Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | JORGE ROSAS DE CASTRO | ||
Descritores: | LIBERDADE CONDICIONAL LICENÇAS DE SAÍDA JURISDICIONAL JUIZO DE PROGNOSE 2/3 DA PENA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/26/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | (da responsabilidade do relator): I - A concessão prévia de licenças de saída jurisdicional não constitui formalmente um requisito para o deferimento da liberdade condicional. II - Todavia, a emissão de um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do recluso fica por norma bem mais sólido, se densificado com um ou vários períodos prévios de saídas jurisdicionais e eventualmente outras de curta duração decorridas com êxito. III - À sua medida, tais saídas não deixam objetivamente de constituir pequenos ensaios de contacto com o meio livre, nos quais pode ser feita, ainda que limitadamente, uma avaliação do grau de preparação do recluso para um regresso mais seguro, perene e desejavelmente definitivo à comunidade. IV - A existência prévia de semelhante(s) ensaio(s) é particularmente relevante quando a tipologia da conduta do recluso que o levou à condenação for uma tal que denunciava uma perigosidade intensa para bens jurídicos de grande delicadeza, como é o caso da vida, da integridade física, da liberdade sexual e da dignidade alheias, circunstância em que se exige uma especial prudência na avaliação em apreço, mesmo aos 2/3 da pena. V - É possível emitir um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro imediato do recluso – eventualmente o bastante para o deferimento de uma licença jurisdicional ao abrigo do preceituado pelo art.º 79º do CEMPL -, mas não ainda sobre o seu comportamento futuro a médio prazo, como requerido para a concessão da liberdade condicional. VI - Sendo-lhe concedida uma licença jurisdicional e sendo esta gozada em termos que mereçam aplauso, então sim, mantendo-se positivos os demais critérios, poderá ser equacionada com outra pertinência a libertação condicional do recluso. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: 1 – Relatório Pelo Juízo de Execução das Penas de Lisboa (Juiz 6) foi proferida no dia 11 de julho de 2024 decisão de não concessão de liberdade condicional ao recluso AA, com os demais sinais identificativos constantes dos autos. Inconformado, o Arguido interpôs recurso, apresentando as seguintes conclusões (transcrição): «1- O Tribunal a quo entende, e isso ficou patente na douta Sentença que por aqui se recorre, que – à data do marco dos 2/3 do cumprimento da pena de 4 anos e 3 meses – que não dispõe de elementos que possibilite formular “juízo de prognose favorável no sentido de que o condenado (o aqui recorrente ) conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes”. 2- Pois pugna não estarem “identificados elementos suficientes que sejam reveladores de mudança de vida do recluso e da sua ressocialização, sendo elevadas as exigências de prevenção especial, as quais, desaconselham a aplicação do regime da liberdade condicional”, nomeadamente o facto do recorrente: 1) Ainda demonstrar fragilidades quanto à interiorização do sentido da pena, pela forma como ainda perceciona os seus comportamentos desviantes e os danos causados à vítima, não interiorizando a gravidade da sua conduta, e 2) Não ter iniciado o gozo de licenças de saídas jurisdicionais, nem o cumprimento da pena em regime aberto, "etapas indispensáveis para que o recluso possa ser testado através de contactos e solicitações vindas do exterior” Embora respeitável, 3- O recorrente não pode deixar de discordar com o douto entendimento do Tribunal a quo, pois – dos factos 1 a 19 (com exceção do 9) e 19) da matéria provada – da análise crítica e segura da conjugação do seu CRC, da sua ficha biográfica, relatórios da equipa técnica de tratamento prisional e da equipa de reinserção social da DGRSP (através de fontes consultadas – como o processo individual do recluso e o seu processo clínico individual) – é crível formular um juízo prognose favorável quanto à mudança do seu comportamento e da sua ressocialização, revelador que possa pautar o seu comportamento de acordo com as regras de convivência social e o direito. No entanto, 4- O recorrente entende que o Tribunal a quo fez uma interpretação distorcida do teor dos relatórios da DGRSP e dos serviços prisionais do EPL carreados para os autos, nomeadamente quanto à minimização dos factos praticados e seus efeitos e ao motivo para, até à data, ainda não lhe ter sido concedida nenhuma licença de saída jurisdicional (LSJ) 5- Do teor do facto 19) da matéria provada, entende-se que o douto Tribunal a quo mantém reservas quanto à capacidade do recorrente mudar de comportamento, pois - não obstante reconhecer o desvalor da sua conduta e revelar alguma consciência crítica ao ter noção dos factos por si praticados – continua a minimizar o que praticou e os seus efeitos. Todavia, 6- O Relatório Social da DGRSP, para efeitos da LC aos 2/3, de 29/05/2024, no seu ponto 4, transmite: “AA revela consciência crítica ao ter noção da gravidade dos factos que o levaram à condenação em pena de prisão, assumindo os mesmos, afirmando-se como uma pessoa ciumenta e possessiva (..) Nunca mais teve qualquer contacto com a vítima do processo.” 7- O Relatório dos serviços prisionais do EPL, de 20/06/2024, da técnica BB, concluiu no seu ponto 6.1 e 7.1 “Assume o crime pelo qual está condenado. Demonstra interiorização e responsabilização pelos actos praticados, situação que foi trabalhada durante o programa VIDA” (…) “AA concluiu o programa – VIDA com sucesso ao nível da interiorização face aos [factos] praticados que o trouxeram à reclusão. Manteve uma participação ativa e assídua nas 48 sessões. (findou no início de Junho/2024).” 8- É do conhecimento do Tribunal a quo que o programa VIDA – programa de reabilitação, dirigido pela DGRSP, que visa diminuir o risco de violência, das crenças de legitimação da violência, do risco de comportamento aditivos, aumento da autorresponsabilização pelo comportamento criminal e o consequente aumento da prevenção da reincidência. 9- Na sua audição, datada de 02/07/2024, o recorrente revelou noção da sua conduta, revelando autocrítica, e realçou a importância de ter frequentado o programa VIDA e sua perceção sobre o crime de violência doméstica e seus efeitos na vítima. Desse modo, 10- Não se compreende como o Tribunal a quo mantém reservas quanto à capacidade de mudança do recorrente, afirmando que revela “alguma consciência critica”, reforçando que mantém “uma atitude de minimização acerca da sua conduta”, quando os Relatórios dos serviços prisionais do EPL e da DGRSP transmitem, de forma segura, clara e precisa, que demonstra consciência crítica, interiorização e responsabilização dos seus actos. 11- Não deixa de corresponder à verdade que o recorrente, até à presente data, não gozou de nenhuma saída de licença jurisdicional – conforme o facto 4) da matéria provada. 12- Entende o recorrente que tal facto se deve, essencialmente, ao motivo de ter deixado a atividade laboral que iam desenvolvendo no EPL, o qual foi determinante para as várias decisões de não concessão da LSJ – conforme o fundamento invocado no facto 9) da matéria provada e nas decisões e Sentença de 31/10/2023 (Apenso G) e de 23/04/2024 (Apenso H) dos autos acima identificados. 13- Ou seja, que deixou de trabalhar na oficina entre 27/09/2022 a 25/01/2023 por incumprimento de funções e, posteriormente, na cozinha, entre 24/02/2023 a 16/08/2023 por inadaptação ao serviço. Senão vejamos: 14- O recorrente solicitou, até ao momento, 5 saídas de licença jurisdicionais – a primeira a 03/10/2022 (Apenso C) e a última a 07/03/2024 (Apenso H) – todas preencheram os requisitos do art.º 79 do CEPMPL e negadas com o fundamento comum “o dever do recluso consolidar o seu percurso prisional”. 15- Todavia, enquanto que o recorrente se encontrava ativo em termo laborais no EPL, sendo realçado pelo Tribunal a quo de forma positiva,” o comportamento positivo em meio prisional e o investimento com colocação laboral” (Sentença do Apenso C, E e F juntos aos autos acima identificados), nos 2 últimos pedidos de saída jurisdicional, não se encontrava a trabalhar, sendo fundamento da não concessão da SLJ: 3) “O fraco investimento do recluso em meio prisional, encontrando-se laboralmente inativo por opção” – conforme Sentença de 31/10/2023 (Apenso G) 4) “O fraco investimento pessoal que o recluso vem mantendo em meio prisional, não apresentando motivação para alterar a sua postura e valorizar-se a nível laboral e ocupacional” – conforme Sentença de 23/04/2024 (Apenso H) 17- É certo que o relatório da DGRSP corroborou o motivo pelo qual o recorrente deixou de trabalhar, dado como provado pelo Tribunal a quo. No entanto, 18- O relatório da equipa técnica de tratamento prisional, refere que o recorrente deixou a atividade laboral devido a uma lesão no ombro esquerdo: “Porém e derivado a uma lesão no ombro esquerdo ficou impossibilitado de dar continuidade à actividade” – conforme ponto 3.4, pág. 3 de 5 do Relatório de 20/06/2024, da Técnica BB. 19- O que não se compreende como duas identidades (DGRSP e os serviços prisionais do EPL) têm entendimentos díspares quanto à mesma matéria, neste caso - o motivo do recorrente ter deixado a sua atividade laboral. 20- E mais não se compreende o facto do Tribunal a quo não ter valorado (ou não lhe foi dado conhecimento, pelos serviços prisionais competentes) a situação clínica do recorrente que se encontra no seu Processo Clínico Individual, no EPL. 21- É que do seu processo clínico individual constam 7 baixas médicas – todas devido a dores no ombro – desde 19/10/2022 (quando trabalhava na oficina) a 16/08/2023 (quando passou a inativo) conforme o teor do facto 9 da matéria provada). 22- Na sua audição, de 02/07/2024, o recorrente transmitiu ao Tribunal a quo que deixou de trabalhar no EPL devido a queixas no ombro devido a lesão, o que motivou diversas baixas médicas prescritas pelo serviço médico do EPL. 23- Os serviços prisionais do EPL têm conhecimento do processo clínico individual do recorrente, com as baixas médicas que o levaram a deixar de trabalhar no EP – e supondo que transmitiram essa informação ao Tribunal a quo, no conselho técnico para efeitos da concessão da Liberdade Condicional aos 2/3, não se entende: 4. Porque é que foi negada a LSJ, com decisão de 31/10/2023 (Apenso G) com o fundamento que à data dessa decisão o recorrente encontrava-se “laboralmente inactivo por opção” 5. Porque é que o recorrente foi extinto da atividade laboral, por decisão da Sr. Diretora do EPL, de 29/08/2023, por “violação culposa e reiterada dos deveres do art.º 82 do CEPMPL, que determinaram a impossibilidade de manter actividade” - conforme Termo de Extinção da Actividade Laboral, constante no processo individual de recluso. 6. Porque é que foi suspensa a atividade laboral do recorrente por razões de ordem, disciplina e segurança no EP, segundo o n.º 2 do art.º 83 do CEPMPL - conforme Termo de Suspensão da Actividade Laboral, constante no processo individual de recluso. 24-Se, efetivamente, foi suspensa e extinta a sua atividade laboral que desempenhava no EP, com base no teor dos respetivos termos, junto ao processo individual do recluso, seria razoável e expectável ser aplicada alguma sanção disciplinar prevista no CEPMPL. 25-Contudo, 4. O Relatório Social da DGRSP refere que “em contexto prisional, não regista nenhuma infração ou sanção disciplinar” 5. O Relatório da equipa técnica de tratamento prisional, menciona “não há registo de infrações disciplinares. Mantém um comportamento/atitudes consideradas correctas” (ponto 5.2, pág 4 de 5). 6. O Tribunal a quo deu como provado que: “ao longo da reclusão o condenado vem revelando comportamento normativo” e “não regista a prática de infrações disciplinares” (factos 7 e 8, ambos da matéria provada). Salvo respeito por opinião contrária, 26-O recorrente entende que o Tribunal a quo fez uma interpretação errada dos elementos transmitidos pelos serviços prisionais no conselho técnico para efeitos da concessão da liberdade condicional do recorrente ou os serviços prisionais não transmitiram ao Tribunal a quo os factos constantes dos Processo Individual e do Processo Clínico Individual do recorrente – pois o Tribunal a quo tem legitimidade para consultar o processo individual do recluso nos termos do n.º 4 do art.º 18 do CEPMPL. 27-Refutados o teor dos factos 9) e 19, – pois não correspondem, parcialmente, à verdade pelos motivos aqui explanados – o recorrente entende, da análise crítica dos demais factos da matéria provada da douta Sentença, que se encontram reunidas as finalidades de prevenção especial da al. a) do n.º 2 do art.º 61 do CP, pois tem assumido um comportamento prisional positivo e responsável no sentido de ser reintegrado na sociedade, sem cometer crimes. 28-E mais se diga, que o Tribunal a quo não valorou, pois não deu como provado que o recorrente: - Verbalizou, na sua audição no EPL (02/07/2024) que pediu novamente para trabalhar no EP; - Tem cumprido com os objetivos propostos pela Técnica CC no Plano Individual de Readaptação, elaborada a 26/10/2022 – junto no Processo Individual do Recluso; - É primário, na medida em que se encontra pela primeira vez em reclusão - conforme conclusão Relatório dos serviços prisionais do EPL, de 20/06/2024, da técnica BB 29-Se até à data da douta Sentença não gozou de LSJ, não foi devido ao seu comportamento no EP – conforme pretendem fazer crer o Tribunal a quo, a DGRSP, a equipa técnica de tratamento prisional. - Não regista a prática de infrações disciplinares – conforme facto 8 da matéria provada; - Não estão referenciados fenómenos de rejeição à presença do condenado no meio sócio comunitário e residencial – conforme facto 14 da matéria provada; - Dispõem de apoio familiar e capacidade económica no exterior – conforme o teor dos factos 10; 12 e 17; - Tem colocação laboral no exterior – conforme teor dos factos16 e 18 da matéria provada; - Tem pautado o seu comportamento prisional pela ocupação laboral, deixando de trabalhar desde 16/08/2023 por motivos clínicos e não disciplinares – como pretende fazer crer a douta Sentença, conforme facto 9 da matéria provada. Pelo exposto, vem o recluso, aqui recorrente, requerer, mui respeitosamente, a V. Exª que pugnem pela revogação da douta Sentença e, desse modo, conceder a Liberdade Condicional aos 2/3 do cumprimento da sua pena de prisão, pelos motivos elencados no presente Recurso. Para esse efeito, o recorrente requer que V. Exaª notifiquem o Estabelecimento Prisional de ... no sentido de vir aos autos juntar o seu Processo Individual e o Processo Clínico Individual, que se encontram no respetivo EP, a fim de provar os factos alegados no presente Recurso.» O recurso foi admitido com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo. O Ministério Público junto da 1ª Instância respondeu ao recurso, pugnando pela confirmação da decisão recorrida, formulando as seguintes conclusões (transcrição): 1- O tribunal “a quo” decidiu não conceder liberdade condicional ao recluso AA aos 2/3 da pena considerando não se verificarem os pressupostos decorrentes dos termos do art.º 61º nº 2 al. a) e 3 do Código Penal. 2- Analisando o texto da sentença recorrida entendemos que o mesmo se apresenta lógico e conforme às regras da experiência comum não sendo detectável qualquer insuficiência na sua fundamentação ou carácter genérico alegado, decorrendo os factos que permitiram ao tribunal concluir pelo não preenchimento do art.º 61º do Código Penal e não logrando o recorrente indicar qualquer facto que rebatesse os mesmos! 3- A análise efectuada pelo tribunal quanto à verificação do pressuposto subjacente à concessão da liberdade condicional supõe o pressuposto de prevenção especial positiva e negativa que passa pela avaliação do crime e da postura do arguido perante o mesmo. 4- A Sentença sob recurso analisou conforme se disse os pressupostos da concessão da liberdade condicional de forma correcta e acompanhando assim a posição unânime em sede de conselho técnico, ponderando igualmente os factores positivos e favoráveis ao arguido. 5- Não se compreende como a diversa análise efectuada pelo recorrente da verificação dos pressupostos da liberdade condicional da que o tribunal alcançou podem levar a violação do princípio da igualdade e da proporcionalidade, na verdade nenhum facto foi alegado pelo recorrente nesse sentido e por isso mesmo se pugna que a mesma se mantenha na sua plenitude.» Uma vez remetidos os autos a este Tribunal, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta aderiu aos fundamentos da resposta que o Ministério Público apresentara, emitindo douto parecer no sentido de que o recurso não merece provimento. Foi cumprido o preceituado pelo art.º 417º/2 do Código de Processo Penal, tendo o Recorrente vindo aos autos responder ao assinalado parecer, reiterando no fundo a posição que sustentara no recurso. Foram colhidos os vistos e teve lugar a conferência. * 2 - FUNDAMENTAÇÃO 2.1 Questões a decidir A problemática a tratar nesta instância de recurso é em síntese a de saber se deve ou não ser concedida a liberdade condicional ao Recorrente. 2.2 A decisão recorrida Justificou o Tribunal de 1ª Instância a não concessão da liberdade condicional ao Recorrente nos seguintes termos (transcrição das partes relevantes): «(…) Matéria de Facto Provada: Com relevância e pertinência resultam provados os seguintes factos: 1. O recluso AA cumpre a pena de 4 [quatro] anos e 3 [três] meses de prisão à ordem do Processo n.º 346/21.4SXLSB, do Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 22, em que foi condenado pela prática em autoria imediata e na forma consumada, de 1 (um) crime de violência doméstica agravada, p. e p. pelos arts. 152.º, n.ºs 1, als. b) e c), e 2, al. a), do Código Penal, e 86.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 5/2006, de 23.02 e 1 (um) crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, als. c) e e), com referência aos arts. 2.º, n.º 3, al. m), 3.º, n.ºs 1 e 4, al. a), e 6.º, n.º 1, todos da Lei n.º 5/2006, de 23.02. 2. A pena foi liquidada nos seguintes termos: - Ininterruptamente privado de liberdade desde 26.07.2021; - Meio da pena em 10.09.2023; - Dois terços da pena em 26.05.2024; - Termo da pena em 26.10.2025. 3. Do certificado de registo criminal do arguido não constam outras condenações. 4. O arguido não beneficiou de medidas de flexibilização da pena encontrando-se em regime comum. 5. O recluso tem pendente o processo n.º 711/20.4POLSB. 6. Por decisão de 26.06.2023 foi apreciada a adaptação à liberdade condicional e por decisão de 24.11.2023 foi apreciada a liberdade condicional, ambas com negação. Comportamento prisional/registo cadastral: 7. Ao longo da reclusão o condenado vem revelando comportamento normativo. 8. Não regista a prática de infracções disciplinares. 9. O condenado não integra qualquer actividade laboral ou ocupacional estruturada no Estabelecimento Prisional de ..., tendo estado laboralmente activo na oficina do EP entre 27.09.2022 a 25.01.2023, tendo passado a inactivo por incumprimento de funções. Posteriormente veio a desenvolver atividade laboral na cantina entre 24.02.2023 a 16.08.2023, tendo passado a inativo por inadaptação ao serviço, situação que actualmente se mantém. 10. Usufruiu de visitas de familiares, nomeadamente a mãe, padrasto, irmão e de uma amiga. 11. Em meio prisional concluiu o Programa VIDA, direcionado para agressores de violência doméstica. Situação económico-social e familiar: 12. O recluso pretende integrar o agregado familiar da mãe e do padrasto que demonstraram total disponibilidade para o acolher. 13. O arguido AA manteve com a vítima um relacionamento de cerca de 20 anos e têm um filho em comum, actualmente com 21 anos de idade, que reside com a mesma na zona de ..., e com os quais não mantém qualquer contacto, desde que está recluso. 14. Não estão referenciados fenómenos de rejeição à presença do condenado no meio sócio comunitário e residencial. 15. O recluso AA tem o 12.º ano de escolaridade de habilitações literárias. 16. É proprietário de uma oficina de ... desde 2009 trabalhando por conta própria. 17. A situação económica do agregado é caracterizada como suficiente, ao nível da satisfação das necessidades básicas. A progenitora é empregada doméstica auferindo mensalmente entre €400 a €500 e o padrasto está aposentado, auferindo de reforma cerca de €900 mensais. A habitação é própria, tendo como encargos apenas as despesas inerentes a luz, gás, água e telecomunicações. Perspectiva laboral/educativa: 18. O arguido tem a expectativa de trabalhar como … no início com ajuda do irmão que trabalha nessa área e reabrir a oficina que explorava em meio livre. Vida anterior do recluso e caracterização pessoal: 19. O condenado vem apresentando uma mudança comportamental, reconhecendo o desvalor da sua conduta e revelando alguma consciência crítica ao ter noção da gravidade dos factos e ao assumir a prática dos mesmos, porém, denota igualmente dificuldades em reflectir sobre as consequências em terceiros e em si dos seus atos, mantendo uma atitude de minimização acerca da sua conduta, aspectos que remetem para reservas quanto às suas capacidades para implementar mudanças comportamentais, importando que consolide o percurso que vem fazendo em meio prisional. * Factos não provados: Inexistem quaisquer factos não provados com relevância para a decisão de mérito, não se provando facto contrário nem que estivesse em contradição com a factualidade elencada. * III.- Motivação da matéria de facto: A convicção do tribunal no que respeita à resposta à matéria de facto provada resultou do teor da(s) certidão(ões) da(s) decisão(ões) condenatória(s) e do(s) cômputo(s) de pena(s), com homologação (artigo 477.º e 479.º, ambos do Código de Processo Penal), no certificado de registo criminal do recluso, do teor da ficha biográfica, do teor dos relatórios da equipa técnica de tratamento prisional e reinserção social da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, em que se confiou pela metodologia evidenciada e fontes consultadas, contendo avaliação da evolução da personalidade do recluso durante a execução da pena, das competências adquiridas nesse período, do seu comportamento prisional e da sua relação com o crime cometido, das perspectivas de enquadramento familiar, social e profissional do recluso e das condições a que deve estar sujeita a concessão de liberdade condicional, tudo conjugado com os esclarecimentos prestados em Conselho Técnico e com as declarações do recluso. * IV. - FUNDAMENTOS FÁCTICO-CONCLUSIVOS E JURÍDICOS: O instituto da liberdade condicional é especificamente regulado pelos artigos 61.º e 63.º do Código Penal, cuja concessão implica (com excepção da concedida pelos 5/6 da pena, que é obrigatória) toda uma simultaneidade de circunstâncias, necessárias e cumulativamente verificáveis, e que mais não são do que o fim visado pela execução da própria pena. Por outras palavras, a pena, por si só, terá que espelhar a capacidade ressocializadora do sistema, sempre na mira de evitar o cometimento futuro de novo crime. «A liberdade condicional não é uma medida de clemência: pela promoção, de forma planeada, assistida e supervisionada da reintegração do condenado na sociedade, constitui, sim, um meio dos mais eficazes e construtivos de evitar a reincidência. Sendo exclusivamente preventivas as razões que estão na base da justificação e da avaliação da liberdade condicional (prevenção especial positiva ou de ressocialização e prevenção geral positiva ou de integração e defesa do ordenamento jurídico), só deverá a mesma ser recusada se a libertação afrontar as exigências mínimas de tutela do ordenamento jurídico ou na decorrência de motivo sério para duvidar da capacidade do recluso para, uma vez em liberdade, não repetir a prática de crimes.» [cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07.04.2010, disponível in www.dgsi.pt]. A liberdade condicional constitui a libertação antecipada, mas não definitiva, do recluso, após cumprimento de uma parte da pena de prisão em que foi condenado, fazendo parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão no fito da sua ressocialização. Serve o objectivo de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o condenado possa equilibradamente adquirir o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão. Com tal medida - que pode ser normalmente decretada logo que cumprida metade da pena (artigo 61.º, n.ºs 2 e 3, do Código Penal) – espera-se fortalecer as esperanças de uma adequada reintegração social do recluso, sobretudo daquele que sofreu um afastamento mais prolongado da colectividade. Assim se compreendem, por um lado, a fixação de mínimos de duração para o período da liberdade condicional (artigo 63.º, n.º 5, Código Penal) e, por outro, a obrigatoriedade da pronúncia dela, decorridos que sejam 5/6 da pena, nos casos de prisão superior a 6 anos (artigo 61.º, n.º 4, do Código Penal). Em suma, visa-se com a liberdade condicional atingir uma adequada reintegração social, satisfazendo-se o preceituado no artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal sob a epígrafe «finalidade das penas», onde se diz que “a aplicação de penas (…) visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, bem como o quanto estipula o artigo 42.º, n.º 1 do mesmo diploma legal que “a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes”. A finalidade da liberdade condicional é hoje a prevenção especial positiva ou de socialização. Ao abrigo do disposto no artigo 61.º do Código Penal, são pressupostos formais da concessão da liberdade condicional: a. que o condenado tenha cumprido 1/2 da pena, e no mínimo 6 meses de prisão (n.º 2), ou 2/3 da pena, e no mínimo 6 meses de prisão (n.º 3) ou 5/6 da pena, quando a pena for superior a 6 anos (n.º 4); b. que o condenado consinta ser libertado condicionalmente (n.º 1). Por seu turno, são requisitos substanciais da concessão da liberdade condicional (excepto na situação do n.º 4): a) que, de forma consolidada, seja de esperar, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer crimes, tendo-se para tanto em atenção as circunstâncias do caso, a sua vida anterior, a respectiva personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão (que constituem índices de ressocialização a apurar no caso concreto); e b) a compatibilidade da libertação com a defesa da ordem e da paz social (excepto, também, na situação do n.º 3). Ora, no que se reporta aos requisitos da liberdade condicional, é comummente aceite e lido que a alínea a) se reporta e assegura finalidades de prevenção especial, ao invés da alínea b), que antes visa finalidades de prevenção geral. Dando o efectivo relevo ao objectivo de reinserção social por parte da liberdade condicional, por parte do libertado condicional de modo socialmente responsável e sem cometer crimes, haverá para tanto que no caso em análise, atender-se: - Às circunstâncias do caso, tal análise deve ser concretizada na valoração concreta dos crimes cometidos, apreciação da sua natureza e pelos quais operou condenação em pena de prisão, e as realidades normativas que deram azo à efectiva determinação concreta da pena, face ao artigo 71.º do Código Penal e, por efeito inerente, à medida concreta da pena, assim se atendendo ao grau de ilicitude do facto, ao concreto modo de execução deste, bem como à gravidade das suas consequências e ao grau de violação dos deveres impostos ao agente; determinando a intensidade do dolo ou da negligência considerada; atendendo aos provados sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; acompanhando as condições pessoais do agente e a sua situação económica; atentando na conduta anterior ao facto e na posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; considerando a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta foi censurada através da aplicação da pena. - À consideração da vida anterior: tal análise deve ser concretizada na valoração concreta do certificado de registo criminal – simples existência, ou não, de antecedentes criminais. - À personalidade do condenado: tal análise deve ser concretizada na valoração concreta, ainda que por via estatística, do passado criminal postulado nos existentes antecedentes criminais, elemento este que se pode revelar como fortemente indiciador de uma personalidade disforme ao direito e, como tal, não merecedora da liberdade condicional, tudo com o firme propósito de aquilatar e compreender se o determinado percurso criminoso do condenado se gerou em circunstâncias que o mesmo não controlou, ou não controlou inteiramente (a chamada culpa pela condução de vida). - À evolução da personalidade do condenado durante a execução da pena de prisão: tal análise deve ser concretizada na valoração concreta, não só pelos comportamentos assumidos institucionalmente pelo condenado no seio prisional (a vulgar esfera interna psíquica do condenado), mas essencialmente por via dos padrões comportamentais firmados de modo duradouro e que indiciem um concreto e adequado processo evolutivo de preparação para a vida em meio livre, sempre temperados nos limites da liberdade condicional. Por seu turno, no propósito de prevenção geral serve a defesa da sociedade (artigo 42.º, n.º 1 do Código Penal). Por último, em termos de duração da liberdade condicional, fixa o n.º 5 do artigo 61.º do Código Penal, que esta tem uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos, considerando-se então extinto o excedente da pena. Revertendo ao caso concreto dos autos. In casu, está em causa a segunda apreciação de viabilidade/possibilidade de concessão de liberdade condicional. A fase de execução da pena é igual ou posterior aos dois terços desse cumprimento [vencido em 26 de Maio de 2024]. Perante a factualidade apurada com relevo para a decisão a proferir, no que se reporta aos pressupostos formais da concessão da liberdade condicional podemos concluir pelo seu preenchimento, porquanto o recluso AA já cumpriu mais de dois terços da pena de prisão em que se mostra condenado, tal como declarou aceitar a aplicação da liberdade condicional. Entendemos que no presente momento não nos é ainda permitido concluir por um juízo de prognose favorável no sentido de que o condenado conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes. Para ser concedida a liberdade condicional no presente momento têm de estar preenchidas as razões de prevenção especial: - a reinserção do condenado e prevenção da reincidência – não voltar a delinquir. A natureza do crime pelo qual o condenado cumpre pena de prisão e os factos em concreto por si praticados assumem especial gravidade, pelo que se exige a demonstração de um percurso prisional consolidado, devidamente testado e revelador de que atingiu as diversas etapas do tratamento penitenciário. O recluso apresenta uma personalidade com dificuldades ao nível das relações interpessoais, denotando impulsividade marcada ao nível da gestão dos afectos e em gerir conflitos nos relacionamentos afectivos e conjugais. O recluso cumpre penas de prisão pela prática de crimes graves, pelo que se exige a demonstração de um percurso prisional consolidado, devidamente testado e revelador de que atingiu as diversas etapas do tratamento penitenciário, que não é o caso do arguido, o qual, ainda demonstra fragilidades quanto à interiorização do sentido da pena, pela forma como ainda percepciona os seus comportamentos desviantes e os danos causados à vítima. Na avaliação da prevenção especial o julgador tem de elaborar um juízo de prognose sobre o que irá ser a conduta do recluso no que respeita a reiteração criminosa e ao seu comportamento futuro, a aferir pelas circunstâncias do caso, antecedentes, personalidade e evolução durante o cumprimento da pena. A lei exige que nesta evolução o tribunal de execução das penas atenda à relação do recluso com o crime cometido [cfr. art. 173.º n.º 1 al. a) do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade], pelo que não é irrelevante a respectiva assunção ou declinação e ausência de consciência crítica quanto aos factos. A reflexão autocrítica sobre a sua conduta criminosa e suas consequências são indispensáveis para uma cabal interiorização do desvalor da conduta e, como tal, essenciais para que se conclua que o condenado está munido de um relevante inibidor endógeno. Quem não logrou ainda percepcionar em plenitude o mal cometido (o que acontece, mormente, quando se desculpabiliza), dificilmente possui mecanismos passíveis de evitar a repetição da sua conduta. Como explicitam João Luís de Moraes Rocha e Sónia Maria Silva Constantino (in “Reclusão e Mudança” - “Entre a Reclusão e a Liberdade”, Vol. II, Pensar a Reclusão, Almedina, pág. 171), assumir a (plena) responsabilidade dos factos é o caminho para a mudança; sem interiorização da responsabilidade dificilmente será possível alterar comportamentos. Observa-se assim, a necessidade de o arguido interiorizar o desvalor da sua conduta, não estando identificados elementos suficientes que sejam reveladores de mudança de vida do recluso e da sua ressocialização, não sendo possível formular neste momento um juízo de prognose fundadamente indiciador de que o recluso, se colocado em liberdade, pautará o seu comportamento de acordo com as regras de convivência social e o direito. Ora, o adequado comportamento institucional do recluso e o tempo de pena já cumprido, por si só, não devem nem podem determinar a concessão da liberdade condicional, na verdade, um comportamento prisional normativo não é garantia de comportamento conforme o direito fora de meio vigiado. Deste modo, entendemos que o arguido deve consolidar as condições internas que potenciem a necessária alteração comportamental, de molde a não repetir comportamentos de idêntica natureza, devendo evidenciar uma sólida interiorização da gravidade e desvalor da sua conduta. Do mesmo modo, deve o recluso investir na aquisição de competências de molde a ser testado em meio livre, e assim, evoluir no gozo de licenças de saída jurisdicionais a fim de ser ensaiado o seu regresso ao meio livre. As licenças de saída e o cumprimento de pena em regimes abertos constituem etapas indispensáveis para que o recluso possa ser testado através de contactos e solicitações vindas do exterior, pelo que necessita de oportunamente iniciar o gozo de medidas de flexibilização da pena, o que no caso assume particular relevância, considerando os crimes praticados e a personalidade evidenciada pelo recluso. Donde concluímos que o condenado carece de mais tempo de prisão, de modo a que pena produza o seu efeito inibitório de evitar que volte a delinquir, isto é, que reforce, pela consolidação de competências pessoais em meio prisional e provimento de modo mais consistente as suas necessidades de reinserção social, as naturais contra-motivações éticas no sentido do respeito pela lei e o direito. Observa-se assim, não estarem ainda identificados elementos suficientes que sejam reveladores de mudança de vida do recluso e da sua ressocialização, sendo elevadas as exigências de prevenção especial, as quais, desaconselham a aplicação do regime da liberdade condicional. Em face do exposto, o Tribunal acompanha o entendimento unanimemente sufragado pelo Conselho técnico e, bem assim, pelo Ministério Público, decidindo não conceder ao recluso AA [a liberdade condicional].» * 2.3 Antecedentes processuais com potencial interesse para a decisão Com potencial interesse para a decisão, considera-se ainda provado que o Recorrente requereu cinco vezes a concessão de licença de saída jurisdicional, o que foi sempre indeferido pelo Tribunal de Execução das Penas, nos seguintes termos, que resultam da consulta eletrónica dos autos e aqui se abreviam: 2.3.1 No Apenso C) foi decidido em 9/11/2022 «não conceder a requerida licença de saída jurisdicional, tendo em consideração a tipologia do crime pelo qual cumpre pena de prisão, bem como o momento da execução da pena, sendo prematuro o gozo da requerida licença de saída jurisdicional, devendo por isso, consolidar o seu percurso prisional.» 2.3.2 No Apenso E) foi decidido em 27/03/2023 «não conceder a requerida licença de saída jurisdicional, tendo em consideração a tipologia e a extensão da pena pelo qual o arguido cumpre pena de prisão, pelo que deve consolidar o seu percurso prisional. Realça-se positivamente o comportamento normativo em meio prisional.» 2.3.3 No Apenso F) foi decidido em 10/07/2023 «não conceder a requerida licença de saída jurisdicional, tendo em consideração a reincidência criminal do arguido, bem assim a tipologia dos crimes pelos quais cumpre pena de prisão, pelo que deve consolidar o seu percurso prisional. Sublinha-se, no entanto, o comportamento normativo em meio prisional e evidencie investimento com colocação laboral». 2.3.4 No Apenso G) foi decidido em 31/10/2023 «não conceder a requerida licença de saída jurisdicional, tendo em conta o fraco investimento do recluso em meio prisional, encontrando-se laboralmente inativo por opção, havendo necessidade do recluso consolidar o percurso prisional.» 2.3.5 No Apenso H) foi decidido em 23/04/2024 «não conceder a requerida licença de saída jurisdicional, tendo em conta o fraco investimento pessoal que o recluso vem mantendo em meio prisional, não apresentando motivação para alterar a sua postura e valorizar-se a nível laboral ou ocupacional. Vislumbra-se ainda verificar-se receio quanto à vítima caso seja neste momento concedida a medida de flexibilização da pena, impondo-se, deste modo, que o arguido consolide o seu percurso prisional.» 2.4 Conhecendo do mérito do recurso § Questão prévia Concluiu o Recorrente o seu recurso nos seguintes termos: «Pelo exposto, vem o recluso, aqui recorrente, requerer, mui respeitosamente, a V. Exª que pugnem pela revogação da douta Sentença e, desse modo, conceder a Liberdade Condicional aos 2/3 do cumprimento da sua pena de prisão, pelos motivos elencados no presente Recurso. Para esse efeito, o recorrente requer que V. Exªs notifiquem o Estabelecimento Prisional de ... no sentido de vir aos autos juntar o seu Processo Individual e o Processo Clínico Individual, que se encontram no respetivo Ep., a fim de provar os factos alegados no presente Recurso.» O que aqui nos ocupa é esta segunda parte: pretende o Recorrente que esta Relação notifique o Estabelecimento Prisional no sentido de vir aos autos juntar o seu Processo Individual e o Processo Clínico Individual, que ali se encontram, a fim de provar os factos alegados no presente recurso. Ora, a Relação aprecia, em sede de recurso, o bem ou mal fundado do que se decidiu em 1ª Instância, com base nos elementos que a esta se encontravam disponíveis. Assim é que, fora dos casos de renovação da prova em audiência que decorra em 2ª Instância, ao abrigo nomeadamente dos arts. 423º, nº 2 e 430º do Código de Processo Penal, de que aqui se não trata, não pode admitir-se a junção de documentos perante a Relação, de forma a pretender demonstrar o alegadamente mal fundado do decidido em 1ª Instância (cfr. ainda, sobre esta matéria, o Ac. do STJ de 6/07/2017, relatado por Arménio Sottomayor, in www.dgsi.pt – todos os acórdãos doravante citados sem indicação de outra fonte, deverão ser reportados a este sítio). Indeferir-se-á destarte o requerido. * A questão que se encontra sob debate é a de saber se deve ou não conceder-se liberdade condicional ao Recorrente. Vejamos. No que concerne ao enunciado abstrato dos pressupostos formais e materiais da liberdade condicional, nada temos a acrescentar ou a retirar ao que a decisão recorrida doutamente expôs e a que aderimos por razões de síntese. A problemática que se nos coloca é a de saber se a situação concreta do Recorrente preenche ou não tais requisitos. Nenhuma dúvida se nos põe em matéria de pressupostos formais: é inquestionável que o Recorrente cumpriu já dois terços da pena, em medida superior a seis meses, e que aceita ser sujeito a liberdade condicional. A discussão centra-se no pressuposto material que se refere ao juízo de prognose sobre o comportamento futuro do Recorrente, se colocado em liberdade condicional. Exige a lei que seja «fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes» (cfr. art.º 61º, nºs 2, alínea a) e 3 do Código Penal]. O Tribunal de 1ª Instância considerou que não era ainda possível emitir favoravelmente um tal juízo, posição de que o Recorrente discorda. Em concreto, começa o Recorrente por se manifestar inconformado com o teor do facto descrito na decisão recorrida sob o número 19), que tem o seguinte teor: «O condenado vem apresentando uma mudança comportamental, reconhecendo o desvalor da sua conduta e revelando alguma consciência crítica ao ter noção da gravidade dos factos e ao assumir a prática dos mesmos, porém, denota igualmente dificuldades em refletir sobre as consequências em terceiros e em si dos seus atos, mantendo uma atitude de minimização acerca da sua conduta, aspetos que remetem para reservas quanto às suas capacidades para implementar mudanças comportamentais, importando que consolide o percurso que vem fazendo em meio prisional.» Sustenta o Recorrente que não há meios de prova dos quais possa inferir-se o que ali ficou plasmado em termos de suposta falta de interiorização da gravidade e do desvalor da sua conduta; e ao invés, quer o Relatório Social da DGRSP, quer o Relatório dos Serviços Prisionais transmitem de forma segura a perceção de que o Recorrente demonstra consciência crítica, interiorização e responsabilização dos seus atos. Cumpre apreciar, tendo presente que a Relação conhece de facto e de direito [art.º 428º do Código de Processo Penal, aplicável por via do art.º 154º do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL)]. Comecemos por referir, quanto àquele ponto 19) da matéria de facto que o Tribunal de 1ª Instância dá como provada, que o Recorrente mostra-se inconformado, entre o mais, com o que se lê na sua parte final: «(…) aspectos que remetem para reservas quanto às suas capacidades para implementar mudanças comportamentais, importando que consolide o percurso que vem fazendo em meio prisional»; ora, é incontornável reconhecer que o que consta neste segmento, são considerações conclusivas e até com traços jurídicos que em boa verdade não têm lugar na fundamentação de facto e nessa medida desconsiderá-las-emos nesse espaço. Dito isto, lendo o texto do ponto 19) da matéria de facto provada à luz do recurso apresentado, percebe-se que aquilo que o Recorrente não aceita, para além do já tratado, é que ali se mostre escrito que o mesmo revela apenas «alguma» consciência crítica, bem assim como que tenha dificuldades em refletir sobre as consequências em terceiro e em si dos seus atos, mantendo uma atitude de minimização acerca da sua conduta. A problemática suscitada pelo Recorrente é então esta: se a decisão recorrida andou bem em carrear para a matéria de facto a referência a que aquele revela (apenas) «alguma» consciência crítica, que tem dificuldades em refletir sobre as consequências em terceiro e em si dos seus atos e que mantém uma atitude de minimização acerca da sua conduta. Não está o tribunal - seja o da condenação, seja o de execução das penas – impedido de emitir um tal juízo; mas só o pode fazer na base de evidências concretas que permitam ver feita luz sobre aquela realidade do mundo interior do agente, evidências essas que as mais das vezes passarão pelo discurso verbal daquele e/ou do seu comportamento exteriormente revelado que aponte no sentido de que tem ou não consciência crítica do que fez, e/ou se encontra ou não seriamente arrependido e apostado em não o repetir (cfr. sobre esta matéria os Acs. da RP de 15/01/2020 e da RL de 23/04/2024, relatados por Pedro Vaz Pato e Ana Cláudia Nogueira, respetivamente, in www.dgsi.pt). Ora, no caso concreto, aquele juízo desfavorável do Tribunal de 1ª Instância está carecido de base: em que concretos elementos dos autos e/ou do discurso do Recorrente se funda o Tribunal de 1ª Instância para afirmar que o Recorrente revela (apenas) «alguma» consciência crítica, que tem dificuldades em refletir sobre as consequências em terceiro e em si dos seus atos e que mantém uma atitude de minimização acerca da sua conduta? Não vemos; ao invés, e como sublinha o Recorrente no seu recurso, os relatórios juntos recentemente aos autos dão aparentemente nota de uma realidade diferente (consultáveis eletronicamente na certidão que figura na referência eletrónica nº 1982675): - diz-nos o Relatório Social da DGRSP, datado de 29 de maio de 2024, que o Recorrente «encontra-se integrado, desde 21.12.2023, no Programa VIDA, direcionado para agressores de violência doméstica», e que «revela consciência crítica, ao ter noção da gravidade dos factos que levaram à condenação em pena de prisão, assumindo os mesmos»; - e diz-nos o Relatório dos Serviços Prisionais, datado de 20 de junho de 2024, que o Recorrente «integrou o programa – VIDA, com uma participação ativa e assídua nas 48 sessões e que findou no início de Junho/2024», que «assume o crime pelo qual está condenado», e que «demonstra interiorização e responsabilização pelos atos praticados, situação que foi trabalhada durante o programa VIDA». Um e outro destes Relatórios têm um conteúdo que não dá, portanto, suporte ao juízo feito pelo Tribunal Recorrido a respeito da questão da (insuficiente) interiorização por parte do Recorrente do desvalor da sua conduta. E não o dão também as declarações prestadas pelo Recorrente no dia 2 de julho de 2024: ouvindo tais declarações prestadas no âmbito dessa diligência, realizada ao abrigo do art.º 176º do CEPMPL, não se nota aí nada que significativamente mitigue o sentido de autocrítica sobre os seus atos e de responsabilização pelos mesmos e pelas suas consequências a que aludiram os mencionados relatórios. Decerto que a exteriorização verbal, seja do arrependimento pelos seus atos, seja das aprendizagens que teve em execução do programa VIDA, não significa necessariamente que corresponda a uma atitude interna séria e avessa à reiteração no futuro de práticas idênticas – trata-se de um aspeto que é sempre de difícil apreciação. Todavia, face ao conjunto das suas declarações e ao que deriva dos Relatórios a que fizemos menção, não vemos por que motivo o Tribunal de 1ª Instância as não valorou com o sentido para que apontam. Em suma, não cremos que haja elementos concretos que o Tribunal de 1ª Instância tenha sinalizado, ou que se encontrem nos autos, que permitam concluir que o Recorrente ainda não adquiriu plena consciência crítica da censurabilidade dos factos pelos quais foi condenado. * Alega ainda o Recorrente que nunca gozou de qualquer saída jurisdicional, como expresso no ponto 4) da fundamentação de facto da decisão recorrida, mas que importa perceber por que motivo tal sucedeu. Concretiza o Recorrente dizendo que solicitou até ao momento cinco saídas de licença jurisdicional, todas negadas com um fundamento comum – o dever do recluso de consolidar o seu percurso prisional -, sendo que nas duas últimas decisões o fundamento concreto de não concessão da saída jurisdicional foi o facto de não estar a trabalhar no interior do Estabelecimento Prisional. Acrescenta que se mostra por esclarecer a razão para a apontada inatividade, notando-se uma divergência entre o que consta do Processo Individual do Recluso a esse respeito, por um lado, e por outro lado o Relatório Social da DGRSP e o Relatório dos Serviços Prisionais, que mencionam que não há registo de infrações disciplinares. Conclui defendendo que não é verdade o que consta no ponto 9) da matéria de facto considerada provada pelo Tribunal de 1ª Instância, na parte em que se diz que, estando a trabalhar na oficina, ficou inativo por incumprimento de funções e que depois, tendo começado a trabalhar na cantina, ficou inativo por inadaptação ao serviço. Aqui chegados, que dizer? Sabemos que o Recorrente requereu por cinco vezes a licença de saída jurisdicional e por cinco vezes a sua pretensão foi negada – trata-se de matéria que resulta da consulta dos autos, nos termos que se deixaram atrás sinalizados. Ora, cumpre em primeiro lugar deixar esclarecido algo que é óbvio e em que todos concordaremos: não se discute nestes autos saber se foram ou não bem fundadas as decisões de indeferimento das saídas jurisdicionais relativas ao Recorrente – tais decisões foram tomadas no momento próprio, pela autoridade competente e encontram-se consolidadas na ordem jurídica. O que nestes autos de liberdade condicional pode discutir-se com potencial interesse é o percurso prisional do Recorrente, tal como o mesmo resulta dos elementos disponíveis, e mormente o seu grau de empenho na sua ocupação laboral e/ou valorização profissional ou escolar. A este nível consta da matéria de facto provada, sob o ponto 9), o seguinte: «O condenado não integra qualquer actividade laboral ou ocupacional estruturada no Estabelecimento Prisional de ..., tendo estado laboralmente activo na oficina do EP entre 27.09.2022 a 25.01.2023, tendo passado a inactivo por incumprimento de funções. Posteriormente veio a desenvolver atividade laboral na cantina entre 24.02.2023 a 16.08.2023, tendo passado a inativo por inadaptação ao serviço, situação que actualmente se mantém.» O Relatório Social elaborado pela DGRSP e o Relatório elaborado pelos Serviços Prisionais apontam neste domínio para esta factualidade comum, que se encontra dada como provada e não se mostra questionada: que no interior do Estabelecimento Prisional o Recorrente trabalhou em ... auto entre 27 de setembro de 2022 e 25 de janeiro de 2023 e depois, a partir de 24 de fevereiro de 2023, na parte da cozinha. E há um dado acrescido que é fornecido pelo Relatório Social da DGRSP, dado este que também não está aqui em causa, que é o de que o trabalho na cozinha perdurou até 16 de agosto de 2023. E depois surge então um ponto controverso: enquanto o Relatório Social da DGRSP diz que o Recorrente ficou inativo em 25 de janeiro de 2023, saindo da ..., por «incumprimento de funções», e ficou inativo em seguida, de novo, em 16 de agosto de 2023, saindo da cozinha, por «inadaptação ao serviço», o Relatório dos Serviços Prisionais já diz que o Recorrente deixou de trabalhar na cozinha por ter tido «uma lesão no ombro esquerdo». Por outro lado, o Recorrente põe ainda em causa o que se mostra considerado provado quanto às interrupções da sua prestação laboral, alegando que do seu processo clínico individual constam sete baixas médicas, todas devidas a dores no ombro, entre 19/10/2022, quando trabalhava na oficina, e 16/08/2023, quando passou a inativo. Aqui chegados, há que dizer que não temos motivos para considerar infundada a conclusão do Tribunal de 1ª Instância quando afirma que o Recorrente «não integra qualquer actividade laboral ou ocupacional estruturada no Estabelecimento Prisional de ..., tendo estado laboralmente activo na oficina do EP entre 27.09.2022 a 25.01.2023», bem assim como que «posteriormente veio a desenvolver atividade laboral na cantina entre 24.02.2023 a 16.08.2023, tendo passado a estar inativo, situação que actualmente se mantém.» Já no que diz respeito ao motivo da cessação da atividade laboral na ... e de cozinha, face à posição do Recorrente e ante a falta de sintonia entre os dois Relatórios em apreço, entendemos que o Tribunal de 1ª Instância não tinha base suficiente para concluir como concluiu; estamos diante matéria que careceria de algum esclarecimento probatório, até porque o Recorrente, nas declarações que prestou aquando da sua audição no dia 2 de julho de 2024, insiste em que foi o problema de saúde que o levou à interrupção da atividade laboral e que entretanto já pediu para ter novo trabalho e não tem resposta. Em todo o caso, sempre se diga que não vemos esse esclarecimento probatório como essencial para decidir-se conscienciosamente a matéria aqui em discussão, como se perceberá adiante. * É manifesto que há vários aspetos positivos a realçar na situação do Recorrente e que manifestamente intercedem em seu favor no juízo de prognose de que aqui se cuida, no contexto do art. 61º, nºs 2, alínea a) e 3) do Código Penal. Refere o Recorrente, e com razão face aos elementos que constam dos autos, que está privado da liberdade desde 26 de julho de 2021; que não regista infrações disciplinares no Estabelecimento Prisional; que aí mantém um relacionamento correto com os pares e com os funcionários; que não há notícia de fenómenos de rejeição no meio sócio-comunitário e residencial; que dispõe no exterior de apoio familiar, capacidade económica e possibilidade de desempenho de atividade profissional; que teve já ocupação laboral no Estabelecimento Prisional; que não tem mantido qualquer contacto com a vítima; e que concluiu um programa VIDA, vocacionado para diminuir o risco de violência. Todavia, estamos em crer que assume particular relevo a ausência de qualquer saída jurisdicional autorizada pelo Tribunal de Execução das Penas, ao abrigo do disposto no art. 79º do CEPMPL. É certo que a concessão prévia de licenças de saída não constitui formalmente um requisito para o deferimento da liberdade condicional; mas não é menos verdade que do ponto de vista material a emissão de um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do recluso fica por norma bem mais sólido, se densificado com um ou vários períodos prévios de saídas jurisdicionais e eventualmente outras de curta duração decorridas com êxito. À sua medida, tais saídas não deixam objetivamente de constituir pequenos ensaios de contacto com o meio livre, nos quais pode ser feita, ainda que limitadamente, uma avaliação do grau de preparação do recluso para um regresso mais seguro, perene e desejavelmente definitivo à comunidade. E o que vimos de dizer é particularmente relevante quando a tipologia da conduta do recluso que o levou à condenação for uma tal que denunciava uma perigosidade intensa para bens jurídicos de grande delicadeza, como é o caso da vida, da integridade física, da liberdade sexual e da dignidade alheias, circunstância em que se exige uma especial prudência na avaliação em apreço. Importa ter presente que o Recorrente foi condenado pela prática de factos especialmente gravosos para com a ofendida, sua companheira durante cerca de vinte anos e mãe do seu filho, que passaram, entre o mais: - por obrigá-la, com emprego de força física, a relações sexuais de cópula; - por ameaçá-la de morte, dizendo que a matava e apontando-lhe uma pistola semiautomática ao peito; - por apelidá-la repetidamente de «cabra», «vaca» e «puta» e por lhe dizer que «não valia nada»; - por lhe dizer que «se estava a cagar para ela e para a sua família»; - por, já depois de cessada a coabitação: - ter dito que iria arrombar a porta da casa onde a ofendida ficou a morar e ter tentado estroncar a sua fechadura, pese embora saber que já ali não morava e que a sua presença não era desejada; - ter deambulado múltiplas vezes junto à residência da ofendida, quando sabia que esta aí estava, procurando que aquela ficasse ciente de tais aproximações; - ter-lhe dirigido múltiplas mensagens telefónicas escritas de teor insultuoso e ameaçador; - ter-lhe dito que a matava e que se matava a seguir e que a matava a ela e a outro homem com quem ela pudesse vir a relacionar-se. Tudo quanto vimos de dizer aponta no sentido de que o Arguido era uma pessoa agressiva, possessiva, autocentrada, que não respeitava a autonomia de vontade, a liberdade e a integridade física e bem-estar da ofendida e que se mostrava incapaz de lidar com a frustração inerente ao fim da relação por aquela encetado. Uma pessoa com estas características tem que fazer um intenso caminho pessoal de autoconhecimento, de consciencialização crítica do mal causado e de fortalecimento das ferramentas próprias de relacionamento interpessoal numa base de respeito para com o outro e em particular de respeito pelos direitos e pela individualidade e autonomia da pessoa com quem se relacione em termos afetivos, decerto; mas além disso: tem no fundo de testar em meio livre, mas num registo temporalmente ainda limitado, o percurso de interiorização crítica seguido. Não fazer esse caminho de uma forma faseada e sólida torná-lo-á propenso a reiterar em comportamentos do mesmo jaez dos que fundaram a sua condenação, seja com a ofendida nos autos, seja com outra pessoa com quem entretanto possa iniciar um relacionamento amoroso, sendo certo que, acrescente-se, a reinserção social que se procura não é naturalmente a que assente apenas num não reiterar em condutas idênticas para com esta ofendida, mas ainda e também, entre o mais, num não reiterar em condutas idênticas com quem quer que seja, e nomeadamente com outras pessoas com quem venha a interagir no plano afetivo. Um juízo de prognose favorável sobre o comportamento ulterior do Recorrente tem então que assentar na demonstração possível de que esse assinalado caminho se encontra efetuado em medida satisfatória, que nos faça «fundadamente (…) esperar (…) que (…), uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes» [cfr. art. 61º, nº 2, alínea a) e 3 do Código Penal]. Ora, olhando o Relatório Social da DGRSP, percebe-se que aí se lê que a progenitora e o padrasto reconhecem ao Recorrente «características de impulsividade e possessividade», características estas, acrescente-se, que terão já previsivelmente estado na base do padrão de relacionamento que manteve com a ofendida e que poderão dar corpo a novas situações, que a ofendida aliás continua a recear, face aos sentimentos de medo e insegurança de que aquele Relatório também dá nota. O próprio Arguido, de resto, afirma-se, ainda à luz daquele Relatório, como uma «pessoa ciumenta e possessiva». Se a essas notas de impulsividade, possessividade e ciúme aparentemente ainda atuais acrescentarmos a tendência ou a facilidade com que o Arguido ultrapassou limiares mínimos de respeito para com a mulher e avançou para patamares de violência, como os factos pelos quais foi condenado documentam, torna-se difícil lograr, neste momento, um juízo de prognose favorável que seja absolutamente seguro quanto ao seu comportamento futuro a médio prazo. Decerto que o trabalho de consciencialização crítica entretanto feito pelo Arguido, nomeadamente no contexto da frequência do programa VIDA e a que acima já fizemos referência, constituiu e constitui um importante passo; mas a natureza e gravidade da sua conduta para com a pessoa com quem vivia uma relação marital denunciam algumas características da sua personalidade que terá que aprender a dominar em liberdade. Neste momento afigura-se-nos ser possível emitir um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro imediato – eventualmente o bastante para o deferimento de uma licença jurisdicional ao abrigo do preceituado pelo art.º 79º do CEMPL -, mas não ainda sobre o seu comportamento futuro a médio prazo, como nos parece que será requerido para a concessão da liberdade condicional. Sendo-lhe concedida uma licença jurisdicional e sendo esta gozada em termos que mereçam aplauso, então sim, mantendo-se positivos os demais critérios, poderá ser equacionada com outra pertinência a libertação condicional do Recorrente. * 3 – DISPOSITIVO Face ao exposto, acorda-se no seguinte: a. determinar a alteração dos pontos 9) e 10) da matéria de facto provada, aí passando a ler-se apenas o seguinte: 9) «O condenado não integra qualquer atividade laboral ou ocupacional estruturada no Estabelecimento Prisional de ..., tendo estado laboralmente ativo na oficina do EP entre 27.09.2022 a 25.01.2023. Posteriormente veio a desenvolver atividade laboral na cantina entre 24.02.2023 a 16.08.2023, tendo passado a inativo, situação que atualmente se mantém.» 19) «O condenado vem apresentando uma mudança comportamental, reconhecendo o desvalor da sua conduta e revelando consciência crítica ao ter noção da gravidade dos factos e ao assumir a prática dos mesmos.» b. negar no mais provimento ao recurso. * Não são devidas custas – art.º 513º/1 do Código de Processo Penal, a contrario sensu, ex vi do art.º 154º do CEPMPL. * Registe e notifique, cumprindo-se o preceituado pelo art.º 177º/3, 1ª parte do CEPMPL. * Lisboa, 26 de setembro de 2024 Os Juízes Desembargadores Jorge Rosas de Castro Paula Cristina Bizarro Ana Marisa Arnêdo |