se assacam ilegalidades a atos do CSM e, portanto, não serem estes autos o local próprio para se as conhecer, devendo antes as decisões do CSM ser impugnadas junto da Secção de Contencioso do STJ, mas a substituição do juiz natural ou legal do processo, o Exmo. Senhor Dr. AA, pelo Exmo. Senhor Dr. BB, tem de poder ser sindicada neste processo, pois foi nestes autos que ela se verificou, o que ademais corresponde ao entendimento entretanto já manifestado pelo STJ, Secção de Contencioso. 6.ª O Tribunal a quo, ao interpretar o artigo 286.°, n.° 1, do CPP com o sentido de que não lhe é possível conhecer os vícios imputados à substituição do Juiz titular do Juiz 2 do TCIC e ao julgar-se (em suma) incompetente para decidir a arguição de invalidade que lhe foi submetida para apreciação e, portanto, ao não conhecer das questões de fundo que fundamentam essa arguição, violou o artigo 7.°, n.º 1, do CPP (princípio da suficiência do processo penal), pois é nestes autos (em linha, de resto, com o que já foi decidido pelo STJ), que se deve apurar, ainda que isso implique ponderar questões jurídicas de organização judiciária ou de natureza jurídico-administrativa, se neles há ou não violação dos princípios do juiz natural e da inamovibilidade dos juízes, se se verifica ou não incompetência do Tribunal a quo por incumprimento das regras legais relativas ao modo de determinação da sua composição, se é ou não inválida a intervenção nestes autos do Exmo. Senhor Dr. BB, e se são ou não, consequentemente, inválidos todos os atos que esse mesmo Mmo. Juiz, Exmo. Senhor Dr. BB, neles venha praticando e futuramente pratique. 7.ª O Tribunal a quo, ao interpretar o artigo 286.°, n.° 1, do CPP com o sentido de que não lhe é possível conhecer dos vícios imputados à substituição do Juiz titular (Juiz sorteado) do Juiz 2 do TCIC, e ao desaplicar o artigo 7.°, n.° 1, do CPP, tendo ainda em conta a jurisprudência do STJ, segundo a qual os Arguidos nos presentes autos de processo criminal não têm legitimidade para impugnar judicialmente os atos do CSM dos quais resultou a referida substituição do Juiz titular do Juiz 2 do TCIC, violou o princípio da tutela jurisdicional efetiva, tal corno consagrado no artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, do TUE e no artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, pois do referido regime jurídico resulta ficar o Arguido impedido de impugnar essa substituição, seja nestes autos, seja no âmbito de um processo judicial autónomo, de caráter administrativo, especificamente instaurado para esse fim, junto da Secção de Contencioso do STJ (a esta específica matéria refere-se, em maior detalhe, o capítulo V.3.a) supra, bem como ainda as conclusões 44.ª a 83.ª infra). 8.ª Constatando este Tribunal ad quem, como se espera, que as questões suscitadas no requerimento de 22 de setembro de 2022 têm que ser conhecidas nos presentes autos, afigura-se poder esse mesmo Alto Tribunal, ao abrigo do artigo 665.°, n.° 2, do CPC, aplicável ex vi do artigo 4.° do CPP, substituir-se ao Tribunal a quo e conhecer, desde já, as questões objeto do referido requerimento, de 22 de setembro de 2022, as quais ficaram prejudicadas pela (errada) solução que o Tribunal a quo deu ao caso (ao considerar-se incompetente para as apreciar). 9.ª São ilegais, com reflexo direto nos presentes autos: a) o ato de 5 de julho de 2022, divulgado aos seus destinatários a 6 de julho de 2022 e publicado em 'Diário da República' a 31 de agosto de 2022, na parte em que considerou vago o lugar de Juiz 2 do TCIC e colocou o Exmo. Senhor Dr. CC no TCIC - Juiz 2 (efetivo), com efeitos a 1 de setembro de 2022, apesar de, também em 5 de julho de 2022, o plenário do CSM ter deliberado suspender a promoção do Exmo. Senhor Dr. AA a Juiz Desembargador até à prolação de decisão final no processo disciplinar, pois assim ficou também ipso lure suspensa a criação de vaga no Juiz 2 do TCIC; b) a decisão de 31 de agosto de 2022, na parte em que afetou o Exmo. Senhor Dr. BB ao lugar de Juiz 2 do TCIC, enquanto "Juiz auxiliar de substituição" desse Juiz 2, ou seja, em substituição do (suposto) Juiz titular, Exmo. Senhor Dr. CC, por este se encontrar em comissão de serviço, já que o lugar de Juiz 2 do TCIC estava ocupado pelo Exmo. Senhor Dr. AA, por efeito da suspensão da sua promoção a Juiz Desembargador; c) a deliberação de 6 de setembro de 2022, na parte em que se decidiu (em virtude da suspensão da promoção ao Tribunal da Relação do Exmo. Senhor Dr. AA), afetar o Exmo. Senhor Dr. BB aos presentes autos (em regime de exclusividade), pois, por um lado, um dos efeitos da suspensão da promoção do Exmo. Senhor Dr. AA a Juiz Desembargador foi ele continuar onde estava, não se criando pois vaga no Juiz 2 do TCIC, e, por outro lado, o Exmo. Senhor Dr. BB não tinha à data os requisitos, nomeadamente de antiguidade e experiência, para ser Juiz de Instrução Criminal, para mais do TCIC (onde são colocadas as questões mais graves e complexas de todos os Tribunais de Instrução Criminal) e sem qualquer fundamentação no sentido de excecionalmente não ser possível senão a colocação nesse lugar de um Juiz sem as devidas antiguidade e experiência. 10.ª Juridicamente, o referido Exmo. Senhor Dr. AA manteve-se (e mantém-se) como Juiz 2 do TCIC até a sua promoção a Juiz Desembargador deixar de estar suspensa, pois não foram suspensas as suas funções de Juiz de Direito, nem de Juiz de Instrução Criminal, nem de Juiz do TCIC, mas sim tão só a sua promoção a Juiz Desembargador, sendo que tal suspensão não coloca o Exmo. Senhor Dr. AA num quadro de disponibilidade ou de mobilidade, nem ele fica a pairar no sistema judiciário, numa espécie de "limbo", pelo que deve, legalmente, considerar-se que se mantém afeto ao Juiz 2 do TCIC e, portanto, afeto à totalidade dos processos que lhe estavam então confiados - o que equivale a dizer que foi ilegalmente, e apenas de facto, que ele deixou de ter a seu cargo este processo. 11.ª Na verdade, a criação de vaga no Juiz 2 do TCIC, como a colocação do Exmo. Senhor Dr. CC no TCIC - Juiz 2 (efetivo), como a afetação do Exmo. Senhor Dr. BB ao lugar de Juiz 2 do TCIC, enquanto "Juiz auxiliar de substituição" desse Juiz 2, deviam, também elas (tal como sucedeu com a promoção do Exmo. Senhor Dr. AA), ter sido consideradas suspensas, ipso lure. 12.ª Mas ainda mais grave, porque diretamente inconstitucional e respeitante a matéria de direitos fundamentais e, portanto, com a força vinculativa direta do artigo 18.°, n.° 1, da CRP, substituiu-se neste processo o seu Juiz natural (neste caso, o Exmo. Senhor Dr. AA), a quem o processo fora atribuído por sorteio, por outro Juiz (neste caso, o Exmo. Senhor Dr. BB), sem motivo legítimo e imperioso, violando-se, assim, os princípios do juiz natural e da inamovibilidade dos juízes. 13.ª O resultado prático é que se retirou, ilegalmente, ao Exmo. Senhor Dr. AA, este (muito melindroso e polémico) processo, sendo que a sua adstrição ao referido Mmo. Juiz vinha sendo contestadíssima (em especial por elementos do Ministério Público, por comentadores, pelo ‘Correio da Manhã’ e pelo canal televisivo ‘CMTV’). 14.ª E a substituição do Exmo. Senhor Dr. AA não se deu por aplicação de critérios e segundo regras gerais e abstratas previamente emitidas que excluam uma determinação concreta do novo juiz, como impõem os princípios do juiz natural e da inamovibilidade dos juízes (V. o parecer do Gabinete de Apoio ao Vice-Presidente e membros do CSM, de 19 de janeiro de 2017, e a Recomendação n.° 6 (2004) do Conselho Consultivo dos Juízes Europeus), pois, na realidade, no presente processo existiu determinação concreta do novo Juiz, já que foi o Exmo. Senhor Juiz Presidente do Tribunal da Comarca de Lisboa que, em 1 de agosto de 2022, propôs que o Exmo. Senhor Dr. BB fosse nominalmente indicado (e não outra pessoa) para ser afeto "[...] ao serviço distribuído ao J2" do TCIC, tendo esta proposta sido homologada pelo CSM. 15.ª É certo que, nos termos do esclarecimento de 19 de setembro de 2022, que contém a fundamentação (tardia) da deliberação de 6 de setembro de 2022, o CSM refere que, havendo três juízes auxiliares de substituição para colocação em "Juízes" (no sentido subdivisão administrativa de um Tribunal e não no de pessoa concreta) do TCIC, procedeu-se à respetiva afetação "[...] por ordem decrescente de preferência, em razão da classificação de serviço e da antiguidade" - mas não é porém aceitável esta explicação, pois o que é facto é que a afetação coincide, sem mais, com o que foi previamente propugnado pelo Exmo. Senhor Juiz Presidente do Tribunal da Comarca de Lisboa. 16.ª Seja como for, mesmo que se tenha atendido à preferência dos candidatos, isso é, em si mesmo, ilegal, pois a tomada em consideração da preferência só tem sentido e só é juridicamente aceitável em relação a tribunais distintos, por exemplo de diferentes competências ou localizações geográficas distintas ou de hierarquia ou prestigio distintos. É esse o alcance do artigo 44.°, n.° 2, do EMJ, bem como do artigo 183.°, n.° 3, da LOSJ, pois de outra forma, a tomada em consideração da preferência relativa a "Juizes" (ou seja, subdivisões administrativas) do mesmo Tribunal, com a mesma competência, a mesma hierarquia, a mesma reputação e situados no mesmo local, conduz a que a afetação dos magistrados acabe por se verificar ad causam, o que é ilegal. 17.ª A circunstância de o novo Juiz, Exmo. Senhor Dr. BB, ter passado a ser o Juiz titular da presente instrução, que lhe foi expressamente afeta, em regime de exclusividade, reforça que, in casu, houve uma afetação ad causam, pois não podendo essa exclusividade ser determinada de forma automática, o facto de ela ter existido implica que o CSM tenha feito um juízo concreto quanto a este processo e aos termos em que o mesmo haveria de ser afeto ao Ex.mo. Senhor Dr. BB (exclusividade ou não e, em caso afirmativo, com que especificidades) - ora, tendo que ter existido esse juízo concreto, torna-se indesmentível que a substituição de Juiz que se operou nestes autos foi feita acompanhada de uma ponderação concreta e específica sobre o Exmo. Senhor Dr. BB poder/dever ficar (e em que termos) com este processo em regime de exclusividade, o que, portanto, implica ter-se tido presente o concreto processo em causa, ou seja, estes precisos autos n.° 324/14.0TELSB. 18.ª Essa ponderação em concreto do conteúdo destes autos contradiz a ideia de que teria havido, por parte do CSM, uma mera aplicação cega de estritas regras formais e de que, portanto, teria sido exatamente por isso e não em resultado de ponderações concretas sobre este processo que o Juiz a quem este processo antes tinha sido aforado, por sorteio, foi substituído por outro Juiz a quem o processo não foi atribuído por sorteio e que - por acaso - teria ficado com ele a seu cargo. 19.ª O princípio do juiz natural tem de ser cumprido não apenas formalmente, mas também substancialmente, o que implica não só assegurar-se a aleatoriedade na distribuição dos processos pelas unidades que compõe a organização judiciária, mas também assegurar-se (exceto quando se verifiquem motivos legítimos e imperiosos) a aleatoriedade na distribuição dos magistrados (ou seja, das pessoas físicas) pelos juízos, Secções ou "Juízes" (no sentido de subdivisão administrativa de um Tribunal), pois sem este segundo nível de aleatoriedade escancaram-se as portas (perdoe-se o plebeísmo) à possibilidade de todo o tipo de abusos, ou seja, de "ajustes" ou "encontros" ("match", passe o anglicismo), mais ou menos habilidosos, entre processo, por um lado, e magistrado, por outro lado. 20.ª O afastamento, em termos práticos, do Exmo. Senhor Dr. AA de titular do cargo de Juiz 2 do TCIC, e a sua substituição pelo Exmo. Senhor Dr. BB, violou, pois, o artigo 32.°, n.° 9, o artigo 203.°, o artigo 216.°, n,° 1, e o artigo 20.°, n.° 1, todos da CRP, o artigo 6.° da CEDH, o artigo 6.°, o artigo 71.°, n.° 1, e o artigo 107.°, n.ºs 1 e 2, do EMJ, bem como o artigo 5.°, n.° 1 e o artigo 39.° da LOSJ. 21.ª Assim, deve esse Alto Tribunal ordenar a reposição da legalidade, ordenando que o Exmo. Senhor Dr. AA retome a direção efetiva destes autos, na presente instrução. 22.ª Essa reposição e essa retoma da direção efetiva destes autos pelo Exmo. Senhor Dr. AA tem de ser muito rápida, razão pela qual a este recurso deve ser atribuída natureza urgente, o que se requer. 23.ª A presente afetação destes autos, ao Exmo. Senhor Dr. BB, implicou desperdiçar-se todo o conhecimento adquirido dos autos pelo Exmo. Senhor Dr. AA (não pela entidade formal "Juiz 2 do TCIC"), que nomeadamente inquiriu todas as testemunhas ouvidas até ao dia 24 de outubro de 2022 em instrução, bem como todo o tempo por ele investido no processo e, portanto, a subsistência da substituição do Exmo. Senhor Dr. AA implica necessariamente mais um grande dispêndio de tempo e, consequentemente, um novo protelamento da presente instrução para que o Exmo. Senhor Dr. BB possa estudar os autos com a necessária profundidade, o que viola, ainda, o direito a uma decisão judicial em prazo razoável, tal como consagrado no artigo 20.°, n.° 1, da CRP). 24.ª A substituição do Exmo. Senhor Dr. AA tem na sua origem uma errada interpretação dos artigos 71.°, n.° 1, e 107.°, n.° 1, do EMJ, pois, em suma, objeto da suspensão determinada pelo CSM do Exmo. Senhor Dr. AA só foi a promoção a Juiz Desembargador, e não as funções que o referido Magistrado desempenhava enquanto Juiz 2 do TCIC. 25.ª Mas a não se entender verificar-se a referida violação, então estar-se-á necessariamente a considerar que o artigo 107.°, n.° 1, do EMJ tem como sentido a suspensão da promoção implicar igualmente a suspensão de funções, em termos análogos ao estatuído no artigo 71.°, n.° 1, desse mesmo EMJ, permitindo-se, assim, em suma, afastar o magistrado do seu lugar e substitui-lo por outro, tudo sem motivo legítimo e imperioso que o justifique (sendo que qualquer eventual motivo que possa agora ser invocado sempre seria excessivo e, por conseguinte, violador do princípio da proporcionalidade). 26.ª Portanto, uma tal interpretação da lei, com esse alcance, é materialmente inconstitucional, por constituir uma restrição injustificada dos princípios do juiz natural e da inamovibilidade dos juízes, tal como consagrado nos termos dos artigos 32.°, n.° 9, e 216.°, n.° 1, da CRP, verificando-se, pois, uma inconstitucionalidade normativa. 27.ª Caso a afetação do Exmo. Senhor Dr. BB aos presentes autos se tenha verificado "[...] por ordem decrescente de preferência, em razão da classificação de serviço e da antiguidade", como refere o CSM, isso implica ainda uma outra inconstitucionalidade normativa, pois não são juridicamente atendíveis as preferências que magistrados possam ter por urna subdivisão administrativa de um tribunal relativamente a outra, do mesmíssimo tribunal, situada no mesmo local geográfico, que trata das mesmas matérias, tem a mesma hierarquia e goza do mesmo prestígio, ou seja preferências em função das concretas causas que aí estejam pendentes. 28.ª O princípio do juiz natural, consagrado no artigo 32.°, n.° 9, da CRP, impõe que se assegure a distribuição aleatória dos magistrados pelas várias subdivisões administrativas do mesmo Tribunal e, portanto, pelos vários processos afetos a cada uma das subdivisões administrativas, pois só assim se assegura que não existam magistrados ad causam. 29.ª O referido princípio, numa interpretação atualista e conforme com um autêntico Estado de Direito, não se compadece assim com uma sua leitura nos termos da qual os processos tenham de ser sorteados pelos diferentes Juízos, Secções ou "Juízes" (no sentido de subdivisão administrativa de um tribunal e não no de pessoa concreta), mas já os magistrados não tenham de ser sorteados entre os diferentes Juízos, Secções ou "Juízes" do mesmo tribunal e situados no mesmo local geográfico, que trata das mesmas matérias, tem a mesma hierarquia e goza do mesmo prestígio, podendo antes ser afetos a um determinado Juízo, Secção ou "Juiz" por outros motivos, nomeadamente a preferência do candidato por concretos processos que corram nesse tribunal. 30.ª O complexo normativo formado pelo artigo 44.°, n.° 2, do EMJ e pelo artigo 183.°, n.° 3, da LOSJ, interpretado no sentido de que é legalmente admissível a tomada em consideração da preferência relativa a subdivisões administrativas do mesmo tribunal e situadas no mesmo local, é, assim, materialmente inconstitucional, por implicar urna restrição injustificada do princípio do juiz natural, na aceção do artigo 32.°, n.° 9, da CRP. 31.ª A tudo acresce ainda que o Juiz substituto (Exmo. Senhor Dr. BB) não tem 10 anos de serviço (nem metade sequer), pelo que não tem a antiguidade e a experiência que a lei exige e, assim, mesmo que a substituição do Exmo. Senhor Dr. AA fosse juridicamente admissível, nos termos em que se verificou (e não é, como se viu), o juiz de instrução criminal substituto não poderia ser o Exmo. Senhor Dr. BB. 32.ª Efetivamente, a LOSJ, nos termos conjugados do artigo 183.°, n.° 1, e do artigo 81.º, n.° 3, alínea f), e o EMJ, nos termos do artigo 45.°, n.° 1, alínea c), preveem, de modo injuntivo, que os juízes a colocar nos Tribunais de Instrução Criminal são nomeados de entre Juízes de Direito com mais de 10 anos de serviço e classificação não inferior a bom com distinção. 33.ª E é indiferente que o Exmo. Senhor Dr. BB, num primeiro momento, tenha sido colocado como "Juiz auxiliar de substituição de Juiz titular" neste TCIC, e que só num segundo momento tenha ficado afeto aos presentes autos, por o juiz titular se encontrar em comissão de serviço (e ter proposto o referido Exmo. Senhor Dr. BB para o lugar dele), pois o que o legislador quis garantir é que só exerça funções de juiz de instrução criminal (o "juiz das liberdades"), atenta a gravidade e a sensibilidade das questões a apreciar e a relevância das decisões a tomar em termos de restrições de direitos, liberdades e garantias, quem tiver já acumulado experiência enquanto Juiz de Direito por pelo menos 10 anos. 34.ª A afetação do Exmo. Senhor Dr. BB ao lugar de Juiz 2 do TCIC viola, pois, forçosamente, o artigo 183.°, n.° 1, e o artigo 81.°, n.° 3, alínea f), da LOSJ, bem como o artigo 45.°, n.° 1, alínea c), do EMJ, sendo que in casu não existem nem foram invocadas circunstâncias excecionais que pudessem eventualmente justificar, ainda assim, a afetação do Exmo. Senhor Dr. BB aos presentes autos, por premente conveniência de serviço. 35.ª A este propósito, não se pode ainda deixar de salientar, aqui, que o Exmo. Senhor Dr. CC tomou posse como Juiz Presidente da Comarca de Lisboa no dia 24 de março de 2021. Ora, uma vez que, nos termos do artigo 63.°, n.° 1, do EMJ, o prazo das comissões de serviço é de três anos, podendo ser renovado por novo período, de igual duração, a referida comissão de serviço poderá perdurar até 24 de março de 2027, o que significa que a ocupação do lugar de Juiz do 2 do TCIC pelo Exmo. Senhor Dr. BB não assume natureza meramente transitória. 36.ª Ou seja: para este processo - provavelmente o maior e mais complexo da história da Justiça portuguesa, como é comummente descrito - a afetação do Exmo. Senhor Dr. BB - um Magistrado com menos de metade do tempo mínimo de experiência exigida por lei para as normais instruções - assume natureza definitiva, sendo provavelmente ele que, caso o Exmo. Senhor Dr. AA não reocupe o seu lugar, contra o que o Direito impõe, irá não só dirigir as diligências instrutórias, mas também proferir a decisão instrutória! 37.ª O facto de se ter atribuído exclusividade ao Exmo. Senhor Dr. BB revela que o CSM fez um juízo concreto quanto a este processo e aos termos em que haveria de ser afeto ao referido Exmo. Senhor Dr. BB, só que, a verificarem-se circunstâncias excecionais que pudessem justificar o uso, pelo CSM, dos seus poderes de gestão dos juízes e dos Tribunais, com vista ao melhor funcionamento da Justiça, ou seja, que pudessem justificar uma escolha ad causam (uso esse - note-se bem - que não foi invocado pelo CSM!), elas sempre exigiriam que se optasse por um juiz de instrução criminal com muita experiência para titular destes autos. 38.ª Ou seja, o que legalmente se esperaria do CSM era, em primeiríssima linha, a aplicação estrita da lei, e, portanto, que considerasse o lugar de Juiz 2 do TCIC não vago enquanto perdurasse a suspensão da promoção a Juiz Desembargador do Exmo. Senhor Juiz Dr. AA. 39.ª Mas, não sendo assim, esperar-se-ia juridicamente que um lugar de juiz no TCIC, que é o que tem as causas mais complexas do País, não fosse atribuído a um magistrado com menos de 10 anos de experiência, e, ainda para mais, segundo se extrai do esclarecimento do CSM, de 19 de setembro de 2022, ao menos qualificado e mais jovem dos três juízes candidatos. 40.ª Resulta assim que este Tribunal ad quem deve (para além, naturalmente, de dever abster-se de aplicar as normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada supra) declarar que o afastamento do Exmo. Senhor Dr. AA destes autos e a relacionada substituição nos mesmos pelo Exmo. Senhor. Dr. BB violam, com referência à legislação nacional, o artigo 32.°, n.° 9, o artigo 203.° e artigo 216.°, n.° 1, e o artigo 20.°, n.° 1, da CRP, o artigo 6.°, o artigo 44.º, n.° 2, o artigo 45.°, n.° 1, alínea c), o artigo 71.º, n.° 1 e o artigo 107.°, n.°s 1 e 2, do EMJ, bem como o artigo 5.°, n.° 1, o artigo 39.°, o artigo 183.°, n.° 1, conjugado com o artigo 81.°, n.° 3, alínea f), e o artigo 183.°, n.° 3, da LOSJ. 41.ª Uma vez que o Exmo. Senhor Dr. BB foi afeto a este processo com violação das regras legais relativas ao modo de determinar a composição do Tribunal, o douto despacho de fls. 73.223 e segs. dos autos, proferido por esse mesmo Exmo. Senhor Dr. BB no dia 13 de setembro de 2022, padece de inexistência ou, subsidiariamente, de nulidade insanável, prevista no artigo 119.°, alínea a), segunda parte, do CPP. 42.ª Caso esse Alto Tribunal entenda que as referidas violações de lei não consubstanciam inexistência jurídica, nem se subsumem na previsão do artigo 119.°, alínea a), segunda parte, do CPP (no que não se concede e apenas por estrito dever de patrocínio se equaciona), então o douto despacho de fls. 73.223 e segs. dos autos, proferido pelo Tribunal a quo no dia 13 de setembro de 2022 é, no mínimo, e num segundo grau de subsidiariedade, irregular, nos termos do artigo 118.°, n.° 2, do CPP, irregularidade essa que foi oportunamente arguida no requerimento de 22 de setembro de 2022, nos termos do artigo 123.° do CPP, para todos os efeitos legais. 43.ª Em todo o caso, deve o Tribunal ad quem, agora, declarar a invalidade em causa, numa das referidas modalidades, bem como declarar inválidos todos os atos subsequentes ao douto despacho de fls. 73.223 e segs. dos autos, ao abrigo do artigo 122.°, n.°s 1 e 2, do CPP ou, subsidiariamente, do artigo 123.°, n.° 1, do CPP, consoante se qualifique a invalidade em causa como inexistência, corno nulidade ou ainda como irregularidade. 44.ª Ademais, o Direito nacional, tal como foi aplicado na decisão de que ora se recorre do órgão jurisdicional nacional TCIC, viola Direito primário da União, mais concretamente o artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, do TUE, e o artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. 45.ª Em linha com a jurisprudência do TJUE citada no capítulo V.2. supra (para a qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzida), também no caso sub judice importa que as regras da organização judiciária ora em causa - sendo que o regime disciplinar dos juízes é parte da organização judiciária, como já foi decidido pelo TJUE - sejam apreciadas à luz do artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, do TUE, bem como do artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta (disposições estas que importa interpretar), pois também o TCIC e o Tribunal da Relação de Lisboa, que lhe é superior e para o qual ora se recorre, são órgãos jurisdicionais, fazem parte do sistema de vias de recurso nos domínios abrangidos pelo Direito da União e, nessa medida, são suscetíveis de se pronunciar sobre a aplicação e a interpretação do Direito da União. 46.ª Ou seja, uma vez que o TCIC e o Tribunal da Relação de Lisboa podem manifestamente ser chamados a pronunciar-se sobre questões relacionadas com a aplicação ou a interpretação do Direito da União (sendo que basta que haja essa suscetibilidade, nos termos da jurisprudência constante do TJUE), é do interesse da União que seja preservada a independência dos seus juízes. Ainda por outras palavras: o processo de colocação e de substituição de juízes no TCIC, por se estar em domínio abrangido pelo Direito da União, tem de respeitar o princípio da tutela jurisdicional efetiva, tal como consagrado no Direito da União, pelo que é essencial que as regras que regulam esse processo sejam fiscalizadas também à luz das referidas disposições de Direito da União. 47.ª Dessa fiscalização resulta que as referidas normas de Direito interno português - tanto as que são aplicadas no sentido de não ser possível a arguidos em processo criminal sindicar judicialmente os atos do CSM que substituíram o juiz natural deste processo, como as que foram aplicadas no sentido de, em caso de processo disciplinar que suspende a promoção, ser possível a substituição do juiz natural de certo processo na subdivisão administrativa de origem -, são de molde a permitir a interferência, como refere o TJUE, "[...1 em processos sensíveis em curso, como processos complexos e mediatizados [...j" (do que os presentes autos são, aliás, grande expoente e exemplo paradigmático) e, portanto, são também de molde a suscitar dúvidas legítimas no espírito dos litigantes (mais exatamente: dos Arguidos nos presentes autos) quanto à imparcialidade do procedimento. 48.ª Por conseguinte, essas normas, nos termos em que estão a ser aplicadas, não são conformes ao Direito da União, tal como consagrado no artigo 19.º, n.° 1, primeiro parágrafo, do TUE e no artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta. 49.ª Os presentes autos são frequentemente descritos, não só pelos órgãos de comunicação social, mas também por vários operadores judiciários, como o maior, mais importante e mais complexo processo criminal da história da Justiça portuguesa, pelo que é público e notório que está no centro das atenções dos órgãos de comunicação social e da opinião pública em geral, pelo que os Juízes que, nas várias fases do processo, nele venham a ser chamados a proferir decisões estão, necessariamente, sujeitos a uma enorme pressão pública e, num certo sentido, política, sendo a narrativa generalizada relativa a estes autos a de que aqui se apura a responsabilidade criminal de um grupo de administradores bancários de topo, que teriam praticado dolosamente atos que conduziram à insolvência (rectius: resolução) do ‘Banco Espírito Santo, S.A.’ e à perda de parte significativa das poupanças de milhares de clientes, ao mesmo tempo que os próprios agentes enriqueciam, o sentimento da opinião pública em geral, relativamente aos Arguidos neste processo, é muitíssimo negativo, pelo que se justifica nestes autos, logo à partida, o receio dos litigantes (neste caso, dos Arguidos) quanto à permeabilidade das instâncias em relação a elementos externos. 50.ª Como vem decidindo o TJUE, importa assegurar não só a efetiva independência e imparcialidade das instâncias, mas também, desde logo, a aparência dessa independência e dessa imparcialidade, sem o que pode ser afetada a confiança que a Justiça deve inspirar nos particulares numa sociedade democrática e num Estado de Direito. 51.ª Basta, aliás, que se crie a "impressão" de uma conduta violadora dos princípios da independência e da imparcialidade dos juízes para que se verifique violação do Direito cia União neste domínio, pelo que neste processo se impunha e impõe, com especial acuidade, atuar com a máxima transparência, evitando-se tudo o que possa sequer aparentar vagamente a escolha de um juiz ad causam. 52.ª O princípio da tutela jurisdicional efetiva, tal como consagrado pelo artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, do TUE, em conjugação com o artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta, foi violado pelo facto de o regime jurídico nacional, tal corno está a ser aplicado pelos órgãos jurisdicionais nacionais, não permitir a arguido em processo criminal, em que se verifica a substituição do juiz natural ou legal, impugnar essa substituição, seja no próprio processo criminal em que ocorre a substituição, seja no âmbito de um processo judicial autónomo, de caráter administrativo, especificamente intentado para esse fim, sendo que o TJUE já decidiu que a composição do Tribunal em cada processo não pode ser deixada à discricionariedade das autoridades judiciárias e que o processo de colocação de juízes tem, pois, de poder ser sujeito a controlo. 53.ª Os princípios da independência e da imparcialidade dos juízes impõem, designadamente, que se tenha de garantir que as decisões proferidas no âmbito dos procedimentos disciplinares instaurados contra juízes, ou com eles relacionados, possam ser fiscalizadas por uma instância que satisfaça ela própria as garantias inerentes a uma tutela jurisdicional efetiva. 54.ª Assim, um particular que é arguido em processo criminal e que, portanto, tem o máximo interesse em assegurar que o tribunal que vai apreciar o seu caso é independente e imparcial, tem de ter a possibilidade de recorrer aos órgãos jurisdicionais nacionais para sindicar a legalidade da substituição -ordenada por atos administrativos do CSM proferidos em matéria de organização judiciária - do juiz natural ou legal do seu processo. 55.ª Contudo, in casu, por um lado, nos termos do douto despacho recorrido, de 23 de outubro de 2022, o Tribunal a quo decidiu ser incompetente para apreciar os vícios perante si invocados, diretamente relacionados com a referida substituição do Exmo. Senhor Dr. AA pelo Exmo. Senhor Dr. BB, tendo interpretado o artigo 286.°, n.° 1, do CPP com o sentido de que este lhe impede de conhecer esses vícios e, bem assim, o Tribunal a quo decidiu, ainda, deverem os Requerentes "[...] impugnar as decisões do CSM [...] em sede própria", a qual só pode ser a Secção de Contencioso do STJ, nos termos dos artigos 169.° e 170.°, n.° 1, do EMJ. 56.ª Mas, por outro lado, a referida Secção de Contencioso do STJ decidiu, em 23 de setembro de 2022, que os Arguidos nestes autos não têm legitimidade para impugnar os atos em causa, que resultaram na substituição do Exmo. Senhor Dr. AA pelo Exmo. Senhor Dr. BB, pela via administrativa (ou seja, através de um processo judicial autónomo, de caráter administrativo, especificamente intentado para esse fim, neste caso junto da referida Secção de Contencioso do STJ) — este entendimento, inicialmente plasmado em decisão singular, foi confirmado por acórdão do STJ de 10 de outubro de 2022, na qual, em suma, se interpretou restritivamente o artigo 55.°, n.° 1, alínea a), do CPTA, tudo com remissão para outra jurisprudência do STJ, donde se extrai que ela é constante. 57.ª A opacidade criada pela aplicação que os órgãos jurisdicionais nacionais estão assim a fazer do conjunto normativo formado pelo artigo 286.°, n.° 1, do CPP, pelos artigos 169.° e 170.°, n.° 1, do EMJ e pelo artigo 55.°, n.° 1, alínea a), do CPTA, é violadora do princípio da tutela jurisdicional efetiva, tal como consagrado pelo Direito da União, pois, em suma, através dela impede-se o acesso a particulares (neste caso, a Arguidos em processo criminal) à fiscalização jurisdicional de atos em matéria de organização judiciária que (também) lhes respeitam, quando, como é o caso, daí decorre o desrespeito pelos princípios da independência e da imparcialidade dos juízes, do juiz natural ou legal e da inamovibilidade dos juízes. 58.ª Ou seja, o referido regime jurídico de Direito português, tal como está a ser aplicado pelos órgãos jurisdicionais nacionais, viola o princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, do TUE, em conjugação com o artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta. 59.ª Assim, os princípios da independência e da imparcialidade dos juízes, do juiz natural ou legal e da inamovibilidade dos juízes, tal como consagrado pelo artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, do TUE, em conjugação com o artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta, estão a ser violados pelo facto de, nos termos do regime jurídico de Direito nacional, tal como está a ser aplicado pelos órgãos jurisdicionais nacionais, um juiz, a quem fora atribuído por sorteio certo processo muito importante e muito mediático, mas que, pouco tempo antes, proferiu decisão instrutória noutro caso muito importante e muito mediático, envolvendo a responsabilidade criminal de um ex-Primeiro Ministro, que causou grande polémica pública sobretudo por ter desconstruído, nessa decisão instrutória, o essencial da tese acusatória do Ministério Público e contra quem nessa sequência, foi deduzida acusação em processo disciplinar, o que determinou que a sua promoção a juiz de segunda instância, que entretanto fora decidida, ficasse suspensa até à decisão final nesse processo disciplinar e, além disso, ter sido substituído na sua subdivisão administrativa de origem (Juiz 2 do TCIC) por outro juiz, não escolhido aleatoriamente, sendo que isso teve a consequência de os processos que lhe estavam afetos (incluindo o tal muito importante e muito mediático), terem passado a ser decididos por aquele outro juiz (não escolhido aleatoriamente). 60.ª Segundo o TJUE, o artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, do TUE impõe aos Estados-Membros uma obrigação de resultado clara e precisa e não está sujeita a nenhuma condição no que respeita à independência que deve caracterizar os órgãos jurisdicionais chamados a interpretar e aplicar o Direito da União, sendo que o artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta deve ser devidamente tido em consideração para efeitos de interpretação daquela disposição. 61.ª Assim, o artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, do TUE pode e deve ser aplicado ainda que não exista um direito conferido por uma disposição de Direito da União. 62.ª A independência dos juízes tem como corolário a sua inamovibilidade, sendo esta "garantia inerente" àquela e, por seu turno, as garantias adequadas para assegurar a independência e a imparcialidade dos juízes exigidas pelo Direito da União, postulam, nomeadamente, a existência de regras que enquadrem a nomeação (e a substituição de juízes) que respeitem, elas próprias, os referidos princípios da independência e da imparcialidade dos juízes e, portanto, o juiz natural ou legal e a inamovibilidade dos juízes. 63.ª Ainda segundo o TJUE, secundado pelo TEDH, o princípio da inamovibilidade só pode sofrer exceções quando motivos legítimos e imperiosos o justifiquem, no respeito do princípio da proporcionalidade. 64.ª Ainda segundo o TJUE, é legítimo questionar a independência e a imparcialidade dos juízes se no caso se conjugarem várias circunstâncias pertinentes que, consideradas de forma conjunta, são suscetíveis de gerar dúvidas. 65.ª No presente caso, verificam-se várias "circunstâncias pertinentes", nomeadamente: a) este é provavelmente o maior, mais importante e mais complexo processo criminal da história da Justiça portuguesa; b) está no centro das atenções dos órgãos de comunicação social e da opinião pública em geral; c) até devido ao que está em causa nestes autos (muitíssimo em síntese: a responsabilidade penal pela insolvência - rectius: resolução - daquele que era o segundo maior Banco privado português - o 'Banco Espírito Santo, S.A.', e tudo o que isso implicou, nomeadamente a perda de parte significativa das poupanças de milhares de clientes), existe grande pressão pública e, num certo sentido, mesmo pressão política indireta sobre os Juízes que, nas várias fases do processo, nele venham a ser chamados a proferir decisões; d) o sentimento da opinião pública em geral, relativamente aos Arguidos neste processo, é muitíssimo negativo; e) o Exmo. Senhor Dr. AA vem sendo insistentemente qualificado nos meios de comunicação social como "Juiz dos poderosos", sobretudo a partir da sua decisão instrutória no chamado "caso Marquês" (processo n." 122/13.8TELSB do Juiz 2 do TCIC), em que essencialmente desconstruiu a tese acusatória do Ministério Público contra o aí Arguido José Sócrates (ex-Primeiro Ministro de Portugal); f) os presentes autos foram distribuídos para instrução, por sorteio, ao Juiz 2 do TCIC e, concretamente, ao Exmo. Senhor Dr. AA; g) em 5 de julho de 2022, por ato divulgado aos seus destinatários no dia seguinte e publicado em 'Diário da República' apenas a 31 de agosto de 2022, o CSM promoveu o Exmo. Senhor Dr. AA ao Tribunal da Relação de Lisboa, com efeitos a 1 de setembro de 2022; h) por deliberação do plenário do CSM, do mesmo dia 5 de julho de 2022, decidiu-se suspender a promoção do Exmo. Senhor Dr. AA, até à prolação de decisão final em processo disciplinar; i) não havendo, portanto, qualquer fundamento para se retirar o Exmo. Senhor Dr. AA do lugar de Juiz 2 do TCIC, ele foi daí retirado e tal lugar foi considerado vago; j) em 1 de agosto de 2022, o Exmo. Senhor Dr. CC, Presidente do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, proferiu despacho com proposta de distribuição de serviço, mais concretamente de afetação do Exmo. Senhor Dr. BB ao serviço distribuído ao lugar de Juiz 2 do TCIC (indevidamente considerado vago); k) por decisão de 31 de agosto de 2022, o Exmo. Senhor Dr. BB foi afeto ao lugar de Juiz 2 do TCIC, tendo tomado posse a 5 de setembro de 2022; l) por deliberação do plenário do CSM, de 6 de setembro de 2022, foi decidido, por unanimidade, em virtude da suspensão da promoção ao Tribunal da Relação do Exmo. Senhor Dr. AA, afetar o Exmo. Senhor Dr. BB, aos presentes autos, em regime de exclusividade; m) o Exmo. Senhor Dr. BB, em 31 de dezembro de 2021, tinha 3 anos, 10 meses e 3 dias de antiguidade, e, portanto, tem menos de metade da idade exigida por lei (10 anos) para o exercício das funções de Juiz de Instrução Criminal (o "juiz das liberdades"). 66.ª Em face destas circunstâncias, a forma como os órgãos jurisdicionais nacionais estão a aplicar o regime jurídico português [composto pelos artigos 6.°, 71.°, n.° 1, e 107.°, n.° 1, do EMJ, pelos artigos 5.º, n.° 1, e 39.° da LOSJ, bem como ainda pelos artigos 32.°, n.° 9, e 216.°, n.° 1, da CRP, que regulam a suspensão da promoção por motivo da existência de processo disciplinar, a suspensão de funções, o princípio da proibição do desaforamento, o princípio do juiz natural e o princípio da inamovibilidade dos juízes (princípios estes aqui interpretados de forma clamorosamente errada, porque formalista e não substancialista, no sentido de que apenas interessa que certo processo se mantenha afeto a uma determinada subdivisão administrativa do Tribunal, sendo irrelevante quem é a pessoa singular que é o seu Juiz titular e se o mesmo é substituído ou não)] cria efetivamente a "impressão" de uma conduta violadora dos princípios da independência e da imparcialidade dos juízes, no sentido de que se aproveitou o regime jurídico existente quanto à suspensão da promoção a Juiz de segunda instância em virtude da existência de processo disciplinar, para afastar o Exmo. Senhor Dr. AA da presente instrução e deste muito melindroso e polémico processo, e para pôr no seu lugar um Mmo. Juiz que, pela sua maior juventude e menor experiência, é necessariamente mais permeável à pressão pública, no sentido da pronúncia dos Arguidos, que recai sobre este processo e sobre o Juiz que o dirige. 67.ª A tudo acresce que não existem, in casu, quaisquer motivos legítimos e imperiosos que possam justificar, no respeito pelo princípio da proporcionalidade, a restrição ao princípio da inamovibilidade dos juízes, tal como é exigido pelo TJUE, sendo que não existe sequer qualquer tentativa de boa fundamentação técnico jurídica suscetível de justificar a retirada do Exmo. Senhor Dr. AA do lugar de Juiz 2 do TCIC e a sua substituição, de facto, pelo Exmo. Senhor Dr. BB. 68.ª Os referidos elementos, quando considerados conjuntamente, são suficientes para que se gerem dúvidas legítimas, no espírito da generalidade dos cidadãos e em especial no dos aqui Arguidos e, concretamente, do ora Recorrente, quanto à substituição do Exmo. Senhor Dr. AA pelo Exmo. Senhor Dr. BB e, por conseguinte, quanto à independência e à imparcialidade do novo Juiz 2 do TCIC, ou seja, quanto à impermeabilidade deste Mmo. Juiz em relação a elementos externos. 69.ª O regime jurídico em causa, tal como está a ser interpretado, permitiu que, indevidamente, se considerasse vago o lugar de Juiz 2 do TCIC e "abriu a via" a uma recomposição imediata do Juiz 2 no TCIC, tudo em violação dos princípios do juiz natural ou legal e da inamovibilidade dos juízes, como efetivamente acabou por suceder. 70.ª Sendo que o caso assume ainda mais gravidade porque o Juiz substituto (o Exmo. Senhor Dr. BB) não resultou de um processo de afetação aleatória ao Juiz 2 do TCIC, tendo antes resultado de uma escolha concreta ad causam, neste caso de uma proposta do Exmo. Senhor Juiz Presidente do Tribunal da Comarca de Lisboa, que foi homologada pelo CSM, tudo numa lógica de nomeação interina sem respeito pelo procedimento comum de nomeação previsto no direito nacional, que o TJUE considera incompatível com o Direito da União sempre que a regulamentação em causa seja suscetível de criar dúvidas legítimas quanto à verificação de pressão sobre o decisor. 71.ª Ou seja, o referido regime jurídico de Direito português, tal como está a ser aplicado pelos órgãos jurisdicionais nacionais, viola os princípios da independência e da imparcialidade dos juízes, do juiz natural ou legal e da inamovibilidade dos juízes, tal como consagrados pelo artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, do TUE, em conjugação com o artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta. 72.ª Os princípios da independência e da imparcialidade dos juízes e do princípio do juiz natural ou legal, tal como consagrados pelo artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, do TUE, em conjugação com o artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta, estão a ser violados pelo facto de, nos temos do regime jurídico de Direito nacional, tal como é aplicado pelos órgãos jurisdicionais nacionais, os processos serem sorteados pelas subdivisões administrativas do Tribunal competente, mas os juízes não serem colocados nessas mesmas subdivisões administrativas por sorteio nem por outro método aleatório. 73.ª O princípio do juiz natural ou legal, tal como se encontra consagrado no artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta, constitui, segundo o TJUE, a pedra angular do direito ao processo equitativo, sendo que, segundo o TEDH, a menção "estabelecido por lei", que consta também do artigo 6.°, n.° 1, da CEDE, diz respeito não só à base legal da própria existência do tribunal, mas também à sua composição em cada processo, a qual não pode ser deixada à discricionariedade das autoridades judiciárias. 74.ª O TJUE já decidiu que a simples existência de um sorteio pode não bastar para obstar a que determinados casos sejam encaminhados para determinados juízes, ou que se evite atribui-los a outros juízes, aumentando-se a pressão sobre os juízes designados. 75.ª Em Portugal, os juízes não são sempre afetos a Tribunal de forma aleatória, pois os Juízes são colocados segundo a sua preferência - o que se aceita em geral, pois constitui motivo legítimo que certo magistrado prefira ser colocado perto da residência da sua família ou em tribunal de competência da sua especialização ou pela qual sinta maior afinidade, ou em tribunal de mais alta hierarquia ou de mais prestígio. 76.ª O que não se aceita, por não existir motivo legítimo que suporte tal entendimento, é que se possa tomar em consideração a preferência que um magistrado possa ter por uma subdivisão administrativa de um tribunal relativamente a outra subdivisão administrativa do mesmíssimo tribunal, situadas no mesmo local geográfico, que trata das mesmas matérias, tem a mesma hierarquia e goza do mesmo prestígio. 77.ª Ora, os órgãos jurisdicionais nacionais estão a interpretar (erroneamente) o artigo 44.°, n.° 2, do EMJ e/ou o artigo 183.°, ti.° 3, da LOSJ sem qualquer restrição, no sentido, portanto, de que é possível tomar em consideração a preferência relativa a subdivisões administrativas do mesmo tribunal e situados no mesmo local, que trata das mesmas matérias, tem a mesma hierarquia e goza do mesmo prestígio (ao que consideram não se opor o artigo 32.°, n.° 9, da CRP, que consagra na ordem jurídica portuguesa o princípio do juiz natural ou legal, pois estão a interpretá-lo com um alcance formalista e não substancialista, no sentido de que para que se dê cumprimento à norma em causa basta que certo processo se mantenha em determinada subdivisão administrativa do mesmo Tribunal, independentemente de quem seja a pessoa singular que é o seu Juiz titular - que, portanto, pode ser mudado as vezes que se tiverem por necessárias, seja lá pelas razões que for). 78.ª Esta construção técnico-jurídica viola os princípios da independência e da imparcialidade dos juízes e do princípio do juiz natural ou legal, tal como os aplica o TJUE, pois sem a distribuição aleatória dos magistrados pelas várias subdivisões administrativas do mesmo Tribunal, não há como garantir que não existam magistrados ad causam, ficando aberto o caminho para que seja feito um encontro entre magistrado, por um lado, e processo, por outro. 79.ª Tem, pois, de haver um segundo nível de aleatoriedade (do qual os órgãos jurisdicionais prescindem), pois, sem ele, escancaram-se as portas aos acima referidos "ajustes" ou "encontros", mais ou menos habilidosos, entre processo, por um lado, e magistrado, por outro lado, 80.ª Assim, o referido regime jurídico de Direito português, tal como está a ser aplicado pelos órgãos jurisdicionais nacionais, viola os princípios da independência e da imparcialidade dos juízes e do princípio do juiz natural ou legal, tal como consagrados pelo artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, do TUE, em conjugação com o artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta. 81.ª Como consequência das referidas incompatibilidades entre o Direito da União e o Direito interno deve o Tribunal ad quem, enquanto órgão jurisdicional nacional encarregado de aplicar, no âmbito da sua competência, as disposições do Direito da União, garantir a plena eficácia destas disposições, não aplicando qualquer disposição contrária da legislação nacional, pelo que deve esse Alto Tribunal, em concreto, decidir que são inaplicáveis os regimes jurídicos de Direito nacional expostos nos capítulos V.3.a), V.3.b) e V.3.c) supra, quando interpretados nos termos referidos, e deve interpretá-los em termos conformes ao Direito da União. 82.ª Isto, por sua vez, implica dever esse Alto Tribunal declarar-se competente para conhecer, a título prejudicial, os vícios imputados aos atos que resultaram na substituição do Exmo. Senhor Dr. AA pelo Exmo. Senhor Dr, BB e, feita a devida apreciação, concluir pela ilegalidade (neste contexto, por violação do Direito da União) dessa substituição, devendo, a seguir, ordenar que a tramitação da presente instrução prossiga sob a direção do seu juiz natural, que é o Exmo. Senhor Dr. AA. 83.ª Subsidiariamente, caso esse Alto Tribunal não decida nos termos expostos no capítulo V.3.d) supra, deve, enquanto órgão jurisdicional nacional cujas decisões não são suscetíveis de recurso judicial previsto no Direito interno, suspender a presente instância e, nos termos do artigo 267.º, terceiro parágrafo, do TFUE, submeter ao TJUE as seguintes questões para decisão a título prejudicial: 1) O artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, do Tratado da União Europeia, e o artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da. União Europeia, que consagram o princípio da tutela jurisdicional efetiva, devem ser interpretados no sentido de obstarem a um regime jurídico de Direito nacional [artigo 286.°, n.° 1, do Código de Processo Penal, artigos 169.° e 170.°, n.° 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais e artigo 55.º, n.° 1, alínea a), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos], tal corno está a ser aplicado pelos órgãos jurisdicionais nacionais, nos termos do qual não se permite a arguido em processo criminal, em que se verifica a substituição do juiz natural ou legal, impugnar essa substituição, seja no próprio processo criminal em que ocorre a substituição, seja no âmbito de um processo judicial autónomo, de caráter administrativo, especificamente intentado para esse fim? 2) O artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, do Tratado da União Europeia, e o artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que consagram os princípios da independência e da imparcialidade dos juízes, do juiz natural ou legal e da inamovibilidade dos juízes, devem ser interpretados no sentido de obstarem a um regime jurídico de Direito nacional [artigos 6.°, 71.°, n.° 1, e 107.°, n.° 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais, artigos 5.°, n.° 1, e 39.° da Lei da Organização do Sistema Judiciário, e artigos 32.°, n.° 9, e 216.°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa], tal como está a ser aplicado pelos órgãos jurisdicionais nacionais, nos termos do qual um juiz, contra o qual foi deduzida acusação em processo disciplinar, que é graduado para promoção ou nomeação, ficar não só com a promoção ou nomeação suspensa até à decisão final nesse processo disciplinar, mas, além disso, ser retirado da sua subdivisão administrativa de origem, enquanto perdura essa suspensão, com a consequência de os processos que lhe estavam afetos passarem a ser tramitados por outro juiz? 3) Em caso de resposta negativa: O sentido da resposta altera-se pelo facto de o juiz substituto não resultar de um processo de afetação aleatória à concreta subdivisão administrativa do Tribunal em causa (sorteio), sendo antes proposto pelo Exmo. Senhor Juiz Presidente do Tribunal da Comarca em causa, proposta essa que foi seguida pelo Conselho Superior de Magistratura? 4) O artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, do Tratado da União Europeia, e o artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que consagram os princípios da independência e da imparcialidade dos juízes e do juiz natural ou legal, devem ser interpretados no sentido de obstarem a um regime jurídico de Direito nacional [artigo 44.º, n.° 2, do Estatuto dos Magistrados Judiciais, artigo 181°, n.° 3, da Lei da Organização do Sistema Judiciário e artigo 32.°, n.° 9, da Constituição da República Portuguesa], tal como está ser aplicado pelos órgãos jurisdicionais nacionais, nos termos do qual os processos são sorteados pelas subdivisões administrativas do Tribunal competente, mas os juízes não são colocados nessas mesmas subdivisões administrativas por sorteio nem por outro método aleatório (mas sim segundo a sua preferência e inclusivamente quando não exista fundamento racional para tais preferências, como é o caso de diferente "Juízes" do mesmo Tribunal Central de Instrução Criminal, situados no mesmo local geográfico, que tratam das mesmas matérias, têm a mesma hierarquia e gozam do mesmo prestígio)?”. * 3. O recurso foi admitido por tempestivo e legal e, após reclamação, foi determinada a sua subida de imediato e em separado. 4. O Ministério Público respondeu ao recurso do arguido, pugnando pela sua improcedência. Extraiu as seguintes conclusões: “1. Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 399.°, 401.°, n.° 1, al. b), 406.°, n.° 2, 407.°, n.° 1, 408.° "a contrario sensu" e 427.°, todos do CPP, o presente recurso deve ser admitido a subir de imediato, em separado mas com efeito meramente devolutivo. 2. Com efeito, não estando o presente recurso contemplado em nenhuma das disposições legais do artigo 408.°, do CPP, o seu efeito será, necessariamente, devolutivo. 3. É entendimento do recorrente que a colocação do Mm.° Juiz BB no lugar de Juiz 2 do TCIC teve por base uma decisão ilegal do CSM que afecta todos os actos praticados por este no âmbito dos presentes autos. 4. Assim, sendo a decisão do CSM ilegal, todos os despachos proferidos pelo Mm.° Juiz "a quo" desde Setembro de 2022 até à presente data são nulos e, como tal, de nenhum efeito. 5. Não lhe assiste razão. 6. Ao recorrente não lhe assiste o direito de impugnar o movimento dos magistrados judiciais de 2022, questão já conhecida e discutida pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do Processo 28/22.7YFLSB, no qual foi proferido despacho liminar de rejeição da providência cautelar intentada, despacho de rejeição de intervenção principal espontânea (interposta pelo aqui recorrente), e acórdão que absolveu o CSM na acção administrativa para a impugnação de acto (tudo documentos que aqui se juntam). 7. E os presentes autos não são, nem nunca poderiam ser a sede própria para conhecer tal questão. 8. Por um lado, porque as deliberações do CSM só podem ser impugnadas junto da Secção de Contencioso do STJ, pelo que o Tribunal "a quo" sempre seria materialmente incompetente para conhecer desta questão. 9. Por outro, porque nunca poderia ser o Mm.° Juiz "a quo" a decidir uma questão em que directamente é o interessado: a da legalidade da deliberação que determinou a sua colocação no lugar de Juiz 2 do TCIC. 10. Não é verdade que a Secção de Contencioso do STJ entendeu que estes autos eram a sede própria para impugnar a deliberação do CSM. 11. O que foi dito no Acórdão a que se reporta o recorrido é que são estes autos o local próprio para o recorrente questionar a competência pessoal e funcional do Juiz. 12. Mas relativamente aos seus actos e decisões próprias, não quanto à sua colocação. 13. É verdade que o recorrente se vê impedido de impugnar a deliberação que colocou o Mm.° Juiz "a quo" no lugar de Juiz 2. 14. Mas isso sucede porque este não tem nenhum interesse directo e pessoal tutelável no movimento de colocação, suspensão ou substituição de juízes. 15. Não tem nenhum interesse em agir legítimo que mereça tutela jurídica. 16. O princípio da suficiência do processo penal não é aqui colocado em causa, de modo algum. 17. Pois as deliberações do CSM não têm influência na decisão da presente causa. 18. Por outro lado, o raciocínio do recorrente parte da falsa premissa de que a vaga de Juiz 2 do TCIC não estava vaga, quando na verdade estava. 19. Com efeito, quando o Mm.° Juiz AA ficou graduado no acesso ao lugar de Juiz Desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa, o seu lugar no TCIC automaticamente ficou vago. 20. E, nessa senda, tal vaga foi colocada a concurso. 21. A suspensão deliberada pelo CSM do Mm.° Juiz AA reporta-se apenas à sua ocupação do lugar no Tribunal da Relação de Lisboa, que é seu. 22. Porquanto a mesma se rege pelo disposto no artigo 107.°, do EMJ e não pelo 95.° e 113.°. 23. Mas isso não significa a ocupação do lugar que era seu até tal data porquanto, reitera-se, o mesmo fico vago em momento anterior. 24. E foi nessa sequência que o movimento colocou no lugar de Juiz 2 do TCIC o Mm.° Juiz CC e, acautelando a situação de comissão de serviço de vários juízes ali colocados, designadamente este, deliberou a afectação de 3 juízes auxiliares ao TCIC. 25. Sendo que, seguindo as regras, gerais, abstractas e já definidas para todos os movimentos de colocação de magistrados, os 3 juízes ali colocados, por ordem de classificação/antiguidade, manifestaram a sua preferência pelos lugares disponíveis, o que mereceu acolhimento. 26. Em nada se mostra afectado o princípio do juiz natural ou da inamovibilidade dos juízes, porquanto estamos perante um processo absolutamente normal e regular de colocação de juízes. 27. A que acresce não existir qualquer facto de onde se possa retirar que se pretendeu atribuir estes autos a um concreto juiz. 28. O recorrente alega que a colocação de juízes auxiliares no TCIC, da forma em que foi feita, é ilegal porque viola o artigo 44.º, n.° 2, do EMJ e 183.°, n.° 3, da LOSJ mas não explica de que modo. 29. Sendo que, no âmbito de qualquer movimento judicial, os juízes são colocados nas vagas disponíveis, de acordo com a sua antiguidade e preferência. 30. A decisão do CSM de afectar em exclusividade o Mm.° Juiz "a quo" à instrução dos presentes autos parece-nos natural, quando o mesmo sucedida com o seu antecessor, em modo quase análogo, tendo este mais antiguidade e mais experiência. 31. Uma alteração à deliberação do CSM nunca seria possível por via do presente recurso. 32. Igualmente não se vislumbra nenhum atraso nos autos mercê desta situação ou a violação do disposto no artigo 20.° da CRP. 33. O argumento de que o Mm.° Juiz "a quo" não reúne os requisitos legalmente necessários para ocupar este lugar falece na medida em que a lei prevê expressamente que esta situação de excepção possa ocorrer. 34. Violaria sim o princípio do juiz natural o CSM escolher um outro juiz, em detrimento do que naturalmente resultasse do movimento, para satisfazer os requisitos legais. 35. Por aí sim estaríamos perante uma escolha "intuitus personae". 36. O que não existe é nenhuma violação do disposto nos artigos 183.°, n.° 1, 81.°, n.° 3, al. f) da LOSJ e artigo 45.°, n.° 1, al. c), do EMJ. 37. Relativamente às questões de violação do TUE e da CDFUE, a situação reconduz-se sempre ao facto de o recorrente não ver reconhecido direito a impugnar o movimento de magistrados judiciais de 2022. 38. Por não lhe ser reconhecida legitimidade para tanto. 39. Mas de modo algum isso se traduz na violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva. 40. E quanto às questões colocadas para efeitos de reenvio prejudicial, já o Supremo Tribunal de Justiça em douto aresto decidiu não haver lugar ao mesmo no caso concreto dos autos, nos termos e com os fundamentos aos quais aderimos e que aqui se dão por reproduzidos.”. 5. Também as assistentes Totalvalue SGPS, S.A., Segouviber-Unipessoal, Lda., Massa Insolvente da Sociedade de Direito Luxemburguês Espírito Santo International, S.A., e Massa Insolvente da Sociedade de Direito Luxemburguês Rioforte Investments, S.A. vieram apresentar resposta ao recurso, pugnando pela respetiva improcedência. Não formularam conclusões. 6. Neste Tribunal da Relação de Lisboa, o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, secundando o teor da resposta apresentada pelo Ministério Público junto do Tribunal a quo, pronunciando-se pela improcedência do recurso. 7. Notificado do parecer, o recorrente veio responder ao mesmo, mantendo e remetendo para o exposto no seu recurso, assinalando que no parecer emitido nada se referiu sobre as “questões de Direito da União que foram suscitadas pelo ora recorrente no seu recurso, nem quanto ao reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia das quatro questões expostas na 83ª conclusão” e argumentando que este Tribunal da Relação não poderá aderir ao “discurso simplista e facilitista do Ministério Público e reduzir várias questões relevantes a uma simples questão de legitimidade, a resolver por básica aplicação das regras do Código de Processo nos Tribunais Administrativos”. Terminou do seguinte modo: “Desde já se transmite, com lealdade processual, que se for proferida uma tal decisão, com base numa abusiva e deturpada aplicação da doutrina do acte claire (…), o ora Recorrente terá de reagir junto das instâncias europeias, seja junto do Presidente do Tribunal de Justiça da União Europeia, seja junto da própria Comissão Europeia, por violação, por este órgão jurisdicional nacional de última instância, do artigo 267.º, terceiro parágrafo, do TFUE”. 8. Foram colhidos os vistos e realizada a competente conferência. * II – questões a decidir. Como é pacificamente entendido, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª ed., pág. 335, Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6ª ed., 2007, pág. 103, e, entre muitos outros, o Ac. do S.T.J. de 05.12.2007, Procº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art. 412.°, n.° 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.»). Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem as razões de divergência do arguido com a decisão impugnada, as questões a examinar e decidir são: i. O despacho recorrido e a alegada violação do princípio da suficiência do processo penal; ii. A violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrado nos artigos 19º, nº 1, § 2º do Tratado da União Europeia, em conjugação com o artigo 47º, § 2º, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (A violação do Direito da União e o reenvio prejudicial); iii. A violação dos princípios do juiz natural e da inamovibilidade dos juízes; iv. A inconstitucionalidade normativa do artigo 107º, nº 1, do EMJ; v. A inconstitucionalidade normativa do artigo 44º, nº 2, do EMJ e do artigo 183º, nº 3, da LOSJ; vi. A invalidade da intervenção nestes autos do Exmo. Senhor Dr. BB, em concreto. * iii – Elementos que resultam dos autos e são relevantes para a apreciação do recurso. a) Em 28 de outubro de 2021, os autos de Instrução nº 324/14.0TELSB foram distribuídos, por sorteio, ao Juiz 2 do TCIC, cujo titular era, então, o Mmo. Juiz de Direito Dr. AA; b) O Dr. AA candidatou-se e em 2022 foi graduado em concurso curricular de acesso aos Tribunais da Relação; c) Por deliberação do Plenário Ordinário do Conselho Superior da Magistratura, de 5 de julho de 2022, foi aprovado o movimento judicial ordinário de 2022, para produzir efeitos no dia 01 de setembro de 2022, nele se compreendendo as seguintes colocações: i. “Lic. AA, Juiz de Direito em Tribunal Central Instrução Criminal > juiz 2 – Promoção e Colocação para Tribunal da Relação de Lisboa > Secção Criminal > Lugar de Efetivo; ii. “Lic. CC, Juiz de Direito Colocado em Tribunal Marítimo > juiz 2 – Transferência para Tribunal Central Instrução Criminal > Juiz 2 > Mantém comissão serviço como Juiz Presidente em Comarca Lisboa; iii. “Lic. BB, Juiz de Direito, Colocado em TJ Comarca Guarda > Juízo de competência genérica de Celorico da Beira > juiz 1 – Destacamento em Tribunal Central Instrução Criminal > Vaga de Auxiliar de substituição de titular; d) No mesmo plenário do CSM de 5 de julho de 2022, mais foi deliberado por unanimidade: “relativamente à nomeação do Exmo. Sr. Juiz de Direito Dr. AA aos Tribunais da Relação, tendo em conta que o disposto no n.º 1 do artigo 107.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais estabelece, de forma clara, objetiva e indubitável que os efeitos da nomeação se suspendem até à decisão final de processo disciplinar ou criminal, reservando-se a respetiva vaga até decisão final e considerando que se encontra pendente processo de natureza disciplinar, a correr termos neste Conselho, em que o mesmo é arguido e no qual foi já proferida acusação nos termos do disposto no artigo 117.º, n.º 3 do referido Estatuto, sem que seja possível fazer um juízo de prognose sobre a eventualidade do seu desfecho e das eventuais repercussões ou efeitos disciplinares deste, o Plenário deliberou, por unanimidade, suspender a promoção, nos termos do disposto no referido n.º 1 do artigo 107.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, ficando reservada a respetiva vaga, e salvaguardados os efeitos remuneratórios correspondentes, até ser proferida decisão final naquele processo.”; e) Em 1 de agosto de 2022, o Exmo. Senhor Dr. CC, na qualidade de Juiz Presidente da Comarca de Lisboa, apresentou ao Conselho Superior da Magistratura proposta de distribuição do serviço com o seguinte teor: “Na sequência do Movimento Judicial Ordinário de Juízes de 2022, aprovado por Deliberação do plenário do CSM em 05 de Julho de 2022, do despacho do Exmo. Senhor Vice Presidente do CSM, de 16 de Julho de 2022, que procedeu à afetação inicial dos Exmos. Senhores Juízes do Quadro Complementar de Juízes da área territorial do Tribunal da Relação de Lisboa , impõe-se agora proceder à concreta distribuição do serviço que ficará a cargo dos Exmos. Senhores Juízes colocados no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa e nos Tribunais com competência territorial alargada sediados na área do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa. Ponderadas as necessidades de serviço mais prementes (…) e as preferências manifestadas pelos Exmos. Senhores Juízes (atendidas em consonância com a respetiva classificação de serviço e antiguidade, sem prejuízo das conveniências de serviço), propõe-se, ao abrigo do disposto ni artigo 94º, nº 4, alíneas f) e g), da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto (LOSJ), que aos Exmos. Senhores Juízes seguidamente identificados seja afeto o serviço que infra, respetivamente, se descrimina: (…) Tribunal Central de Instrução Criminal > Exma. Senhora Juiz ... (colocada neste Juízo como auxiliar de substituição de Juiz titular), propõe-se a sua afetação ao serviço distribuído ao lugar J5; > Exma. Senhora Juiz ... (colocada neste Juízo como Juiz auxiliar de substituição de Juiz titular), propõe-se a sua afetação ao serviço distribuído ao lugar J3; e > Exmo. Senhor Juiz BB (colocado neste Juízo como Juiz auxiliar de substituição de Juiz titular), propõe-se a sua afetação ao serviço distribuído ao lugar J2.; f) A proposta de distribuição de serviço apresentada pelo Sr. Juiz Presidente da Comarca de Lisboa em 1 de agosto de 2022 veio a ser homologada por despacho do Sr. Vice Presidente do Conselho Superior da Magistratura de 31 de agosto de 2022; g) Por deliberação do plenário do CSM, de 6 de setembro de 2022, foi decidido: “1.2.9 – Proc. 2022/DSQMJ/3081 – Afetação em virtude da suspensão da promoção ao Tribunal da Relação Em virtude da suspensão da promoção ao Tribunal da Relação do Exmo. Sr. Dr. AA, foi deliberado por unanimidade afetar este Exmo. Sr. Juiz ao Tribunal Central de Instrução Criminal, a fim de prolatar a decisão instrutória relativa ao processo 5432/15.7TDLSB, uma vez que iniciou o debate instrutório no mesmo processo. Mais foi deliberado por unanimidade que o Exmo. Senhor Juiz BB, colocado no Movimento Judicial Ordinário de 2022 como juiz auxiliar de substituição no Tribunal Central de Instrução Criminal, o qual foi posteriormente afeto por decisão de 31 de agosto de 2022 ao lugar de J2, em substituição do titular que se encontra em comissão de serviço, ficará afeto ao processo nº 324/14.0TELSB, bem como ao processo nº 122/13.8TELSB, mantendo-se a suspensão da distribuição ao lugar de J2 de modo a permitir que o Sr. Juiz fique afeto aos referidos processos, em regime de exclusividade.”. * IV - Fundamentação. O arguido ... interpôs recurso do despacho proferido pelo Sr. Juiz de Instrução Criminal em 23.10.2022, a fls. 73794 e ss. dos autos de instrução nº 324/14.0TELSB. Tal despacho, supra transcrito, recaiu sobre requerimento apresentado pelos arguidos ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ... e ainda pela assistente ..., que, notificados do primeiro despacho judicial subscrito pelo Exmo. Senhor Juiz BB naquele processo de instrução, vieram requerer a declaração: - da inexistência do despacho de folhas 73223 e seguintes dos autos; - ou, subsidiariamente, da sua nulidade insanável nos termos do artigo 119.º, alínea a), segunda parte, do Código de Processo Penal; - ou, ainda subsidiariamente, da sua irregularidade nos termos do artigo 118.º, n.º 2 do mesmo diploma legal. Entende o ora recorrente que o despacho recorrido viola o princípio da suficiência do processo penal, consagrado no artigo 7º do Código de Processo Penal, por não ter decidido todas as questões suscitadas no requerimento apresentado. Dispõe o n.° 1 do artigo 7.°, do Código de Processo Penal que: "O processo penal é promovido independentemente de qualquer outro e nele se resolvem todas as questões que interessarem à decisão da causa". Não tem razão o recorrente quando invoca a violação deste preceito e do princípio a ele subjacente, sendo manifesto que confunde argumentos esgrimidos com questões suscitadas. Vistos os termos do despacho impugnado, é imperioso concluir que no mesmo o Senhor Juiz de Instrução Criminal indeferiu o requerimento apresentado pelo recorrente (entre outros), negando a pretensão dos requerentes de verem declarada a inexistência do despacho proferido a fls. 73223 e ss. ou, subsidiariamente, a sua nulidade insanável ou a sua irregularidade. Fê-lo, aliás, afastando “o entendimento de que o magistrado judicial subscritor deveria declarar-se incompetente para a tramitação dos presentes autos por falta de preenchimento dos requisitos legais para o efeito, o que apenas uma leitura parcial do regime legal a respeito permitiria concluir. Com efeito, dispõe o artigo 45.º, n.º 4 do EMJ que na “falta de juízes de direito com os requisitos constantes dos nº.s 1 e 2, o lugar é provido interinamente, aplicando-se o disposto nos nº.s 2 e 3 do artigo 44.º”. Já este último normativo legal estabelece, no seu nº. 3, que “em caso de premente conveniência de serviço, o Conselho Superior da Magistratura pode colocar, em lugares de juízo central ou local de competência especializada, juízes de direito com menos de cinco anos de exercício de funções em juízo local de competência genérica.”. Considerou o Sr. Juiz de Instrução que não lhe competia decidir sobre a invocada ilegalidade das decisões proferidas pelo Conselho Superior da Magistratura, mas não deixou de proferir decisão sobre a pretensão apresentada, indeferindo-a. O entendimento subjacente ao despacho recorrido é o de que não constitui questão a decidir no âmbito do Processo de Instrução nº 324/14.0TELSB a da legalidade/regularidade das deliberações do Conselho Superior da Magistratura referentes à colocação de juízes no âmbito de movimento judicial anual e à suspensão da promoção de determinado juiz à Relação, devendo tais deliberações ser impugnadas perante a Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça. Na verdade, são questões diversas a de saber se ocorreu violação do juiz natural e se por isso os atos praticados no processo de instrução enfermam de invalidade e, por outro lado, a de saber se determinada deliberação do Conselho Superior da Magistratura deve ser declarada ilegal e destruída nos seus efeitos por anulação. As objeções que o recorrente suscita perante o despacho recorrido misturam as duas distintas vertentes e, por isso, critica que o Tribunal a quo tenha decidido que estes autos não eram o local próprio para se assacarem ilegalidades a actos do CSM devendo antes as decisões ser impugnadas junto da Secção de Contencioso do STJ, ao mesmo tempo que argumenta que a "substituição do juiz natural ou legal do processo (...) tem de poder ser sindicada neste processo, pois foi nestes autos que ela se verificou, o que ademais corresponde ao entendimento entretanto já manifestado pelo STJ, Secção de Contencioso.". Não assiste razão ao recorrente quando considera que “Mal andou, pois, o Tribunal a quo, ao interpretar o artigo 286.°, n.° 1, do CPP com o sentido de que não lhe é possível conhecer os vícios imputados à substituição do Juiz titular do Juiz 2 do TCIC e ao julgar-se (em suma) incompetente para decidir a arguição de invalidade que lhe foi submetida para apreciação e, portanto, ao não conhecer das questões de fundo que fundamentam essa arguição de invalidade” (…) e que “Deve, pois, o Tribunal ad quem decidir que o Tribunal a quo violou o artigo 7.°, n.° 1, do CPP e revogar o douto despacho de 23 de outubro de 2022”. É absolutamente irrepreensível o juízo do Tribunal recorrido quanto à reserva de competência da Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça para a impugnação das decisões do Conselho Superior da Magistratura: "(...), conforme cristalinamente explica a Senhora Conselheira Maria dos Prazeres Beleza, «das deliberações do Conselho Superior da Magistratura cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. A natureza e a função constitucional do Conselho Superior da Magistratura, que justificam a respetiva competência, bem como a sua composição, particularmente qualificada, justificam manifestamente que as suas deliberações sejam diretamente impugnadas perante o Supremo Tribunal de Justiça, e não em tribunais de primeira ou segunda instância. Basta ter em conta as matérias que estão em causa.» (cfr. Duas Questões Sobre a Impugnação das Deliberações do Conselho Superior da Magistratura para o Supremo Tribunal de Justiça: Inadmissibilidade de Recurso e Controlo do Erro de Facto, in Revista Julgar n.°30, 2016, p. 14, disponível em http:/(julqarotiwf;017is.,nÉ'upl),scs/20'16709/JULGAR-30-01-MPL3.,odt"). O mesmo, diga-se, se extrai directamente do artigo 170.° da Lei n.° 21/85, de 30 de julho (Estatuto dos Magistrados Judiciais, doravante EMJ), cujo n°. 1 dispõe que "[é] competente para o conhecimento das acções referidas no presente capítulo a secção de contencioso do Supremo Tribunal de Justiça." Outra questão, diversa daquela primeira, é a de saber se a composição do Tribunal é violadora do princípio do Juiz Natural, ou seja, a de saber se o juiz que está a processar e decidir nos autos é o Juiz Legal. Mas a essa questão, sem beliscar o princípio da suficiência do processo penal, não deixou o Sr. Juiz de Instrução de dar resposta, declarando-se competente para os autos e invocando o apoio do artigo 45.º, n.º 4 do EMJ para afastar as objeções suscitadas, entre outros, pelo ora recorrente. Procedeu, pois, à apreciação da questão suscitada, dentro dos limites do objeto da instrução, afirmando a sua competência pessoal e funcional enquanto Juiz de Direito em funções nos autos. A questão foi apreciada enquanto pressuposto de validade dos atos praticados no processo, mas não enquanto apreciação da legalidade da deliberação do Conselho Superior da Magistratura para efeito da anulação dos respetivos efeitos na colocação dos Magistrados Judiciais movimentados. Como se lê na decisão de rejeição liminar da providência cautelar de Suspensão de Eficácia – Processo nº 24/22.7YFLSB que correu termos pela Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça: "Mesmo que não seja estranho a esses cidadãos que, em cada processo e no seu estrito âmbito, possam colocar em causa a competência pessoal e funcional do juiz por protesto de não ser o competente nos termos sobreditos para o seu próprio processo, tal invocação não se confunde nem se alarga ao domínio das deliberações do CSM sobre a colocação e movimento e sua possibilidade legal de impugnação”. Aqui chegados, podemos já afirmar a resposta à primeira questão a apreciar neste recurso: não ocorreu qualquer violação do princípio da suficiência do processo penal, posto que na decisão recorrida foram apreciadas e decididas as questões suscitadas com relevância no âmbito da instrução. * Avançando. O recorrente invoca que a impossibilidade de impugnar as deliberações do Conselho Superior da Magistratura com reflexo na determinação concreta do juiz do processo, constitui violação do Direito da União Europeia e, mais precisamente da garantia de tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo Direito da União, consagrada nos artigos 19º, nº 1, § 2º, do Tratado da União Europeia, e 47º, § 2º, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia[1]. Alega o recorrente, no fundo, que ao não lhe ser reconhecido o direito de sindicar a colocação do Mm.° Juiz a quo, quer nestes autos, quer junto da Secção de Contencioso do STJ, fica impedido de impugnar essa colocação. Não tem razão, uma vez mais. O Direito da União Europeia consagra a garantia de tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo Direito da União, de modo a que todos tenham o direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei (artigo 47º, § 2º, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia), devendo assegurar-se a garantia de recurso (artigo 19º, nº 1, § 2º, do Tratado da União Europeia). Sucede que essas garantias não se mostram violadas, na medida em que da decisão proferida nos presentes autos (a causa do recorrente) foi interposto o presente recurso, precisamente para apreciação das questões pertinentes suscitadas, designadamente quanto à violação do princípio do Juiz Natural. A circunstância de ao arguido desta instrução não ser reconhecida a legitimidade para impugnar a deliberação do CSM que aprovou o movimento judicial ordinário de 2022, não constitui violação do Direito da União Europeia. Como explica o Supremo Tribunal de Justiça: "Objetivamente e de acordo com o deixado exposto, os atos suspendendos e consistentes nas deliberações impugnadas, de acordo com o alegado, não configuram uma lesão dos direitos e interesses individual e legalmente protegidos dos requerentes (enquanto arguidos num processo que é a qualidade e interesse que invocam) por não terem eles enunciado nessa qualidade qualquer interesse direto e pessoal juridicamente tutelável no movimento de colocação, suspensão e ou substituição dos juízes em razão de se encontrarem estes em comissões de serviço ou por outros motivos. Entendemos que nenhum prejuízo concreto e real, pessoal e direto subsumível no critério do art. 55 n°1 al. a) do CPTA foi invocado ou pode extrair-se das alegações dos autores, sublinhando-se que o processo em que os autores são arguidos, conforme eles mesmo o referem, continuou a ser tramitado sem interrupções decorrentes da mudança da titularidade do juiz. Como anteriormente se sublinhou a fiscalização da legalidade/ilegalidade objetiva dos atos administrativos está afeta ao Ministério Público e ou aos presidentes dos órgãos colegiais que os tenham praticado (cf. artigos 55.° n.° 1 el. b) e e) e 68.° n°1 al. b) e e) do CPTA), à ação popular, em defesa dos interesses difusos, e às ou entidades mencionadas no artigo 9.° n° 2 do CPTA (artigos 55.° n.°1,al. f) e 68.° n°1, al. f) do CPTA). Por outro lado, a legalidade/ilegalidade com incidência subjetiva (referente um particular concreto) exige a alegação de lesão de um interesse pessoal e direto, de uma desvantagem a que essa ilegalidade tenha dado causa no património jurídico patrimonial do impugnante.". As violações do Direito da União que o recorrente suscita são construídas sobre um pressuposto que não se verifica – o de que ao arguido não é deixada qualquer via de tutela jurisdicional efetiva, na medida em que não pode impugnar as deliberações do CSM perante a Secção do Contencioso do STJ, mas também não pode impugnar as decisões proferidas no processo de instrução, designadamente as que se referem à definição do Juiz Natural. Ora como decorre da simples existência deste recurso (incidente sobre a decisão recorrida que indeferiu o requerimento do requerente, sustentando que o Juiz de Instrução em exercício é o Juiz Legal dos autos), é evidente que ao recorrente é garantida a tutela jurisdicional, que é efetiva, permitindo-lhe designadamente a interposição de recurso em matérias relacionadas com o direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei. Sobre o tema da violação da garantia de tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo Direito da União é possível encontrar vasta jurisprudência, designadamente do TJUE, na qual se explicita o sentido e alcance das normas de Direito da União a que o recorrente lança mão para alicerçar a sua impugnação recursiva. Entre esses contributos jurisprudenciais, consideramos oportuno revisitar o que foi explicitado no Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 19 de novembro de 2019[2], onde se lê: “(…) como resulta das anotações ao artigo 47.º da Carta, que, nos termos do artigo 6.º, n.º 1, terceiro parágrafo, TUE e do artigo 52.º, n.º 7, da Carta, devem ser tomadas em consideração para efeitos da sua interpretação, o primeiro e segundo parágrafos desse artigo 47.º correspondem ao artigo 6.º, n.º 1, e ao artigo 13.º da CEDH (Acórdão de 30 de junho de 2016, Toma e Biroul Executorului Judecătoresc Horațiu‑Vasile Cruduleci, C‑205/15, EU:C:2016:499, n.º 40 e jurisprudência referida). 118. O Tribunal de Justiça deve, assim, assegurar que a sua interpretação do artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta garanta um nível de proteção que não viola o garantido no artigo 6.º da CEDH, conforme interpretado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (Acórdão de 29 de julho de 2019, Gambino e Hyka, C‑38/18, EU:C:2019:628, n.º 39). 119. No que respeita ao conteúdo desse artigo 47.º, segundo parágrafo, resulta da própria redação dessa disposição que o direito fundamental a um recurso efetivo que esta prevê implica nomeadamente o direito de toda a pessoa a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, por um tribunal independente e imparcial. 120. Esta exigência de independência dos órgãos jurisdicionais, que é inerente à missão de julgar, faz parte do conteúdo essencial do direito a uma tutela jurisdicional efetiva e do direito fundamental a um processo equitativo, que reveste importância essencial enquanto garante da proteção do conjunto dos direitos que o direito da União confere aos particulares e da preservação dos valores comuns aos Estados‑Membros, enunciados no artigo 2.º TUE, designadamente o valor do Estado de direito [Acórdão de 24 de junho de 2019, Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal), C‑619/18, EU:C:2019:531, n.o 58 e jurisprudência referida]. 121. Segundo jurisprudência constante, o referido conceito de independência comporta dois aspetos. O primeiro aspeto, de ordem externa, requer que a instância em causa exerça as suas funções com total autonomia, sem estar submetida a nenhum vínculo hierárquico ou de subordinação em relação a nenhuma entidade e sem receber ordens ou instruções de nenhuma proveniência, estando assim protegida contra intervenções ou pressões externas suscetíveis de afetar a independência de julgamento dos seus membros e influenciar as suas decisões [Acórdãos de 25 de julho de 2018,Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário), C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.o 63 e jurisprudência referida, e de 24 de junho de 2019, Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal), C‑619/18, EU:C:2019:531, n.o 72]. 122.O segundo aspeto, de ordem interna, está ligado ao conceito de imparcialidade e visa o igual distanciamento em relação às partes no litígio e aos respetivos interesses, tendo em conta o objeto deste. Este aspeto exige o respeito pela objetividade e a inexistência de qualquer interesse na resolução do litígio que não seja a estrita aplicação da regra de direito [Acórdãos de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário), C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.º 65 e jurisprudência referida, e de 24 de junho de 2019, Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal), C‑619/18, EU:C:2019:531, n.o 73]. 123.Estas garantias de independência e de imparcialidade postulam a existência de regras, designadamente no que respeita à composição da instância, à nomeação, à duração das funções, bem como às causas de abstenção, de impugnação da nomeação e de destituição dos seus membros, que permitam afastar qualquer dúvida legítima, no espírito dos particulares, quanto à impermeabilidade da referida instância em relação a elementos externos e à sua neutralidade relativamente aos interesses em confronto [Acórdãos de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário), C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.o 66 e jurisprudência referida, e de 24 de junho de 2019, Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal), C‑619/18, EU:C:2019:531, n.o 74]. 124. De resto, em conformidade com o princípio da separação de poderes que caracteriza o funcionamento de um Estado de direito, a independência dos órgãos jurisdicionais deve ser garantida em relação aos poderes legislativo e executivo (v., neste sentido, Acórdão de 10 de novembro de 2016, Poltorak, C‑452/16 PPU, EU:C:2016:858, n.o 35). 125. A este respeito, importa que os juízes se encontrem ao abrigo de intervenções ou de pressões externas que possam pôr em perigo a sua independência. As regras mencionadas no n.º 123 do presente acórdão devem, em especial, permitir excluir não só qualquer influência direta, sob a forma de instruções, mas também as formas de influência mais indireta suscetíveis de orientar as decisões dos juízes em causa [v., neste sentido, Acórdão de 24 de junho de 2019, Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal), C‑619/18, EU:C:2019:531, n.o 112 e jurisprudência referida]. 126. Esta interpretação do artigo 47.º da Carta é confortada pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa ao artigo 6.º, n.º 1, da CEDH segundo a qual esta disposição exige que os tribunais sejam independentes quer das partes quer do executivo e do legislador (TEDH, 18 de maio de 1999, Ninn‑Hansen c. Danemark, CE:ECHR:1999:0518DEC002897295, p. 19 e jurisprudência referida). 127.Nos termos de jurisprudência constante desse mesmo Tribunal, para determinar se um tribunal é «independente», na aceção do referido artigo 6.º, n.º 1, há que ter em conta, designadamente, o método de nomeação e a duração do mandato dos seus membros, a existência de proteção contra pressões externas e se o órgão em causa tem uma aparência de independência (TEDH, 6 de novembro de 2018, Ramos Nunes de Carvalho e Sá c. Portugal, CE:ECHR:2018:1106JUD005539113, § 144 e jurisprudência referida), sendo precisado, a este respeito, que está em causa a própria confiança que qualquer tribunal deve inspirar aos particulares numa sociedade democrática (v., neste sentido, TEDH, 21 de junho de 2011, Fruni c. Eslováquia, CE:ECHR:2011:0621JUD000801407, § 141). 128. Quanto à condição de «imparcialidade», na aceção do mesmo artigo 6.o, n.o 1, pode ser, nos termos de jurisprudência também constante do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, apreciada de diversas maneiras, a saber: segundo uma diligência subjetiva, tendo em conta a convicção pessoal e o comportamento do juiz, ou seja, averiguando se este fez prova de parcialidade ou de preconceito pessoal no caso em apreço, assim como segundo uma diligência objetiva que consiste em determinar se o tribunal oferecia, através, nomeadamente da sua composição, garantias suficientes para excluir qualquer dúvida legítima quanto à sua imparcialidade. No que respeita à apreciação objetiva, consiste em perguntar se, independentemente da conduta pessoal do juiz, determinados factos verificáveis permitem suspeitar da sua imparcialidade Nesta matéria, até as aparências podem ser importantes. Está em causa, novamente, a confiança que os tribunais de uma sociedade democrática devem inspirar aos particulares, a começar pelas partes no processo (v., nomeadamente, TEDH, 6 de maio de 2003, Kleyn e o. c. Países Baixos, CE:ECHR:2003:0506JUD003934398, § 191 e jurisprudência referida, e 6 de novembro de 2018, Ramos Nunes de Carvalho e Sá c. Portugal, CE:ECHR:2018:1106JUD005539113, §§ 145, 147 e 149 e jurisprudência referida). 129. Como o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem reiteradamente salientou, os conceitos de independência e de imparcialidade objetiva estão estreitamente ligados, o que leva, geralmente, a analisá‑los em conjunto (v., nomeadamente, TEDH, 6 de maio de 2003, Kleyn e outros c. Países Baixos, CE:ECHR:2003:0506JUD003934398, § 192 e jurisprudência referida, e 6 de novembro de 2018, Ramos Nunes de Carvalho e Sá c. Portugal, CE:ECHR:2018:1106JUD005539113, § 150 e jurisprudência referida). Nos termos da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, para se pronunciar sobre a existência de razões de receio de que essas exigências de independência ou de imparcialidade objetiva não sejam cumpridas num determinado processo, o ponto de vista duma parte entra em linha de conta mas não tem um papel decisivo. O elemento determinante consiste em saber se os receios em causa podem ser considerados objetivamente justificados (v., nomeadamente, TEDH, 6 de maio de 2003, Kleyn e o. c. Países Baixos, CE:ECHR:2003:0506JUD003934398, §§ 193 e 194 e jurisprudência referida, e 6 de novembro de 2018, Ramos Nunes de Carvalho e Sá c. Portugal, CE:ECHR:2018:1106JUD005539113, §§ 147 e 152 e jurisprudência referida). 130. Nesta matéria, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem salienta reiteradamente que, se o princípio da separação entre o poder executivo e a autoridade judicial tende a adquirir uma importância crescente na jurisprudência, nem o artigo 6.o nem nenhuma outra disposição da CEDH impõe aos Estados um determinado modelo constitucional que regule desta ou daquela maneira as relações e a interação entre os diferentes poderes estatais, nem obriga esses Estados a conformar‑se com este ou aquele conceito constitucional teórico no que respeita aos limites admissíveis a essa interação. A questão é sempre a de saber se, num determinado processo, as exigências da CEDH foram respeitadas (v., nomeadamente, TEDH, 6 de maio de 2003, Kleyn e o. c. Países Baixos, CE:ECHR:2003:0506JUD003934398, § 193 e jurisprudência referida; 9 de novembro de 2006, Sacilor Lormines c. França, CE:ECHR:2006:1109JUD006541101, § 59; e 18 de outubro de 2018, Thiam c. França, CE:ECHR:2018:1018JUD008001812, § 62 e jurisprudência referida).” Quanto, por outro lado, ao artigo 19.º do TUE, disposição igualmente invocada pelo recorrente, importa recordar que tal preceito concretiza o valor do Estado de Direito afirmado no artigo 2.º TUE, confia aos órgãos jurisdicionais nacionais e ao Tribunal de Justiça a missão de garantir a plena aplicação do direito da União em todos os Estados‑Membros, bem como a tutela jurisdicional que esse direito confere aos particulares. Sobre o princípio da tutela jurisdicional efetiva dos direitos conferidos aos particulares pelo Direito da União, pode ler-se no Acórdão do TJUE que vimos a seguir: " 168 . Ora, o princípio da tutela jurisdicional efetiva dos direitos conferidos aos particulares pelo direito da União, a que se refere o artigo 19.º, n.º 1, segundo parágrafo, TUE, constitui um princípio geral do direito da União que é atualmente afirmado no artigo 47.º da Carta, de modo que a primeira dessas disposições obriga todos os Estados‑Membros a estabelecerem as vias de recurso necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva, na aceção designadamente da segunda dessas disposições, nos domínios abrangidos pelo direito da União [v., neste sentido, Acórdão de 24 de junho de 2019, Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal), C‑619/18, EU:C:2019:531, n.os 49 e 54, e jurisprudência referida].”. A perspetiva do TJUE sobre a garantia de tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo Direito da União não suscita, em face dos contornos do caso concreto, qualquer apreensão – é manifesto que nenhuma violação ocorre, uma vez que o arguido recorrente não é deixado sem tutela jurisdicional efetiva, dispondo, para além do mais, da possibilidade (utilizada) de recurso. O Tribunal a quo apreciou a questão suscitada pelo arguido (no requerimento que apresentou em conjunto com outros) e indeferiu a pretensão apresentada. O requerimento suscitava questões relacionadas com o princípio do Juiz Natural e, por isso, evidentemente compreendidas no núcleo dos direitos conferidos aos particulares pelo Direito da União. O Tribunal a quo indeferiu a pretensão apresentada, conhecendo da questão que lhe foi colocada, afastando a pertinência de boa parte da argumentação invocada (por entender que a mesma ultrapassava os limites do objeto do processo de instrução e, consequentemente da esfera de competência do Tribunal recorrido), mas apreciando outros dos argumentos que, expressamente, afastou. Não se conformando com a decisão assim proferida, o arguido interpôs o presente recurso perante o Tribunal da Relação de Lisboa. É evidente e incontestável que o arguido não foi colocado em situação de ausência de tutela jurisdicional efetiva, sendo uma verdadeira falácia a invocação de que o mesmo não vê reconhecido o direito de sindicar a colocação do Mm.° Juiz a quo, quer nestes autos, quer junto da Secção de Contencioso do STJ. Nestes autos, como se viu, questionou a legalidade da colocação do Juiz e a sua pretensão foi considerada improcedente. A circunstância de o STJ considerar que carece de legitimidade para impugnar as deliberações do CSM junto da respetiva Secção do Contencioso perde, perante aquela primeira constatação, o significado que o recorrente quer ver-lhe atribuído. A causa do arguido corresponde ao presente processo de instrução e nele está a ser-lhe assegurada, com toda a plenitude, tutela jurisdicional efetiva. Improcede manifestamente o recurso quanto à suscitada questão da violação do Direito da União. E tal improcedência é de tal modo manifesta que, perante ela, se torna evidente a desnecessidade (e consequentemente, a proibição) de este Tribunal ad quem lançar mão do mecanismo do reenvio prejudicial sugerido pelo recorrente. Segundo jurisprudência constante do TJUE, igualmente referida no Acórdão que vimos a seguir, o procedimento instituído pelo artigo 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) é um “instrumento de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, graças ao qual o primeiro fornece aos segundos os elementos de interpretação do Direito da União que lhes são necessários para a resolução dos litígios que lhes cabe decidir (Cfr. Acórdão de 19 de dezembro de 2013, Fish Legal e Shirley, C-279/12, EU:C:2013:853, nº 29 e jurisprudência referida)”. Como o TJUE vem reafirmando, a “justificação do reenvio prejudicial não é emitir opiniões consultivas sobre questões gerais ou hipotéticas, mas a necessidade inerente à efetiva solução de um litígio (Acórdão de 10 de dezembro de 2018, Wightman e o., C-621/18, EU:C:2018:999, nº 28 e jurisprudência citada). Se se afigura que a questão submetida não é já manifestamente pertinente para a resolução do litígio, o Tribunal de Justiça não tem de conhecer do mérito (v., neste sentido, Acórdão de 24 de outubro de 2013, Stoilov i Ko, C-180/12, EU:C:2013:693, nº 38 e jurisprudência referida)”. Nesta conformidade, consideramos inviável o recurso ao reenvio prejudicial. Sem necessidade de advertências como a que o recorrente entendeu verter no final da sua resposta ao parecer do Digno Procurador-Geral Adjunto (perante as quais este Tribunal da Relação, independente e imparcial como é, não vacila), consideramos que o uso desse mecanismo, a ocorrer, mereceria liminar rejeição pelo TJUE. Sublinhamos, por outro lado e uma vez mais, que a jurisprudência do TJUE desde o Acórdão Cilfit (Acórdão do TJUE de 06-10-1982, Proc. C-283/31, ECLI:EU:C:1982:335) admite de forma consistente e constante a dispensa da obrigação de suscitar a questão prejudicial de interpretação, por insusceptibilidade de recurso, nas seguintes situações: - Em 1° lugar, quando a questão de direito da UE suscitada for impertinente ou desnecessária para a resolução do litígio concreto (como sucede no caso concreto); - Em 2° lugar, quando o TJUE já se tenha pronunciado, de forma firme, sobre a questão a reenviar em caso análogo, em sede de reenvio ou outro meio processual, atento o efeito erga omnes das suas decisões. Assim, sem necessidade de ulteriores considerações (que seriam sempre despiciendas), não se lançará mão do mecanismo de reenvio prejudicial. * Avancemos, pois, para a apreciação da questão da violação dos princípios do juiz natural e da inamovibilidade dos juízes. Tratam-se de princípios que receberam já amplo tratamento na jurisprudência do nosso Tribunal Constitucional. Assim, “no Acórdão n.º 393/89 afirmou-se ter este princípio a ver «com a independência dos tribunais perante o poder político. O que ele proíbe é a criação (ou a determinação) de uma competência “ad hoc” (de excepção) de um certo tribunal para uma certa causa. O princípio proíbe, em suma, os tribunais ad hoc». Numa formulação muito idêntica, e retomada posteriormente em diversas decisões, afirmou-se no Acórdão n.º 212/91 que «[a]o nível processual representa este princípio uma emanação do princípio da legalidade em matéria penal, tendo a ver com a independência dos tribunais perante o poder político e proibindo ‘a criação (ou a determinação) de uma competência ad hoc (de excepção) de um certo tribunal para uma certa causa — em suma, os tribunais ad hoc)’». O Acórdão n.º 614/03 representa um marco na nossa jurisprudência constitucional sobre o princípio do juiz natural. Este acórdão, depois de levar a cabo uma recensão da mais importante jurisprudência constitucional sobre a matéria, passa a analisar a consagração do princípio nas diversas jurisdições constitucionais europeias. A este propósito, analisa a jurisprudência constitucional alemã para a qual «a ameaça de privação do juiz determinado por lei resultava, hoje em dia, menos do poder executivo — como na origem histórica do princípio — do que da aplicação errada de disposições processuais, por parte do poder judiciário, devendo, nesta medida, intervir um controlo de arbitrariedade por parte do Tribunal Constitucional Federal». Sobre a jurisprudência constitucional alemã disse-se, com particular interesse para a questão que nos ocupa, no Acórdão n.º 614/03: «Particularmente relevantes afiguram-se as decisões relativas à forma de determinação em concreto, dentro de cada Tribunal, das formações judiciárias que intervêm na decisão. Assim, a participação na decisão de um juiz em substituição do Presidente, em caso de impedimento deste e de insuficiência no caso concreto dos membros do Tribunal não foi considerada violadora do princípio (decisão de 9 de Junho de 1961, in Entscheidungen…, cit., vol. 31, págs. 145 e segs.). Já, porém, na decisão de 24 de Março de 1964 (coletânea cit., vol. 17, págs. 294 e segs., esp. 299 e segs.) se decidira que o “juiz legal” no sentido constitucional não é apenas o tribunal como unidade organizatória, ou o tribunal enquanto órgão decisor, mas também o próprio juiz chamado a tomar a decisão num caso concreto, devendo as regras de determinação do juiz legal determinar previamente, tão precisamente quanto possível, que formação judiciária e que juízes, dela integrantes, serão chamados a decidir — tendo o Tribunal anulado, por esta razão, um plano de distribuição interna de trabalho que permitia uma excessiva variação dos juízes concretamente integrantes do Tribunal, e, no limite, uma manipulação arbitrária da sua composição (v. também sobre a composição do Tribunal em caso de existência de juízes excedentários — de Überbesetzung —, a decisão de 18 de Maio de 1965, in Entscheidungen…,vol. 19, págs. 52 e segs.). Mais recentemente, a forma de determinação dos juízes intervenientes numa decisão num tribunal superior veio a ser objeto de decisão pelo pleno do Tribunal Constitucional Federal alemão (pondo termo a uma divergência a este respeito entre as secções integrantes do Tribunal). Assim, a decisão de 8 de Abril de 1997 (in Entscheidungen…, vol. 95, págs. 322 e segs. — e v. igualmente a decisão de 28 de Outubro de 1997, in Entscheidungen…, cit., vol. 97, págs. 1 e segs.) veio precisar as exigências do princípio do juiz legal quanto ao plano interno de distribuição de processos, para casos em que os juízes que integram o tribunal superior em causa (no caso, tratava-se do Tribunal Federal das Finanças) sejam em número superior aos que hão-de integrar a formação judiciária decisora. Segundo o Tribunal Constitucional Federal, decorre do princípio constitucional um dever de determinação prévia, segundo critérios abstratos, dos juízes que intervirão em cada processo, devendo poder deduzir-se dessa determinação prévia a composição da formação judiciária competente. Pode ler-se nessa decisão, com interesse para as exigências do princípio do juiz natural sobre o sistema de distribuição de processos: “1. Com a garantia do juiz legal pretende o artigo 101.º, n.º 1, frase 2, da Lei Fundamental evitar que a justiça seja exposta a influências estranhas através da manipulação dos órgãos jurisdicionais. Deve evitar-se que através de uma escolha no caso individual do juiz que vai decidir possa vir a ser influenciado o resultado da decisão, independentemente da questão de saber de que lado provém tal manipulação (…). Procura-se assim garantir a independência da administração da justiça e a confiança dos sujeitos processuais e da comunidade na imparcialidade e nos critérios substanciais dos tribunais (…). Esta confiança seria lesada se o cidadão que procura a justiça tivesse que recear ver-se confrontado com um juiz que havia sido escolhido em consideração do seu caso e da sua pessoa. (…) O comando do artigo 101.º, n.º 1, frase 2, da Lei Fundamental, no sentido de se determinar tão precisamente quanto possível o juiz chamado a intervir no caso concreto, tem como consequência que, sempre que tal seja possível sem prejuízo para a eficácia da actividade jurisdicional e de acordo com o tipo de regulamentação adoptado, se deve efectuar essa determinação segundo critérios que excluam valorações subjetivas. Isto significa, por exemplo, que, nos casos em que a decisão de uma lide pode ser transferida de um órgão colegial a um juiz singular e em que este é o respetivo relator, se deve regular no plano de intervenção dos juízes pertencentes ao órgão colegial quais serão, respectivamente, relatores para os processos que vão entrando. O mesmo vale se numa formação judiciária de um tribunal com juízes excedentários a composição do grupo que vai decidir se fizer a partir da pessoa do relator. Na medida em que a composição não dependa da determinação do relator, esta última não contende com o juiz legal. O presidente de um órgão judiciário não está, por isso, impedido de designar, a partir dos seus membros — mesmo que ad hoc —, um determinado juiz como relator. Constitui, porém, pressuposto para tal que a competência do grupo de juízes integrantes da formação judiciária tenha sido determinada, nesse caso, em geral e previamente, segundo outras características objectivas, como, por exemplo, o n.º do processo, a data de entrada, o ramo do direito ou a origem do processo. Este pressuposto não pode considerar-se preenchido se num plano de intervenção dos juízes inicialmente apenas se previr que juízes haverão de intervir em que dias de sessão, e apenas a calendarização de cada processo conduzir à sua atribuição a uma concreta formação judiciária. Neste caso, o presidente mantém uma margem de decisão sobre a chamada de cada juiz a intervir em cada processo que não é necessária para o desempenho efetivo das funções da jurisdição, em face de outros sistemas de distribuição disponíveis, e à qual, por isso, se opõe a garantia do juiz legal.”». Quanto ao fundamento, afirma-se no Acórdão n.º 614/03 que o princípio do juiz natural, ou juiz legal, «para além da sua ligação ao princípio da legalidade em matéria penal, encontra ainda o seu fundamento na garantia dos direitos das pessoas perante a justiça penal e no princípio do Estado de direito no domínio da administração da justiça. É, assim, uma garantia da independência e da imparcialidade dos tribunais (artigo 203.º da Constituição)». O princípio contém «a exigência de determinabilidade do tribunal a partir de regras legais (juiz legal, juiz predeterminado por lei, gesetzlicher Richter) visa evitar a intervenção de terceiros, não legitimados para tal, na administração da justiça, através da escolha individual, ou para um certo caso, do tribunal ou do(s) juízes chamados a dizer o Direito. Isto, quer tais influências provenham do poder executivo — em nome da raison d’État — quer provenham de outras pessoas (incluindo de dentro da organização judiciária). Tal exigência é vista como condição para a criação e manutenção da confiança da comunidade na administração dessa justiça, “em nome do povo” (artigo 202.º, n.º 1, da Constituição), sendo certo que esta confiança não poderia deixar de ser abalada se o cidadão que recorre à justiça não pudesse ter a certeza de não ser confrontado com um tribunal designado em função das partes ou do caso concreto». Na sua dimensão positiva, o princípio abrange quer «a determinação do órgão judiciário competente», quer a «definição, seja da formação judiciária interveniente (secção, juízo, etc.), seja dos concretos juízes que a compõem» através do «dever de criação de regras, suficientemente determinadas, que permitam a definição do tribunal competente segundo características gerais e abstractas». As regras que permitem tal determinação, e logo relevantes para aferir o cumprimento das exigências do princípio, não são «apenas regras constantes de diplomas legais, mas também outras regras que servem para determinar essa definição da concreta formação judiciária que julgará um processo — por exemplo, as relativas ao preenchimento de turnos de férias —, mesmo quando não constam da lei e antes de determinações internas aos tribunais (por exemplo, regulamentos ou outro tipo de normas internas)». Na sua dimensão negativa, entendeu o Acórdão n.º 614/03 que o princípio do juiz natural significa uma proibição do afastamento, num caso individual, das regras gerais e abstratas que «permitem a identificação da concreta formação judiciária que vai apreciar o processo». Incluem-se aí quer «“proibição do desaforamento” depois da atribuição do processo a um tribunal, quer a proibição de tribunais ad hoc ou ex post facto, especiais ou excepcionais — a qual deve, aliás, ser relacionada também com a proibição, constante do artigo 209.º, n.º 4, da Constituição, de “existência de tribunais com competência exclusiva para o julgamento de certas categorias de crimes”, salvo os tribunais militares durante a vigência do estado de guerra (artigo 213.º da Constituição)». No Acórdão n.º 614/03 entendeu-se que não violava o princípio do juiz natural a alteração de regras relativas ao tempo ou momento da distribuição de um incidente processual, das quais indirectamente resultaria uma alteração da composição do tribunal e, consequentemente, a violação do princípio em causa. Com efeito, a alteração em causa imporia mudanças de turnos e a limitação do número de juízes que os integram, que por sua vez teriam incidência na definição do tribunal que julgaria o processo. Todavia, considerou-se que estava ainda em causa uma alteração com aplicação imediata e não apenas o afastamento, derrogação ou não aplicação da regra no caso concreto, alteração essa que teria justificação em razões de celeridade constitucionalmente atendíveis. O Ac. do TC 7/12 considerou que “Para que se considere observado o princípio do “juiz natural” é suficiente a existência de regras que permitam a definição do tribunal competente segundo características gerais e abstratas, sendo indiferente que essa norma opte pelo “tribunal de instrução” ou pelo tribunal que seria competente para o julgamento se o processo houvesse de chegar a tal extremo». Do que foi dito cumpre referir a diferenciação, na formulação do Acórdão n.º 614/03, entre uma dimensão positiva — o «dever de criação de regras, suficientemente determinadas, que permitam a definição do tribunal competente segundo características gerais e abstratas» — e negativa — a «proibição de afastamento das regras referidas, num caso individual — o que configuraria uma determinação ad hoc do tribunal» — do princípio. Por outro lado, apesar da formulação do artigo 32.º, n.º 9, da Constituição, segundo a qual «[n]enhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior», a verdade é que se afigura duvidoso retirar daí «uma absoluta proibição da “retroatividade” da determinação do tribunal penal competente» (Cf. J. Figueiredo Dias, “Sobre o Sentido do Princípio Jurídico-Constitucional do «Juiz Natural»”, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 111.º, n.º 3615., p. 85.) e, por maioria de razão, de qualquer outro tribunal. Como bem salienta J. Figueiredo Dias, uma interpretação da citada disposição constitucional que apenas atendesse ao respetivo teor literal perderia completamente de vista a razão que substancialmente justifica o princípio do juiz natural. Segundo o mesmo autor, «o princípio do juiz natural não obsta a que uma causa penal venha a ser apreciada por tribunal diferente do que para ela era competente ao tempo da prática do facto que constitui o objeto do processo; só obsta a tal quando, mas também sempre que, a atribuição de competência seja feita através da criação de um juízo ad hoc (isto é, de exceção), da definição individual (e portanto arbitrária) da competência, ou do desaforamento concreto (e portanto discricionário) de uma certa causa penal, ou por qualquer outra forma discriminatória que lese ou ponha em perigo o direito dos cidadãos a uma justiça penal independente e imparcial» (Cf. J. Figueiredo Dias, “Sobre o Sentido do Princípio Jurídico-Constitucional do «Juiz Natural»”, ob. cit., p. 86.) . Se retirarmos a estas palavras o qualificativo penal que nelas surge, ficaremos com uma boa formulação do alcance do princípio para todos os tribunais. Deste modo, o conteúdo do dever de conformação do legislador no que toca ao princípio do juiz natural abrange a determinação o mais possível inequívoca e precisa do tribunal competente para conhecer de uma determinada causa. Essa exigência de determinação deve entender-se, enquanto mandato de optimização, como uma exclusão de margens de livre decisão permitindo a fixação da competência do juiz caso a caso. O princípio do juiz natural pode sofrer ablações não só do legislativo, como do executivo mas do próprio judiciário (sendo esta a dimensão que nos interessa no caso concreto). Tal sucede quando os tribunais aplicam incorretamente as disposições normativas relativas à determinação do tribunal competente, à sua composição e modo de decisão. A este propósito, a jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão, com o propósito de impedir a transformação de toda a violação de disposições sobre estas matérias em violações do princípio do juiz natural, tem distinguido entre uma aplicação viciada de um error in procedendo e uma aplicação arbitrariamente injusta das disposições processuais sobre a determinação da competência dos tribunais. De acordo com este critério, viola a Constituição a participação num processo de um juiz impedido ou em relação ao qual exista um fundamento de suspeição, bem como, em geral, uma decisão que subverta o significado e alcance do princípio do juiz natural (Cf. Bodo Pieroth e Bernhard Schlink, Grundrechte Staatsrecht II, 28.ª ed., C. F. Müller, Heidelberga, n.º 1168, p. 292; Thomas Roth, Das Grundrecht auf den gesetzlichen Richter, cit., p. 208 e ss.). Temos, pois, que o princípio do juiz natural visa impedir a formação de tribunais ad hoc para julgar certos e determinados casos e visa, modernamente, impedir a colocação de determinado juiz para julgar determinado caso ou a remoção de determinado juiz para que não julgue determinado caso. A optimização do princípio faz-se estabelecendo regras concretas e precisas e com pouca margem de manobra casuística para o aplicador sendo que quando esta margem existe e é usada deverá ser explicitada de molde a se compreender o que subjaz à decisão.” * Desçamos ao caso concreto. Indo ao âmago das pretensões recursivas apresentadas, o recorrente parece entender que lhe assiste o direito a “ver mantido em funções” nos autos de instrução nº 324/14.0TELSB o Mmo. Juiz AA. Mas não lhe assiste razão. Como é sabido, os Juízes são colocados nos tribunais por movimentos judiciais em regra anuais, realizados pelo Conselho Superior da Magistratura. Nesses movimentos são preenchidos os lugares que antecipadamente se sabe que se encontrarão vagos à data em que o movimento deverá produzir efeitos e, por outro lado, as vagas que resultarem do próprio movimento. Entre os lugares cuja vacatura se conhece previamente à realização do movimento, estão, como é evidente, aqueles que se acham ocupados por juízes que, candidatando-se em concurso curricular de acesso aos Tribunais da Relação, sejam graduados nesse concurso para promoção à segunda instância. Essa foi, precisamente, a situação do Sr. Juiz AA que, como supra se consignou, estando colocado no J2 do TCIC, apresentou candidatura e foi graduado, para promoção, em concurso curricular de acesso aos Tribunais da Relação. Por assim ter sucedido, e sem que outra solução resultasse das regras legais préexistentes, a vaga de J2 do TCIC foi considerada e preenchida no movimento ordinário de 2022, tendo sido preenchida pelo Sr. Juiz de Direito CC, que requereu a sua transferência para tal lugar. Sucede que esse Sr. Juiz de Direito estava em comissão de serviço como Juiz Presidente em Comarca Lisboa, tendo o CSM mantido tal comissão. Por essa via, porque o titular do J2 do TCIC, por efeito da comissão de serviço, não asseguraria o efetivo desempenho de funções naquele tribunal, foi movimentado para o mesmo o Sr. Juiz de Direito BB, por destacamento em vaga de Auxiliar de substituição de titular. Sendo esta a linha de sucessos que conduziu a que se encontrasse a processar o autos de instrução nº 324/14.0TELSB o Mmo. Juiz BB, é evidente que não ocorreu qualquer violação princípio do Juiz Natural ou da inamovibilidade dos juízes. Tendo o Mmo. Juiz de Direito AA apresentado a sua candidatura para promoção aos Tribunais da Relação e sido graduado no concurso curricular, não pode considerar-se, como faz o recorrente, que o Conselho Superior da Magistratura o quis afastar dos autos de instrução nº 324/14.0TELSB.[3] O CSM mais não fez do que constatar a previsível vacatura do lugar de J2 do TCIC a partir de 1 de setembro de 2022 e, em conformidade com as regras aplicáveis, anunciar e preencher essa vaga no movimento ordinário subsequente ao Concurso Curricular. Tendo o Mmo. Juiz de Direito Dr. CC requerido a sua colocação na vaga de J2 do TCIC, o CSM observou as regras preestabelecidas e, de acordo com a notação e antiguidade do candidato, colocou-o como titular daquele J2. Encontrando-se, porém, em comissão de serviço, não poderia o Mmo. Juiz Dr. CC tramitar os processos do J2, razão pela qual a vaga foi preenchida por auxiliar para colmatar a ausência do titular (as vagas de auxiliar de substituição são criadas ao abrigo do poder de gestão do CSM, conforme as necessidades de cada Tribunal, dos recursos humanos aí existentes e da existência de vicissitudes ou constrangimentos). Este é verdadeiramente o trato sucessivo referente aos juízes legalmente colocados para exercerem funções no J2 do TCIC, sendo que não se vislumbra qualquer violação do princípio do Juiz Natural. Deverá notar-se que não compete ao Tribunal da Relação ou a qualquer outro Tribunal (excepto ao STJ – Secção do Contencioso [em sede de recurso de decisão do CSM]) apreciar da validade das decisões do Conselho Superior da Magistratura referentes a movimentos judiciais. A este Tribunal da Relação compete apenas constatar que, em conformidade com Deliberação do Conselho Superior da Magistratura cuja validade e eficácia se encontra mantida, foi preenchido o lugar de J2 do TCIC, sendo o Mmo. Juiz BB o Juiz Natural para processar os autos. Sendo o presente recurso um remédio jurídico, é imperioso que se constate que o Tribunal a quo decidiu bem a questão colocada pelos requerentes: a questão da sua competência para proferir despachos nos autos de instrução nº 324/14.0TELSB, tramitando tal processo. Como bem observou o Juiz a quo, a decisão sobre a insubsistência dos efeitos da deliberação do CSM, por ilegalidade, encontrava-se subtraída à sua apreciação, não fazendo parte do objeto da instrução. Também a este Tribunal da Relação está vedada essa apreciação, jamais podendo o presente recurso conduzir ao efeito pretendido pelo arguido, tal como vertido no ponto 385 da sua motivação: “ordenar que a tramitação da presente instrução prossiga sob a direção do seu juiz natural, que é o Exmo. Senhor Dr. AA”. Deverá sublinhar-se que o raciocínio do recorrente está efetivamente inquinado por um erro: o de que o lugar de Juiz 2 do TCIC não estava vago, quando na verdade estava. E estando vago, foi ocupado por outro Juiz de Direito. A circunstância de o Conselho Superior da Magistratura ter deliberado que, mercê do processo disciplinar, a promoção à Relação ficava suspensa, não transforma a vacatura do lugar em permanência do juiz que foi graduado no concurso curricular de acesso à Relação. É a seguinte a redação da norma do Estatuto dos Magistrados Judiciais à luz do qual o CSM deliberou a suspensão da promoção:
2 - Se o processo terminar sem condenação do magistrado judicial ou for aplicada uma sanção que não prejudique a promoção ou nomeação, o magistrado é promovido ou nomeado e ocupa o seu lugar na lista de antiguidade, com direito a receber as diferenças de remuneração. 3 - Se o magistrado judicial houver de ser preterido, completa-se a promoção ou a nomeação em relação à vaga que lhe havia ficado reservada. 4 - Em situações devidamente fundamentadas, o Conselho Superior da Magistratura pode levantar a suspensão prevista no n.º 1. Como bem entendeu o Ministério Público na sua resposta ao recurso, a “suspensão refere-se apenas à ocupação do novo lugar, isto é, deliberou o CSM que a ocupação do novo cargo, da nova vaga — que já é sua — ficou suspensa. E isto porque o disposto no artigo 107.° do Estatuto dos Magistrados Judicias (doravante EMJ), que é o que se aplica no caso concreto, não se confunde com o previsto nos artigos 95.° e 113.° do mesmo diploma legal”. Por isso, estando o lugar de Juiz 2 do TCIC vago, impunha-se que o mesmo fosse ocupado, razão pela qual foi a concurso e foi preenchido, pelo Mm.° Juiz CC, que passou a ser o juiz titular daquele J2. Estando este em comissão de serviço e estando outros dois dos Juízes titulares do TCIC ausentes do exercício de funções, foram ali colocados três juízes auxiliares que, em função da sua antiguidade, manifestaram as suas preferências nos lugares a ocupar, tendo a proposta concreta de afetação sido apresentada ao CSM, que a homologou. Foi nessa sequência, legal, transparente e inteiramente prevista no EMJ, que o Mm.° Juiz BB veio a ocupar o lugar de Juiz 2. Este procedimento em nada belisca o princípio do juiz natural, tal como beliscado não foi o princípio da inamovibilidade dos juízes, devendo o recurso improceder nesta parte. * O recorrente argumenta, ainda, com a inconstitucionalidade da interpretação normativa do artigo 107º do EMJ que esteve subjacente à deliberação do CSM, por entender que nessa interpretação se considera que a suspensão abrange não só a promoção, mas igualmente a suspensão de funções, em termos análogos ao estatuído no artigo 71º, nº 1, desse mesmo EMJ, permitindo-se, assim, afastar o Juiz do seu lugar e substitui-lo por outro. Conclui que essa interpretação é materialmente inconstitucional, por “constituir uma restrição injustificada dos princípios do juiz natural e da inamovibilidade dos juízes, tal como consagrado nos termos dos artigos 32º, nº 9, e 216º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.”. A questão de inconstitucionalidade suscitada, como outras no âmbito deste recurso, assenta num equívoco – olvida a circunstância de o Dr. AA se ter candidatado e sido graduado em concurso curricular de acesso aos Tribunais da Relação. Essa candidatura à promoção e a subsequente graduação fazem com que o até então juiz de direito ascenda à categoria de juiz desembargador, à qual não pode renunciar. Essa promoção, a que o candidato voluntariamente concorreu, não assenta numa qualquer forma de mobilidade imposta ao juiz fora das normas previstas no Estatuto dos Magistrados Judiciais. É por essa via que o juiz deixa de exercer funções no lugar onde estava antes da promoção e não, como parece entender o recorrente, por efeito da suspensão determinada ao abrigo do artigo 107º do EMJ. Só isso bastaria para que se concluísse pela improcedência da questão de constitucionalidade arguida. Mais assim se concluirá se, com rigor, se atender ao facto de se proceder nestes autos à apreciação de recurso da decisão proferida no âmbito da Instrução nº 324/14.0TELSB, sendo que no despacho recorrido, o Juiz a quo não perfilhou a interpretação normativa a que o recorrente faz apelo. Nessa conformidade, não cabe a este Tribunal de recurso conhecer da alegada inconstitucionalidade de interpretações normativas que não estão subjacentes à decisão judicial em apreciação, nem foram perfilhadas por este Tribunal da Relação. * Cumpre, seguidamente, apreciar a invocada questão de inconstitucionalidade normativa do artigo 44º, nº 2, do EMJ e do artigo 183º, nº 3, da LOSJ. A questão suscitada pelo recorrente assenta numa visão pessoalíssima do princípio do Juiz Natural que não tem qualquer correspondência com os contornos e alcance desse princípio constitucionalmente garantido, tal como supra o analisámos. Na perspetiva do recorrente, o princípio do juiz natural impõe que se assegure a distribuição aleatória dos magistrados pelas “várias subdivisões administrativas do mesmo Tribunal” e, portanto, pelos vários processos afetos a cada uma das subdivisões administrativas, pois a seu ver, só assim se assegura que não existam magistrados ad causam. Estabelece o recorrente uma distinção entre aquilo que para si são “Tribunais distintos” e “subdivisões administrativas do mesmíssimo tribunal”. Trata-se de mais um equívoco. Para todos os efeitos previstos na Constituição e na Lei cada uma das unidades em que está prevista a colocação de um juiz constitui um Tribunal distinto (no qual o juiz administrará a Justiça em nome do povo, como lhe impõe a Constituição). O princípio do Juiz Natural exige que para cada processo haja, em cada momento, um juiz determinado a partir de regras legais (juiz legal, juiz predeterminado por lei, gesetzlicher Richter). Por lei, na colocação dos juízes no âmbito dos movimentos judiciais é atendida a preferência manifestada pelos candidatos, de acordo com os critérios prédeterminados da classificação de serviço e da antiguidade – solução que resulta do disposto nos artigos 44.°, n.° 2, do EMJ e 183.°, n° 3, da Lei da Organização do Sistema Judiciário. O funcionamento dessas regras de colocação dos magistrados judiciais não contende o princípio do Juiz Natural. Tanto basta para que se conclua, uma vez mais, pela improcedência da questão suscitada. * Por fim, cumpre apreciar a questão da “invalidade da intervenção nos autos do Exmo. Sr. Dr. BB, em concreto”. Entende o recorrente que o concreto juiz colocado no J2 do TCIC não pode ali exercer funções, por não ter ainda a antiguidade exigida por lei e não terem sido indicadas circunstâncias excecionais que fundamentem a derrogação do critério legal de colocação. Cumpre revisitar o que o Sr. Juiz de Instrução a quo, expressamente, referiu na decisão recorrida: “Sempre se deve adiantar, por último, que não colhe, salvo o devido respeito, o entendimento de que o magistrado judicial subscritor deveria declarar-se incompetente para a tramitação dos presentes autos por falta de preenchimento dos requisitos legais para o efeito, o que apenas uma leitura parcial do regime legal a respeito permitiria concluir. Com efeito, dispõe o artigo 45.º, n.º 4 do EMJ que na “falta de juízes de direito com os requisitos constantes dos nº.s 1 e 2, o lugar é provido interinamente, aplicando-se o disposto nos nº.s 2 e 3 do artigo 44.º”. Já este último normativo legal estabelece, no seu nº. 3, que “em caso de premente conveniência de serviço, o Conselho Superior da Magistratura pode colocar, em lugares de juízo central ou local de competência especializada, juízes de direito com menos de cinco anos de exercício de funções em juízo local de competência genérica.”. Nenhum reparo merece a decisão. Estabelece o artigo 45.°, do EMJ, sob a epígrafe "Nomeação para juízos de competência especializada": "1 - São nomeados, de entre juízes de direito com mais de 10 anos de serviço, com classificação não inferior a Bom com distinção e preferencialmente com formação específica na respetiva área de competência, os magistrados judiciais colocados nos seguintes juízos ou tribunais de competência especializada: a) Juízos centrais cíveis; b) Juízos centrais criminais; c) Juízos de instrução criminal; d) Juízos de família e menores,' e) Juízos de trabalho; 1) Juízos de comércio; g) Juízos de execução; h) Tribunal da propriedade intelectual; i) Tribunal da concorrência, regulação e supervisão; I) Tribunal marítimo; k) Tribunais de execução das penas; 1) Tribunal central de instrução criminal. 2 - São nomeados, de entre juízes de direito com mais de cinco anos de serviço e com classificação não inferior a Bom, os magistrados judiciais colocados nos juízos locais dos tribunais de comarca desdobrados em secções cíveis e criminais. 3—(..) 4 - Na falta de juízes de direito com os requisitos constantes dos n. os 1 e 2, o lugar é provido interinamente, aplicando-se o disposto nos n. os 2 e 3 do artigo 44.°." E os números 2 e 3, do artigo 44.°, do EMJ, preveem: "2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, constituem fatores atendíveis nas colocações, por ordem decrescente de preferência, a classificação de serviço e a antiguidade 3 - Em caso de premente conveniência de serviço, o Conselho Superior da Magistratura pode colocar, em lugares de juízo central ou local de competência especializada, juízes de direito com menos de cinco anos de exercício de funções em juízo local de competência genérica.". Como bem observou o Ministério Público na resposta ao recurso, o EMJ contempla a regra das colocações em tribunais de competência especializada, mas igualmente as suas exceções. Não há qualquer violação do disposto nos invocados artigo 183.°, n.° 1, 81.°, n.° 3, al. f) da LOSJ e artigo 45.°, n.° 1, al. c), do EMJ. Tanto basta para que se conclua pela improcedência do recurso, também nesta parte. * IV. DECISÃO Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido ... e, em consequência, em manter a decisão recorrida. * Fixa-se em 5 UC a taxa de justiça devida pelo arguido recorrente. * Comunique a presente decisão, de imediato, ao Processo de Instrução nº 324/14.0TELSB. * D.N. * Lisboa, 13 de julho de 2023 Jorge Antunes Juiz Jorge Gonçalves Capitolina Rosa _______________________________________________________ [1] Tais normas estabelecem: - Artigo 19º, nº 1, § 2º do TUE - "Os Estados-Membros estabelecem as vias de recurso necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União"; - Artigo 47.°, §2º, da Carta: "Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei. Toda a pessoa tem a possibilidade de se fazer aconselhar, defender e representar em juízo”. [2] Acessível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/pt/TXT/?uri=CELEX:62018CJ0585 [3] Carece em absoluto de sentido a invocada violação do princípio da inamovibilidade dos juízes. Sobre o mesmo, dispõe o artigo 6.° do EMJ que: "Os magistrados judiciais são nomeados vitaliciamente, não podendo ser transferidos, suspensos, promovidos, aposentados ou reformados, demitidos ou por qualquer forma mudados de situação senão nos casos previstos no presente Estatuto.”. Como é evidente o movimento dos magistrados judiciais, a sua promoção e colocação por transferência estão previstos por lei, no EMJ. |