Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
14046/22.4T8LSB.L1-2
Relator: PAULO FERNANDES DA SILVA
Descritores: OBJECTO DO PROCESSO
REJEIÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CONCLUSÕES
RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
BOA-FÉ
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/12/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: SUMÁRIO (artigo 663.º, n.º 7, do CPCivil):
I. Sem prejuízo da prejudicialidade que o discurso jurídico impõe, o juiz deve referir-se aos temas, aos assuntos nucleares do processo, suscitados pelas partes, bem como àqueles de que oficiosamente deva conhecer, cumprido que se mostre o contraditório, não se exigindo, contudo, que o juiz aprecie toda e qualquer consideração ou argumento tecido pelas partes.
II.  Sob pena de rejeição do recurso da decisão de facto, na impugnação desta o Recorrente tem um triplo ónus: (i) concretizar os factos que impugna, (ii) indicar os concretos meios de prova que justificam a impugnação e impõem uma decisão diversa, sendo que caso tenha havido gravação daqueles deve o Recorrente indicar as passagens da gravação em que funda a sua discordância, e (iii) especificar a decisão que entende dever ser proferida quanto à factualidade que impugna.
III. Em sede de impugnação da decisão de facto é irrelevante refutar a fundamentação da decisão de facto recorrida quando a mesma é desacompanhada da impugnação motivada de concretos factos provados e não provados.
IV. É impertinente ao objeto do recurso a matéria constante da motivação de recurso, mas não inserta nas respetivas conclusões, sendo que as questões suscitadas na motivação devem ser apreciadas e decididas em função das conclusões, valendo estas em caso de desarmonia da motivação com as conclusões.
V. Sob pena de incorrer em responsabilidade pré-contratual ou/e contratual, quer nos preliminares, quer na formação do contrato, quer na execução deste, os contraentes devem proceder com boa-fé, isto é, com correção, lealdade, honestidade, de forma correta, adequada, na situação jurídica em causa.
VI. Num contrato de prestação de serviços em que parte da retribuição depende do resultado alcançado, a rescisão sem causa do contrato por parte de quem suporta a retribuição, procedendo, contudo, sem violação da boa-fé contratual, não constitui aquele na obrigação de pagar tal parte da retribuição quando não se demonstre que o resultado seria alcançado.
VII. A boa fé constitui um padrão de conduta que reclama dos contraentes deveres de cooperação e, em particular, deveres de segurança, informação e lealdade próprios do sistema.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I.
RELATÓRIO.
A A., A …, SA., intentou ação comum de declaração contra a R., B …, LDA., pedindo que a R.:
Seja «condenada ao pagamento à A. do valor de 23.370,00€ titulado pela fatura n.º …/…, a que acrescem os juros de mora vencidos no valor de 2.935,02€, totalizando a dívida da R. à A. a quantia de 26.305,02€ a que acrescerão os juros de mora vincendos até integral pagamento, bem como juros à taxa de 5% prevista no n.º 4 do art. 829º-A do Código Civil».
Como fundamento do seu pedido, a A. alegou, em suma, que no exercício dos respetivos objetos sociais, as partes celebraram entre si um contrato nos termos do qual a A., mediante o pagamento de retribuição pela R., se comprometeu a elaborar um Pedido de Informação Prévia (PIP), quanto a denominado Palacete L…, adquirido pela R.
Referiu também que concluiu a elaboração do PIP e apresentou-o ao município de Lisboa para apreciação e aprovação, após o que realizou, ao longo de cerca de dois anos e meio, variadas reuniões de trabalho com diversas entidades tendo em vista a aprovação do PIP, sendo que, entretanto, antes da sua aprovação, na iminência desta, a R. vendeu o Palacete, termos em que mostra-se devida à A. o pagamento da quantia de €23.370,00, conforme cláusula 6.ª do contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes.
A A. mencionou ainda que em 05.11.2020 emitiu e endereçou à R. uma fatura correspondente àquele montante, o qual não foi até à data pago pela R.
A R. apresentou contestação, na qual alegou, em resumo, que nada deve à A., pois pagou-lhe mais do que era contratualmente exigido, sendo que de todo o modo a aprovação do PIP não estava iminente, constituindo intenção da Câmara indeferir o pedido, nada indiciando no processo camarário que seria aprovada uma área de construção superior a 6.970 metros quadrados.
Nestes termos, a R. concluiu pela improcedência da ação e pela sua absolvição do pedido
Foram juntos diversos documentos e as partes indicaram prova pessoal.
Procedeu-se à realização de audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com sessões em 21.06 e 26.09.2023.
Seguidamente, o Juízo Local Cível de Lisboa proferiu sentença que decidiu julgar a ação improcedente, por não provada e, em consequência, absolver a R. do pedido.
Inconformada com tal decisão, dela recorreu a A., tendo apresentado as seguintes conclusões:
«A) A Recorrente intentou ação declarativa com vista à salvaguarda dos seus direitos estabelecidos em contrato de prestação de serviços celebrado com a Recorrida em 13 de julho de 2017 (cfr. Doc. 5 junto com o requerimento inicial do procedimento cautelar apenso).
B) Na sequência da aquisição do imóvel pela Recorrida, esta contactou a Recorrente no sentido de a assessorar na elaboração e submissão de um PIP (Pedido de Informação Prévia) ao Município de Lisboa, visando a remodelação do Palacete L… e, sobretudo, a aprovação do aumento da sua capacidade construtiva.
C) A Recorrente realizou a sua prestação inicial nos termos aprazados, e, depois de analisado pela Recorrida, foi por esta apresentado ao Município de Lisboa para apreciação e aprovação.
D) Os honorários da Recorrente cifraram-se em 38.000,00 €, tendo ficado sujeitos às seguintes condições:
- em caso da área aprovada no PIP ser igual ou superior ao referido na Caderneta Predial, 6.970 m2, haverá direito a um “success fee” de valor igual aos honorários, i.e., 38.000,00 €;
- em caso da área aprovada no PIP ser entre os 6.970 m2 e 6.273 m2 (90% x 6.970 m2), mantém-se o valor dos honorários da presente proposta;
- em caso da área aprovada no PIP ser com área inferior a 6.273 m2, os honorários serão reduzidos a metade.
De acordo com a seguinte representação esquemática:
- Área aprovada = ou > 6.970 m2 – Honorários = 76.000,00 €
- Área aprovada < 6.970 m2 e > 6.273 m2 – Honorários = 38.000,00 €
- Área aprovada < 6.273 m2 – Honorários = 19.000,00 €.
E) As condições de pagamento a que sujeitou a relação contratual foram as seguintes:
Os Honorários serão fracionados do seguinte modo:
- 15% com a assinatura do Contrato;
- 15% com a entrega do PIP;
- 20% com a comunicação da informação do PIP c/ área aprovada < 6.273 m2;
- 70% com a comunicação da informação do PIP c/ área aprovada < 6.970 m2 e > 6.273 m2;
- 70% + 100% com a comunicação da informação do PIP c/ área aprovada = ou > 6.970 m2.
F) A fase do PIP não se reduziu à mera submissão do requerimento ao Município de Lisboa, antes comportou, como comportaria sempre, uma relação interativa e de complementaridade entre Requerente (a Recorrida) e todos as entidades administrativas competentes.
G) A Recorrida alienou o imóvel em 8 de outubro de 2020, decorria ainda a execução contratual estabelecida com a Recorrente.
H) Este facto transmissivo da propriedade tornou objetiva e ilegitimamente impossível a verificação da condição à qual estava subjacente o montante a suportar pela Recorrida a título de honorários (fixos e variáveis), incluindo por falta de legitimidade substantiva e procedimental da Recorrida para prosseguir com o PIP que foi, assim, pela própria, inviabilizado.
I) Assim, os honorários variáveis ficaram por pagar, contrariamente ao que exigia a disciplina contratual se a Recorrida não tivesse impedido culposamente (de má-fé) a verificação da condição acordada.
J) Com efeito, no dia 24 de setembro de 2020 (cerca de duas semanas antes da realização da escritura de revenda do imóvel!), a Recorrida procedeu à instrução de uma revisão do PIP inicial, que satisfazia as solicitações, sugestões e condições da CML e demais entidades com intervenção neste domínio.
K) Duas semanas antes da outorga da escritura pública, a Recorrida manifestou, portanto, o seu interesse e provocou na Recorrente a expetativa de que a relação contratual permanecesse “viva”, nos termos acordados.
L) E fê-lo num momento em que já sabia (só ela sabia) que iria proceder à escrituração do negócio, dando a entender que pretendia que a Recorrente continuasse a mobilizar os seus meios humanos e técnicos para o devido tratamento e aprovação do PIP.
M) A Recorrida não só já sabia que ia proceder à revenda imediata do imóvel, como apenas 5 dias após a submissão da revisão do PIP anunciou no portal Predial Online a venda para efeitos de exercício de direito de preferência.
N) Neste anúncio, estavam já estabilizados os concretos termos e condições do negócio a outorgar, nomeadamente comprador e preço de venda.
O) A decisão sob recurso não se pronuncia sobre a questão fundamental de saber se a Recorrida agiu contrariamente à boa-fé quando omite a realização da escritura pública de venda do imóvel, pese embora ter formado a impressão, através da instrução do pedido de revisão do PIP, de que pretendia continuar a dotar a Recorrente de dados e elementos necessários para a tramitação do PIP.
P) Não se encontra justificação para o Tribunal a quo ter desvalorizado depoimentos prestados em audiência, sem qualquer argumento objetivo que o justifique, valorizando outros que o próprio Tribunal a quo considerou parciais e interessados, nomeadamente ao ter valorizado o depoimento do ex-sócio da Recorrida, conjuntamente com genéricas “regras da experiência”, para afastar ou não responder ao tema central sub judice.
Q) A Recorrente não aceita, porque não correspondente à verdade, a extrapolação que o Tribunal a quo leva a cabo, no sentido de tentar passar a ideia de que a Recorrente, por saber e assumir que a Recorrida se dedica à compra e venda de imóveis, deveria estar ciente de que um negócio de venda estaria iminente, sob pena de se perder a isenção fiscal.
R) Assim, nos termos do disposto nos nºs. 1 e 2 do art. 640.º e no n.º 1 do art. 662.º do CPC e face à prova produzida nos termos melhor evidenciados nas alegações de recurso supra, requer-se que o Tribunal da Relação altere a decisão proferida sobre a matéria de facto, adicionando à matéria de facto provada a seguinte materialidade em virtude de esta resultar diretamente da mencionada prova produzida:
A pretensão do contrato de prestação de serviços celebrado era efetivamente a valorização do imóvel para posterior revenda (i) com o PIP aprovado e (ii) sem a aprovação do PIP estar sujeita a qualquer prazo.
S) O facto de ser ultrapassado o prazo da isenção fiscal sem revenda não resultaria necessariamente, no final do dia, numa perda concreta para a Recorrida, antes poderia ter realizado um lucro de muito maior monta caso viesse a obter a aprovação do PIP nos moldes pretendidos.
T) À Recorrente cabia a promoção da valorização do imóvel via PIP para posterior revenda, sendo alheia a qualquer gestão fiscal ou contabilística respeitante à isenção em sede de IMT.
U) Sempre foi esse o objetivo primacial da Recorrida e, para isso, contratou a Recorrente!
V) O próprio Tribunal a quo dá como assente que a testemunha ex-sócio da Recorrida “não foi clara ao afirmar que teria dito aos responsáveis da Autora que a revenda ocorreria com ou sem aprovação.”
W) A Recorrida apresentou uma declaração por si assinada, no sentido de complementar e rever o PIP apresentado junto das entidades administrativas (Conforme Doc. 3 constante do requerimento da Recorrente submetido via CITIUS em 2 de maio de 2023):
X) A apresentação de declaração assinada pela Recorrida consubstancia uma manifestação de interesse em que o processo de PIP continuasse a ser tratado com vista à sua apreciação definitiva.
Y) Assim, sempre nos termos do disposto nos nºs. 1 e 2 do art. 640.º e no n.º 1 do art. 662.º do CPC e face à prova produzida nos termos melhor evidenciados nas alegações de recurso supra, requer-se que o Tribunal da Relação altere a decisão proferida sobre a matéria de facto, adicionando à matéria de facto provada a seguinte materialidade em virtude de esta resultar diretamente da mencionada prova produzida:
A A. prestou os serviços no sentido de obter a valorização do imóvel pela aprovação do PIP com área igual ou superior a 6.970 m2, para posterior revenda, sendo-lhe desconhecida qualquer pretensão da Recorrida atinente à perda de isenção fiscal.
Foi submetida, em 24 de setembro de 2020, uma revisão inicial do PIP pela Recorrente em representação da Recorrida, e com contributos desta.
Aquando da submissão da revisão, a Recorrida já tinha decidido proceder à venda nos termos em que o fez, considerando que a escritura se realizou no dia 8 de outubro de 2020.
Tendo inclusivamente, em 29 de setembro de 2020 (5 dias após a referida revisão) procedido à publicação do anúncio para potencial exercício de direito de preferência, com definição dos concretos termos do negócio que veio a ser posteriormente celebrado.
Z) Adicionalmente, perante este cenário, não se podem deixar de fazer as seguintes questões, todas retóricas:
a. Como é plausível que em 24 de setembro de 2020, data em que manifestou intenção de prosseguir com o PIP, a Recorrida não soubesse da iminência da celebração do negócio de venda?
b. Como é possível, no ínterim entre 24 de setembro de 2020 e 8 de outubro de 2020, ou até mesmo muito antes, que a Recorrida não tivesse já começado a promover o concreto negócio com o concreto comprador?
c. Como é possível que, por referência à escritura de compra e venda junta ao apenso do procedimento cautelar pela Adquirente …:
• Se tenha procedido ao anúncio no portal Predial Online dos termos de venda acordados, logo em 29 de setembro de 2020?
• Se tenha procedido à declaração da liquidação de IMT e IS, logo em 2 de outubro de 2020?
• Se tenha realizado a necessária due diligence legal a um imóvel que acabou por ser transacionado por mais de 13 milhões de euros?
d. Com ou sem negócio em vista, e estando a meras 2 semanas do atingimento do prazo da isenção de IMT, porque não transmitiu, tal informação à Recorrente?
AA) É por de mais evidente que alguém de boa-fé que instrui uma revisão do PIP com declaração por si assinada pretenderá, não que esse PIP se torne inviável num curto espaço de duas semanas, mas que que ele se consuma e prossiga!
BB) O Tribunal a quo, lesto que foi a socorrer-se de “regras de experiência” para alcandorar outras leituras, não concedeu uma palavra sequer ao facto de entre a última revisão do PIP e a escritura definitiva terem mediado apenas 2 semanas, para realização de todos os procedimentos exigíveis para um contrato desta monta!
CC) Não concedeu sequer uma palavra para o facto de a Recorrida ter anunciado no portal Predial Online, volvidos apenas 5 dias desde a submissão da revisão, os concretos termos do negócio a celebrar, nomeadamente a identificação do comprador e a indicação do preço.
DD) Assim, está demonstrado à saciedade o facto de a Recorrida ter submetido a revisão do PIP em 24 de setembro de 2020, quando já havia tomado a decisão de proceder à venda do imóvel até duas semanas depois!
EE) Tanto mais que se deu como como provado o facto de a Recorrida não ter comunicado a revenda do imóvel à Recorrente até dia 14 de outubro de 2020, quase uma semana após a data em que se veio a realizar a escritura.
FF) De igual modo, deve ser dado como provado, por resultar da prova documental referenciada supra nas alegações:
a. o PIP revisto apresentado em 24 de setembro de 2020 com área de construção 9.001,61m2 foi objeto de várias homologações favoráveis dos serviços da Câmara Municipal de Lisboa, tendo também merecido a aprovação por parte do Chefe de Divisão de Urbanismo, por reunir as condições de natureza técnica para ser aprovado superiormente.
Nesse contexto, os serviços da Câmara Municipal de Lisboa calcularam, desde logo, as compensações urbanísticas devidas ao município resultantes dessa aprovação.
Esta aprovação pelo Chefe de Divisão responsável é comprovável pela notificação elaborada pela CML (cfr. Doc 1 que juntou a Recorrente em requerimento datado de 2 de maio de 2023 com a ref.ª Citius 3583031).
Bem como foi corroborada com a produção da prova testemunhal, nos termos supra alegados e transcritos, quer pela testemunha Arq. D …, quer pela testemunha Dr. C ….
GG) Assim, pese embora a aprovação não ter sido possível em virtude da atuação culposa da Recorrida, certo é que, com a apresentação da revisão do PIP de 24 de setembro de 2020, os requisitos técnicos e condições pretendidas pela Recorrida estavam já em pleno e final tratamento junto da CML.
HH) A Recorrida, ainda que verificados indiciariamente os pressupostos técnicos para a aprovação do PIP, procedeu com a revenda em momento anterior à aprovação do PIP, assim arredando ilegitimamente a Recorrente da obtenção dos seus honorários variáveis previstos contratualmente.
II) O Tribunal a quo desconsidera, inadmissivelmente, que a própria Recorrida criou na Recorrente a expetativa da continuação da relação contratual nos moldes até então desenvolvidos, praticamente na véspera da celebração da escritura de venda!
JJ) Tal não tem qualquer aderência com a prova produzida.
KK) Esclareça-se que a Recorrente não pugnou, nem pugna, pela verificação efetiva da condição que espoletaria a contraprestação integral dos honorários variáveis.
LL) Os valores peticionados pela Recorrente não advêm do atingimento da condição contratualmente prevista, mas sim da atuação de má-fé da Recorrida impeditiva da sua verificação com frustração da expetativa da Recorrente, legitimamente reforçada aquando da última revisão ao PIP apresentada!
MM) A conduta da Recorrida frustrou, culposamente e contra os ditames da boa-fé, a expetativa legítima criada na esfera da Recorrente, porquanto a Recorrida tornou impossível a verificação da condição que vigorava na relação entre as partes.
NN) Assim, em resumo, podemos tecer a seguinte conclusão:
Age contra o princípio da boa-fé quem, no âmbito da execução de um contrato de prestação de serviços, fornece elementos ao prestador do serviço que reforçam o interesse e vontade na continuação da relação e na obtenção dos resultados naquele previstos, sabendo porém, e não o comunicando, que irá cessar, logo de seguida, tal contrato em virtude da realização de negócio translativo da propriedade pretendido por si, beneficiário daqueles serviços, assim inviabilizando a verificação do resultado pretendido para a prestação de serviços (condição) e, consequentemente, do montante dos honorários a pagar a título de remuneração variável que seria devido pela verificação de tal condição, que foi impedida, por atuação culposa, ie. de má fé.
Assim, se a verificação da condição foi impedida contra as regras da boa-fé por aquele a quem prejudica, tem-se por verificada (artigo 275º, n.º 2, 1ª parte, do Código Civil).
Tendo a A. direito a receber a remuneração variável pactada devida pela verificação de tal condição.
OO) Não obstante, tendo em conta o estipulado na cláusula 6.ª do contrato celebrado que estabelece um limite de 50% da remuneração variável em caso de resolução pela Recorrida, foi este efetivamente o valor peticionado.
PP) Apesar de a prestação da Recorrente coincidir com o PIP a apresentar, esta apresentação assume uma forma desdobrada.
QQ) Os vários momentos de assinatura do contrato, de entrega inicial, de revisão, de aferição e de aprovação constituem várias fases, todas diferentes, todas peculiares.
RR) Só interpretando o mesmo no sentido descrito é que se encontrará resposta plausível e coerente para o modo como Recorrente e Recorrida quiseram disciplinar a sua relação, equiparando os diferentes momentos a outras tantas fases.
SS) Assim, tendo sido a “condição” estabelecida no Contrato tornada impossível por atuação culposa e de má-fé por parte da Recorrida, esta é devedora da Recorrente nos valores peticionados, também por aplicação do estipulado na Cláusula 6ª do Contrato;
TT) Pelo que a sentença recorrida violou, de uma assentada:
a) O disposto no artigo 275º, n.º 2, 1ª parte, do Código Civil,
b) Bem como o estabelecido no art. 607.º do CPC, no seu nº. 4, que dispõe o seguinte:
4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
c) E o estabelecido no art. 5.º, n.º 2, do CPC.
UU) Pelo que, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue a ação procedente, condenando-se a Recorrida nos termos peticionados.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e proferindo-se nova decisão conforme o exposto nas Conclusões de Recurso, julgando-se procedente a ação declarativa de condenação e o pedido aí formulado, e seguindo os ulteriores trâmites até final, com o que se fará a costumada Justiça!»
A R. contra-alegou, sustentando a manutenção da decisão recorrida.
Colhidos os vistos, cumpre ora apreciar a decidir.
II.
OBJETO DO RECURSO.
Atento o disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPCivil, as conclusões do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de questões que devam oficiosamente ser apreciadas e decididas por este Tribunal da Relação.
Nestes termos, atentas as conclusões deduzidas pelo A./Recorrente, não havendo questões de conhecimento oficioso, nos presentes autos está em causa apreciar e decidir:
- Da nulidade por omissão de pronúncia;
- Da impugnação da decisão de facto;
- Da responsabilidade contratual da R.
Assim.
III.
DA NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA.
(Conclusão O) das alegações de recurso do A.).
Nesta sede o A., aqui Recorrente, alega que o Tribunal recorrido omitiu pronúncia quanto à «questão de saber se a Recorrida agiu contrariamente à boa-fé quando omite a realização da escritura pública de venda do imóvel, pese embora ter formado a impressão, através da instrução do pedido de revisão do PIP, de que pretendia continuar a dotar a Recorrente de dados e elementos necessários para a tramitação do PIP».
Apreciemos.
Segundo o disposto no artigo 608.º, n.º 2, do CPCivil, o Tribunal «deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)».
No que aqui releva, o artigo 615.º n.º 1, alínea d), do CPCivil dispõe que «[é] nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)».
Na omissão de pronúncia estão, pois, em causa questões e não simples razões ou argumentos aduzidos pelas partes.
Sem prejuízo da prejudicialidade que o discurso jurídico impõe, o juiz deve referir-se aos temas, aos assuntos nucleares do processo, suscitados pelas partes, bem como àqueles de que oficiosamente deva conhecer, cumprido que se mostre o contraditório, não se exigindo, contudo, que o juiz aprecie toda e qualquer consideração ou argumento tecido pelas partes.  
Como referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, edição de 2019, página 737, «[d]evendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado (…)».
No mesmo sentido, refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.05.2024, processo n.º 19039/19.6T8LSB.L1.S1, «[a] omissão de pronúncia significa, em traço breve, que ocorre ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa, questões que os sujeitos processuais submeteram à apreciação do tribunal, e também as que sejam de conhecimento oficioso, de que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual; esse é o sentido e alcance da imposição legal a ter em conta na elaboração sentença previsto no artigo 608º, nº 2, do CPC e cuja violação determinará a nulidade processual prevista no artigo 615º , nº 1, al. d) 1ª parte do CPC; não se confunde, nem com uma fundamentação ausente ou insuficiente, nem com a discordância relativamente à conclusão retirada».
Na situação vertente.
Diversamente do alegado pela Recorrente, a decisão recorrida não escamoteou a abordagem da alegada violação do princípio da boa-fé:
«(…) aproximando-se o fim dos três anos para beneficiar da isenção [do IMT], sem que tivesse sido aprovado o PIP, apesar do processo ter tido início em 2017, não pode considerar-se que a Ré, ao vender e ao não comunicar à Autora as negociações mantidas para venda que acabou por concretizar, violou o princípio da boa fé, previsto no n.º 2 do artigo 762.º do Código Civil, pois que não só o contrato não previa qualquer necessidade de comunicação nesse sentido, como também, sendo do conhecimento da Autora que a Ré destinava o imóvel a revenda, decorridos cerca de três anos desde o início do processo, normal seria que a Autora contasse que tal venda acontecesse, sendo certo que a Ré pagou o valor correspondente aos serviços prestados».
Pode discordar-se daquele entendimento do Tribunal recorrido ou/e da forma como o mesmo considerou o princípio da boa-fé na matéria factual em causa.
Não pode é dizer-se que o mesmo se absteve de abordar a questão da boa-fé.
Nestes termos, improcede nesta sede o recurso.
IV.
DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO.
(Conclusões P a JJ das alegações de recurso da A.).
1. Segundo o disposto no artigo 640.º, n.º 1 e 2, alínea a), do CPCivil,
«1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes».

Ou seja, sob pena de rejeição do recurso da decisão de facto, na impugnação desta o Recorrente tem um triplo ónus: (i) concretizar os factos que impugna, (ii) indicar os concretos meios de prova que justificam a impugnação e impõem uma decisão diversa, sendo que caso tenha havido gravação daqueles deve o Recorrente indicar as passagens da gravação em que funda a sua discordância, e (iii) especificar a decisão que entende dever ser proferida quanto à factualidade que impugna.
Como refere Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, edição de 2018, páginas 163 e 169, o legislador optou «por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente», sendo que as exigências decorrentes do apontado regime legal «devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor.  Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo (…)».
2. No caso vertente.
Diversamente do entendimento da Recorrida, urge entender que a Recorrente observou os indicados ónus de impugnação da matéria de facto: concretizou as alterações que tinha por pertinentes na decisão de facto e indicou meios de prova que considerou pertinentes na matéria, termos em que cumpre conhecer do recurso da decisão de facto, havendo, contudo, que determinar o seu alcance na situação em apreço.
Nessa sede, desde logo, importa frisar que na impugnação da decisão de facto o que está em causa são factos e apenas estes, quer sejam essenciais, instrumentais, complementares, concretizadores ou notórios, conforme artigo 5.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil, pelo que é absolutamente irrelevante refutar a fundamentação da decisão de facto recorrida quando a mesma é desacompanhada da impugnação motivada de concretos factos provados e não provados, constituindo tal refutação tão-só a expressão do desapontamento do recorrente quanto à decisão de facto.
Por outro lado, considerando o disposto nos referidos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil, no que respeita à delimitação objetiva do recurso, relevam as conclusões do mesmo, o que significa que (i) é impertinente ao objeto do recurso a matéria constante da motivação de recurso, mas não inserta nas respetivas conclusões, e (ii) as questões suscitadas na motivação devem ser apreciadas e decididas em função das conclusões, valendo estas em caso de desarmonia da motivação com as conclusões.
Nestes termos, considerando as conclusões R), Y) e FF), em matéria de recurso da decisão de facto está em causa saber se deve ou não dar-se como provado que:
(R) «A pretensão do contrato de prestação de serviços celebrado era efetivamente a valorização do imóvel para posterior revenda (i) com o PIP aprovado e (ii) sem a aprovação do PIP estar sujeita a qualquer prazo»;
(Y) «A A. prestou os serviços no sentido de obter a valorização do imóvel pela aprovação do PIP com área igual ou superior a 6.970 m2, para posterior revenda, sendo-lhe desconhecida qualquer pretensão da Recorrida atinente à perda de isenção fiscal.
Foi submetida, em 24 de setembro de 2020, uma revisão inicial do PIP pela Recorrente em representação da Recorrida, e com contributos desta.
Aquando da submissão da revisão, a Recorrida já tinha decidido proceder à venda nos termos em que o fez, considerando que a escritura se realizou no dia 8 de outubro de 2020.
Tendo inclusivamente, em 29 de setembro de 2020 (5 dias após a referida revisão) procedido à publicação do anúncio para potencial exercício de direito de preferência, com definição dos concretos termos do negócio que veio a ser posteriormente celebrado».
(FF) «O PIP revisto apresentado em 24 de setembro de 2020 com área de construção 9.001,61m2 foi objeto de várias homologações favoráveis dos serviços da Câmara Municipal de Lisboa, tendo também merecido a aprovação por parte do Chefe de Divisão de Urbanismo, por reunir as condições de natureza técnica para ser aprovado superiormente».
Analisemos.
2.1. Da matéria constante na conclusão R).
Confrontada com o facto provado 5, se bem entendemos o recurso, pretende ora o Recorrente aditar que a aprovação do PIP, como modo de valorização da revenda do prédio, não estava sujeita a prazo nos termos do contrato celebrado entre as partes, ou seja, conforme o acordado entre as partes, a R. só venderia o Palacete L… quando ocorresse o desfecho do PIP.
Tal matéria, sendo essencial à causa, não foi, contudo, alegada naqueles termos pela A., aqui Recorrente, na sua petição inicial e devia tê-lo sido, conforme artigo 5.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil.
Com efeito, o A. alegou então que:
« 50.º
(…) em momento algum a R. informou a A. que, se não houvesse aprovação camarária num determinado prazo, revenderia o imóvel ou desistiria do PIP, mesmo que tal resolução fosse eventualmente contemporânea ou na iminência da aprovação camarária».
Ora, tal alegada falta de informação constitui realidade diversa da ora pretendida referência a uma «pretensão» contratual de execução do contrato enquanto perdurasse o PIP.
De todo o modo, considerando a motivação do recurso e as conclusões deste, constata-se que os concretos meios de prova indicados pela Recorrente não justificam o pretendido aditamento da decisão de facto: nenhum daqueles meios se refere a uma tal «pretensão» contratual.
Em consequência, improcede o recurso nesta sede.
2.2. Da matéria constante na conclusão Y).
A temática em causa encontra-se em parte consagrada nos factos provados 5 a 7, 9, 11 e 13 a 18, sendo que na parte restante, quanto ao aditamento que a Recorrente ora pretende, da análise da petição inicial não decorre explícita a matéria factual correspondente ao pretendido.
Com efeito, atentos os artigos 6.º, 28.º, 48.º e 49.º daquele articulado, dele não decorre alegado que (i) a Recorrente desconhecia a pretensão da Recorrida atinente à perda de isenção fiscal, (ii) a revisão do PIP, submetida em 24.09.2020 contou com contributos da Recorrida, (iii) aquando daquela revisão a Recorrida já tinha decidido proceder à venda nos termos em que o fez e (iv) em 29.09.2020 publicitado anúncio para potencial exercício do direito de preferência, com definição dos concretos termos do negócio que veio a ser posteriormente celebrado:
«6.º
Para o efeito, a R. beneficiou da isenção do Imposto Municipal sobre a Transmissão de Imóveis (“IMT”), que até à data, acendia a cerca de 1.000.000,00€.
(…)
28.º
Levando à apresentação, no dia 24 de setembro de 2020, de uma revisão do PIP inicial, que satisfazia as solicitações, sugestões e condições da CML, e demais entidades com intervenção neste domínio (docs. 9 e 10 juntos com o referido requerimento inicial);
(…)
48.º
Veja-se que em setembro e outubro de 2020 a A. ainda continuava a empregar os seus melhores esforços e a prestar os serviços tendo em vista a aprovação do PIP com a referida área de 9.000m2, visando concretizar a condição necessária ao recebimento da sua remuneração variável;
49.º
Quando já há algum tempo que a R. vinha promovendo a venda do imóvel que lhe permitiu concluir a transação em outubro, sem que dessa promoção alguma vez tenha informado a A.»
Mesmo que assim não fosse, levando em conta a motivação do recurso e as conclusões deste, os concretos meios de prova indicados pela Recorrente não justificam o pretendido aditamento da decisão de facto, pois dos mesmos não decorre a matéria factual cujo aditamento a Recorrente pretende.
Pelo contrário, do transcrito depoimento da testemunha C … decorre que a venda foi feita em 10, 12 dias e a respetiva due diligence foi feita em 2 dias.
Por outro lado, o documento n.º 3 junto com o requerimento de 02.05.2023 da A., aqui Recorrente, uma «Declaração» da R./Recorrida de 24.09.2020, configura-se insuficiente para concluir ter havido «contributos» da Recorrida aquando da submissão da revisão do PIP, sendo que a mera referência àquela declaração em aditamento ao facto provado 15 configura-se desnecessária para o desfecho da causa.
Improcede, assim, também neste domínio o recurso.
2.3. Da matéria constante na conclusão FF).
Em causa está ora saber, no fundo, se a versão do PIP de 24.09.2020 reunia condições de natureza técnica para ser aprovado superiormente, com área de construção de 9.001,62m2.
O Tribunal recorrido deu tal matéria como não provada:
«não se provou (…) que
a) A revisão do PIP referida em 15. satisfaça todas as solicitações, sugestões e condições da CML, e demais entidades com intervenção neste domínio, reunindo, com tais ajustes, todas as condições para ser aprovado com uma área de construção de 9.001m2». 
Fundamentou tal nos seguintes termos:
«(…) não obstante o esforço da testemunha D …, consultor na Autora, para tentar demonstrar que os documentos emitidos pela Câmara Municipal de Lisboa, nomeadamente os juntos com o requerimento inicial e nestes autos em 2 de Maio, comprovam que o PIP tinha todas as condições para ser aprovado com uma área de construção de 9.001 m2 e que, aquando da venda do imóvel pela Ré, estava iminente tal aprovação e que até lhe teria sido confirmado telefonicamente que teria sido aprovado, certo é que não é isso que resulta dos documentos juntos. Na verdade, de tais documentos resulta antes que, em 21 de Outubro de 2021, a Divisão de Projectos de Edifícios da Câmara Municipal de Lisboa remeteu por correio electrónico à Autora, enquanto representante da Ré, uma notificação (junta pela Autora, por requerimento de 2 de Maio, como documento n.º 1, folha 1), para “corrigir e/ou entregar os elementos indicados nas informações e despachos anexos, no prazo de 20 dias úteis, a contar do dia seguinte à recepção desta notificação, sob pena de indeferimento do pedido apresentado”, sendo, pois, manifesto que o PIP, um ano após a venda, para ser aprovado teria ainda de ser corrigido e/ou estava dependente da entrega de elementos e que a aprovação não ocorreu com o cálculo das taxas, como tentou fazer crer a testemunha».
A Recorrente entende que tal factualidade dada como não provada na decisão recorrida deve ser dada como provada, fundando-se para tal (i) no documento n.º 13 junto com o requerimento inicial de arresto Apenso, (ii) no documento n.º 1 junto pela A./Recorrente em 02.05.2023 e (iii) nos depoimentos das testemunhas C … e D …, em enxertos que transcreve.
Ora, daqueles excertos a matéria em causa revela-se inconclusiva: se a testemunha D … fez significar que «em termos normais, (...) o projeto está aprovado», já a testemunha C … refere que o PIP «está na fase em que a Chefe de Divisão propõe deferimento», sendo que «depois tem que ir cima e pode vir indeferido, como acontece com alguma frequência».
Por sua vez, o referido documento n.º 13 data de 24.04.2020 e o aludido documento n.º 1 do requerimento de 02.05.2023 corresponde a uma notificação alegadamente enviada à R./Recorrida em 27.10.2021, bem como a um print relativo à tramitação do PIP em causa, processo n.º …/…/…, entre 04.03.2019 e 04.09.2021.
Do confronto de tal documentação decorre que em 27.10.2021, embora com diversos pareceres favoráveis, e com algumas condições, o PIP não tinha ainda uma decisão final favorável, estando ainda dependente de elementos a juntar aos autos, «sob pena de indeferimento do pedido apresentado»:
- Em 05.05.2021 o Exm.º Sr.º Diretor do Departamento de Licenciamento de Projetos Estruturantes da Câmara Municipal de Lisboa colocou à consideração superior «a necessidade de solicitar elementos de projeto que permitam melhor compreender a relação da edificação proposta com a tardoz da frente edificada na Rua …;
- Em 04.09.2021 a Exm.ª Sr.ª Diretora Municipal da Direção Municipal de Urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa determinou que «[n]otifique-se a Requerente [a aqui Recorrida] para apresentar esclarecimentos adicionais, conforme proposto».
Ou seja, da apontada prova documental decorre que o PIP revisto, apresentado em 24.09.2020, não estava ainda, em 27.10.2021, em condições de uma aprovação final, pelo que carece de sentido a alteração da decisão de facto requerida na matéria pela Recorrente, sendo que no contexto revela-se impertinente saber de homologações e homologações condicionais entretanto ocorridas por parte da DGPC, bem como de Departamentos, Divisões e Estruturas camarárias, assim como da liquidação feita em matéria de compensação urbanística, de natureza provisória/condicionada, por incerta ser então ainda a área de construção aprovada.
Em suma, improcede o recurso da decisão de facto.    
*
Em função do exposto, este Tribunal da Relação de Lisboa tem, pois, como provada a seguinte factualidade:
1. A Autora é uma sociedade que tem por objeto a prestação de serviços e elaboração de estudos e projetos de arquitetura, desenho e urbanismo, bem como a prossecução de atividades de produção de cartografia topográfica ou temática de base topográfica;
2. A Ré é uma sociedade por quotas que tem por objeto a compra e venda de bens imóveis, incluindo direitos sobre os mesmos, a revenda dos adquiridos para esse fim, arrendamento, gestão e administração de bens próprios e alheios, investimentos e participações imobiliárias e turísticas;
3. A Ré adquiriu, por escritura outorgada no dia 10 de outubro de 2017, o Palacete L…, imóvel sito na Rua …, n.º …-…, em Lisboa, para revenda;
4. A Ré beneficiou da isenção do Imposto Municipal sobre a Transmissão de Imóveis que, à data, ascendia a cerca de €1.000.000,00;
5. Ainda antes da aquisição do imóvel referido em 3., a Ré contactou a Autora no sentido de a assessorar na elaboração e submissão de um Pedido de Informação Prévia (PIP) ao município de Lisboa para eventual aumento da capacidade construtiva do imóvel, de modo a valorizá-lo, obtendo um lucro superior na sua revenda;
6. No dia 13 de julho de 2017, a Autora apresentou à Ré a sua proposta de prestação de serviços relativos à elaboração de Pedido de Informação Prévia, junta com o requerimento inicial do procedimento cautelar como documento n.º 5, cujo teor se dá aqui por reproduzido, que, no que respeita a honorários, estabelecia: “Os honorários da presente prestação de serviços, tendo em conta todos os custos envolvidos, designadamente os relativos às equipas de trabalho agregadas aos serviços a prestar, cifram-se em €38.000,00 (trinta e oito mil euros)”; e que os honorários ficariam sujeitos às seguintes condições:
- Em caso da área aprovada no PIP ser igual ou superior a 6.970m2, haveria direito a um “success fee” de valor igual aos honorários, ou seja, 38.000,00€;
- Em caso da área aprovada no PIP fosse entre 6.970m2 e 6.273m2, mantinha-se o valor dos honorários da proposta;
- Em caso da área aprovada no PIP ser inferior a 6.273m2, os honorários seriam reduzidos a metade;
7. Da proposta referida em 6. consta que o pagamento dos honorários seria fracionado da seguinte forma:
- 15% com a assinatura do contrato no valor de €5.700,00;
- 15% com a entrega do PIP que corresponde ao valor de €5.700,00 €;
- 20 % com a comunicação da informação do PIP com a área aprovada inferior a 6.273m2;
- 70 % com a comunicação da informação do PIP com a área aprovada entre 6.273m2 e 6.970m2; e
- 70 % + 100 % com a comunicação da informação do PIP com a área aprovada igual ou superior a 6.970m2;
8. Da proposta referida em 6. consta que o cliente poderá rescindir o contrato em qualquer das outras fases do processo e caso a rescisão seja motivada por exclusiva vontade do cliente a Autora teria “direito a receber, além dos honorários correspondentes às fases já cumpridas e em curso, metade da prestação imediata a que teriam direito, se os trabalhos prosseguissem”, constando na definição e planeamento dos trabalhos, que corresponde ao n.º 2 das condições específicas, que “Os projectos serão elaborados de acordo com a legislação em vigor e serão faseados do seguinte modo: > Fase única – PIP – até ao final de setembro de 2017”;
9. A Ré aceitou a proposta da Autora, tendo esta, de seguida, dado início à prestação dos serviços contratados;
10. Com a adjudicação, a Autora emitiu a fatura n.º FA …/…, datada de 13 de julho de 2017, no valor de 5.700,00 € (7.011,00 € com IVA), que a Ré liquidou;
11. A Autora concluiu a elaboração do PIP que, depois de analisado pela Ré, foi apresentado ao município de Lisboa para apreciação e aprovação;
12. A Autora emitiu a fatura n.º FA …/…, com a data de 22 de novembro de 2017, no montante de 5.700,00 € (7.011,00 € com IVA), que a Ré liquidou;
13. Na sequência da entrega do PIP pela Autora na Câmara Municipal de Lisboa, iniciou-se o processo de análise administrativa, que foi tendo lugar de forma dinâmica e interativa, através da consulta a entidade externas, por se tratar de um património cultural relevante, que produziram pareceres, com sugestões e condições, designadamente a aprovação condicionada da Direção Geral de Património Cultural;
14. Nas diversas reuniões mantidas entre Autora e Ré foi dado conhecimento por esta àquela que pretendia revender o imóvel;
15. Foi apresentada, no dia 24 de setembro de 2020, uma revisão do PIP inicial;
16. Por escritura, outorgada em outubro de 2020, a Ré alienou o imóvel referido em 3. à …, que pretendia nele instalar a sede da comunidade … em Portugal, aquisição que foi registada em 15 de outubro de 2020;
17. Na data referida em 16. ainda não tinha sido aprovado o PIP apresentado;
18. No dia 14 de outubro de 2020, a Ré comunicou à Autora telefonicamente a desistência do PIP, desistência que comunicou também presencialmente à Autora numa reunião ocorrida no dia seguinte, dando conhecimento da venda;
19. No dia 15 de outubro de 2020, a Autora remeteu à Ré o correio eletrónico junto com o requerimento inicial como documento n.º 11, cujo teor se dá aqui por reproduzido, interpelando-a para o pagamento da verba de €64.600,00, acrescida de IVA, que resultava do cálculo €26.600,00 + €38.000,00;
20. No dia 29 de outubro de 2020, a Ré enviou uma comunicação à Autora informando-a que, em virtude de ter procedido à venda do imóvel, tinha perdido o interesse no prosseguimento do PIP, referindo faltar apenas liquidar, a título de honorários, o montante de €26.600,00, acrescido de IVA;
21. Em resposta, no dia 5 de novembro de 2020, a Autora salientou que a cláusula 6.ª da proposta da Autora, consubstanciada no contrato de prestação de serviços relativo ao PIP celebrado entre as partes, previa que a Ré pudesse rescindir o contrato por razões da sua conveniência, ficando vinculada ao pagamento dos honorários das fases cumpridas e a 50% da fase seguinte;
22. A Autora emitiu, no dia 5 de novembro de 2020, a fatura n.º FA …/…, no valor de €26.600,00, acrescido de IVA, totalizando €32.718,00, relativa aos serviços prestados, e a fatura n.º FA …/…, no valor de €19.000,00, acrescido de IVA, totalizando €23.370,00, relativo a metade da remuneração variável;
23. No dia 11 de novembro de 2020, a Ré remeteu à Autora o cheque n.º …, sacado sobre o Banco Millennium BCP, com o valor de €32.718,00;
24. A Ré não pagou a fatura n.º FA …/…;
25. Após a compra referida em 3., a Ré diligenciou pela promoção da venda do imóvel.
*
Este Tribunal da Relação de Lisboa tem como não provada que:
a) A revisão do PIP referida em 15. satisfazia todas as solicitações, sugestões e condições da CML, e demais entidades com intervenção neste domínio, reunindo, com tais ajustes, todas as condições para ser aprovado com uma área de construção de 9.001 m2;
b) Ao longo da execução do contrato, vários potenciais compradores foram ao gabinete da Autora com intenção de perceber em que fase se encontrava o PIP e que tipo de atividade se poderia executar naquele local;
c) Nas reuniões referidas em 14. a Ré informou a Autora que a revenda ocorreria com ou sem a aprovação do PIP.
V.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
(Conclusões A) a M) e KK) a UU) das alegações de recurso da A.).
Com a presente ação a A., aqui Recorrente, pediu a condenação da R., ora Recorrida, no pagamento da quantia de €23.370,00, (€19.000,00 + IVA de €4.370,00), acrescida de juros moratórios.
Na sua petição inicial invocou o contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes, designadamente as respetivas cláusulas 4 e 5 das condições específicas e 6.ª das condições gerais, assim como o princípio da boa-fé e o regime decorrente dos artigos 795.º, n.º 2, e 801.º, n.º 1, do CCivil.
Em sede recursiva, a A./Recorrente mantém a mesma argumentação, dando especial enfoque à violação da boa-fé contratual, por considerar que em setembro de 2020 a Requerida «criou [na Recorrente] a expetativa da continuação da relação contratual nos moldes até desenvolvidos», «nada lhe dizendo à Recorrente sobre o plano de vendas já em curso e em vias de concretização», conforme sucedeu, «tornando impossível a verificação da condição a que estava subordinada a contraprestação pecuniária da Recorrida».   
Vejamos.
1. É incontroverso que as partes celebraram entre si um contrato de prestação de serviços, no qual acordaram regras quanto ao pagamento de honorários, ao fracionamento destes e à rescisão do contrato pelas partes, conforme cláusulas 4 e 5 das condições específicas, assim como cláusulas 6 das condições gerais, respetivamente, matérias estas constantes dos factos provados 5 a 9.
Assim.
Quanto a honorários, conforme cláusula 4 das condições específicas, estabelece-se que:
«Os honorários da presente prestação de serviços, tendo em conta todos os custos envolvidos, designadamente os relativos às equipas de trabalho agregadas aos serviços a prestar, cifram-se em €38.000,00 (trinta e oito mil euros).
Estes honorários estão sujeitos às seguintes condições:
- em caso da área aprovada no PIP ser igual ou superior ao referido na Caderneta Predial, 6.970m2, haverá direito a um “success fee” de valor igual aos honorários, i.e., 38.000,00€;
- em caso da área aprovada no PIP ser entre 6.970m2 e 6.273m2 (90% x 6.970m2), mantém-se o valor dos honorários da proposta;
- em caso da área aprovada no PIP ser com área inferior a 6.273m2, os honorários serão reduzidos a metade.
(…)».
No respeita ao pagamento faseado de tais honorários, conforme cláusula 5 das condições específicas, estipula-se que:
«Os honorários serão fracionados do seguinte modo:
- 15% Com a assinatura do Contrato;
- 15% Com a entrega do PIP;
- 20 % Com a comunicação da informação do PIP c/ Área aprovada 6.273 m2;
- 70 % com a comunicação da informação do PIP c/ Área aprovada  6.970m2 e  6.273m2
- 70 % + 100 % Com a comunicação da informação do PIP c/ Área aprovada = ou  6.970m2
(…)».
Em matéria de rescisão contratual, a cláusula 6 das condições gerais prescreve que:
“O Cliente poderá rescindir este Contrato se os prazos fixados forem excedidos, sem motivo justificado e aceite, em 50% dos prazos acordados ao abrigo do item 3 das Condições Específicas. 
Poderá ainda o Cliente, se assim o entender, rescindir o Contrato em qualquer das outras fases do trabalho. Neste caso porém, e desde que a rescisão seja motivada por exclusiva vontade do Cliente os “autores do projeto” terão direito a receber, além dos honorários correspondentes às fases já cumpridas e em curso, metade da prestação imediata a que teriam direito, se os trabalhos prosseguissem».
Por sua vez, a cláusula 2 das condições específicas estabelece que:
«Os projetos serão elaborados de acordo com a legislação em vigor e serão faseados do seguinte modo:
> Fase única – PIP – até ao final de setembro de 2017;
(…)».
2. Das apontadas normas decorre que o direito da A./Recorrente, à denominada success fee¸ isto é, a quantia suplementar de €38.000,00, dependia da aprovação do PIP, com uma área de construção igual ou superior 6.970m2.
Decorre igualmente que a R/Recorrida podia a todo o tempo rescindir o contrato em causa desde que pagasse, além do correspondente às fases já cumpridas e em curso, metade da prestação imediata a que teria direito se os trabalhos prosseguissem.
No regime contratual acordado pelas partes, os trabalhos em causa integravam, contudo, uma fase única, carecendo de sentido a referência a uma pluralidade de fases justificante, no caso de rescisão contratual, do pagamento de metade da prestação imediata correspondente à fase seguinte.
No cotejo das apontadas cláusulas 6 das Condições Gerais e 3 das Condições Específicas, apesar daquele manifesto desacerto, decorre, contudo, um propósito de sancionar a R. pela sua rescisão contratual, uma decisão unilateral, não motivada por atuação ou omissão da contraparte.
Nesses termos, atento o disposto nos artigos 236.º e 237.º do CCivil, considerando o espírito do contrato, a sanção correspondente àquela rescisão refere-se seguramente ao valor integral da retribuição fixa contratada, no montante de €38.000,00, acrescido de IVA, quantia essa que a R. entregou à A. em data anterior à propositura da presente ação, conforme factos provados 10, 12, 22 e 23.
No que respeita à respetiva retribuição variável, correspondente à denominada sucess fee, o pagamento dela dependia contratualmente da aprovação do PIP, com uma área de construção igual ou superior 6.970m2.
Ora tal aprovação não ocorreu.
Mais, diversamente do alegado pela A., não se provou que a aprovação estivesse iminente aquando da rescisão contratual da R. ou, sequer, que fosse certa, mesmo num futuro longínquo.     
Nestes termos, por não poder-se concluir que a A. teria «direito a receber (…) metade da prestação» correspondente ao success fee, conforme apontada na cláusula 6 das Condições Gerais, não pode a R. ser condenada no pagamento do respetivo montante, improcedendo, assim, com tal fundamento, a pretensão da Recorrente.
3. Tal pretensão não pode igualmente fundar-se no disposto nos artigos 795.º, n.º 2, e 801.º, n.ºs 1 e 2, do CCivil.
Segundo o disposto no artigo 795.º, n.º 2, do CCivil, «[s]e a prestação se tornar impossível por causa imputável ao credor, não fica este desobrigado da contraprestação; mas, se o devedor tiver algum benefício com a exoneração, será o valor do benefício descontado na contraprestação».
Nos termos do artigo 801.º, n.ºs 1 e 2, do CCivil, «[t]ornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, é este responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação», sendo que «[t]endo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro».
Ora, no caso, embora o integral cumprimento da obrigação da A. se tenha tornado impossível em virtude da venda da R., por facto, pois, imputável a esta, no programa contratual das partes a responsabilidade da R. por incumprimento cinge-se ao pagamento integral da retribuição acordada, não relevando nesta uma retribuição incerta, dependente de um concreto resultado que a A. não conseguiu provor poder vir a alcançar, independentemente do incumprimento da R.
Em suma, quer em razão da apontada incerteza da retribuição variável acordada, quer por no contrato de prestação de serviços celebrado pelas partes, a indemnização dos «autores do projeto», aqui Recorrente, em razão da rescisão do contrato por parte da R., correspondia a «metade da prestação imediata a que teriam direito, se os trabalhos prosseguissem» e nesta não caber no contexto apurado a success fee, pois não ficou demonstrado que esta podia sequer vir a ser alcançada, carece igualmente de sentido a pretensão da Recorrente com fundamento no apontado regime legal.
4. Quanto à alegada violação da boa-fé.
Segundo o artigo 762.º, n.º 2, do CCivil, «[n]o cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé».
Ou seja, sob pena de incorrer em responsabilidade contratual, na execução do contrato as partes devem proceder com correção, lealdade, honestidade, de forma correta, adequada, na situação em causa.
A boa-fé constitui assim um padrão de conduta que reclama dos contraentes deveres de cooperação, em particular deveres de segurança, informação e lealdade próprios do sistema.
Como refere Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, II, edição de 2017, página 269, a referência à boa-fé «equivale a uma remissão para os valores fundamentais do sistema, presentes nas situações consideradas. Os valores em causa são mediados, como é sabido, pelos princípios da tutela da confiança e da primazia da materialidade subjacente (…). O seu alcance é inesgotável. Analiticamente, ela origina deveres de segurança, de informação e de lealdade, como referido e em termos hoje pacíficos na jurisprudência. (…)
No mesmo sentido refere Ana Filipa Morais Antunes, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, edição da UCP, 2018, páginas 1032 e 1030, «[r]eleva-se a aceção objetiva da boa-fé, enquanto norma de conduta ou critério do agir humano. (…) A diretriz proclamada titula um limite à liberdade negocial (cfr. artigo 405.º), determinando os sujeitos a atuar, na realização do direito e no cumprimento das obrigações correspondentes, de forma reta, leal e honesta, observando elevados padrões de lisura e de probidade, e em termos que contemplem o interesse da contraparte. (…)».
«O princípio da boa-fé tem uma importância genética, na medida em que fundamenta a constituição de deveres acessórios ou laterais de conduta, não diretamente explicitados num preceito da lei nem no conteúdo contratual. Neste sentido, o cumprimento (…) da prestação tem de ser acompanhado, sempre as circunstâncias do caso o reclamem (…) pela observância de deveres de cuidado (…), de proteção, de informação e de lealdade».
Também no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.2016, processo n.º 2683/12.0TJLSB.L1.S14654D, «[a] imposição do princípio da boa-fé como regra de conduta, abarca um conjunto de deveres que incluem, entre vários outros, os de informação, de proteção e de lealdade, que visam, no essencial, proteger a confiança (…)».
«Trata-se da boa-fé, em sentido objectivo, que se traduz num princípio normativo transpositivo e extra-legal que, aplicado aos contratos, constitui uma regra de conduta, segundo a qual os contraentes devem agir de modo honesto, correto e leal, “vedando o emprego da astúcia e da deslealdade e impondo a observância da boa-fé, tanto na manifestação da vontade (criação do negócio jurídico) como, principalmente, na interpretação e execução do contrato” (…)».
«(…) A boa-fé contratual impõe uma conduta conscienciosa e honesta, uma linha de correcção e probidade, um comportamento de acordo com um padrão ético de confiança e lealdade, que gera deveres secundários de conduta, que impõem às partes comportamentos necessários, ainda que não previstos, expressamente, no texto contratual, nomeadamente, os deveres de informação, guarda e restituição, segredo, clareza e proteção, conservação e lealdade (…), de modo a não serem alcançados resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar».
Na situação vertente.
A Recorrente considera que a Recorrida agiu de má-fé por em 24.09.2020, altura da apresentação da «revisão do PIP inicial», conforme facto provado 15, ter criado na Recorrente «a expetativa da continuação da relação contratual nos moldes até então desenvolvidos», nada referindo à Recorrente quanto às negociações que então já decorriam quanto à venda do prédio a que se referia o PIP, «nada dizendo à Recorrente sobre o plano de venda já em curso e em vias de concretização».
Ora, tal alegada factualidade não ficou demonstrada, tal como ficou por provar que no âmbito do contrato de prestação de serviços das partes a venda do referido imóvel dependia do desfecho do PIP, factos que seriam determinantes para concluiu pela má-fé da Recorrida.
Provou-se que após a 10.10.2017 a R., aqui Recorrida, diligenciou pela promoção da venda do imóvel, conforme factos provados 3 e 25.
Ficou igualmente demonstrado que a venda do Palacete L… pela R. foi registada em 15.10.2020 e que no dia anterior a mesma comunicou à A. a desistência do PIP, dando-lhe conhecimento daquela venda, conforme factos provados 16 e 18.
Neste contexto e sabendo-se que em situação como a presente o segredo do negócio é próprio deste, não se afigura que tenha havido falta de informação por parte da R./Recorrida, como alega a Recorrente, e muito menos que a atuação da R./Recorrida tenha sido incorreta, desleal, desonesta, desadequada na situação em causa e, pois, violadora da boa-fé contratual, termos em que não há lugar à aplicação do regime decorrente do artigo 275.º, n.º 2, do CCivil que exige, além do mais, uma violação das «regras da boa-fé»: tem-se por verificada a condição, no caso seria a aprovação do PIP, «[s]e a verificação da condição for impedida, contra as regras da boa-fé, por aquele a quem prejudica», o que não sucedeu in casu.
Em suma, improcede o recurso do A.
*
Quanto às custas do recurso.
Segundo o disposto nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil e 1.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, «[a] decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa», entendendo-se «que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção que o for».
Ora, in casu improcede na totalidade o recurso, pelo que sendo a A./Recorrente parte vencida no recurso, as custas deste serão integralmente suportados pela A./Recorrente.
VI.

DECISÃO.  
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso da A., pelo que mantém-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
As custas do recurso serão suportadas pela A./Recorrente.

Lisboa, 12 de setembro de 2024
Paulo Fernandes da Silva
António Moreira
Orlando Nascimento