Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | HIGINA CASTELO | ||
Descritores: | RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS CRÉDITO HIPOTECÁRIO PERSI | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/12/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | À instituição de crédito que reclama um crédito garantido por hipoteca sobre bem penhorado em execução movida por terceiro, ainda que o crédito reclamado se encontre em incumprimento, não é exigível que tenha integrado o devedor do seu crédito em PERSI; se o tivesse feito, a realização de penhora a favor de terceiro constituiria, por si só, fundamento de extinção unilateral do PERSI pela instituição de crédito (artigo 17.º, n.º 2, alínea a), do DL 227/2012). | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os abaixo assinados juízes do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório «AA», «BB» e «CC», executados e reclamados nos presentes autos de reclamação de créditos, em que é reclamante EOS Financial Solutions Portugal, S.A., notificados do saneador-sentença proferido em 13/03/2024 e com o mesmo não se conformando, interpuseram o presente recurso. O processo principal é uma ação executiva com processo comum, para pagamento de quantia certa, intentada pelo então Banco Espírito Santo, S.A. contra «DD» e «AA». O título executivo é constituído por livrança subscrita pelos executados, no valor de € 31.091,76, vencida em …2009. O executado faleceu na pendência do processo, tendo sido habilitados os respetivos herdeiros (apenso A). Os herdeiros habilitados do primitivo executado deduziram embargos, invocando que a seguradora com quem tinha sido contratado seguro de vida de que era beneficiário o banco exequente teria de estar na causa e que a cobrança de juros de mora sobre o valor aposto na livrança era inadmissível, por aquele valor já contemplar juros (apenso B). Por sentença proferida em 16/11/2021, e da qual não foi interposto recurso, os embargos foram julgados totalmente improcedentes. Foi deduzida oposição à penhora que foi liminarmente indeferida por despacho de 09/02/2023, mantido por acórdão do TRL de 07/06/2023, transitado em julgado (apenso C). No presente apenso D, EOS FINANCIAL SOLUTIONS PORTUGAL, S. A. (anteriormente designada FONTEOS, S. A.) veio reclamar crédito no valor de € 57.707,73 a que acrescem os juros de mora vincendos. Alegou, em síntese, que, em …2002, o BANIF – Banco Internacional do Funchal, S. A. celebrou com os primitivos executados um contrato de mútuo com hipoteca, pelo montante de € 49.900,00, quantia que receberam e de que se confessaram devedores, estando o referido mútuo garantido por hipoteca sobre prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Machico sob o número …8 da freguesia de Machico, registada sob a Ap. 7 de …2002; ao Banif foi aplicada medida de resolução, tendo os seus ativos transitado para o Banco Santander Totta que, por sua vez, em …2022, cedeu à reclamante o referido crédito sobre os executados. Notificados, os reclamados deduziram oposição, invocando omissão de deveres de informação sobre a dívida e de integração em “PERSI”, que o crédito era objeto de seguro de vida de que era beneficiário o credor sendo abusiva a demanda dos executados sem que se use o seguro para obter pagamento, e que desconhecem a existência de quantias em dívida. Pedem a intervenção da seguradora e a procedência das exceções ou da impugnação, com as legais consequências. A reclamante respondeu, pugnando pela improcedência das exceções e reconhecimento do seu crédito. Em 13/03/2024, em audiência prévia, foi proferida sentença que, após apreciação de todas as questões suscitadas nos autos, julgou verificado o crédito reclamado e o graduou da seguinte forma (saindo precípuas as custas da execução): 1.º o crédito reclamado, com o limite de três anos para os juros vencidos e vincendos correspondentemente liquidados, em relação ao bem imóvel sobre a qual a hipoteca incide; 2.º o crédito exequendo. Os executados não se conformam e recorrem, concluindo as suas alegações de recurso da seguinte forma: «i. O presente recurso tem como objeto a decisão proferida em 13/03/2024, a qual considerou a reclamação de créditos da EOS procedente e olvidou os argumentos dos Recorrentes em sede de oposição/impugnação dos créditos. ii. Resulta que, com o devido respeito, que é muito, que o Tribunal a quo revelou uma incorreta apreciação do Direito aplicável à situação sub judice; iii. A sentença desde logo olvida na matéria de facto assente um facto alegado em sede de oposição e que não obteve prova que a contrariasse, nomeadamente a inexistência de integração dos executados em PERSI por via do potencial incumprimento do contrato com garantia real cedido pelo Santander à EOS. iv. Pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 640.º do CPC, respeitosamente crê-se que a matéria de facto assente deve ser aditada com o ponto 5: “A executada e/ou habilitados não foram, no âmbito do contrato de mútuo que sustenta o direito real da cessionária EOS, integrados previamente em PERSI pela entidade bancária cedente Santander Totta.” v. Verifica-se que inexistiu previamente à existência da cessão de créditos, qualquer contacto da entidade bancária Santander Totta ou mesmo do extinto BANIF antes da resolução que integrasse o invocado incumprimento do contrato na proteção PERSI, conforme estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 227/2012. vi. Pelo que, não obstante a EOS não ser uma entidade sujeita à observação do disposto no DL 227/2012, os Recorrentes podem legitimamente opor-lhe a inobservância prévia dessa integração antes da própria cessão ocorrer, tal como vem entendendo a Jurisprudência, o sentido em que, a não se entender que existe o direito de opor à cessão com fundamento na prévia observância, cria-se um subterfugio em que todas as entidades com créditos com irregularidades formais podem cedê-los, sanando essas questões… vii. Deste modo é efetivamente ineficaz perante os Recorrentes a cessão do crédito, devendo a exceção dilatória inominada invocada e comprovada nos autos pelos Recorrentes ter sido julgada procedente. viii. A cessão do crédito para a entidade reclamante pelo Santander Totta foi ineficaz devido ao não cumprimento das obrigações de informação e procedimentos legais do PERSI. ix. A existência de uma garantia adicional de seguro vida deve ser sempre necessariamente acionada e prevalecente sobre a venda judicial ou sequer a prévia penhora da casa de morada de família de qualquer cidadão, sendo que são sempre as entidades bancárias mutuantes as beneficiárias desses seguros. x. O seguro associado ao presente crédito foi de imediato acionado na sequência da comunicação da cessão de créditos, nunca tendo até à presente data a seguradora respondido aos Recorrentes, o que constitui um bloqueio desproporcional aos mesmos e um abuso de direito, que justifica a intervenção provada da seguradora neste incidente que segue as regras do processo declarativo, só assim garantindo uma resolução justa e equitativa. xi. De acordo com o Acórdão do TRC de 02/06/2020, proferido no proc. N.º 2212/19.4T8CBR-A.C1, o seguro vida está “(…) integrada na esfera de proteção do título executivo habilitante.” xii. Por fim, a reclamação dos créditos é absolutamente omissiva de documentação detalhada sobre a liquidação da obrigação, ou seja, da existência do próprio crédito. Quando é que o mesmo se venceu? Desde quando estão a ser cobrados juros? Inexiste qualquer informação nos autos, pelo que o crédito não poderia ser reconhecido nos termos em que o foi. xiii. Esta prova apenas compete a quem invoca o direito de crédito. A existência de uma garantia real sobre um imóvel derivada de um contrato de mútuo não é, por si só, prova da existência de um direito de crédito quantificável. E essa prova apenas compete a quem invoca o direito de crédito e não ser revertido o ónus para os Recorrentes que nem foram previamente integrados em qualquer plano de incumprimento, desconhecido em que termos e quando este alegado crédito se venceu. xiv. Por tais motivos, deve a douta decisão recorrida ser revogada, já que, foram violados os artigos 18.º/1 do DL 227/2012, de 25 de outubro, 334.º, 342.º/1, ambos do CC, 318.º/1, 576.º/2 e 607.º/4, todos do CPC.» A reclamante contra-alegou, pronunciando-se pela confirmação da sentença recorrida. Colhidos os vistos, nada obsta ao conhecimento do mérito. Objeto do recurso Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (artigos 635.º, 637.º, n.º 2, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC). Tendo em conta o teor daquelas, colocam-se as seguintes questões: a) A matéria de facto deve ser acrescentada com a não integração dos executados em PERSI por via do potencial incumprimento do contrato com garantia real cedido pelo Santander à EOS? b) Os executados tinham o direito de ser integrados em PERSI antes da cessão do crédito à reclamante? c) A garantia adicional de seguro vida tinha de ter sido acionada antes da venda judicial ou mesmo antes da penhora da casa? Não o tendo sido, a intervenção provocada da seguradora merece deferimento? d) A reclamação do crédito tinha de ser acompanhada de documentação sobre a existência e a liquidação do crédito, e isso não sucedeu? II. Fundamentação de facto Além dos constantes do relatório, estão provados os seguintes factos, listados na sentença recorrida: 1. Por escritura pública de … 2002, o Banco Internacional do Funchal, S. A. (BANIF) concedeu à executada «AA» e ao primitivo executado um empréstimo, tendo estes últimos confessado ser devedores àquele do montante de 49.900,00€ (quarenta e nove mil e novecentos Euros). 2. Por Deliberação do Banco de Portugal, tomada em 20/12/2015, foi aplicada ao BANIF uma medida de resolução, mediante a qual o crédito a que se alude em 1) foi transmitido para o Santander Totta, S.A.. 3. Por contrato de 4 de julho de 2022, este último transmitiu para EOS Financial Solutions Portugal, S. A. o referido crédito. 4. Esse crédito encontra-se garantido por hipoteca sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Machico sob o n.º …8. III. Apreciação do mérito do recurso 1. Da insuficiência da matéria de facto Reclamam os recorrentes da falta de consagração de um facto que ateste que, no âmbito do contrato de mútuo que sustenta o crédito cedido à cessionária EOS, os ali mutuários (ou a ora executada e os habilitados) não foram integrados previamente em PERSI pela entidade bancária cedente Santander Totta. Este facto é certo. Foi alegado e não impugnado. Porém, como veremos em seguida, é irrelevante, pelo que não tem de constar da lista dos factos provados. 2. Da não integração em PERSI Invocam os executados que não foram integrados em PERSI antes da cessão do crédito à reclamante e que tinham direito a sê-lo. Lembramos que não está aqui em causa a integração dos executados pela exequente num procedimento extrajudicial de regularização da situação de incumprimento que deu causa à execução: relação cambiária assente em livrança subscrita pelos primitivos executados, vencida em …2009, a favor do então Banco Espírito Santo. Está agora em causa a não integração dos executados num procedimento extrajudicial de regularização da situações de incumprimento, no âmbito da relação contratual cujo crédito foi cedido à ora reclamante: crédito emergente de um contrato de mútuo garantido com hipoteca sobre um bem imóvel que foi objeto de penhora no processo principal. Aqui chegados, a questão é saber se, num apenso de reclamação de créditos (também dito de concurso de credores), o executado pode opor ao reclamante a não integração no PERSI. A resposta adianta-se já: é negativa. O Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), instituído pelo DL 227/2012, de 25 de outubro (entretanto alterado pelo DL 70-B/2021, de 6 de agosto), consiste num procedimento prévio a uma eventual ação judicial, que visa a regularização de situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários consumidores, nomeadamente através do pagamento integral ou da obtenção de um acordo de restruturação da dívida. Visa a regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários consumidores, através de um procedimento em várias etapas, que inclui a aferição pela instituição de crédito da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, a avaliação da capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, a apresentação de propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor (v. artigos 12.º a 16.º do DL 227/2012). Estão previstas alteração de proposta e contraproposta no âmbito de um processo negocial cujo principal fito é o pagamento integral ou a intercalar obtenção de um acordo com vista a esse desiderato. Quando a instituição de crédito perceba a improbabilidade da sua obtenção pode pôr termo ao procedimento. Nos termos do artigo 2.º, o diploma aplica-se aos seguintes contratos de crédito celebrados com clientes bancários: a) Contratos de crédito para a aquisição, construção e realização de obras em habitação própria permanente, secundária ou para arrendamento, bem como para a aquisição de terrenos para construção de habitação própria; b) Contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel; c) Contratos de crédito a consumidores abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de junho, com exceção dos contratos de locação de bens móveis de consumo duradouro que prevejam o direito ou a obrigação de compra da coisa locada, seja no próprio contrato, seja em documento autónomo; d) Contratos de crédito ao consumo celebrados ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de setembro, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 101/2000, de 2 de junho, e 82/2006, de 3 de maio, com exceção dos contratos em que uma das partes se obriga, contra retribuição, a conceder à outra o gozo temporário de uma coisa móvel de consumo duradouro e em que se preveja o direito do locatário a adquirir a coisa locada, num prazo convencionado, eventualmente mediante o pagamento de um preço determinado ou determinável nos termos do próprio contrato; e) Contratos de crédito sob a forma de facilidades de descoberto que estabeleçam a obrigação de reembolso do crédito no prazo de um mês. Para efeitos do diploma, cliente bancário é «o consumidor, na aceção dada pelo n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, que intervenha como mutuário em contrato de crédito» – art. 3.º, al. a). A Lei de Defesa do Consumidor define consumidor no n.º 1 do seu art. 2.º como «aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios». Isto posto, não está em causa que os primitivos executados eram consumidores no contrato de crédito que deu origem ao crédito cedido, pois nenhuns dados foram trazidos aos autos no sentido de terem atuado no âmbito da sua profissão ou comércio. Sucede que, nos presentes autos (apenso de concurso de credores ou reclamação de créditos), estamos no âmbito de uma reclamação de créditos, pelo que o crédito cedido à reclamante e relativamente ao qual os executados se queixam da não integração no PERSI não é, logicamente, o crédito dado à execução. Para que um crédito com garantia real seja reclamado por apenso a uma execução em que foi penhorado dado bem que o garante, não tem de ter havido incumprimento nessa relação obrigacional que sustenta o dito crédito reclamado. Mesmo que os devedores do crédito aqui reclamado tivessem entrado em situação de incumprimento e o respetivo credor os tivesse integrado num PERSI (com cumprimento de todos os passos descritos nos artigos 14.º a 16.º do DL 227/2012), a circunstância de ter sido realizada uma penhora a favor de terceiro sobre bens do devedor conferiria à instituição de crédito credora a faculdade de extinguir o PERSI. Com efeito, nos termos do disposto no artigo 17.º, n.º 2, al. a), do DL 227/2012, a instituição de crédito pode, por sua iniciativa, extinguir o PERSI sempre que seja realizada penhora ou decretado arresto a favor de terceiros sobre bens do devedor. Concordamos, portanto, totalmente com a fundamentação da sentença nesta parte, na qual se lê (ainda que não necessariamente pelas mesmas palavras e ordem) que: A finalidade do incidente de reclamação de créditos deduzido por apenso a uma execução para pagamento de quantia certa é assegurar que o beneficiário de direito real de garantia que incide sobre bem que foi penhorado não perde a sua garantia com a venda executiva. Ao contrário do que sucede com a instauração de execução de dívida garantida por hipoteca, na reclamação de créditos o credor hipotecário não escolhe o momento da instauração do incidente, nem tem qualquer palavra na penhora do bem hipotecado que, se vier a ser vendido, deixa de garantir o seu crédito, daí ter que instaurar o incidente, sob pena de não obter qualquer pagamento com a venda executiva, ainda que beneficie de privilégio creditório especial que determinaria tal pagamento a seu favor. Daí que se entenda que a exigência de que antes da instauração da reclamação de créditos o crédito tenha de sido integrado em PERSI não tem apoio legal. Diferente será se a execução vier a ser extinta antes da venda do bem hipotecado. Nessa situação, para que credor hipotecário reclamante possa requerer a renovação da instância terá, à partida (se não se verificar outra circunstância do caso concreto que afaste a exigência do PERSI), de ter integrado o crédito em PERSI, por a renovação da instância executiva nesse caso implicar que assuma a posição de exequente. É de notar que o credor hipotecário, se não requerer a renovação da instância executiva extinta ou não o requerer atempadamente, sempre poderá ele próprio instaurar execução desse crédito. Se após se verificar a situação de mora, o bem hipotecado em garantia do crédito for penhorado, não se justifica que o crédito seja integrado em PERSI. Na verdade, a realização de penhora (ou o decretamento de arresto) a favor de terceiros sobre bens do devedor constitui fundamento de extinção unilateral do PERSI pela instituição de crédito [artigo 17.º, n.º 2, alínea a)]. Esta previsão legal tem em conta que a execução movida por terceiro, com registo de penhora incidente sobre património dado em garantia do crédito que deveria ser integrado em PERSI, conduz a que qualquer regularização ou reestruturação levada a cabo neste último procedimento não teria a virtualidade de impedir a venda judicial desse património, com a consequente perda da garantia real, caso não reclamasse o crédito nesses autos. Acresce que, concluindo-se que a penhora em causa torna inviável a possibilidade de regularização ou reestruturação do crédito, constituiria um ato inútil, repudiado pela lei, encetar um procedimento que já se sabe que iria ser extinto por força dessa penhora. Tanto mais que, por força do citado preceito legal, ato contínuo seria permitido que, logo após a integração do crédito em PERSI, este procedimento fosse imediatamente extinto. O autor da sentença valeu-se do seu texto, que aqui importa citar: André Teixeira dos Santos, «PERSI: por si, para si ou contra si?», Revista do Ministério Público, 167 (julho-setembro 2021), pp. 91-121 (114-117). Pelo exposto e em suma, improcedem as alegações do recurso relativas à exceção de não integração em PERSI. 3. Do seguro de vida, seu acionamento e intervenção da seguradora Dizem os recorrentes nas suas conclusões IX e X, que «a existência de uma garantia adicional de seguro vida deve ser sempre necessariamente acionada e prevalecente sobre a venda judicial ou sequer a prévia penhora da casa de morada de família de qualquer cidadão, sendo que são sempre as entidades bancárias mutuantes as beneficiárias desses seguros»; e que «o seguro associado ao presente crédito foi de imediato acionado na sequência da comunicação da cessão de créditos, nunca tendo até à presente data a seguradora respondido aos recorrentes, o que constitui um bloqueio desproporcional aos mesmos e um abuso de direito, que justifica a intervenção provada da seguradora neste incidente que segue as regras do processo declarativo, só assim garantindo uma resolução justa e equitativa». Antes da dedução da reclamação de créditos, a credora reclamante não poderia ter acionado o seguro vida por desconhecimento do óbito; os executados não alegaram que aquela tivesse conhecimento do óbito, mormente que eles próprios lho tivessem comunicado. Após ter conhecimento do óbito pela oposição, a reclamante interpelou a seguradora, tendo esta respondido nos termos do doc. 7 junto com a resposta: «Na sequência da carta remetida aos nossos serviços para ativação da Apólice …67 informamos que, conforme participação do sinistro efetuada no ano de 2006 pela D. «AA», o sinistro foi nessa data recusado e a apólice anulada fruto do apuramento da existência de omissões na declaração de saúde efetuada na data da subscrição do Seguro. Esta posição da Seguradora foi comunicada em março de 2006, existindo exposição posteriormente remetida ao Presidente do Conselho de Administração da Açoreana em agosto e setembro desse mesmo ano, com resposta da Seguradora mantendo a posição transmitida. Neste sentido, não haverá qualquer regularização ao abrigo da apólice identificada.» Um contrato de seguro vida associado a um contrato de mútuo não conduz, por si só, ao pagamento, por óbito do mutuário, das prestações por ele devidas. É necessário acionar o seguro, mediante participação do óbito. Na sequência, a seguradora aferirá se o concreto sinistro (óbito) se encontra, em geral, ao abrigo do contrato de seguro, e se não se verifica, in casu, alguma causa de exclusão. Cabia aos executados alegar que, antes da instauração da presente reclamação de créditos, tinham comunicado o óbito ao cedente do crédito reclamado ou à atual credora reclamante (sua cessionária) e que estes, não obstante, não acionaram junto da seguradora o seguro ou que se tenham recusado a fazê-lo. Os executados, ora recorrentes, limitaram-se a invocar que, por duas vezes, sem obter qualquer resposta, transmitiram à seguradora o óbito para que procedesse ao pagamento do crédito. A seguradora não se confunde com o mutuante (cedente), nem com a credora reclamante (cessionária). Para que se pudesse exigir à credora reclamante o prévio acionamento do seguro vida, antes de instaurar o incidente de reclamação de créditos, teriam os executados de lhe ter comunicado o óbito, o que, repete-se, não alegam ter feito. Ao saber do óbito, na sequência da oposição, a reclamante interpelou a seguradora e recebeu a acima transcrita resposta. Nada mais era exigível à reclamante, nas circunstâncias do caso. Ademais, a existência de um contrato de seguro de vida para salvaguarda do pagamento do crédito resultante de contrato de mútuo, por óbito do mutuário, ainda que seja celebrado a favor do mutuante, não obsta a que os herdeiros acionem a seguradora para que pague ao banco. Os executados podem (têm legitimidade para) acionar judicialmente em processo autónomo a seguradora, caso discordem da sua posição. Neste sentido o Ac. do STJ de 13/09/2016, proc. 1445/13.1TVLSB.L2.S1, disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário se lê: «IV - O terceiro aderente que paga os prémios – ou, como no caso, um dos seus herdeiros, sendo o sinistro precisamente a morte do aderente – tem o direito de exigir o cumprimento do contrato de seguro pelo segurador, quando se verifique o sinistro, mesmo que não tenha o direito a receber, ele próprio, a prestação do segurador. É o que, alguma doutrina, designa de um “contrato impróprio a favor de terceiro” ou, similarmente, de um “contrato com eficácia de proteção para terceiros”. V - Pretendendo fazer valer o direito referido em IV e não sendo, formalmente, parte no contrato de seguro de grupo celebrado entre o segurador e a instituição de crédito, basta ao aderente demandar o segurador, assistindo a este a faculdade de, se o entender, provocar a intervenção do tomador do seguro.» 4. Da existência e montante do crédito Finalmente, os recorrentes alegam que a reclamação do crédito tinha de ser acompanhada de documentação sobre a existência e a liquidação do crédito, e que isso não sucedeu. Sem razão. Com efeito, a reclamante alegou, entre o mais: «8. Em …2002, no exercício da sua atividade creditícia, o BANIF – Banco Internacional do Funchal, S. A. celebrou com «DD» e «AA», um Contrato de Mútuo com Hipoteca, pelo montante de € 49.900,00 (quarenta e nove mil e novecentos euros), quantia que receberam e de que se confessaram devedores, conforme resulta do Doc. 6 que ora se junta e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos. 9. O referido mútuo encontra-se garantido por hipoteca sobre prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Machico sob o número …8 da freguesia de Machico, registada sob a Ap. 7 de …2002, conforme Doc. 5 já junto. 10. Encontrando-se efetuados os respetivos registos de transmissão junto da Conservatória do Registo Predial de Machico, sob a Ap. …2, de …2017, e Ap. …6 de …2022. 11. Ficou estipulado que o mencionado empréstimo seria reembolsado em prestações mensais, à taxa de juro inicial de 4,275%, elevável em caso de mora, acrescida da sobretaxa de 4% a título de cláusula penal, conforme Doc. 6 já junto. 12. Sucede que, apesar de instados para o respetivo pagamento, os mutuários faltaram ao pagamento das prestações contratadas e devidas, pelo que se considerou o crédito vencido. 13. Assim, tendo os mutuários deixado de cumprir as obrigações emergentes do contrato acima referido, mostram-se em dívida, na presente data, as seguintes quantias: Capital em dívida – € 54.716,64 Juros – € 2.991,09 Total – € 57.707,73 14. Pelo que, na presente data, o valor total em dívida relativo ao supra mencionado contrato é de € 57.707,73 (cinquenta e sete mil setecentos e sete euros e setenta e três cêntimos), quantia que ora se reclama. 15. A este valor, acrescem os juros de mora vincendos, contabilizados à taxa de juro de 3,77% sobre o capital em dívida, conforme mencionado supra, desde a presente data até efetivo e integral pagamento.» Juntou escritura de mútuo oneroso com hipoteca celebrado entre «DD» e «AA», como mutuários, e o BANIF – Banco Internacional do Funchal, S. A., como mutuante, celebrada em …2002, pelo montante de € 49.900,00 (quarenta e nove mil e novecentos euros), quantia que os mutuários receberam e de que se confessaram devedores. Igualmente juntou escritura de cessão de créditos com folha de listagem anexa da qual consta, na 3.ª linha, o crédito reclamado. Da 3.ª linha dessa listagem resulta que se trata de crédito hipotecário, com data inicial de …2002, sendo o montante de capital em dívida de 44.367,60 €, e o total da dívida, em …2005, de 54.716,64 €. Se os executados pagaram quantias que foram reclamadas, sobre eles recaia o ónus de o alegar e provar (artigo 342.º, n.º 2, do CC), o que não fizeram. IV. Decisão Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo a sentença objeto de recurso. Custas pelos recorrentes. Lisboa, 12/09/2023 Higina Castelo Paulo Fernandes da Silva Laurinda Gemas |