Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
19587/17.2T8SNT.L1-2
Relator: GABRIELA CUNHA RODRIGUES
Descritores: FIADORES
INTERPELAÇÃO
PERDA DO BENEFÍCIO DO PRAZO
REQUERIMENTO EXECUTIVO
IMPERFEIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Sumário: I - A perda do benefício do prazo por parte do devedor principal não importa, em regra, idêntica perda para os fiadores, que se mantêm apenas vinculados ao pagamento das prestações vencidas e não pagas no decurso do prazo inicialmente estabelecido, tal como decorre do artigo 782.º do Código Civil.
II - Tratando-se de uma norma supletiva, pode convencionar-se o afastamento do regime previsto no artigo 782.º do Código Civil, ao abrigo do artigo 405.º do mesmo diploma.
III - O sentido da expressão «considerar o empréstimo vencido», constante de uma cláusula contratual, em nada difere do que ressalta da interpretação dominante do artigo 781.º do Código Civil e não significa o afastamento do regime-regra que resulta do artigo 805.º, n.º 1, do mesmo diploma, o que implica que o credor interpele o devedor exigindo a totalidade da dívida.
IV - Em face da alienação do imóvel hipotecado, para a determinação do capital ainda em dívida, importava que fosse apurado o valor do capital já pago por via das prestações anteriormente efetuadas, com a imputação do valor do produto da venda do imóvel nas despesas, nos juros e no capital, em ordem a calcular o montante em dívida remanescente, na linha dos ditames previstos no artigo 785.º do Código Civil.
V - Sem a demonstração dos dados de tal liquidação, cujo ónus impende sobre a credora aqui Exequente e cuja falta não se mostra imputável aos fiadores, ora Embargantes, não é lícito que se considerem estes, desde logo, constituídos em mora, como decorre do preceituado no artigo 805.º, n.º 3, 1.ª parte, do Código Civil.
VI - Perante a falta da alegação de factos necessários a satisfazer os requisitos da certeza, da exigibilidade ou da liquidez da obrigação exequenda a que se reporta o artigo 713.º do CPC, quando forem omitidos factos que fundamentem o pedido e não constem do título executivo (artigo 724.º, n.º 1, alínea e), do CPC), o Tribunal deve convidar ao suprimento de irregularidades.
VII - Nestas situações, em bom rigor, não se pode afirmar a falta ou insuficiência do título executivo, nem a inexistência de factos constitutivos, verificando-se somente a imperfeição do requerimento executivo que é suscetível de sanação, nos termos do n.º 4 do artigo 726.º do CPC.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I - Relatório
1. A C…, S.A. intentou ação executiva para o pagamento de quantia certa, sob a forma de processo ordinário, contra P… e R…, A… e M..., fundada em dois contratos de mútuo com hipoteca e fiança.
2. No requerimento executivo, a Exequente alegou que:
- No âmbito da sua atividade, celebrou com os primeiros Executados os seguintes contratos:
a) no dia 4.12.1998, o contrato de mútuo com hipoteca e fiança PT 00…,  através do qual lhes concedeu o empréstimo da quantia de 12.500.000$00 ou seja  62 349,74 €:
b) no dia 4.12.1998, o contrato de mútuo com hipoteca e fiança PT00…, através do qual lhes concedeu o empréstimo da quantia de 2.500.000$00 ou seja 12 469,95 €;
-Tais quantias foram efetivamente entregues aos primeiros Executados, que a receberam e a destinaram à aquisição de habitação própria e permanente e à realização de obra de beneficiação em imóvel;
- Por força do referido dos contratos, os primeiros Executados confessaram-se devedores da quantia mutuada e assumiram, entre outras obrigações, a de restituir à Exequente a quantia emprestada através do pagamento de prestações mensais e sucessivas de capital e juros;
- Para garantia do pagamento da quantia emprestada, respetivos juros e despesas, os primeiros Executados constituíram a favor da Exequente hipoteca sobre imóvel;
- No âmbito dos referidos contratos, os segundos Executados constituíram-se fiadores e, com isso, solidários e principais pagadores de todas as obrigações decorrentes dos mesmos;
- Acontece que tal imóvel já foi vendido em processo executivo sob o nº. 31855/09.2T2SNT nos então Juízos de Execução de Sintra do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste (Juiz 2), no âmbito do qual a ora Exequente reclamou os seus créditos;
- Os Executados não cumpriram com as obrigações que assumiram nos aludidos contratos, nomeadamente, não pagaram nas datas dos respetivos vencimentos, nem posteriormente, não obstante as diligências efectuadas nesse sentido pela Exequente, as prestações a que se obrigaram a realizar para reembolso do capital e juros;
- Incumprimentos estes que, tendo ocorrido em 4.12.2007, determinaram o vencimento antecipado de todas as prestações acordadas.
Concluiu a Exequente com a discriminação dos seguintes valores em dívida:
«Liquidação da obrigação:
Valor Líquido: 19 362,69 €
Valor dependente de simples cálculo aritmético: 7 819,05 €
Valor NÃO dependente de simples cálculo aritmético: 0,00 €
Total: 27 181,74 €
I - Do CONTRATO PT00…
Sobre o capital em dívida de € 8.825,74 acrescem juros remuneratórios e moratórios, à respectiva taxa contratual, que ascendem, em 12.09.2017 a € 1.857,58 e as respectivas comissões no montante de € 1.973,55 (doc. n.º 4).
A partir da supra referida data, acrescem os juros de mora à já mencionada taxa 5,200%, até ao seu integral pagamento, à razão de € 1,67 por dia.
Sobre os juros acrescem ainda o imposto de selo apurado pela aplicação de uma taxa de 4%, cujo
 valor, nesta data ascende a € 74,30
II - Do CONTRATO PT00…
Sobre o capital em dívida de € 10.536,95 acrescem juros remuneratórios e moratórios, à respectiva taxa contratual, que ascendem, em 12.09.2017 a € 2.261,48 (doc. n.º 5).
A partir da supra referida data, acrescem os juros de mora à já mencionada taxa 5,200%, até ao
seu integral pagamento, à razão de € 1,83 por dia.
Sobre os juros acrescem ainda o imposto de selo apurado pela aplicação de uma taxa de 4%, cujo
valor, nesta data ascende a € 78,59»
3. Os Executados deduziram oposição à execução por embargos de executado, na qual peticionaram a extinção da ação executiva e invocaram que desconheciam que os contratos celebrados com a Exequente não estavam a ser pontualmente cumpridos, que corria contra os mutuários uma ação executiva na qual a ora Exequente reclamou os seus créditos e que o imóvel penhorado à ordem dessa execução fora vendido.
Mais alegaram que, ao não ter interpelado os fiadores para procederem à regularização da dívida, a Exequente privou-os da possibilidade de porem cobro à mora, para além de não ter sido feita qualquer referência na ação executiva de que, face ao incumprimento de alguma das prestações acordadas e entretanto vencidas, ir-se-iam considerar vencidas as restantes.
4. Após despacho de recebimento dos embargos, a Embargada apresentou contestação, na qual pugnou pela improcedência dos embargos e arguiu que foram prestadas informações aos fiadores, ora Embargantes, da seguinte forma:
- Por cartas datadas de 15.9.2009 e 7.10.2009, sobre o incumprimento dos contratos;
- Por cartas de interpelação ao pagamento do remanescente em dívida, datadas de 17.6.2015, após ter ocorrido a venda do imóvel no âmbito da ação executiva instaurada por terceiro;
- Por carta de interpelação ao pagamento da dívida remanescente, em 20.9.2017, antes de ser instaurada a presente ação executiva.
5. Em sede de audiência prévia, foi declarada a suspensão da instância para acordo entre as partes, o que não veio a concretizar-se.
6. Procedeu-se ao saneamento dos autos, no âmbito do qual o Tribunal fixou o valor dos embargos, pronunciou-se sobre os pressupostos processuais, identificou como objeto do litígio a exigibilidade da dívida exequenda e enunciou como tema da prova a interpelação dos Executados/Embargantes.
7. Proferiu-se sentença, no qual foram julgaram procedentes os embargos.
8. Inconformada com o assim decidido, a Exequente/Embargada interpôs recurso de apelação da sentença, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
«a) A Recorrente, citada para o efeito, a 24-06-2010, apresentou reclamação de créditos junto do processo executivo n.º 31855/09.2T2SNT;
b)  A reclamação foi apresentada com base nos créditos de que a Recorrente é titular sobre P… e R…, mutuários dos contratos PT00… e PT00…, garantidos por hipoteca sobre bem imóvel e fiança;
c)  Fiança aquela prestada pelos Recorridos, A… e M…;
d) No âmbito daquela reclamação, o ora Recorrente reclamou o valor total de € 71.565,38 resultante dos dois contratos de mútuo;
e)  A venda do imóvel dado em garantia dos referidos contratos ocorreu a 29-01-2015 pelo valor de € 67.200,00, devidamente imputado aos valores em dívida;
f) Do produto da venda, € 63.159,23 foram imputados ao contrato PT00… e € 4.040,77 ao contrato PT00…;
g)  O produto da venda não se mostrou suficiente para liquidar as responsabilidades contratadas;
h)  Em momento anterior à reclamação de créditos apresentada, e a fim de porem termo à mora, foram os Recorridos devidamente interpelados, através de missivas datadas de 15-07-2009 e 07-10-2009;
i)   O tribunal a quo entendeu que a interpelação dos fiadores para a liquidação das prestações em dívida é um requisito obrigatório para a exigibilidade das restantes prestações, não vencidas, considerando que o artigo 781.º do Código Civil (doravante CC), não é aplicável aos garantes da obrigação, não dando como provado o envio das referidas missivas, por as mesmas terem sido remetidas por correio simples;
j) Se é verdade que é um risco a interpelação ser feita através de correio simples, também é verdade que não há qualquer obrigatoriedade legal para o envio das missivas pela forma registada ou registada com aviso de recepção;
 k) Após a venda do imóvel dado em garantia, foram novamente os Recorridos interpelados ao pagamento do remanescente em dívida, por missivas datadas de 17 de Junho de 2015 e 20-09-2017;
l)   O Tribunal a quo não dá como provado o envio da missiva de 17-06-2015, por a mesma ter sido remetida por correio simples;
m) Nenhuma das missivas supra referidas foram devolvidas ao remetente, pelo que tem que se presumir que as mesmas foram devidamente recebidas pelos Recorridos;
n) Quanto às missivas datada de 20-09-2017, resulta provado que as mesmas foram enviadas para os Recorridos, tendo sido devolvidas ao remetente com a indicação de “mudou-se”.
o) E quanto a estas missivas, o Tribunal a quo questiona: “Por fim, no que respeita à carta remetida pela sociedade de advogados com a menção “mudou-se”, desconhece o Tribunal como é que o exequente teve acesso a tal morada, uma vez que a mesma não resulta do teor do contrato dado à execução nem coincide com as moradas para as quais a exequente havia alegadamente remetido as cartas anteriores”.
 p) O Tribunal não pode desconhecer como é que a Exequente, ora Recorrente, teve acesso à morada para a qual remeteu as referidas missivas, na medida em que, ao contrário do que aquele entendeu, tal morada resulta do contrato;
q) Do contrato dado à execução, os quartos outorgantes, ou seja, os aqui Recorridos, declaram residir com os segundos outorgantes.
r)  Por sua vez, os segundos outorgantes declaram residir na Rua …, Mira Sintra.
s)  A Exequente, ao contrário do que o Tribunal a quo entendeu, obteve a morada dos Recorridos através do contrato, título Executivo;
t)   Se os Recorridos não receberam aquela missiva foi porque não foram diligentes o suficiente, nem informaram a Credora de uma eventual alteração de morada, como era seu dever e obrigação, fazendo com que a Exequente, ora Recorrente, enviasse todas as comunicações, ora para uma morada, ora para outra, a fim de tentar uma resposta favorável à resolução extrajudicial do litígio;
u)  O Tribunal a quo deveria ter entendido e decidido pela efectiva interpelação dos Recorridos na medida em que, reitera-se, não há qualquer obrigatoriedade legal para o envio das missivas pela forma registada ou registada com aviso de recepção, e não  tendo as mesmas sido devolvidas ao remetente, com excepção da que data de 20-09-2017, há a presunção de que as mesmas foram efectivamente recebidas.
v)  O Tribunal entende que os executados, na qualidade de fiadores, não foram interpelados para porem termo à mora, pelo que não tiveram a possibilidade de impedir o vencimento antecipado das prestações vincendas;
w) Vai até mais longe e é do entendimento do Tribunal a quo que a Exequente, ora Recorrente, nem sequer pode exigir o pagamento das prestações vencidas e não pagas acrescidas dos respetivos juros moratórios a contar desde a data de citação na medida em que, na mesma linha de raciocínio, “a citação não seria idónea para obviar às consequências não automáticas da mora do devedor, pois não lhe seria dada oportunidade de pagar as prestações vencidas, evitando a exigibilidade das vincendas”.
x)  O Tribunal a quo nem teve em consideração que as cartas juntas aos autos não estavam legalmente obrigadas ao envio através de correio registado ou registado com aviso de recepção, nem tão pouco teve em consideração as disposições contratuais acordadas entre as partes;
y)  Nos termos do n.º 1 do artigo 627.º do CC, é fiador o terceiro que assegura com o seu património o cumprimento de obrigação alheia, ficando pessoalmente responsável perante o respetivo credor;
z)  A fiança tem o conteúdo da obrigação principal, pelo que se molda pela obrigação do devedor principal e abrange tudo aquilo a que ele está obrigado, nos termos dos artigos 631.º e 634.º do CC.
aa) Uma das exceções ao artigo 634.º do CC é a perda do benefício do prazo, uma vez que, de acordo com o artigo 782.º do CC, a mesma não se estende aos coobrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia.
bb) A perda do benefício do prazo encontra-se expressamente contemplada nos artigos 780.º e 781.º do CC, sendo que, neste último artigo, encontra-se previsto o respectivo regime jurídico para a divida liquidável em prestações.
cc) No caso em apreço, estamos perante uma dívida liquidável em prestações, uma vez que, nos contratos de mútuo peticionados nos presentes autos, foi acordado um prazo para a amortização do empréstimo por um período de 30 anos, tendo ficado ainda contemplado que o pagamento do capital emprestado e respetivos juros seria efetuado através de prestações mensais.
dd) Nos termos do artigo 781.º do CC, se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas, pelo que o credor pode exigir antecipadamente o cumprimento da totalidade da obrigação;
ee) O artigo 782.º do CC afasta, no entanto, a aplicação do regime constante do artigo 781.º aos coobrigados do devedor, nomeadamente aos fiadores que garantem o cumprimento da obrigação.
ff) O artigo 782.º do CC tem natureza supletiva, vigorando o princípio da liberdade contratual, pelo que as partes podem afastar o regime jurídico ali constante, contemplando a aplicação aos fiadores da perda do benefício do prazo;
gg) Sendo entendimento praticamente maioritário na jurisprudência que o regime constante do artigo 781.º do CC, que determina o vencimento antecipado da obrigação em virtude do incumprimento de uma prestação, depende necessariamente da interpelação prévia dos devedores;
hh) Considerando que se trata de um regime meramente supletivo, as partes podem acordar no vencimento antecipado da dívida pelo incumprimento de uma prestação mensal, independentemente da prévia interpelação dos devedores e dos fiadores;
ii) Nos termos da alínea d) da cláusula 16ª do documento complementar do contrato de mútuo PT00350178008679185 e na alínea d) da cláusula 18ª do documento complementar do contrato de mútuo PT00350178008680585, peticionados nos autos, a credora tem o direito de considerar o empréstimo vencido se o imóvel hipotecado for alienado sem o seu consentimento ou se a parte devedora deixar de cumprir alguma das obrigações resultantes do contrato;
jj) As partes contratuais aceitaram assim o vencimento antecipado do empréstimo, independentemente de interpelação, no caso de incumprimento de uma obrigação contratual, como seja a do pagamento das prestações mensais.
kk) Tendo os artigos 781.º e 782.º do CC natureza supletiva, os mesmos foram expressamente afastados pelas partes, pelo que a Exequente, ora Recorrente, não tinha qualquer obrigação de proceder à interpelação dos devedores ou dos fiadores no caso de incumprimento contratual.
 ll) No caso em apreço, as partes expressamente estipularam o vencimento antecipado da obrigação, independentemente de interpelação, afastando o regime supletivo da perda do benefício do prazo.
mm) Não se pode aceitar que as referidas cláusulas contratuais não sejam aplicáveis aos Recorridos, na qualidade de fiadores, quando estamos perante documentos autênticos, que atestam o conhecimento de todos os contraentes do conteúdo das cláusulas acordadas;
nn) Os contratos de mútuo peticionados nos presentes autos foram outorgados por escritura pública, sendo, como tal, documentos autênticos, aos quais a lei atribui força probatória plena quanto aos atos praticados pela autoridade pública nos termos do disposto no artigo 371.º do CC;
oo) Os Recorridos, na qualidade de fiadores, declararam "que conhecem também perfeitamente o conteúdo do referido documento complementar", pelo que tinham os mesmos conhecimento do direito da Exequente, ora Recorrente, vencer antecipadamente os empréstimos sem necessidade de proceder à respetiva interpelação nos casos de incumprimento contratual ou de venda do bem imóvel hipotecado;
pp) O regime constante do artigo 781.º do CC foi afastado pelas partes, não sendo necessária a interpelação dos fiadores para ocorrer o vencimento antecipado do empréstimo.
qq) A Recorrente foi citada para reclamar créditos sobre os mutuários numa acção executiva que correu contra estes e que apenas opera na esfera jurídica dos devedores principais, não se estendendo aos seus coobrigados.
rr) O vencimento da obrigação, no caso em apreço, não ocorreu em virtude da venda do imóvel hipotecado, mas sim por falta de pagamento atempado das prestações acordadas.
ss) Considerando que o bem imóvel hipotecado foi vendido forçosamente no âmbito de um processo de execução, a Exequente iria sempre considerar vencidos os empréstimos garantidos, sendo que o produto da respetiva venda seria sempre aplicado primeiramente no empréstimo cuja hipoteca se encontrava registada em primeiro lugar.
tt) O que de facto veio a acontecer, não obstante não ter sido o produto da venda suficiente para a respetiva liquidação.
uu) Ocorreu assim uma verdadeira transformação da relação jurídica existente, uma vez que, através do incumprimento definitivo do contrato, da venda do bem imóvel garantido e da aplicação do produto da respetiva venda, o plano de pagamentos inicialmente previsto deixou de estar em vigor.
 vv) E não é contratualmente possível ao fiador fazer o pagamento de prestações mensais que já não se encontram em vigor, quer pelo vencimento de todas pela falta de pagamento de uma delas, quer face à venda do imóvel garantido e à aplicação do produto da respetiva venda.
ww) O plano inicialmente acordado, nomeadamente, o valor das prestações mensais acordadas, dependia de diversas circunstâncias, como seja o facto de existir um bem imóvel dado de garantia e o pagamento atempado das prestações.
xx) A partir do momento que deixa de existir o bem imóvel dado de garantia e aplicado o produto da venda do mesmo, não é possível manter em vigor o plano de pagamentos inicial que dependia daquele.
yy) As missivas datadas de 17-06-2015 e 20-09-2017, nunca poderiam contemplar o valor das prestações mensais vencidas, uma vez que o plano inicial de pagamentos estava desfeito perante a falta de pagamento atempado das prestações e a venda do bem imóvel hipotecado.
zz) O fiador apenas poderia ser interpelado para proceder ao pagamento do remanescente em dívida, tal como sucedeu.
aaa) Os fiadores responsabilizaram-se solidariamente pelo pagamento de tudo o que viesse a ser devido à Recorrente em consequência dos contratos sub judice e deu o seu consentimento a todas e quaisquer modificações de prazo ou moratórias que viessem a ser convencionadas entre as partes, bem como às alterações da taxa de juro - cfr. consta do título executivo.
bbb) A este respeito, veja-se o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça a 06-12-2018 no processo n.º 4739/16.0T8LOU-A.P1.S1.
ccc) Ora, indo de encontro ao entendimento supra citado, verificada a venda do imóvel, impõe-se à credora que proceda a novo cálculo de capital em dívida e que o comunique ao fiador.
ddd) E foi exactamente isso que a ora Recorrente fez: uma vez vendido o imóvel, procedeu a um novo cálculo da quantia em dívida e informou os fiadores.
eee) Salvo sempre o devido respeito, que é muito, mal andou o Tribunal a quo em julgar procedentes os Embargos com base na falta de interpelação do fiador, entendendo que não foi interpelado para pôr termo à mora, pelo que não teve a possibilidade de impedir o vencimento antecipado das prestações vincendas e que a ora Recorrente, nem sequer pode exigir o pagamento das prestações vencidas e não pagas acrescidas dos respetivos juros moratórios a contar desde a data de citação na medida em que, na mesma linha de raciocínio, “a citação não seria idónea para obviar às consequências não automáticas da mora do devedor, pois não lhe seria dada oportunidade de pagar as prestações vencidas, evitando a exigibilidade das vincendas”.
fff) Porque mesmo que não se considere provado o envio das missivas, não se podia ter ignorado que os fiadores foram devidamente citados para a presente execução pelo valor que remanesceu em dívida após a venda do imóvel.
ggg) E não outro porque, como já se referiu, o plano prestacional acordado deixou de existir após a venda do imóvel, não podendo por essa razão a Recorrente interpelar os fiadores para pôr termo à mora.
hhh) E porque não podia ter ignorado o supra citado, não podia ter julgado totalmente procedentes os embargos, na medida em que tal procedência implica a absolvição dos Embargantes da instância.
iii) Até concebe a Recorrente que não possam ser peticionados os juros desde a data do vencimento da obrigação.
jjj) Contudo, quanto ao valor de capital e ao valor dos juros contabilizados desde a citação dos fiadores, não podem estes ser desresponsabilizados.
kkk) E a citação é válida e suficiente para tornar a obrigação exigível, na medida em que, perante a venda judicial do imóvel, a ora Recorrente só após a venda daquele é que poderia aferir da insuficiência do imóvel para pagamento dos créditos garantidos, efectuar novo cálculo de capital e juros e disso dar conhecimento aos Recorridos, ora fiadores.
lll) Até porque conforme refere o Tribunal a quo na sentença de que ora se Recorre,” nestes casos, a execução deverá seguir pela quantia correspondente às prestações vencidas e não pagas e respectivos juros de mora, à data da propositura da execução ver, neste sentido, Ac. RP, de 23.06.2015, relatado por Márcia Portela; Ac. RL, de 21.03.2019, relatado por Pedro Martins (in www.dgsi.pt), tendo este último recaído sobre sentença proferida neste Juízo de Execução (Juiz 2).”
mmm) O Tribunal a quo considerou que “estes (autos) são omissos quanto a elementos essenciais para determinação dos valores em dívida, pois, como atrás se deixou dito, a exequente, quer no requerimento executivo quer na contestação à oposição, não alegou nem, consequentemente, demonstrou os factos que permitissem aos executados e ao Tribunal alcançar o valor peticionado por mero cálculo aritmético, tendo em atenção, nomeadamente, o facto de, por força da imputação do valor do produto da venda ao valor da dívida, se desconhecer, sequer, que concretas prestações  ainda se mostram em dívida.”
nnn) Dos Requerimento Executivo e documentos anexos, ao contrário do que refere a sentença recorrida, é perceptível a data do incumprimento de cada um dos contratos, os juros aplicados, bem como os valores em divida e respectiva prestação.
ooo) No ponto 10.º do Requerimento Executivo, a Exequente, ora Recorrente, expõe e indica a data do incumprimento: “Incumprimentos estes que tendo ocorrido em 04.12.2007 determinaram o vencimento antecipado de todas as prestações acordadas”.
ppp) Quanto à liquidação, e tendo em conta que na presente execução se está a executar o remanescente após a venda ocorrida em processo diverso do presente, e não a fazer uma redução do pedido exequendo, a Exequente tem apenas de indicar o capital em dívida, juros, respectivas taxas aplicadas e demais valores que tenha direito a receber.
qqq) E aqui atente-se que neste momento já não estamos perante uma dívida em prestações: já que os mutuários deixaram de pagar pontualmente as prestações dos contratos de mútuo, deixou de ser exigido o pagamento das prestações, passando a ser exigível o valor remanescente do empréstimo na sua totalidade, deixando este de ter carácter fraccionado, ou seja, o incumprimento e consequente vencimento do empréstimo alterou a forma de exigibilidade da sua liquidação.
rrr) Da liquidação efectuada e que a seguir se transcreve, resulta que a dívida exequenda é certa, líquida e exigível na medida em que a mesma é suportada por título executivo idóneo e devidamente explicada em campo próprio:
sss) “I – DO CONTRATO PT00… Sobre o capital em dívida de € 8.825,74 acrescem juros remuneratórios e moratórios, à respectiva taxa contratual, que ascendem, em 12.09.2017 a € 1.857,58 e as respectivas comissões no montante de 1.973,55 (doc. n.º 4). A partir da supra referida data, acrescem os juros de mora à já mencionada taxa 5,200%, até ao seu integral pagamento, à razão de € 1,67 por dia. Sobre os juros acrescem ainda o imposto de selo apurado pela aplicação de uma taxa de 4%, cujo valor, nesta data ascende a € 74,30. II - Do CONTRATO PT00… Sobre o capital em dívida de € 10.536,95 acrescem juros remuneratórios e moratórios, à respectiva taxa contratual, que ascendem, em 12.09.2017 a € 2.261,48 (doc. n.º 5). A partir da supra referida data, acrescem os juros de mora à já mencionada taxa 5,200%, até ao seu integral pagamento, à razão de € 1,83 por dia. Sobre os juros acrescem ainda o imposto de selo apurado pela aplicação de uma taxa de 4%, cujo valor, nesta data ascende a € 78,59”
ttt) A Exequente, ora Recorrente, com o Requerimento Executivo junta as notas de débito referentes a cada um dos contratos.
uuu) Dessas notas de débito, obviamente emitidas pela entidade credora, ora Recorrente, constam a data do contrato, o valor mutuado, o valor em dívida discriminado em capital, juros, despesas e comissões, data do incumprimento e data da última prestação paga, período temporal a que o valor dos juros diz respeito bem como as taxas de juros aplicadas.
vvv) Encontra-se também discriminado na mesma, desde a data do incumprimento definitivo, o número da prestação, respectiva taxa, amortização, valor dos juros, comissões e despesas.
www) Não percebe a ora Recorrida que dúvidas possam existir quanto à liquidação efectuada no Requerimento Executivo, tendo em conta os documentos que suportam a mesma
Propugna, por isso, a Recorrente que a apelação seja julgada procedente e que os autos de execução prossigam os seus trâmites.
9. Os Embargantes não apresentaram alegação de resposta.
10. Por despacho proferido no dia 29.1.2021, o recurso de apelação foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II - Âmbito do recurso de apelação
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões da Recorrente (artigos 635.º, n.º 4, 639.º, n.º 1, do CPC), ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma), a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:
- Se o clausulado na alínea d) das cláusulas 16.ª e 18.ª (respetivamente) constante dos documentos complementares à escritura pública outorgada em 4.12.1998, pela qual foram celebrados dois contratos denominados «Compra e Venda, Mútuos com Hipoteca e Fiança», afasta o disposto no artigo 782.º do Código Civil, relativo à perda do benefício do prazo quanto aos fiadores;
- Se em virtude da venda executiva do imóvel dado em garantia hipotecária dos mútuos em referência e do estipulado nas mencionadas cláusulas, terá ocorrido o vencimento imediato da dívida remanescente quanto aos fiadores, ora Embargantes;
- Se, consoante a solução dada à questão precedente, a dívida exequenda se mostra devidamente liquidada pela Exequente/Embargada.
*
III - Fundamentação
Fundamentação de facto
São os seguintes os factos considerados provados na sentença recorrida:
1. No âmbito da sua atividade, a Exequente celebrou com os primeiros Executados P… e R… dois contratos de mútuo com hipoteca e fiança, titulados pela escritura pública junta com o requerimento executivo, através dos quais lhes concedeu o empréstimo da quantia de 12.500.000$0 (62 349,74 €) e o empréstimo da quantia de 2.500.000$00 (12 469,95 €).
2. Tais quantias foram entregues aos primeiros Executados P… e R…, que a receberam e a destinaram à aquisição de habitação própria e permanente e à realização de obra de beneficiação em imóvel.
3. Por força dos referidos contratos, os primeiros Executados P… e R… confessaram-se devedores da quantia mutuada e assumiram, entre outras obrigações, a de restituir à Exequente a quantia emprestada através do pagamento de prestações mensais e sucessivas de capital e juros.
4. Para garantia do pagamento da quantia emprestada, respetivos juros e despesas, os primeiros Executados P… e R… constituíram a favor da Exequente hipoteca sobre a fração autónoma destinada a habitação designada pelas letras “DD”, correspondente ao sétimo andar esquerdo frente do prédio sito na Praceta …, Bairro de Mira Sintra, freguesia de Agualva-Cacém, concelho de Sintra.
5. No âmbito dos aludidos contratos, os segundos Executados, A… e M…, declararam o seguinte:
«Que se responsabilizavam como fiadores e principais pagadores por tudo quanto venha a ser devido à Caixa credora em consequência do empréstimo aqui titulado dando, desde já, o seu acordo a quaisquer modificações da taxa de juro e bem assim às alterações de prazo ou moratórias que venham a ser convencionadas entre a credora e a parte devedora e aceitando que a estipulação relativa ao extracto da conta e aos documentos de débito seja também aplicável à fiança.
Que conhecem também perfeitamente o conteúdo do referido documento complementar, pelo que se dispensa a sua leitura.»  [completou-se a declaração]
6. A fração descrita em 4 foi vendida no processo executivo n.º 31855/09.2T2SNT, que correu termos nos então Juízos de Execução de Sintra do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste (Juiz) instaurado por Administração do Condomínio da Praceta …, contra R… e P…, no âmbito do qual a ora Exequente reclamou os seus créditos.
7. A Exequente elaborou a carta datada de 15.7.2009, cuja cópia se mostra junta a fls. 26 a 27 (doc. 1 da contestação) e o teor se dá por reproduzido, identificando a morada dos Executados/Embargantes como sendo «Pcta …, Mira Sinta 2735-387 AGUALVA-CACÉM».
8. A Exequente elaborou a carta datada de 7.10.2009, cuja cópia se mostra junta a fls. 28 e 29 (doc. 2 da contestação) e o teor se dá por reproduzido, identificando a morada dos executados/opoentes como sendo a «Pcta …, Mira Sintra 2735-387 AGUALVA-CACÉM».
9. A sociedade de advogados MG&A elaborou as cartas datadas de 17.6.2015, cujas cópias se mostram juntas a fls. 30 e 31 (docs. 3 e 4 da contestação) e os teores se dão por reproduzidos, identificando a morada do Executado/Opoente A… como sendo «Pcta …, Mira Sintra 2735-387 AGUALVA-CACÉM» (fls. 30) e a morada da Executada/Opoente M… como sendo a «R …, Mira Sintra 2735-411» (fls. 31).
10. A sociedade de advogados MG&A remeteu aos Executados, para a morada «RUA … 2735-387 MIRA SINTRA», as cartas datadas de 20.09.2017, cujas cópias se mostram juntas a fls. 32 e 36 (docs. 5 e 6 da contestação) e os teores se dão por reproduzidos, as quais vieram devolvidas com a menção «mudou-se».
11. O Exequente identificou, no requerimento executivo, a morada dos Executados/Opoentes como sendo a «R …, 2735-273 MIRA SINTRA».
12. Os Executados/Opoentes foram citados para os termos da execução de que dependem estes autos na «Praceta …, Mira Sintra».
Aditamento de matéria de facto relevante:
Em desenvolvimento dos factos descritos sob os pontos 1 a 5, ao abrigo do preceituado no artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável por via do disposto no artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC, adita-se a seguinte factualidade:
A. Nos documentos complementares à escritura pública mediante a qual foram celebrados dois contratos denominados «Compra e Venda, Mútuos com Hipoteca e Fiança», outorgada em 4.12.1998, na qual intervieram os ora Embargantes, na qualidade de fiadores, foram estipuladas, entre outras, as seguintes cláusulas:
Relativas ao empréstimo da quantia de 62 349,74 €
«8.ª
(Prazo de amortização)
O prazo para amortização do empréstimo é de TRINTA anos, a contar de hoje.»
«9.ª
(Prestações)
1 – O empréstimo será amortizado em prestações mensais constantes, de capital e juros, vencendo-se a primeira no correspondente dia do mês seguinte ao da celebração deste contrato e as restantes em igual dia dos meses seguintes.
2 – O montante das prestações será oportunamente comunicado à credora.
3. No caso de virem a ser alterados o regime da amortização, o prazo de duração do empréstimo ou a taxa de juro, e no caso de a parte devedora proceder antecipadamente ao reembolso parcial do empréstimo, a credora fará novo cálculo das prestações a pagar, cujo montante comunicará à parte devedora.»
«16.ª
(Direitos da credora)
À credora fica reconhecido o direito de:
(…) d) considerar o empréstimo vencido se o imóvel hipotecado for alienado sem o seu consentimento ou se a parte devedora deixar de cumprir alguma das obrigações resultantes deste contrato.»
Relativas ao empréstimo da quantia de 12 469,95 €
«10.ª
(Prazo de amortização)
O prazo para amortização do empréstimo é de TRINTA anos, a contar de hoje.»
«11.ª
(Prestações)
1 – O empréstimo será amortizado em prestações mensais constantes, de capital e juros, vencendo‑se a primeira no correspondente dia do mês seguinte ao da celebração deste contrato e as restantes em igual dia dos meses seguintes.
2 – O montante das prestações será oportunamente comunicado à credora.
3. No caso de virem a ser alterados o regime da amortização, o prazo de duração do empréstimo ou a taxa de juro, e no caso de a parte devedora proceder antecipadamente ao reembolso parcial do empréstimo, a credora fará novo cálculo das prestações a pagar, cujo montante comunicará à parte devedora.»
«18.ª
(Direitos da credora)
À credora fica reconhecido o direito de:
(…) d) considerar o empréstimo vencido se o imóvel hipotecado for alienado sem o seu consentimento ou se a parte devedora deixar de cumprir alguma das obrigações resultantes deste contrato.»
B. A Exequente/Embargada juntou ao requerimento executivo dois documentos denominados «Notas de débito», para os quais remetemos atenta a sua extensão, dos quais resultam os seguintes montantes considerados em dívida:
- Saldo devedor de 12 656,87 € e «Desdobramento da dívida»:
Capital   8.825,74
Juros de 04/01/2008 a 12/09/2017       1.857,58
Despesas                                              0,00
Comissões                                            1.973,55
- Saldo devedor de 14 371,98 € e «Desdobramento da dívida»:
Capital   10.536,95
Juros de 04/12/2007 a 12/09/2017       2.261,48
Despesas                                              0,00
Comissões                                            1.573,55
São os seguintes os factos considerados não provados na sentença recorrida:
1. A Exequente remeteu para a morada dos Executados/Embargantes, que as receberam, as cartas referidas nos pontos 7 e 8 dos factos provados.
2. A sociedade de advogados MG&A enviou para a morada dos Executados/Embargantes, que as receberam, as cartas referidas no ponto 9 dos factos provados.
Apreciação do objeto do recurso
A. A Embargante insurge-se quanto ao facto de o Tribunal a quo não ter dado como provado o envio da missiva de 17.6.2015, por ter sido remetida por correio simples.
Argui que nenhuma das missivas foram devolvidas ao remetente, pelo que tem que se presumir que foram devidamente recebidas pelos Recorridos.
Mais alega, quanto às missivas datadas de 20.9.2017, que foram enviadas para os Recorridos, tendo sido devolvidas ao remetente com a indicação de «mudou-se».
Sustenta que o Tribunal não pode desconhecer como é que a Exequente, ora Recorrente, teve acesso à morada para a qual remeteu as referidas missivas, na medida em que, ao contrário do que aquele entendeu, tal morada resulta do contrato.
Defende que, se os Recorridos não receberam aquela missiva, foi porque não foram diligentes o suficiente, nem informaram a credora de uma eventual alteração de morada, como era seu dever e obrigação, fazendo com que a Exequente, ora Recorrente, enviasse todas as comunicações, ora para uma morada, ora para outra, a fim de tentar uma resposta favorável à resolução extrajudicial do litígio.
Considera que o Tribunal a quo deveria ter concluído pela efetiva interpelação dos Recorridos, na medida em que não há qualquer obrigatoriedade legal para o envio das missivas pela forma registada ou registada com aviso de receção e, não tendo as mesmas sido devolvidas ao remetente, com exceção da que data de 20.9.2017, há a presunção de que foram efetivamente recebidas.
Na sua motivação do recurso, a Apelante faz diversas alegações de facto, sem nunca se reportar ao mecanismo da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Se a sua intenção tiver sido a de verdadeiramente impugnar tal decisão, a Apelante descurou desde logo o ónus a seu cargo consagrado no artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do CPC.
Segundo este preceito, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [concretizando ainda a alínea a) do n.º 2 do preceito que devem ser indicadas com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes].
Constata-se da simples leitura da alegação de recurso que a Apelante se insurge contra a decisão de considerar não provado o envio das missivas para interpelação dos fiadores.
Contudo, nem nas conclusões nem no corpo da alegação o fez pela forma legalmente prevista, nada dizendo quanto à prova gravada e a motivação do decidido.
No que concerne à alegada presunção de que os fiadores receberam as missivas, a Apelante parte do princípio de que ficou provado que foram enviadas, o que já vimos não corresponder à realidade – pontos 1. e 2. da factualidade não provada –, avançando depois para a doutrina consagrada no artigo 224.º do Código Civil.
Este preceito responde à questão de saber quando é que a declaração negocial recipienda se torna perfeita, ficando em condições de iniciar a produção dos seus efeitos e de vincular o declarante ao seu conteúdo.
Conforme dispõe o artigo 224.º do Código Civil, a declaração recipienda torna‑se apta a produzir os efeitos pretendidos pelo declarante nos seguintes casos:
a) Logo que é efetivamente conhecida pelo destinatário - n.º 1;
b) Quando chega ao poder do destinatário em condições de ser por ele conhecida - n.º 3; ou,
c) A partir do momento em que, normalmente, teria sido recebida pelo destinatário, caso este não tivesse impedido, com culpa, a sua oportuna receção - n.º 2.
No caso, não se verifica o sustentáculo da aplicação da presunção legal prevista no n.º 2 do artigo 224.º, n.º 2 (cf. artigo 350.º do Código Civil), pois nem se apurou o envio das missivas.
De igual modo, não foi validamente impugnada a decisão sobre a matéria de facto, para se poder extrair a presunção judicial do envio das missivas, ao abrigo dos artigos 351.º do Código Civil e 607.º, n.º 4, in fine, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC.
Neste particular, aderimos ao teor da seguinte passagem da sentença recorrida:
«Embora não haja dúvidas que cabe aos opoentes a prova de factos impeditivos do exequente poder fazer valer seu direito, não nos parece, que no caso em apreço, seja exigido aos opoentes, enquanto fiadores, invocando a sua não recepção, fazer a prova de que as cartas a si endereçadas não lhes foram efectivamente enviadas e por isso eles não as receberam, pois isso cairia numa situação de prova diabólica que deve ser desde logo arredada, só lhes sendo exigível fazer a prova do não recebimento das cartas, ou do desconhecimento do seu teor, se à partida estiver dado como assente que as missivas lhes foram enviadas, visando a sua interpelação».
No sentido de que a demonstração do envio das missivas não se pode resumir, como é evidente, à simples e inconclusiva junção de cópias de cartas que se podem retirar e imprimir de qualquer computador à disposição, pronunciou-se o acórdão do TRL de 11.10.2016, p. 4233/10.3TBVFX-A.L1-7, www.dgsi.pt. Em sentido similar, vide ainda os acórdãos do TRL de 19.4.2018, p. 144/13.9TCFUN-A-2) e de 7.6.2018 (p.  2272/05.5YYLSB-B.L1-6), ambos consultáveis em www.dgsi.pt.
B. A Apelante alega que o clausulado na alínea d) das cláusulas 16.ª e 18.ª (respetivamente) dos dois documentos complementares à escritura pública outorgada em 4.12.1998, pela qual foram celebrados os dois contratos denominados «Compra e Venda, Mútuos com Hipoteca e Fiança», afasta a norma supletiva contida no artigo 782.º do Código Civil.
Flui da análise dos títulos dados à execução que estamos perante dois contratos de mútuo comercial com hipoteca voluntária, em conformidade com o disposto nos artigos 1142.º e 686.º do Código Civil e 2.º do Código Comercial.
O empréstimo bancário, como espécie do empréstimo mercantil é sempre retribuído (artigo 395.º do Código Comercial). O reconhecimento dos juros como elemento essencial harmoniza-se com o disposto no artigo 362.º do Código Comercial, quando considera o empréstimo bancário como uma operação comercial tendente a realizar lucros sobre o numerário.
O reembolso dos fundos deve ser efetuado nos termos previstos no contrato, podendo consistir numa única entrega ou em várias, distribuídas ao longo do tempo.
No caso, os reembolsos nos dois contratos foram acordados sob a forma de prestações mensais e sucessivas, no prazo de trinta anos.
No âmbito dos referidos contratos, os segundos Executados, A… e M…, declararam responsabilizar-se «como fiadores e principais pagadores por tudo quanto venha a ser devido à Caixa credora em consequência do empréstimo
A fiança traduz-se numa garantia pessoal pela qual o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor, nos termos do artigo 627.º, n.º 1, do Código Civil.
Dispõe o n.º 2 do artigo 627.º do Código Civil que a obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o devedor principal, traduzindo-se tal acessoriedade na estreita ligação entre a obrigação principal e a obrigação do devedor, que determina que a obrigação do fiador acompanhe as vicissitudes da obrigação principal desde o nascimento até à extinção.
Outra consequência da acessoriedade consiste na possibilidade de o fiador invocar perante o credor os meios de defesa do afiançado (artigo 637.º do Código Civil).
De acordo com o artigo 634.º do Código Civil, a fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora e da culpa do devedor.
No caso em apreço, estamos perante uma fiança solidária, pois ao assumirem-se como principais pagadores, os fiadores renunciaram ao benefício da excussão prévia previsto no artigo 638.º do Código Civil.
A Apelante alega que ocorreu in casu a perda do benefício do prazo de pagamento prevista no artigo 781.º do Código Civil, a qual é extensiva aos fiadores, ora Embargantes, em face da cláusula que afasta o regime do artigo 782.º do mesmo Código.
Vejamos:
O artigo 781.º do Código Civil contempla uma causa de perda do benefício do prazo, para além das previstas no antecedente artigo 780.º.
Assim, nas dívidas ou prestações fracionadas, tendo o devedor faltado ao cumprimento de uma prestação, o credor poderá exigir imediatamente as restantes prestações, antes do tempo acordado para a sua sucessiva exigibilidade.
Este preceito aplica-se às prestações ditas fracionadas ou repartidas, ou seja, às obrigações cujo cumprimento se protela no tempo, em sucessivas prestações instantâneas, mas em que o objeto global está previamente fixado e não depende da duração da relação obrigacional.
Em suma, trata-se de uma hipótese de perda do benefício do prazo em que se concede ao credor a possibilidade de exigir antecipadamente o cumprimento de todas as prestações e, deste modo, constituir o devedor em mora quanto às prestações vincendas.
Se o credor quiser usar o benefício que a lei lhe concede terá de manifestar a sua vontade, interpelando o devedor para cumprir imediatamente todas as prestações vincendas.
Este é o entendimento que domina na doutrina, sublinhando-se, porém, em sentido contrário, conquanto crítica da lei, a posição de Galvão Telles (Direito das Obrigações, Coimbra: Almedina, 7.ª ed., p. 271).
Acompanhando a lição de Antunes Varela, o que resulta do artigo 781.º do Código Civil é tão somente a perda do benefício do prazo quanto a todas as prestações devidas para o futuro, ficando o credor, por conseguinte, com o direito de exigir a realização, não apenas da prestação a que o devedor faltou, mas de todas as prestações restantes, cujo prazo ainda não se tenha vencido, não resultando qualquer vencimento imediato ex vi legis (in Direito das Obrigações, 6.ª ed., vol. II, pg. 52 e ss.).
Vasco Lobo Xavier observa que a interpretação que defende o vencimento automático não só representa uma injustificada violência para o devedor, como se não compagina com o disposto no artigo 805.º do Código Civil, nos termos do qual aquele fica constituído em mora após ter sido interpelado para cumprir, exceto se a obrigação tiver prazo certo (RDES, Ano XXI, n.ºs 1, 21, 3 e 4, p. 201).
Seguimos sem hesitações, como na sentença recorrida, esta tese maioritária.
A ratio do artigo 781.º do Código Civil radica na quebra provocada pelo devedor da relação de confiança que esteve na base da celebração do acordo de pagamento fracionado no tempo.
Estamos perante uma mera faculdade, que o credor pode exercer ou não, em conformidade com a avaliação que faz da situação económica do devedor e dos seus próprios interesses.
Na verdade, o credor pode até optar por aguardar algum tempo, confiando em que a dificuldade de pagamento seja temporária e que o devedor tenha capacidade económica para retomar o pagamento regular das prestações acordadas.
Na jurisprudência predomina também esta linha de entendimento, salientando-se, entre outros, os acórdãos do STJ de 17.1.2006 (p. 05A3869), de 14.11.2006 (p. 06B2911) e de 25.5.2017 (p. 1244/15.6T8AGH-A.L1.S2TRL), os acórdãos do TRL de 15.5.2012 (p. 7169/10.4TBALM-A.L1-7) e de 7.6.2019 (p. 22574/13.6T2SNT-A.L1), o acórdão do TRP de 25.1.2010 (p. 5664/08.4TBVNG.P1) e os acórdãos do TRC de 10.3.2009 (p. 3078/08.5TJCBR.C1) e de 7.6.2016 (p. 783/13.8TBLMG-A.C1), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
A norma do artigo 781.º do Código Civil tem natureza supletiva, pelo que o credor e o devedor, no âmbito da sua autonomia privada, podem acordar num sentido diverso, nomeadamente do vencimento automático das prestações vincendas sem necessidade, para tal efeito, de interpelação do devedor (neste sentido, acórdãos do STJ de 21.11.2006, p. 06A3420, e do TRC de 4.6.2013, p. 5366/09.4T2AGD-A.C1, ambos consultáveis em www.dgsi.pt).
A interpretação de cláusulas escritas inseridas em contratos segue os normativos previstos nos artigos 236.º e ss. do Código Civil.
Estando em causa contratos de natureza formal, não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que expresso imperfeitamente (artigo 238.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Importa, assim, interpretar o sentido da referida alínea d) das cláusulas 16.ª e 18.ª, da qual consta que «se considera o empréstimo vencido se o imóvel hipotecado for alienado sem o seu consentimento ou se a parte devedora deixar de cumprir alguma das obrigações resultantes deste contrato.» (negrito nosso)
Significará que o vencimento de todas as prestações decorre do incumprimento de alguma das obrigações sem que a credora careça de interpelar o devedor (tese da Apelante)?
Em nosso juízo, o que se encontra plasmado na referida cláusula contratual em nada difere do que ressalta da interpretação dominante do artigo 781.º do Código Civil.
O sentido de a expressão «considerar o empréstimo vencido» não é o do afastamento do regime-regra que resulta do artigo 805.º, n.º 1, do Código Civil, o qual careceria de ser expresso de forma inequívoca.
Tal asserção não equivale a vencimento automático de todas as prestações posteriores à que não foi realizada, mas tão só a imediata exigibilidade destas, não ficando a credora dispensada de interpelar o devedor se quiser que este responda pelos danos moratórios das prestações vincendas desde o vencimento da que não foi cumprida.
Analisado o regime estabelecido no artigo 781.º do Código Civil, importa sublinhar que ele não se aplica aos fiadores, por força do disposto no artigo 782.º do mesmo Código.
Com efeito, dispõe este artigo que a perda do benefício do prazo não se estende aos coobrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia.
Contudo, tratando-se de uma norma supletiva, pode também convencionar-se o afastamento do regime previsto no artigo 782.º do Código Civil (cf. artigo 405.º do mesmo Código).
Ora, se as cláusulas em apreço não afastam a norma supletiva do artigo 781.º do Código Civil, muito menos têm o condão de afastar a regra estabelecida no artigo 782.º do mesmo diploma para os fiadores.        
Não assiste, assim, razão à Apelante, quando argumenta no sentido da desnecessidade da interpelação dos fiadores.
A necessidade de o exequente comprovar a interpelação do fiador ancora no dever de atuar em conformidade com o princípio da boa-fé, consagrado em termos gerais no artigo 762.º, n.º 2 do Código Civil.
A interpelação do fiador nas obrigações fracionadas desempenha uma finalidade muito específica, permitindo levar ao conhecimento do fiador o valor das prestações vencidas e não pagas pelo principal devedor, bem como comunicar-lhe a possibilidade de as pagar no prazo admonitório fixado pelo credor, de modo a poder-lhe exigir o pagamento das prestações que se fossem vencendo.
Alinha neste diapasão o acórdão do STJ de 18.1.2018 (p. 2351/12.2TBTVD-A, disponível em www.dgsi.pt), citado na sentença recorrida e assim sumariado:
«(…) II - O regime de exigibilidade antecipada da dívida pagável em prestações previsto no art. 782.º do CC é supletivo e, não tendo sido afastado pelas partes, implica que o credor interpele o devedor exigindo a totalidade da dívida.
III - A perda do benefício do prazo do devedor não se estende ao fiador art. 782.º do CC, sendo necessário que, também este seja interpelado para a satisfação imediata da totalidade das prestações em dívida, para obstar à realização coactiva da prestação, interpelação que não se verificou no caso dos autos
A interpelação deveria ocorrer no momento em que surgem indícios seguros de que o devedor principal tem dificuldades em manter o plano prestacional acordado, atendendo ao número e ao valor das prestações em falta ou às dificuldades no cumprimento das prestações nos prazos acordados.
O momento para a interpelação do fiador deve ser anterior à resolução, no caso de o credor pretender pôr termo ao contrato, ou anterior ao momento em que o credor decida optar pelo vencimento antecipado, nos termos previstos no artigo 781.º do Código Civil, para permitir ao fiador pagar as prestações vencidas e não pagas pelo devedor principal, que serão, naturalmente, de valor muito inferior ao valor das prestações que se venceram em decorrência da perda do benefício do prazo (cf. J. H. Delgado de Carvalho, Temas de Processo Civil, A prática da teoria, Quid juris?, Lisboa, fevereiro de 2019, p. 166).
Poderia, ainda assim, em tese, discutir-se se a citação para a execução pode valer como interpelação.
Seguimos o entendimento de que citação não supre a falta de interpelação admonitória, dado que ocorre numa altura em que o credor já optou pela antecipação do vencimento da totalidade do capital em dívida, não sendo dada oportunidade de pagar as prestações vencidas, evitando a exigibilidade das vincendas. (cf. acórdão do TRL de 17.11.2011, p. 1156/09.2TBCLD-D.L1, in www.dgsi.pt).
Não tendo os fiadores renunciado ao benefício do prazo, vigorando o artigo 782.º do Código Civil, e não tendo a Exequente/Embargada demonstrado a interpelação daqueles antes de ter optado pelo mecanismo do artigo 781.º do mesmo Código, há que entender que os fiadores apenas são responsáveis pelas prestações vencidas e não pagas de acordo com os planos contratuais estabelecidos e não realizadas pelos principais devedores até ao momento que a credora considerou haver vencimento antecipado (cf. Januário da Costa Gomes, Assunção Fidejussória de Dívida, Coimbra: Almedina, pp. 961-962).
Nesse contexto, como se escreveu na sentença recorrida, «à falta de interpelação, o credor teria direito apenas às prestações vencidas e não pagas até à data da instauração da execução, acrescida de juros, sem prejuízo da cumulação sucessiva de execuções (artigo 711.º CPC)».
A inexigibilidade em relação ao fiador também abrange os juros de mora sobre o capital vencido, dado que, não obstante estes juros gozem de autonomia face ao crédito de capital (cf. artigo 561.º do Código Civil), procedem relativamente a eles as mesmas razões de direito que justificam a inoponibilidade da perda do benefício do prazo ao fiador.
No caso em apreço, não tendo a Exequente procedido à interpelação dos Executados/Embargantes, não podia exigir deles o cumprimento da totalidade da dívida.
Perante o exposto, cai por terra a argumentação da Apelante no sentido do vencimento antecipado da obrigação independentemente da interpelação dos fiadores (e dos devedores principais).

C. A Apelante sustenta que o vencimento da obrigação ocorreu em virtude da falta de pagamento atempado das prestações acordadas.
Sem conceder, argui que, em virtude da venda executiva do imóvel dado em garantia hipotecária dos mútuos em referência e do estipulado nas mencionadas cláusulas, terá ocorrido o vencimento imediato da dívida remanescente quanto aos fiadores, ora Embargantes, o mesmo é dizer, a perda do benefício do prazo quanto a eles.
Argumenta que ocorreu uma verdadeira transformação da relação jurídica existente e que, a partir do momento em que deixa de existir o bem imóvel dado de garantia e é aplicado o produto da sua venda, não é possível manter em vigor o plano de pagamentos inicial que dele dependia.
Na esteira do acórdão do STJ de 6.12.2018 (p. 4739/16.0T8LOU-A.P1.S1, em www.dgsi.pt), a Apelante observa que os fiadores se responsabilizaram solidariamente pelo pagamento de tudo o que viesse a ser devido à ora Recorrente em consequência dos contratos sub judice, tendo dado o seu consentimento a todas e quaisquer modificações de prazo ou moratórias que viessem a ser convencionadas entre as partes, bem como às alterações da taxa de juro.
E remeta com a citação do sumário do referido acórdão, onde se lê:
«IV. No âmbito de um contrato de mútuo amortizável a prestações, tendo sido estipulado que à credora ficava reconhecido o direito a considerar o empréstimo vencido se o imóvel hipotecado fosse alienado sem o seu consentimento, não havendo qualquer ressalva de faculdade alternativa de a mesma exigir a substituição ou o reforço das garantias, conforme o previsto no artigo 780.º, n.º 2, do CC, tal estipulação deve ser interpretada no sentido de implicar a exigibilidade imediata da obrigação de amortização do empréstimo, conducente à caducidade do benefício do prazo.
V. No âmbito do mesmo contrato, tendo intervindo fiador que assumiu, na qualidade de principal pagador, a responsabilidade por “tudo quanto viesse a ser devido à credora em consequência daquele “mútuo”, dando, desde logo, o seu acordo a ulteriores modificações dos prazos de amortização do capital e declarando estar ciente da estipulação referida em 4, deve entender-se que o mesmo assumiu também contratualmente, em detrimento da norma supletiva do artigo 782.º do CC, a responsabilidade pela amortização do mútuo no  caso de perda do benefício do prazo em relação ao devedor principal, em virtude da alienação do imóvel hipotecado sem consentimento da credora.
VI. A venda forçada do imóvel hipotecado no processo de insolvência do mutuário configura-se com uma situação de alienação desencadeada sem o consentimento da credora, não obstante o bem lhe ter sido depois adjudicado dada a sua qualidade de credora hipotecária.
VII. No entanto, verificada a referida alienação do imóvel dado em garantia, impunha-se que a credora procedesse ao novo cálculo do capital ainda em dívida e o comunicasse ao fiador, sem o que não é lícito considerar este constituído em mora, nos termos do 805.º, n.º 3, 1.ª parte, do CC.  - negrito e sublinhado nosso
Ora, o Tribunal recorrido analisou a segunda parte da alínea d) das cláusulas 16.ª e 18.ª, respetivamente, em paralelo com o disposto no artigo 781.º do Código Civil.
Não se pronunciou, nem tinha de se pronunciar, sobre esta questão.
Em primeiro lugar, porque se trata de uma questão nova, não carreada para os autos pelas partes, designadamente pela Exequente/Embargada, na sua contestação dos embargos.
Em segundo, porque não se trata de uma questão de conhecimento oficioso.
Agora, em sede de recurso, é inadmissível dela conhecer.
Neste sentido da inadmissibilidade da apreciação de questões novas nos recursos, veja-se, a título meramente exemplificativo, o acórdão do STJ de 23.3.2017 (Revista n.º 4517/06.5TVLSB.L1.S1 - 2.ª Secção, com sumário disponível em www.stj.pt, onde se pode ler:
«Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais através dos quais se visa reapreciar e modificar decisões já proferidas que incidam sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, e não criá-las sobre matéria nova, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas, salvo aquelas que são de conhecimento oficioso (art. 627.º, n.º 1, do CPC).»
No mesmo sentido, Abrantes Geraldes escreveu que «A natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objeto decorrente do facto, de em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas.» (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª edição, Coimbra: Almedina, p. 119).
«Na verdade, - continua o Autor - os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. Seguindo a terminologia proposta por Teixeira de Sousa, podemos concluir que tradicionalmente temos seguido um modelo de reponderação que visa o controlo da decisão recorrida, e não um modelo de reexame que permita a repetição da instância no tribunal de recurso.» (ibidem)
Aliás, se bem atentarmos no citado acórdão do STJ de 6.2.2018, consta do seu relatório que a Exequente/Embargada invocou na contestação dos embargos o seguinte:
«Ainda que se verificasse a falta de interpelação quanto às prestações em falta, a declaração da insolvência do devedor principal teve como efeito automático o vencimento das prestações vincendas mesmo quanto aos fiadores;
O bem imóvel dado em garantia hipotecária dos mútuos em referência foi vendido no âmbito do processo de insolvência n.º 2272/12.9TBFLG-F, o que implicou o vencimento automático da quantia ainda em dívida
Ou seja, o aresto versou sobre matéria que não surgiu espontaneamente na apelação, como acontece nestes autos.
Perante o exposto, por se tratar de uma questão nova, não se conhece deste segmento do objeto do recurso.
D. Coloca-se ainda a questão de saber qual o montante em dívida e se este foi devidamente liquidado pela Exequente.
Em face da alienação do imóvel hipotecado, para a determinação do capital ainda em dívida, importava que fosse apurado o valor do capital já pago por via das prestações anteriormente efetuadas, com a imputação do produto da venda do imóvel nas despesas, nos juros e no capital, em ordem a calcular o montante em dívida remanescente, na linha dos ditames previstos no artigo 785.º do Código Civil.
Com efeito, na ausência de acordo das partes ou disposição válida do credor, conforme decorre do artigo 785.º, n.º 1 do Código Civil, quando, além do capital, o devedor estiver obrigado a pagar despesas ou juros ou a indemnizar o credor em consequência da mora, a prestação que não chegue para cobrir tudo o que é devido presume-se feita por conta, sucessivamente, das despesas, da indemnização, dos juros e do capital.
Tal imputação de cumprimento vale igualmente quando o pagamento é obtido coercivamente, nomeadamente no âmbito de uma ação executiva, o que deve refletir-se nas operações de liquidação (cf. acórdão do TRP de 22.10.2019, p. 562/19.9T8OAZ.P1, disponível em www.dgsi.pt).
Consta da sentença recorrida que os autos são omissos quanto a elementos essenciais para a determinação dos valores em dívida, pois a Exequente, quer no requerimento executivo quer na contestação à oposição, não alegou, nem consequentemente demonstrou, factos que permitissem aos Executados e ao Tribunal alcançar o valor peticionado por mero cálculo aritmético, tendo em atenção, nomeadamente, o facto de, por força da imputação do produto da venda ao valor da dívida, se desconhecer sequer que concretas prestações ainda se mostram em dívida.
Por seu turno, a Apelante alega que a sentença recorrida deveria ser coerente, no sentido de a execução dever prosseguir pela quantia correspondente às prestações vencidas e não pagas e respetivos juros de mora, à data da propositura da execução.
Argui que, do Requerimento Executivo e documentos anexos resulta percetível a data do incumprimento de cada um dos contratos, os juros aplicados, bem como os valores em dívida e respetiva prestação.
Dando enfoque ao ponto 10.º do Requerimento Executivo, a Recorrente assinala que expôs e indicou a data do incumprimento - «Incumprimentos estes que tendo ocorrido em 04.12.2007 determinaram o vencimento antecipado de todas as prestações acordadas».
Quanto à liquidação propriamente dita, e tendo em conta que na presente execução se está a executar o remanescente após a venda ocorrida em processo diverso do presente e não a efetuar uma redução do pedido exequendo, a Apelante defende que tinha apenas de indicar o capital em dívida, juros, respetivas taxas aplicadas e demais valores que tenha direito a receber.
Assevera que da liquidação efetuada resulta que a dívida exequenda é certa, líquida e exigível.
Além disso, a Apelante justifica que as notas de débito referentes a cada um dos contratos, juntas com o Requerimento Executivo contêm elementos como a data do contrato, o valor mutuado, o valor em dívida discriminado em capital, juros, despesas e comissões, a data do incumprimento e a data da última prestação paga, período temporal a que o valor dos juros diz respeito bem como as taxas de juros aplicadas.
Conclui que não devem subsistir dúvidas quanto à liquidação efetuada no Requerimento Executivo, tendo em conta os documentos que suportam a mesma.
Consta da fundamentação da sentença recorrida, neste ponto, o seguinte:
«Não se baseando a execução em sentença ou em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, além dos fundamentos de oposição especificados no artigo 729.º, na parte em que sejam aplicáveis nomeadamente a incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, podem ser alegados quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração.
No caso em apreço, os executados/opoentes, colocam em crise a operação da liquidação da obrigação exequenda, invocando, desde logo, que não foram interpelados para procederem ao pagamento das prestações que se encontravam em mora, mais alegando que desconhecem as datas de mora de pagamento por parte dos executados, o valor pago pelos executados até deixarem de proceder ao pagamento das prestações, a data da venda do imóvel, o valor da venda do imóvel e a que valor está a ser aplicada os juros.
Em face da impugnação da liquidação da obrigação exequenda, o exequente, no articulado da contestação, alegou o seguinte:
“A venda do imóvel dado em garantia do bom cumprimento dos contratos celebrados já havia ocorrido no âmbito do Proc.nº 31855/09.2T2SNT, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Sintra - Juízo de Execução –Juiz 2, em 29.01.2015, pelo valor de €67.200,00, conforme Doc.7 que se junta e aqui se dá por integramente reproduzidas para todos os efeitos legais.
Tendo tal valor sido devidamente imputado à dívida aqui em causa e ficado por pagar o remanescente, o qual acrescido de juros, foi devidamente indicado nas cartas remetidas aos fiadores, aqui Embargantes, em 17.06.2015 e 20.09.2017, conforme já aqui referido.
Assim, a quantia exequenda peticionada é efectivamente líquida, certa e exigível.
Aliás conforme vem devidamente explanado nas notas de débito juntas como documentos nº4 e 5 ao requerimento executivo. cfr. artigos 22.º a 25.º da contestação.
Ou seja, apesar de informar o valor da venda do imóvel dos executados/mutuários, o exequente nada mais esclarece além do que havia exposto na operação de liquidação da obrigação exequenda constante do requerimento executivo, para a qual remete. Por outro lado, do documento particular – denominado “nota de débito” –  documento produzido pela própria parte e que não foi, sequer, explicado por qualquer testemunha, resulta, apenas, o resultado final dos valores em dívida sem especificar qualquer cálculo que permita perceber como o alcançou.
Em suma, o exequente limita-se a remeter para a liquidação da operação que já havia apresentado no requerimento executivo, a qual não espelha, parcela a parcela, os valores relativos ao capital, juros remuneratórios, comissões, juros de mora, eventuais penalizações, imposto de selo, etc.
É verdade que, de acordo com jurisprudência recente, “instaurada a execução tendo por base as escrituras públicas de mútuo com hipoteca, e os documentos complementares que atestam as obrigações assumidas, bem como as sanções para o incumprimento, e tendo o exequente alegado no requerimento executivo a data até à qual as prestações foram cumpridas, invocando estarem em dívida as demais prestações e juros, era aos executados, que haviam alegado na oposição que nada deviam, que incumbia a prova de terem procedido ao pagamento das prestações vencidas desde a data indicada” – Ac. RC, de 12.11.2013, relatado por Albertina Pedroso (in www.dgsi.pt).
Todavia, esta conclusão teve em atenção, no caso concreto, a circunstância de o exequente, em sede de contestação à oposição, ter junto documentação e ter “especificado todos os cálculos efectuados (…) e todos os componentes incluídos nos mesmos, espelhando, parcela a parcela, os valores relativos ao capital, juros remuneratórios, comissões, juros de mora, imposto de selo, etc.” (idem).
Quanto à mora dos executados/mutuários, limita-se a alegar que “(…) há muito que os executados se encontravam em mora. E, face ao incumprimento, tornou-se venceu-se antecipadamente a totalidade da dívida - cfr. artigos 36.º e 37.º da contestação.
“Há muito” por referência a que data? À data do incumprimento? Quando é que, afinal, os executados/mutuários entraram em mora?
Acresce, no caso concreto, o facto de ter ocorrido a venda do imóvel pertencente aos executados/mutuários, não estando, de todo, demonstrada a forma como foi imputado o valor do produto dessa mesma venda à dívida exequenda que, à data dessa mesma venda, também não se percebe qual era.
É certo que o exequente reclamou os seus créditos junto da execução movida por terceiro contra os executados/mutuários. Porém, os executados/opoentes (fiadores) não foram parte nessa execução.
O exequente teve, in casu, oportunidade de alegar os concretos factos e de juntar os documentos necessários que, juntamente com o título executivo, permitiriam alcançar o valor de capital em dívida por simples cálculo aritmético, nomeadamente o valor das prestações pagas e a parte de cada uma delas que respeitaram a amortização de capital e a amortização de juros remuneratórios para, assim, alcançar o capital vincendo, bem como de que forma foi imputado o valor do produto do bem vendido a tal dívida.
Não o tendo feito, não é possível apurar o valor da dívida dos executados/opoentes
Mais adiante, o Tribunal a quo delineia os embargos de executado como uma «contra ação, tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo ou da ação em que nele se baseia, quando veicula uma oposição de mérito à execução, visa um acertamento negativo da situação substantiva (obrigação exequenda), de sentido contrário ao acertamento positivo consubstanciado no título executivo, cujo escopo é obstar ao prosseguimento da ação executiva mediante a eliminação, por via indireta, da eficácia do título executivo enquanto tal.»
Estriba ainda o decidido na circunstância de «No caso de oposição de mérito à ação executiva, o pedido deduzido nos embargos de executado [ser] de verificação da inexistência, total ou parcial, do título exequendo, configurando-se como uma ação de simples apreciação negativa» -  José Lebre de Freitas, “Estudos sobre Direito Civil e Processo Civil”, Coimbra Editora, 2002, págs. 454, 456 e 457.».
O que significa que «as regras que presidem à distribuição do ónus da prova, e que se baseiam em normas de direito substantivo, não se alteram (não se modificando pela diferente posição ocupada pelo credor e devedor nos autos - como autor ou réu, ou pelo executado/embargante e pelo exequente/embargado): o titular do direito continua sempre a ter de provar os factos que o constituem, enquanto o titular do dever correspondente tem o de provar os factos que impedem, modificam ou extinguem os feitos dos primeiros (art. 342º CC)».
Transpondo para o caso concreto as considerações expendidas, o Tribunal a quo considerou que no requerimento inicial de embargos, os Embargantes defenderam-se por impugnação, quer no que respeita à liquidação da obrigação exequenda quer no que respeita à interpelação.
Entendeu que, relativamente a tais fundamentos de oposição à execução, a Exequente/Embargada nada acrescentou quanto à operação de liquidação da obrigação exequenda, no sentido de esclarecer como alcançou o valor do pedido exequendo.
E concluiu que os «os elementos trazidos aos autos pelo exequente mostram-se manifestamente insuficientes para o efeito de se apurar, com um grau de segurança exigível, o valor em dívida
Explicitou ainda o seguinte:
«Note-se que não está só em causa a possibilidade de retirar do título executivo o valor em dívida partindo de uma data de incumprimento e do clausulado do próprio contrato. No caso em apreço, ocorreram vicissitudes posteriores ao alegado incumprimento, nomeadamente a venda do imóvel que garantia a dívida e consequente redução da dívida por força da imputação do produto da venda. Só o exequente estaria em condições de explicar, aritmeticamente, a forma como imputou tal valor à dívida. Isto para dizer que a execução não se basta com a escritura pública de mútuo, sendo necessário conjugar tal documento com outros documentos e com a alegação demonstrativa da liquidação da obrigação exequenda tendo em conta todas as vicissitudes ocorridas.»
E rematou da seguinte forma:
«Correspondendo o resultado probatório, alcançado numa oposição à execução, à indemonstração da tese do exequente nessa execução, segundo a qual a dívida exequenda corresponde a determinado valor, deve, este non liquet, ser ultrapassado (decidido) contra a versão do exequente, nos termos do artigo 342º, nº1, do CC, sendo a ele que cumpre provar, em sede de oposição à execução, a existência do crédito exequendo nos exatos termos peticionados.
No caso sub judice, para além da falta de elementos que permitem perceber como é que o exequente alcançou o valor peticionado, acresce que o mesmo (valor) assenta num pressuposto que também não se verifica, a saber: o vencimento antecipado da totalidade dívida
Apreciando:
A liquidação apresentada pela Exequente no Requerimento Executivo não indica os cálculos efetuados para chegar aos valores finais, designadamente o valor da imputação do produto da venda do imóvel hipotecado nos montantes em dívida.
No que diz respeito às «notas de débito» juntas com o requerimento executivo, constata‑se que contêm informações como a data do contrato, o valor mutuado, o valor em dívida discriminado em capital, juros, despesas e comissões, a data do incumprimento e a data da última prestação paga, período temporal a que o valor dos juros diz respeito bem como as taxas de juros aplicadas.
Porém, tal como sucede com o Requerimento Executivo, as «notas de débito» não explanam os valores de cada uma das prestações em dívida, nem contêm, as imputações feitas do produto da venda do imóvel na execução onde a Exequente reclamou o seu crédito.
Como o Tribunal recorrido reconhece, há quem defenda que, nestes casos, a execução deverá seguir pela quantia correspondente às prestações vencidas e não pagas e respetivos juros de mora, à data da propositura da execução.
Aderimos a este entendimento, aliás na sequência do acórdão do TRL de 21.3.2019 (p. 19781/16.3T8SNT-A.L1-2, in www.dgsi.pt), o qual foi assinado pela ora Relatora como 2.ª Adjunta e recaiu sobre sentença proferida no mesmo Juízo de Execução (Juiz 2) em que foi proferida a sentença recorrida.
Verificada que foi a venda do imóvel, impunha-se que a credora procedesse a novos cálculos e os comunicasse aos fiadores, ora Embargantes, o que não se provou ter sucedido.
Sem uma tal liquidação, cujo ónus impendia sobre a credora aqui Exequente e cuja falta não se mostra imputável aos fiadores, ora Embargantes, não é lícito que se considerem estes, desde logo, constituídos em mora como decorre do preceituado no artigo 805.º, n.º 3, 1.ª parte, do Código Civil.
Na situação do acórdão do STJ de 6.12.2018, tratava-se de um saneador-sentença, pelo que se concluiu pelo prosseguimento dos embargos de executado e o convite da Exequente a proceder aos cálculos em falta nessa sede, o que equivalerá a um convite a um aperfeiçoamento nos termos do artigo 590.º, n.ºs 2 ou 3, do CPC.
Nos presentes autos de oposição à execução estamos perante uma sentença, após se ter percorrido as fases dos articulados, do saneamento e da produção de prova, pelo que não tem cabimento tal convite ao aperfeiçoamento (o qual, em bom rigor, a ter existido antes, poderia até ter solucionado este diferendo).
Mas não concordamos com o argumento da existência de um resultado probatório de non liquet para concluir, utilizando a regra de decisão do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, pela falta de prova da existência do crédito.
Ainda que não faça sentido o prosseguimento dos embargos com a liquidação em falta, há que atentar no disposto no artigo 726.º, n.º 4, do CPC, o qual prevê o convite do exequente a suprir as irregularidades do requerimento executivo (aplicando‑se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 2 do artigo 6.º do mesmo diploma).
Como escreveram Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, perante a falta da alegação de factos necessários a satisfazer os requisitos da certeza, da exigibilidade ou da liquidez da obrigação exequenda a que se reporta o artigo 713.º do CPC, quando forem omitidos factos que fundamentem o pedido e não constem do título executivo (artigo 724.º, n.º 1, alínea e), do CPC) ou quando seja dado à execução um título de crédito como mero quirógrafo (artigo 703.º, n.º 1, alínea c), do mesmo diploma), sem alegação dos factos relevantes, o Tribunal pode convidar ao suprimento de irregularidades (in Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Coimbra: Almedina, 2020, p. 72, nota 8).
Esclarecem os Autores que, «Nestas situações, em bom rigor, não se pode afirmar a falta ou insuficiência do título executivo, nem a inexistência de factos constitutivos, verificando-se somente a imperfeição do requerimento executivo que é suscetível de sanação, nos termos do n.º 4.» (ibidem)
Ultrapassada a fase liminar da execução, o preceito que alumia este caminho é o artigo 734.º do CPC, ao prever que o aperfeiçoamento do requerimento executivo possa ter lugar até à fase da venda, adjudicação, entrega de dinheiro ou consignação de rendimentos (e não depois, tendo em vista os direitos adquiridos no processo por terceiros de boa fé).
Neste conspecto, acolhe-se a alegação da Recorrente no sentido de as prestações vencidas e respetivos juros serem exigíveis, ainda que lhe incumba proceder ao «aperfeiçoamento» da liquidação dos valores devidos nos termos do artigo 785.º do Código Civil.
Do sentido do recurso e das custas
Em face da fundamentação de facto e de Direito supra expendida, a apelação deve proceder parcialmente, revogando-se a sentença no segmento em que considera inexigível a dívida exequenda, devendo a execução prosseguir com o convite ao aperfeiçoamento da liquidação operada pela Exequente, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 726.º, n.º 4, e 734.º do CPC e do artigo 785.º do Código Civil.
Já no que concerne ao decidido quanto à falta de interpelação dos fiadores e suas consequências, deve confirmar-se a sentença.
Vencida a Recorrente e os Recorridos no recurso e na oposição à execução, ambos são responsáveis pelo pagamento das custas, ao abrigo dos artigos 527.º, n.º 1, 529.º, 607.º, n.º 6, e 663.º, n.º 2, do CPC.
As custas do recurso fixam-se na proporção de 2/3 para a Recorrente e de 1/3 para os Recorridos.
Quanto aos embargos de executado, as custas fixam-se na proporção do decaimento que se vier a apurar, tendo em conta a liquidação da quantia exequenda a efetuar no processo da execução.
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IV - Decisão
Termos em que se decide julgar a apelação parcialmente improcedente e, em consequência,
a) Revogar parcialmente a sentença no segmento em que considera inexigível, por falta de liquidação, toda a quantia exequenda;
b) Substituir tal decisão por outra que determine o prosseguimento da execução pela quantia correspondente às prestações vencidas e não pagas e respetivos juros de mora, à data da propositura da execução, com a imputação do valor da venda do imóvel nos termos do artigo 785.º do Código Civil, devendo a Exequente aí proceder a nova liquidação da obrigação exequenda, na qual espelhe todos cálculos efetuados;
c) Confirmar o demais decidido;
d) Condenar a Recorrente e os Recorridos no pagamento das custas do recurso, na proporção de 2/3 para aquela e de 1/3 para estes;
e) Condenar a Recorrente e os Recorridos no pagamento das custas da oposição à execução, na proporção do decaimento que se vier a apurar, tendo em conta a liquidação da quantia exequenda a efetuar na execução.
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Lisboa, 25 de março de 2021
Gabriela Cunha Rodrigues
Arlindo Crua
António Moreira