Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
587/23.0T8TVD.L1-2
Relator: ANTÓNIO MOREIRA
Descritores: PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
MEDIDA DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
APOIO JUNTO DOS PAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/04/2024
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Inexistindo uma situação de facto passível de afectar a segurança, a saúde, a formação, a educação, o bem‑estar e o desenvolvimento integral dos menores, não há que prorrogar a medida de apoio junto dos pais acordada e aplicada em sede de processo de promoção e protecção, designadamente no âmbito de uma alegada (e não demonstrada) psicopatologia do progenitor, sem qualquer relação com a situação dos menores.
(Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Em 15/3/2023 o Ministério Público requereu a abertura de processo judicial de promoção e protecção relativamente aos menores R.C. e M.C., ambos filhos de P.C. e de R.G.
Foi declarada aberta a instrução e designado o dia 30/3/2023 para a tomada de declarações aos pais, aí tendo sido apresentada proposta de acordo de promoção e protecção, que mereceu a concordância dos mesmos, pelo que foi declarada encerrada a instrução e realizada a conferência a que alude o art.º 112º da LPCJP, onde foi obtido acordo de promoção e protecção relativamente aos menores em questão, para a aplicação da medida de apoio junto dos pais, com prazo de duração de 12 meses, homologado judicialmente após promoção do Ministério Público nesse sentido.
A medida em questão foi revista e mantida em 29/9/2023.
Com data de 29/2/2024 foi apresentado pela EMAT relatório social de acompanhamento da execução da medida, com o seguinte teor:
No âmbito do acompanhamento da Medida de Promoção e Protecção, informa‑se que:
·Ambas a criança se mantém integradas no Agrupamento de Escolas (…).
·Segundo a progenitora, o pai, iniciou actividade laboral, em Lisboa, com horário fixo das 9h às 17horas, na área das telecomunicações (empresa Vodafone).
·O R.C. mantem acompanhamento psicológico semanal.
· Nas palavras da mãe, a situação familiar está mais tranquila, reconhecendo a mesma que o facto de o marido ter iniciado actividade laboral, tem ajudado a todos os níveis no que concerne à dinâmica familiar.
·P.C. não se encontra a cumprir o APP, nomeadamente o ponto 4 do mesmo.
Perspectiva dos intervenientes
(…)
▪ Perspectiva da família
Do contacto telefónico estabelecido com R.G., aferimos que esta considera que, no contexto familiar “está tudo tranquilo”, e que o percurso escolar dos filhos decorre normalmente. Também na perspectiva da mãe, o facto de o pai se encontrar a exercer actividade laboral, “de ter de sair de casa todos os dias e estar a fazer o que gosta” (sic) tem contribuído para a alegada melhoria do contexto familiar quer do ponto de vista financeiro quer do ponto de vista relacional do agregado.
Relativamente ao R.C., aditou que em Dezembro teve de ajustar a medicamentação do R.C., uma vez que, “o medicamento estava esgotado articulei com o Dr. Rh que mudou a dosagem, mas não era o suficiente para o R.C. aguentar o dia, tendo tido alguns problemas na escola, o que já está resolvido” (sic).
No que concerne à M.C., verbaliza que a filha é “muito tranquila, boa aluna e amorosa” (sic).
Esta equipa continua sem conseguir recolher a perspectiva do pai, uma vez que não consegue estabelecer contacto com o mesmo.
▪ Perspectiva da rede social de apoio formal e informal
De acordo com o Agrupamento de Escolas (…), na pessoa das professoras titulares de turma quer do R.C. quer da M.C., foi recepcionada informação através de correio electrónico, a qual consideramos transcrever na integra:
“Segue a presente carta com as informações solicitadas por V.ª Exas. relativas aos menores M.C. e R.C., a frequentar a EB (…).
- Os alunos são assíduos e pontuais. As faltas que tenham ocorrido foram devidamente justificadas; -Participam nas actividades propostas, demonstrando interesse e empenho;
- Apresentam um bom relacionamento com os seus pares e adultos e são cumpridores das regras estabelecidas. Realçar que o R.C. tem melhorado no seu processo de socialização continuando a estar medicado. Contudo, este ano a situação voltou a descontrolar-se ligeiramente a partir do mês de Dezembro, tendo sido necessário recorrer a um ajuste da medicação por parte da Pedopsiquiatra, por intermédio da encarregada de educação.
- A encarregada de educação, sempre que solicitada a sua intervenção ou por iniciativa própria perante algum constrangimento/reuniões de avaliação associado aos seus discentes, colabora, mostrando interesse, disponibilidade e preocupação com os seus filhos.
- O aluno R.C. continua a receber acompanhamento psicopedagógico semanal pela Segurança Social, com a psicóloga F.G. do CADIF” (sic)
Do acompanhamento perpetuado pela psicóloga clínica, Dra. F.G., aferimos que tem frequência semanal, aguardando a EMAT pela informação clínica já solicitada via correio electrónico.
Das articulações efectuadas entre a EMAT e o CRI do Oeste, cumpre-nos informar que:
“A resposta é a mesma que foi dada no último email, de dia 29 de Janeiro de 2024. O Sr. P.C., faltou à consulta no dia 9 de Outubro de 2023. Até á presente data não voltou a contar o Serviço.”
Por último importa referir que aguarda a EMAT, pela informação clínica a favor de R.C., nomeadamente ao Hospital D. Estefânia, na especialidade de pedopsiquiatria, solicitada a 27/09/2023 e 22/02/2024.
Parecer técnico
Da análise da informação recolhida, junto dos serviços e da progenitora, parece‑nos que a situação de perigo não subsiste; não obstante, e atendendo ao facto de que esta equipa não conseguiu até à presente data contactar com o pai nem com o Pedopsiquiatra que acompanha o jovem, considera-se, salvo melhor opinião, que a medida de promoção e protecção deverá ser prorrogada até que sejam recepcionadas as informações clinicas referentes ao R.C.
É igualmente de nosso entendimento, salvo melhor opinião, que o progenitor seja sensibilizado para voltar a integrar as consultas no CRI do Oeste, num curto espaço de tempo, a fim de percebermos se os pressupostos, a que levaram a sinalização do referido processo se encontram ultrapassados tal como consolidar o APP, nomeadamente o ponto 4 do mesmo”.
Foi solicitada a informação em falta relativa ao acompanhamento psicológico do menor R.C. pela psicóloga identificada no relatório da EMAT, bem como as informações clínicas da especialidade de pedopsiquiatria, em falta.
Em 5/4/2024 foi junta a informação prestada pela psicóloga que acompanha o menor R.C., aí concluindo a mesma que o “R.C. apresenta um ritmo próprio de aprendizagem assumindo dificuldade no raciocínio em tarefas onde estão em causa as suas dificuldades cognitivas, de atenção e concentração. Sendo com componente lúdica e a diversificação de métodos pedagógicos e ainda, apoio individualizado sempre que possível para treino de competências. Em termos emocionais, o R.C. é uma criança que revela instabilidade e falta de regulação emocional, incluindo autocontrolo”.
Em 29/5/2024 foi junta a informação clínica em falta relativa à especialidade de pedopsiquiatria, aí constando que o R.C. é acompanhado em consultas de pedopsiquiatria desde 2018, por “atraso de linguagem NE, dificuldades na auto‑regulação emocional e dificuldades de expressão com comprometimento da relação com os outros (pares e adultos) e dificuldades na aquisição de competências a nível de desenvolvimento esperado para a sua faixa etária”, mais sendo informado que o mesmo mantém seguimento regular bimensal nas consultas, com a próxima consulta agendada para 15/7/2024, e que mantém tratamento farmacológico.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido da prorrogação da medida por seis meses, entendendo que se mantém a situação de perigo, em face do relatório da EMAT.
Com data de 6/6/2024 foi então proferida a seguinte decisão:
Nos presentes autos de promoção e protecção dos direitos das crianças R.C. e M.C., por decisão proferida em 30.03.2023 foi aplicada a medida de apoio junto dos pais, nos termos dos artigos 35º, nº 1, al. a), 39º e 60º, nº1, todos da LPCJP pelo período de um ano.
Foi junto aos autos relatório, sugerindo a continuação da medida uma vez que, não obstante se concluir que as crianças não se encontram em perigo não foram recepcionadas as informações clínicas referentes ao R.C.
Foi cumprido o contraditório, nada tendo sido dito.
O M.P. pronunciou-se no sentido da manutenção da medida.
Foram solicitadas e juntas aos autos as informações clínicas referentes ao R.C.
Cumpre apreciar:
Conforme consta do relatório junto aos autos a situação que originou os presentes autos encontra-se debelada não se identificando na presente data qualquer situação de perigo que justifique a intervenção no âmbito da LPCJP.
Na verdade, consta do relatório que o acordo de promoção e protecção que” - Os alunos são assíduos e pontuais. As faltas que tenham ocorrido foram devidamente justificadas; -Participam nas actividades propostas, demonstrando interesse e empenho; - Apresentam um bom relacionamento com os seus pares e adultos e são cumpridores das regras estabelecidas. Realçar que o R.C. tem melhorado no seu processo de socialização continuando a estar medicado. Contudo, este ano a situação voltou a descontrolar-se ligeiramente a partir do mês de dezembro, tendo sido necessário recorrer a um ajuste da medicação por parte da Pedopsiquiatra, por intermédio da encarregada de educação. -A encarregada de educação, sempre que solicitada a sua intervenção ou por iniciativa própria perante algum constrangimento/reuniões de avaliação associado aos seus discentes, colabora, mostrando interesse, disponibilidade e preocupação com os seus filhos. - O aluno R.C. continua a receber acompanhamento psicopedagógico semanal pela Segurança Social, com a psicóloga F.G. do CADIF”
Mais resulta do referido relatório que “Do contacto telefónico estabelecido com R.G., aferimos que esta considera que, no contexto familiar “está tudo tranquilo”, e que o percurso escolar dos filhos decorre normalmente. Também na perspectiva da mãe, o facto de o pai se encontrar a exercer actividade laboral, “de ter de sair de casa todos os dias e estar a fazer o que gosta” (sic) tem contribuído para a alegada melhoria do contexto familiar quer do ponto de vista financeiro quer do ponto de vista relacional do agregado.”
Por sua vez, das informações clínicas solicitadas quanto ao R.C. resulta que o mesmo tem sido acompanhado nas consultas agendadas, estando o mesmo a ser acompanhado em consultas de pedopsiquiatria e psicologia e a ser cumprida a terapêutica prescrita.
Tendo em conta o exposto, afigura-se-nos, que as razões apontadas pela TGP não se afiguram de molde a fazer justificar, só por si, a continuação da medida protectiva aplicada, encontrando-se neste momento ultrapassada a situação de perigo que levou à instauração dos presentes autos e afastada a necessidade de continuação de medida de promoção e protecção as quais revestem manifestamente um carácter de excepcionalidade, de urgência, de intervenção e de provisoriedade.
Na verdade, para além de já terem sido juntas as informações clinicas que a TGP informou estarem em falta e resultar das mesmas que o R.C. está devidamente acompanhado, o facto de o progenitor não ter comparecido no CRI Oeste conforme se comprometera em sede de APP não justifica, por si só, que se mantenha a medida aplicada, tanto mais, que, se por um lado, a alegada problemática da adição dos jogos on line não foi comprovada, por outro, tal adição (ainda que não comprovada), conforme resulta do teor das informações juntas e foi verbalizado pela progenitora, não está a colocar as crianças em situação de perigo, sendo que a situação relacional do agregado familiar estabilizou.
Assim, atento os princípios da intervenção, designadamente o da intervenção mínima e concluindo-se que estas crianças não vivenciam situação de perigo, não vislumbramos, qualquer justificação para a manutenção da medida aplicada.
Pelo fundamentos expostos, declaro cessada a medida de promoção e protecção que havia sido aplicada no presente processo, nos termos conjugados dos artigos 35º, nº 1, al. a), 60º, nº 1 e 2, 62º, nº 1, nº 3, alínea a), nº 4 e nº 5 e 63º, nº 1, al. b), todos da LPCJP, determinando-se o arquivamento dos autos”.
O Ministério Público recorre desta decisão final, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
I. Estamos perante um processo de promoção e protecção que tem por objecto a promoção dos direitos e protecção das crianças R.C., nascido a 08.07.2015 e M.C., nascida a 01.12.2016, por forma a garantir a sua formação escolar, a sua saúde, o seu bem-estar e o desenvolvimento integral – artigo 1.º da LPCJP.
II. A aplicação das medidas de promoção e protecção visam afastar o perigo em que a criança ou jovem se encontrem, proporcionar-lhes as condições que permitem proteger e promover a sua segurança, a sua saúde, a sua formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral e garantir a recuperação física e psicológica das crianças vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso. – artigo 34.º alíneas a) b) e c) da LPCJP.
III. As crianças têm o direito fundamental à protecção da sociedade e do Estado com vista ao seu desenvolvimento integral – artigo 69.º da CRP e Convenção dos Direitos da Criança (adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20.11.1989, assinada por Portugal em 26.01.90, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90 de 12.09 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º49/90, ambos publicados no DR I Série n.º211/90 de 12.10.90.
IV. Com vista a assegurar o superior interesse das crianças, entendendo que se encontram em perigo a sua formação, educação, saúde e o desenvolvimento, o Ministério Público deu entrada em Juízo do processo judicial de promoção e protecção, com fundamento em que “o pai é viciado em jogo online, grita, joga durante a noite, incomodando a sua vizinhança”, “as crianças estão expostas ao comportamento do pai” e a criança R.C. “tem alterado o seu comportamento na escola. Está agressivo com os colegas e com episódios de autoagressão”.
V. As crianças encontravam-se integradas na Escola Básica (…) e foi reportado que o agregado familiar das crianças se encontrava referenciado no Gabinete de Intervenção Comunitário (CIC) por fragilidade económica e devido “à instabilidade familiar, social e emocional” das crianças, sendo a dependência dos jogos on line por parte do progenitor um dos principais problemas.
VI. Em 30.03.2023 foi celebrado acordo de promoção e protecção em que se aplicou a medida de apoio junto dos pais, prevista no artigo 35.º n.º 1 alínea a) e 39.º da LPCJP, pelo período de 12 meses, com revisão semestral, com imposição aos progenitores das seguintes obrigações, entre outras:
- assegurar aos menores todos os cuidados gerais relativos à alimentação, higiene, segurança, saúde e vestuário das mesmas;
- a adoptar comportamentos que promovam a segurança, saúde e educação dos filhos;
- a abster-se de comportamentos de conflituosidade entre si na presença dos menores;
- a iniciar acompanhamento nas consultas de psiquiatria/ terapia focando-se em tratamento do vício do jogo online e caso seja necessário a toma de medicação prescrita;
VII. Não obstante o teor da promoção do Ministério Público em que manifestou a sua posição quanto à necessidade de revisão e prorrogação da medida de promoção e protecção a favor das crianças por se encontrar em situação de perigo ao nível da sua formação, educação e o desenvolvimento das crianças, integrando a previsão do artigo 3.º alíneas c) e f) da LPCJP, o tribunal não atendeu a mesma e decidiu cessar a medida e arquivar os autos.
VIII. Afigura-se que o arquivamento do presente processo de promoção e protecção e cessação da medida de promoção e protecção, designadamente da medida de apoio junto dos progenitores, se mostra temerário, imprudente e destituído de fundamento legal.
IX. Ao considerar que a situação das crianças não enquadra uma situação objectiva de risco para a sua saúde, educação e desenvolvimento e determinar o arquivamento dos autos, a decisão proferida não respeitou o superior interesse das crianças e o seu direito à saúde e educação e ao bem-estar das mesmas.
X. Importaria, em nosso entendimento, proceder à revisão da medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais, pelo período de 6 meses e ainda determinar a realização de exame pericial psicológico para avaliação da personalidade e ainda realização de exame psiquiátrico para avaliação da psicopatologia parental e interferência nas capacidades parentais.
XI. O tribunal desvalorizou o teor do relatório do ISS EMAT de 27.02.2024 nas partes em que foi mencionado que foram tentados contactos com o progenitor, sem sucesso, não colaborando com a equipa e ainda “Das articulações efectuadas entre a EMAT e o CRI do Oeste, cumpre-nos informar que: “A resposta é a mesma que foi dada no último email, de dia 29 de Janeiro de 2024. O Sr. P.C., faltou à consulta no dia 9 de Outubro de 2023. Até à presente data não voltou a contar o Serviço.” e “é igualmente de nosso entendimento, salvo melhor opinião, que o progenitor seja sensibilizado para voltar a integrar as consultas no CRI do Oeste, num curto espaço de tempo, a fim de percebermos se os pressupostos, a que levaram a sinalização do referido processo se encontram ultrapassados tal como consolidar o APP, nomeadamente o ponto 4 do mesmo”.
XII. O tribunal desvalorizou o teor do relatório enviado pelo CHUL, especialidade de pedopsiquiatria, de 24.05.2024 em que consta que a criança R.C. foi diagnosticada com perturbação de linguagem expressiva, perturbação depressiva SOE, perturbação de oposição e desafio, sendo mencionado com factor importante “situação familiar de risco por psicopatologia parental?.”
XIII. O tribunal não atendeu que as crianças R.C. e M.C. se encontram a residir diariamente com o progenitor, cujos problemas de saúde mental não estão devidamente esclarecidos e identificados, e que assume comportamentos agressivos, gritando e fazendo barulho, incomodando todos os elementos do agregado familiar e dos vizinhos.
XIV. Consideramos que se mostra essencial acompanhar a evolução da situação de saúde do progenitor através de acompanhamento de perto de todo o acompanhamento médico e terapêutico, devendo ser instigado a cumprir escrupulosamente as obrigações de avaliação e tratamento pelo CRI OESTE.
XV. A decisão recorrida violou flagrantemente os direitos e interesses das crianças e o disposto nos artigos 3.º n.º 1 e n.º 2, 4.º, 5.º alínea a), 34.º, 35.º n.º1 alínea a), 39.º, 60.º, 62.º e 111.º da LPCJP, artigos 28.º, 29.º, 30.º da Convenção sobre os Direitos de Criança (Resolução da assembleia da República nº 20/90, D.R. I Série, nº 211, de 12.9.90), não assegurando o direito das crianças à sua saúde, escolaridade, formação profissional e desenvolvimento integral.
Não foi apresentada qualquer alegação de resposta.
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Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos art.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, a única questão suscitada prende-se com a verificação da situação de perigo dos menores, a justificar a prorrogação da medida de promoção e protecção anteriormente aplicada.
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A factualidade com relevo para o conhecimento do objecto do presente recurso é a que decorre das ocorrências e dinâmica processual expostas no relatório que antecede.
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O recorrente discorda da decisão recorrida, apresentando como principal argumento a circunstância de o pai dos menores estar referenciado como “viciado em jogo online” e não frequentar as consultas para tratamento desse vício, o que significa que se mantém a situação de perigo que determinou a aplicação da medida de promoção e protecção, e sendo assim necessário prorrogar a mesma pelo período de seis meses, para a realização de “exame pericial psicológico para avaliação da personalidade e ainda realização de exame psiquiátrico para avaliação da psicopatologia parental e interferência nas capacidades parentais”. Do mesmo modo, sustenta que tal situação de perigo está sinalizada no relatório clínico da especialidade de pedopsiquiatria, de onde resulta o diagnóstico do menor R.C. “com perturbação de linguagem expressiva, perturbação depressiva SOE, perturbação de oposição e desafio, sendo mencionado “situação familiar de risco por psicopatologia parental?.””.
Começando pela invocada “situação familiar de risco por psicopatologia parental”, torna-se necessário atentar, desde logo, que a situação é referida clinicamente na forma de uma interrogação, e não de uma conclusão.
Do mesmo modo, tal situação é referida num relatório elaborado em 29/9/2023, aí se referindo que o menor “teve os diagnósticos” que aí vêm descritos (e reproduzidos pelo recorrente, como se se tratasse de uma informação actual), e não que mantém (com referência a 29/5/2024, data da última informação) tais diagnósticos.
Ou seja, se se associar a forma interrogativa como a especialidade de pedopsiquiatria se referia à tal “situação familiar de risco por psicopatologia parental” em 29/9/2023, com a ausência de qualquer referência a tal situação nos relatórios e informações mais recentes, seja aquele produzido por essa mesma especialidade, seja o relatório da psicóloga que acompanha o R.C., seja o último relatório da EMAT, é de afastar qualquer relação causal entre os atrasos de aprendizagem e dificuldades cognitivas manifestados pelo R.C., e qualquer alegada (e não demonstrada) psicopatologia do seu pai.
E, de todo o modo, inexistem quaisquer indícios actuais e concretos dessa patologia imputada ao pai do R.C.
Com efeito, e como resulta claro do relatório da EMAT, a mãe dos menores refere que “está tudo tranquilo” no contexto familiar, estando o pai dos menores a exercer a sua actividade profissional na área das telecomunicações, em Lisboa e com horário fixo entre as 9 e as 17 horas, o que contribui positivamente para a dinâmica familiar, porque o mesmo sai de casa todos os dias e está “a fazer o que gosta”.
E ainda que se sinalize a falta de comparência do pai às consultas que se comprometeu a frequentar, no sentido do tratamento da alegada situação de adição, tal situação não é de molde a afirmar a existência de qualquer risco para os menores, porque dos referidos elementos trazidos aos autos parece resultar que o pai inverteu a sua alegada conduta aditiva, sem necessidade do referido acompanhamento médico. Dito de outra forma, mesmo dando por boa a afirmação da existência de uma situação de vício do pai em jogos online (e da qual não há um único elemento nos autos que comprove essa adição), a colocar em perigo o bem estar, a saúde e o desenvolvimento dos menores, tal situação desapareceu em resultado da medida de apoio junto dos pais, nos termos negociados e aplicados.
Ou seja, se é certo que o que despoletou a intervenção judicial e a aplicação da medida de apoio junto dos pais foi a sinalização (anónima) junto da CPCJ de que o ambiente familiar se estava a degradar porque o pai dos menores estava viciado em “jogo online”, jogando durante a noite, gritando e incomodando a vizinhança (assim resultando da medida aplicada a imposição aos pais dos menores da abstenção de comportamentos de conflituosidade, bem como impondo ao pai dos menores que se focasse no tratamento do alegado vício do jogo online e que não perturbasse o sono dos menores, enquanto jogava à noite), aquilo que a aplicação da medida nesse contexto familiar releva é o sucesso da mesma, no sentido da ausência de comportamentos conflituantes, a par da ausência de comportamentos do pai perturbadores do sossego e descanso dos menores.
E como se constata que a alegada actividade do jogo online se desenvolveria no domicílio do agregado familiar, no qual o pai já não passa tanto tempo, porque se encontra a trabalhar diariamente e com horário fixo diurno, em Lisboa (situando-se o domicílio familiar em Campelos, Torres Vedras), logo se antevê uma mudança das dinâmicas familiares que contribui positivamente para que aquela situação de risco para os menores tenha deixado de se verificar, mesmo dando por anteriormente existente a tal situação de adição (ainda que sem nenhuma prova que a evidenciasse).
Aliás, em sede de contexto escolar a alteração da situação familiar dos menores foi igualmente constatada, já que foi sinalizada a melhoria do processo de socialização e aprendizagem do menor R.C., do mesmo modo deixando de ser sinalizada a situação de cansaço da menor M.C. e, do mesmo modo, sendo sinalizada a adesão da mãe ao acompanhamento constante do percurso escolar de ambos os menores.
E, por isso, não será estranho que a EMAT, confrontada com este quadro factual, tenha deixado expresso no relatório de acompanhamento da execução da medida aplicada que da “análise da informação recolhida, junto dos serviços e da progenitora, parece‑nos que a situação de perigo não subsiste”, o que é igualmente corroborado pelas informações clínicas e pelo relatório da psicóloga que acompanha o R.C., entretanto entrados nos autos.
Por outro lado, a indicada falta de contacto da EMAT com o pai dos menores não pode justificar a necessidade de prorrogação da medida aplicada em 30/3/2023, por mais seis meses para além do seu prazo de vigência de um ano.
Com efeito, e tendo presente que, como consta do relatório apresentado pela EMAT, são privilegiados os contactos telefónicos em detrimento de contactos pessoais (desde logo no domicílio do agregado familiar em questão), torna-se naturalmente justificado que o pai dos menores, trabalhando em Lisboa das 9 às 17 horas, não esteja disponível, durante esse período, para os contactos telefónicos em questão, e ainda menos para comparecer presencialmente em Torres Vedras, perante a técnica gestora do processo, e no horário de funcionamento do serviço da Segurança Social respectivo. Mas tal falta de colaboração com a EMAT não se traduz em qualquer situação passível de afectar a segurança, a saúde, a formação, a educação, o bem‑estar e o desenvolvimento integral dos menores, e que, nessa medida, deva determinar a prorrogação da medida de promoção e protecção aplicada em 30/3/2023.
Do mesmo modo, e ao contrário do pretendido pelo recorrente, tal actuação do pai dos menores face à EMAT não deve desencadear a necessidade de “realização de exame pericial psicológico para avaliação da personalidade e ainda realização de exame psiquiátrico para avaliação da psicopatologia parental e interferência nas capacidades parentais”, no que respeita ao mesmo, na exacta medida em que não estão em causa quaisquer capacidades parentais, mas apenas uma eventual desadequação no relacionamento com a EMAT, sem que esteja sequer em causa qualquer perturbação da personalidade ou qualquer patologia a carecer de diagnóstico e subsequente tratamento.
Ou seja, e face a tudo o que foi apurado, importa constatar, como na decisão recorrida, que, à face do disposto no art.º 3º da LPCJP, a intervenção judicial para a promoção dos direitos e protecção dois menores em questão deixou de se justificar, pois que já não se verifica qualquer situação de perigo para a segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento dos mesmos, desde logo em razão de qualquer conduta do pai dos mesmos.
Com efeito, e como decorre de tudo o que se mostra apurado, na actualidade a conduta dos pais dos menores assegura a formação, educação e desenvolvimento dos mesmos, não se evidenciando que coloque em causa a sua segurança e bem estar, desde logo porque não se apresenta como previsivelmente potenciadora de qualquer ofensa à integridade física ou psíquica dos mesmos. E ainda que possam subsistir atritos entre os pais dos menores, no âmbito da vivência familiar e domiciliária, tal não se apresenta de molde a permitir afirmar o preenchimento de algum dos pressupostos do nº 2 do art.º 3º da LPCJP, designadamente que os menores não estão a receber os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal, ou que estão sujeitos a comportamentos que afectem de forma grave a sua segurança ou equilíbrio emocional. Do mesmo modo que, como já se afirmou, o desinteresse e/ou oposição do pai dos menores à intervenção da EMAT também não é de molde a afirmar qualquer situação de perigo dos menores, designadamente em algumas das vertentes a que respeita o referido nº 2 do art.º 3º da LPCJP.
Ora, e como já referiu este Tribunal da Relação de Lisboa no seu acórdão de 3/12/2013 (relatado por Roque Nogueira e disponível em www.dgsi.pt), “os princípios a que obedece a intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo, encontram-se previstos no art.º 4º. Destes destaca-se, em primeiro lugar, o interesse superior da criança e do jovem (cfr. a al. a)). Depois, entre outros, haverá que ter em consideração, por um lado, o princípio da proporcionalidade e actualidade, nos termos do qual a intervenção deve ser a necessária e adequada à situação concreta de perigo no momento em que a decisão é tomada, só podendo interferir na vida da criança ou do jovem e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade (cfr. a al. e))”.
Ou seja, pode-se afirmar que constituem princípios orientadores da intervenção protectiva os denominados princípios da intervenção mínima e da proporcionalidade e actualidade, entre o mais, plasmados no art.º 4º da LPCJP, nos termos dos quais a interferência na vida da criança ou jovem e da sua família se deve limitar ao estritamente necessário à sua protecção e à efectiva promoção dos seus direitos, no momento em que a decisão é tomada.
E, nessa medida, é de concluir, como na decisão recorrida, que “atento os princípios da intervenção, designadamente o da intervenção mínima e concluindo-se que estas crianças não vivenciam situação de perigo, não vislumbramos, qualquer justificação para a manutenção da medida aplicada”.
Pelo que, na improcedência das conclusões do recorrente, não há que fazer qualquer censura à decisão recorrida.
***
DECISÃO
Em face do exposto julga-se improcedente o recurso e mantém-se a decisão recorrida.
Sem custas, por delas estar isento o recorrente – art.º 4º, nº 1, al. a), do Regulamento das Custas Processuais.
Notifique.

Lisboa, 04-07-2024
António Moreira