Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | LEOPOLDO SOARES | ||
Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO FACTOR DE BONIFICAÇÃO IDADE REVISÃO DA INCAPACIDADE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/28/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I – Segundo o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 22-05-2024, proferido no Processo n.º 33/12.4TTCVL.7.C1.S1, acessível em www.dgsi.pt: «1. A bonificação do fator 1.5 prevista na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais aprovada em anexo ao Decreto-Lei n.º 352/2007 de 23 de outubro é aplicável a qualquer sinistrado que tenha 50 ou mais anos de idade, quer já tenha essa idade no momento do acidente, quer só depois venha a atingir essa idade, desde que não tenha anteriormente beneficiado da aplicação desse fator; 2. O sinistrado pode recorrer ao incidente de revisão da incapacidade para invocar o agravamento por força da idade e a bonificação deverá ser concedida mesmo que não haja revisão da incapacidade e agravamento da mesma em razão de outro motivo.» | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Analisados os autos constata-se que no presente incidente de revisão, em 3 de Março de 2025, foi proferida a seguinte decisão:1 «Nos presentes autos de acidente de trabalho em que é Sinistrado AA e Entidade Responsável Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A., mediante requerimento apresentado em 23.04.2024, veio o Sinistrado requerer a revisão da incapacidade, que se encontrava fixada em 8,00% de incapacidade permanente parcial, alegando para o efeito, em síntese, ter ocorrido um agravamento do seu estado de saúde. Foi realizado exame médico de revisão (perícia médica singular), que considerou existir um agravamento da situação clínica do Sinistrado, que lhe determinou uma incapacidade permanente parcial de 15,00% desde 23.042024 (data do requerimento). Notificado o resultado do exame médico singular, foi requerida a realização de exame por junta médica pela Seguradora que conclui que o Sinistrado "apresenta sequelas sobreponíveis as sequelas já valorada" e, por maioria, "que o fator 1,5 deve ser aplicado à IPP já estabelecida " ficando com 12,00%, dado o facto de ter completado 50 anos à data do pedido de REVISÃO.". II SANEAMENTO (…) Fundamentação de facto: Por acordo das partes, expresso no auto de tentativa de conciliação judicialmente homologado, e com base nos documentos e exames periciais dos autos, resultam provados os seguintes factos: 1. No dia 07.01.2019, pelas 10:30 horas, em Loures, quando prestava o seu trabalho de cortador de carnes, sob a direção, autoridade e fiscalização de "VARN - Carnes, S.A.", AA sofreu um acidente que consistiu em ser atingido por uma faca na região anterior do braço esquerdo; 2. Do evento descrito em 1. resultou para AA lesão grave do nervo mediano do polegar e hipostesias a nível do 1.º, 2.º e 3.º dedos da mão esquerda. 3. À data referida em 1., AA auferia a retribuição anual de € 13.173,26. 4. A responsabilidade emergente do sinistro em causa estava transferida para a Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A. com base na retribuição atual referida em 3. 5. AA, teve alta definitiva em 22.03.2019. 6. Por acordo homologado judicialmente em 22 de maio de 2022, foi-lhe fixada a incapacidade permanente parcial de 8,00% a partir de 22.05.2019, ficando a Seguradora responsável pelo pagamento ao sinistrado de um capital de remição da pensão anual e obrigatoriamente remível de € 737,70 desde 23.032019, o que fez, pagando a quantia de € 10.674,52. 7. Em 23.04.2024, AA, requereu o presente incidente de revisão de incapacidade. 8. AA apresenta sequelas sobreponíveis às sequelas já valoradas. 9. Foi-lhe atribuída, em Junta Médica, por maioria, a incapacidade permanente parcial de 12,00% (8% x 1,5) dado o facto de ter completado 50 anos rl data do pedido de Revisão. 10. AA nasceu em 15.05.1973. Da Fundamentação de direito: Realizada junta médica, em conformidade com o disposto no artigo 145, nº 2 do Código de Processo do Trabalho, concluiu esta, em sentido contrário ao exame singular, não existir um agravamento das sequelas resultantes do acidente de trabalho sofrido pelo Sinistrado, uma vez que "do ponto de vista objetivo — não é expectável que as sequelas neurológicas sofram agravamento ao longo dos anos, e o EMO feito em 2024 documenta a mesma alteração (lesão grava do nervo mediano) do EMG de 2019. Ora, em face dos elementos juntos aos autos, atento o resultado do exame objetivo realizado, não se vislumbra fundamento para divergir do entendido da Junta Médica, de que não existiu agravamento das sequelas que determinaram a fixação da incapacidade permanente parcial em 8,00%. Contudo, concluiu ainda a referida junta médica, por maioria, que "o fator 1,5, deve ser aplicado à IPP já estabelecida (8%), ficando com 12%, dado o facto de ter completado 50 anos à data do pedido de Revisão. O perito da entidade responsável refere que discorda deste entendimento, considerando que não deve ser aplicado de forma automática". Cumpre então apreciar se, em situação de não agravamento da incapacidade do Sinistrado haverá lugar, ainda assim, a aplicação do fator de 1,5 relativo à idade. Refere o n.º 5 das Instruções gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho ou Doenças Profissionais que: "5- Na determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas; para além e sem prejuízo das que são especificas de cada capítulo: a) Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo fartar 1.5, segundo a fórmula. IG + (1G x 0.5), se a vítima não for reconvertivel em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor. Verifica-se, pois, inexistir qualquer condicionante de aplicação do fator 1.5, nomeadamente de agravamento da incapacidade já fixada ao Sinistrado. Neste sentido pronunciou-se o Tribunal da Relação do Porto em 01.02.201622, referindo que: «A bonificação» prevista no nº 5 das Instruções gerais da TNI aplica-se, por regra, quando à data da alta o sinistrado tem 50 anos ou mais [única situação aqui em análise]. Mas a aplicação do factor 1.5 — com fundamento na idade do sinistrado — pode igualmente ser aplicável nos casos em que só após a data da alta a referida idade é atingida pelo sinistrado. Na verdade, o factor 1.5 — com fundamento na idade do sinistrado — não está dependente de qualquer agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão [pressupostos do pedido de revisão] mas apenas e tão só de um factor: a idade do sinistrado. Com efeito, o legislador «ficcionou» que a partir daquela idade as lesões tendem a agravar-se com a consequente maior limitação da capacidade de trabalho do sinistrado/trabalhador. E se assim é, ressalvando sempre opinião contrária, a «bonificação» deve ser aplicada ao sinistrado, independente do pedido de revisão, na medida em que a aplicação do factor 1.5 depende apenas do factor idade nos termos da TNI aprovada pelo DL nº 341/93, de 30.09, a aplicação do factor 1,5 dependia, ao contrário da actual TNI da verificação do requisito idade e também do requisito perda ou diminuição de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho]. Por isso, e dado que na data do seu pedido de revisão o sinistrado já tinha completado 50 anos de idade é aplicável o factor 1.5." Conforme fundamentação do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24-10-2016, com a qual concordamos na íntegra, "O envelhecimento é um fenómeno universal, irreversível e inevitável em todos os seres vivos. É certo que envelhecer difere de indivíduo para indivíduo, uma vez que o processo de envelhecimento pode ser acentuado ou retardado em razão de vários factores, entre outros, desde logo os de natureza genética, mas também dos que respeitam às condições e hábitos de vida do indivíduo e dos seus comportamentos (.) Em termos gerais e abstractos, é do conhecimento da ciência médica e, nos dias que correm, com toda a informação" disponível e divulgada e com os cuidados de saúde a que se tem acesso, também da generalidade das pessoas que, após os 50 anos há um acentuar desse processo natural, que se vai agravando progressivamente com o aumento da idade. A titulo de mero exemplo, é consabido que a partir dos 50 anos de idade, independentemente do estado de saúde do indivíduo, seja homem ou mulher, a medicina recomenda que se observem especiais cuidados preventivos de saúde, sendo aconselhável a realização de determinados exames de diagnóstico que normalmente não são prescritos antes de se atingir essa idade. É na consideração desta realidade incontornável que o legislador entendeu atribuir a bonificação do factor 1,5, reconhecendo que, em termos gerais e abstractos, a vítima de acidente de trabalho que fique com determinada incapacidade permanente terá uma dificuldade acrescida, como consequência natural do organismo, para o desempenho de unta actividade profissional" É este, também, o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, que em recente Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 3 referiu que: "Importa, todavia, ter em conta que ao estabelecer em uma norma legal que um sinistrado com 50 anos (ou mais) tem direito a uma bonificação de 1.5 o legislador exprimiu uma opção, a de considerar que a idade representa um agravamento das consequências negativas da perda da capacidade de trabalho ou de ganho decorrente do acidente de trabalho. "Em suma: para o legislador dos acidentes de trabalho a idade do sinistrado — no caso, 50 anos ou mais — é factor relevante, que "acresce" à sua 1PP para efeitos de atribuição de incapacidade, factor assente no facto de que a partir dessa idade as condições físicas/psíquicas de qualquer trabalhador se agravam de modo natural". Pode, na realidade, afirmar-se que "[o] fator de bonificação 1,5, ao invés de violar os princípios da Justa reparação e da igualdade, previstos, respetivamente, nos artigos 59.º al f) e 13." da CRP, foi criado no intuito especifico de lhes dar integral cumprimento", como se pede ler no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14- 09-2023, Processo n.º 21789/22.0T8SNT. Tal opção legislativa deve ser interpretada à luz do disposto no artigo 9º do Código Civil e tendo em conta designadamente, como bem destaca o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09-01-2020, processo n." 587/06.4TUPRT.4.P1, a unidade do sistema Jurídico (n.º 1 do artigo 9.9, por um lado, e, por outro, que "na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertada e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados" (n." 3 do artigo 9.). Seria arbitrária e contaria a uma diferença de tratamento sem qualquer justificação uma interpretação que apenas atribuísse a bonificação a um sinistrado com 50 ou mais anos à data do acidente, ou melhor à data em que fixada a incapacidade, mas já não a um sinistrado que tendo menos de 50 anos nesse momento, venha no entanto, a atingir essa idade — com efeito, se e quando tiver 50 anos este último estará exatamente na mesma situação de agravamento das consequências negativas que justificou a bonificação de que beneficiou o sinistrado que já tinha 50 anos quando se procedeu à primeira avaliação da incapacidade. Há, pois, que proceder a uma interpretação ideológica, de resto mais conforme com a tutela constitucional em matéria de acidentes de trabalho, e afirmar que o fator de bonificação deve ser atribuído ao sinistrado com 50 anos ou mais, quer tenha já 50 à data em que é avaliada inicialmente a incapacidade, quer tenha menos idade, mas venha a atingir 50 anos. Se, porventura, fosse exato que o legislador não tinha previsto um mecanismo processual para operar esta atualização e a aplicação da bonificação, tal implicaria a existência de uma lacuna a preencher pelo intérprete, já que o direito adjetivo não deve trair o direito material ou substantivo. Mas, na realidade, a situação cabe na previsão do artigo 70.º da LÁT se a mesma for objeto de uma interpretação teleológica. Com efeito, o legislador considerou que a idade do sinistrado — ter este 50 ou mais anos de idade — representa, ela própria, um fator que tem impacto na capacidade de trabalho ou de ganho e que representa um agravamento na situação do trabalhador, mormente no mercado de trabalho. Este agravamento pela idade, reconhecido pelo legislador, poderá ser objeto de um pedido de revisão das prestações. E não se afigura Inútil ou "enviesada" a aplicação do mecanismo da revisão das prestações, tanto mais que o sinistrado tanto pode atingir os 50 anos apenas alguns dias, semanas ou meses após a fixação inicial das prestações, como pode vir a perfazer aquela idade anos ou mesmo décadas após tal fixação inicial, sendo conveniente que a bonificação seja aplicada a uma avaliação e a uma prestação atualizadas. Aliás, até pode suceder, por exemplo, que o incidente de revisão de incapacidade seja requerido pela entidade responsável com fundamento da melhoria da situação clínica (cf. artigo 70.º, números 1 e 2 da LATA, melhoria essa que pode vir a ser confirmada pela perícia médico-legal singular ou plural, havendo então que multiplicar essa nova, inferior à originária ou até à atribuída num anterior incidente de revisão, pelo fator de bonificação de 1,5, desde que o sinistrado, entretanto tenha atingido os 50 anos de idade." Sendo certo que o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência não tem força obrigatória geral, a sua "natureza persuasiva (...) deve ser respeitada pelos tribunais de instância e pelo próprio STJ, pois a aplicação do direito não pode ser alheada dos valores da igualdade, da segurança e da certeza jurídicas, pressupostos da própria legitimação da decisão. Assim, a linha interpretativa fixada nos acórdãos uniformizadores só deverá ser objecto de desvio, no âmbito do mesmo quadro legal, perante diferenças fácticas relevantes elou (novos) argumentos jurídicos que não encontrem base de ponderação nos fundamentos que sustentaram tais arestas. Nessa medida, a natureza persuasiva dos acórdãos uniformizadores encontra respaldo em normas processuais de admissibilidade dos recursos (como é o caso da alínea b) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC) visando a natural aceitação e acatamento da respectiva jurisprudência pelos tribunais inferiores e pelo próprio Supremo Tribunal de Justiça.4 Contudo, concordamos na íntegra com os fundamentos supra expostos, razão pela qual deverá ser aplicado o fator 1.5 à IPP anteriormente fixada ao Sinistrado, conforme concluiu, por maioria, a Junta médica. Nesta medida será de alterar o coeficiente de incapacidade de que está afetado o Sinistrado para o indicado, por maioria, pela Junta Médica, de 12% de IPP. Assim, considerando a retribuição anual auferida pelo Sinistrado (considerada no Auto de Tentativa de conciliação homologado em 22.052019) — 13.173,26 -, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 48º, 13.º 3, alínea c), e 75º, n.º 1, da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro, é-lhe devido por força da incapacidade permanente parcial de 12,00% de que está afetado, o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no montante de € 1.106,55 (mil cento e seis euros e cinquenta e cinco cêntimos) - € 13.173,26 x 70% x 12,00% - desde a data do pedido de revisão (23.04.2024) Considerando que a pensão anterior, no montante anual de € 737,70 (setecentos e trinta e sete euros s e setenta cêntimos), foi já objeto de remição, apenas é devida ao Sinistrado a diferença entre o montante da pensão agora calculada e o valor da pensão já remida (€1 0.674,52). De referir, por fim, que sufragando o entendimento vertido no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12 de Abril de 2023, processo n.º 377/12.5TTGRD.2.C1, disponível In www.dgsi.pt, a cuja fundamentação se adere - no sentido de que "sendo a pensão devida ao sinistrado obrigatoriamente remível a mesma não é actualizável, como também não o seria mesmo que lhe eivasse sido fixada desde início a IPP resultante do agravamento" - não é de proceder a qualquer atualização. V. Decisão: Pelo exposto e decidindo, aliem-se o coeficiente de incapacidade de que padece o Sinistrado AA em consequência do acidente de trabalho dos autos, de incapacidade permanente parcial de 8,00%. para incapacidade permanente parcial de 12,00%, desde 23 de abril de 2024 (data do pedido de revisão), e em consequência: a. Condena-se a Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A., a pagar ao Sinistrado o capital de remido de ema pensão anual e vitalícia de € 1.106,55 (mil cento e seis euros e cinquenta e cinco cêntimos ), desde 23 de abril de 2024, deduzido da quantia de € 10.674,52 (dez mil seiscentos e setenta e quatro euros e cinquenta e dois Cêntimos) já apurada e liquidada a título de capital de remição pela incapacidade que anteriormente lhe havia sido fixada (cfr. ref.ª 141838646, de 11.07.2019, e ref.ª 8637080, de 31.07.2019, ambas nos autos principais), acrescendo juros de mora sobre tal diferença, à taxa supletiva legal, atualmente de 4%, desde 23 de abril de 2024, até integral e efetivo pagamento. Fixa-se o valor do incidente em € 5.337,26 (correspondente à diferença entre o capital de remição ora fixado e o capital de remição já remido - cfr. artigos 297 e 304.º, 1.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1º, n? 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho). Custas do incidente a cargo da Companhia de Seguros Allianz Portugal, SA (cfr. artigo 539º, nº 1 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho). Registe e notifique. *** Proceda-se, oportunamente, a novo cálculo do capital de remição.» - fim de transcrição. Em 13 de Março de 2025, a Ré Seguradora recorreu.5 Concluiu que: «1. A Decisão ora sob recurso deu como provado (Ponto 8) que «AA apresenta sequelas sobreponíveis às sequelas já valoradas»; 2. Contudo, a mesma Decisão simultaneamente que «Realizada junta médica, em conformidade com o disposto no artigo 145º, n.º 5 do Código de Processo do Trabalho, concluiu esta, em sentido contrário ao exame singular, não existir um agravamento das sequelas resultantes do acidente de trabalho sofrido pelo Sinistrado, uma vez que "do ponto de vista objetivo — não é expectável que as sequelas neurológicas sofram agravamento ao longo dos anos, e o EMG feito em 2024 documenta a mesma alteração (lesão grava do nervo mediano) do EMG de 2019»; 3. Donde, é de meridiano entendimento que AA NÃO apresenta sequelas sobreponíveis às sequelas já valoradas, e se assim é, necessariamente tem de se concluir que o aludido Ponto 8 dos factos assentes tem de ser expurgado dos mesmos por falso, por estar em contradição com a motivação da Decisão e com o resultado da Junta Médica de 14.10.2024 a fls.... dos autos, o que se requer. 4. Não obstante o comprovado não agravamento clínico científico das sequelas, o Tribunal a quo, pelo simples facto de o sinistrado ter, entretanto, feito 50 anos, decidiu recalcular O valor da pensão anual e vitalícia inicialmente fixada, fazendo corresponder essa pensão a 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho, por referência ao valor da retribuição anual ilíquida devida à data do acidente — cf. Artigos 48º, n.º 3 al. c), e 71º, nºs 1, 2 e 3, da Lei n.º 98/2009, de 04/09 (LAT). 5. Ficcionando que o sinistrado sofreu um agravamento da incapacidade inicialmente fixada, que não realidade não existe, e que o mesmo padece actualmente, o que também é verdadeiro, de uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 12%, com efeitos reportados à data da dedução do incidente de revisão; 6. Quando o sinistrado não provou o quanto alegava e o ónus competia-lhe. Na realidade, os factos apurados em sede de incidente de revisão de incapacidade não demonstram a existência de uma alteração na situação clínica do sinistrado posteriormente à decisão que fixou a sua incapacidade (já devidamente transitada em julgado) e que esteja relacionada com o acidente de trabalho ocorrido em 07.01.2019. 7. Ainda assim, repete-se, pelo simples facto de o sinistrado ter completado, entretanto, 50 anos de idade, entendeu o Tribunal a quo que deve ser aplicada à situação do sinistrado o factor de bonificação de 1.5, previsto no n.º 5, das Condições Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades, não cumprindo por isso o silogismo judiciário. Não tem razão. Senão veja-se: 8. No n.º 5, al) a) das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades encontra-se previsto um factor de bonificação de 1,5 em relação a dois grupos de trabalhadores: os que na sequência do acidente de trabalho ou de doença profissional não sejam reconvertíveis ao posto de trabalho habitual e os trabalhadores com mais de 50 anos, sendo esta bonificação aplicada no momento inicial da avaliação da incapacidade, ou seja, no momento da alta médica. 9.º Apesar de estar em causa um factor de "correcção" a aplicar para a determinação do montante da pensão a atribuir aos trabalhadores/lesados, a verdade é que esta bonificação não se trata de uma questão independente ou autónoma do processo de avaliação da incapacidade, encontrando-se antes profundamente conexionada com o mesmo, vindo a influir, de modo indelével, no grau de incapacidade que venha a ser fixado. Grau de incapacidade e coeficiente de bonificação constituem, com efeito, realidades indissociáveis. 10. Poderá e deverá questionar-se de a opção do legislador ter equiparado na Tabela Nacional de Incapacidades as duas categorias de trabalhadores mencionadas no seu n.º 5, al) a), uma vez que a situação dos trabalhadores não reconvertíveis ao seu posto de trabalho habitual é substancialmente diversa, e mais grave, que a dos trabalhadores com idade igual ou superior a cinquenta anos. 11. Uma tal equiparação, não justificada e desrazoável, destas duas categorias de trabalhadores/lesados pode fazer suscitar problemas de conformidade constitucional do n.º 5, al) a) da Tabela Nacional de Incapacidades, por implicar uma violação do princípio da igualdade de tratamento, o que configura uma inconstitucionalidade por acção. Na verdade, o legislador deveria ter cumprido a obrigação de definir um tratamento diferenciado para estas duas categorias, uma vez que a posição dos trabalhadores/sinistrados se revela substancialmente distinta. Apenas procedendo de um tal modo, seriam efectivamente respeitadas as exigências do princípio da igualdade em sentido material. 12. A problemática da inconstitucionalidade desta norma conferente de um coeficiente de bonificação de 1,5, decorrente da violação do princípio da igualdade, não se prende apenas com a questão da opção legislativa, em si mesma, mas relaciona-se ainda com o momento da respectiva aplicabilidade, ou seja, a jusante, uma vez que se verifica uma impossibilidade de aplicação do factor de bonificação aos trabalhadores/lesados não reconvertíveis ao posto de trabalho habitual, uma vez que o factor de bonificação apenas pode ser aplicado até ao limite da unidade e na hipótese dos trabalhadores não reconvertíveis à sua profissão habitual atribui-se sempre um coeficiente de incapacidade de 100%, ficando assim, a unidade atingida. 13. Em virtude desta impossibilidade de aplicação do factor de correcção de 1,5 aos trabalhadores sinistrados não reconvertíveis ao seu posto de trabalho habitual, os sinistrados que atinjam a idade de 50 anos acabam, numa grande esmagadora maioria das situações, por sair bem mais beneficiadas que aqueloutros, quando, na verdade, os trabalhadores sinistrados não reconvertíveis à sua profissão originária se encontram numa situação bem mais vulnerável. 14. De resto, um tratamento mais severo para este último grupo de trabalhadores sinistrados resulta ainda reforçado pela circunstância do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 22 de Maio de 2024 não defender, à semelhança de quanto sufraga relativamente aos trabalhadores sinistrados com 50 ou mais anos de idade, a possibilidade de aplicação automática do factor de bonificação de 1,5 nas hipóteses em que a não reconvertibilidade à profissão habitual venha a ocorrer em momento posterior ao da alta médica. 15. Para além das várias razões atrás expostas que acabam por determinar um tratamento mais favorável dos trabalhadores/sinistrados com 50 ou mais anos de idade em relação ao grupo dos trabalhadores/sinistrados não reconvertíveis ao seu posto de trabalho habitual, poder-se-á ainda invocar a circunstância dos sinistrados incluídos na primeira categoria, poderem continuar a exercer a sua profissão, e como tal, a conseguirem auferir uma remuneração. Todos estes factores contribuem, na verdade, para favorecer, de modo arbitrário e injustificado, a posição dos trabalhadores com 50 ou mais anos de idade. 16. Para além de quanto já concluímos, e como questão prévia, não podemos concordar, à semelhança de quanto se defende no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 22 de Maio de 2024, com a aplicação automática do coeficiente em função da idade, nem no momento da avaliação inicial da incapacidade, nem em momento subsequente quando os trabalhadores/lesados atinjam os 50 anos de idade. 17. Reportando-nos ao momento inicial de avaliação da incapacidade, cumpre referir que se trata de um processo de determinação do grau de incapacidade em que a própria legislação confere uma esfera de discricionariedade aos peritos, tal como se pode constatar do disposto nos art.º 21º da Lei nº 98/2009, bem como dos n.ºs 6 e 7 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades. Tais disposições, permitem, na verdade, levantar dúvidas quanto à automaticidade da aplicação do coeficiente de 1,5 em função da idade. De resto, a defesa da avaliação da incapacidade de acordo com o modelo casuística, cuja aplicação se encontra dependente da discricionariedade dos peritos médicos, em lugar de uma lógica puramente tabelar encontra respaldo nos mais autorizados estudos médico-legais. 18. Dando, no entanto, de barato, como premissa de raciocínio, que a aplicação do coeficiente de bonificação de 1,5 em função da idade se aplica, de modo automático, no momento inicial da avaliação da incapacidade, o mesmo não se pode, de modo algum, sustentar nas situações em que os trabalhadores/lesados venham a atingir os 50 anos em momento subsequente, tal como defende o Acórdão Uniformizador em análise. 18.º Não se revela admissível, com efeito, sufragar que a aplicação automática do coeficiente de bonificação 1,5 em função da idade em momento posterior ao da alta médica encontra justificação numa igualdade de tratamento entre os trabalhadores/sinistrados que têm 50 anos no momento da avaliação inicial da incapacidade e os trabalhadores/sinistrados que apenas venham a atingir esta idade em momento subsequente. A realização de um tal confronto entre estas duas categorias de trabalhadores, para efeitos de escrutínio da norma atrás citada da Tabela Nacional de Incapacidades, à luz das exigências de igualdade, além de redutora, manifesta-se ainda altamente tributária de uma concepção meramente formal ou niveladora deste princípio constitucional e também desrespeitadora da lógica ou teleologia tabelar que o Acórdão uniformizador, de tão bom grado, acolheu. 20. Tendo o Acórdão Uniformizador acolhido como boa a lógica tabelar, e sufragado, com fundamento nesta mesma lógica a aplicação automática do coeficiente de bonificação de 1,5 aos trabalhadores sinistrados com 50 anos de idade, quer quanto aos que os perfaçam no momento inicial da avaliação da incapacidade, quer quanto aos que os atinjam em momento subsequente, então, por uma questão de coerência na fundamentação, o aresto em análise deveria respeitar a lógica tabelar em que a apoiou a sua posição e retirar daí as devidas consequências. 21. Bem vistas as coisas, o respeito por uma tal lógica, implicaria que apenas seria defensável a aplicação automática do factor 1.5 aquelas situações em que os respectivos pressupostos se encontrassem verificados no momento da alta médica. Desta feita, relativamente aqueles trabalhadores sinistrados que viessem a atingir os 50 anos em momento subsequente, já seria então de aplicar o regime previsto no art.º 70º, nº 1 da Lei n.º 98/2009, não obstante a efectivação destas exigências de ordem tabelar poderem conduzir a algumas injustiças em determinadas situações, mormente naquelas em que os trabalhadores, no momento da avaliação inicial da incapacidade, estivessem muito próximos de fazer os 50 anos de idade. Não se pode, nesta sede, ignorar, que subjacente a uma disciplina jurídica de natureza tabelar pontificam essencialmente exigências ou razões de certeza jurídica e não propriamente de justiça. 22. Não se considere, porém, que a inadmissibilidade da aplicação automática do factor de bonificação, por força da idade, às situações em que o trabalhador sinistrado atinja os 50 anos em momento subsequente ao da avaliação inicial da incapacidade, conduza a um tratamento injusto e desigual deste núcleo de trabalhadores. Na verdade, na eventualidade de em relação a estes se vier a verificar um novo grau de incapacidade, não deixarão de, igualmente, beneficiarem da aplicação do coeficiente de bonificação de 1.5. 23. Tanto no momento da avaliação inicial da incapacidade, como em momento posterior a este, a aplicação do coeficiente de bonificação em função da idade anda sempre indissociavelmente ligado a um processo de determinação de incapacidade, razão pela qual relativamente à aplicação do coeficiente em momento posterior, na ausência de previsão no n.º 5, al) a) das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades de um qualquer processo especial de revisão automática, terá de se convocar, numa tal sede, o regime do art.º 70º, nº 1 da Lei nº 98/2009. 24. Apesar do n.º 5, al) a) das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades não prever, "expressis verbis", um procedimento específico para a aplicabilidade do factor de correcção de 1,5, certo é que, de um modo inequívoco, o legislador quis aí deixar bem vincada a ideia da dependência da bonificação do apuramento de uma concreta situação de incapacidade. Ora, uma tal necessidade de determinação de um determinado grau de incapacidade, tanto ocorre no momento inicial da alta médica, quanto num momento subsequente. Desta feita, o único procedimento previsto na Lei nº 98/2009 para em momento posterior ao da avaliação inicial da incapacidade se efectuar uma nova apreciação é aquela que se encontra disciplinado no seu art.º 70º, nº 1, sendo precisamente esse que terá de ser convocado em relação a estas hipóteses. 25. Nos termos do n.º 1, do art.º 70º, onde se encontra previsto o mecanismo de revisão da incapacidade, constituem pressupostos para aplicação de um tal expediente a existência de agravamento, recidiva ou recaída da lesão que originou a reparação dos danos por acidente de trabalho ou por doença profissional. Razão pela qual, não se registando um nexo causal entre o novo grau de incapacidade registado no âmbito do incidente de revisão e a recaída, recidiva ou agravamento da lesão, não será possível aplicar o coeficiente de incapacidade em função da idade, não se podendo assim admitir que a disciplina do art.º 70º n.º 1 da Lei nº 98/2009 seja compatível com a revisão automática da pensão de invalidez, por aplicação do coeficiente de bonificação em função da idade. 26. Defender, tal como sufraga o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 22 de Maio de 2024 a aplicação automática do coeficiente de bonificação de 1,5 por força da idade conduz a uma indesejável e inadmissível cumulação de montantes indemnizatórios baseados precisamente no mesmo factor a idade. Com efeito, tanto o art.º 21º da Lei nº 98/2009, quanto os nºs 6 e 7 das Instruções Gerais da Tabela Nacional das Incapacidades atribuem, no âmbito do processo de avaliação das incapacidades relevância, à idade, razão pela qual as indemnizações atribuídas pelas Seguradoras podem revelar-se excessivas e provocarem uma situação de enriquecimento sem causa do trabalhador/lesado à custa da seguradora, o que vai manifestamente ao arrepio dos mais elementares princípios em matéria de obrigação de indemnizar, nomeadamente o da proibição da "compensatio do lucrum cum damni". 27. Uma tal cumulação de montantes indemnizatórios com fundamento no mesmo factor ou causa; ou seja, a idade, ofende frontalmente as regras fundamentais em matéria indemnizatória, mormente o disposto nos art.ºs 562º, 566º, 568º e 494º do Código Civil. Cumpre salientar, nesta sede, que o nosso ordenamento jurídico não dá respaldo para o surgimento de indemnizações punitivas, em virtude do disposto no art.º 494º, matéria que encontra, de resto, paralelo nos art.º 128º da Lei do Contrato de Seguro. Razão pela qual, a orientação acolhida pelo Acórdão Uniformizador faz emergir obrigações de indemnizar a cargo das seguradoras que constituem verdadeiras penas, violando-se, de forma gritante, o princípio fundamental da proporcionalidade do art.º 18º e 266º da CRP, e a regra da fusta reparação do art.º 59º, al) f) da Constituição da República Portuguesa. 28. Residindo o "telos" do regime da reparação dos danos por acidentes de trabalho ou de doenças profissionais numa lógica reparatória, não podemos ignorar as premissas ou regras fundamentais em que assenta o instituto da responsabilidade civil, premissas ou regras essas constantes dos art.ºs 562º, 566º e 568º do Cód. Civil e que se podem basicamente consubstanciar na seguinte ideia: o limite do montante a atribuir aos lesados corresponde ao montante do dano, com o objectivo fundamental de garantir um ressarcimento integral dos prejuízos. 29. Com efeito, o nosso ordenamento jurídico positivo, em face do disposto no art.º 494º, do Cód. Civil, faz associar ao instituto da responsabilidade civil uma função preventiva ou sancionatória, a título meramente secundário ou acessório, uma vez que uma tal função assume uma natureza premiai, consubstanciada em tratar mais favoravelmente os agentes/lesantes que actuem com um grau de culpa menos grave (negligência ou mera culpa). Do regime jurídico consagrado neste preceito, não se pode, na verdade, admitir o ressarcimento dos comummente designados danos punitivos, na medida em que o montante do dano constitui o limite máximo indemnizatório. 30. Ora, a cumulação de montantes indemnizatórios fundados no factor idade que é fomentada pelo modelo de aplicação automática do factor de bonificação de 1,5 acolhido pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 22 de Maio de 2024 representa um claro entorse aos princípios básicos em matéria indemnizatória, acabando por fazer recair uma verdadeira sanção sobre as seguradoras, sem que às mesmas sejam dadas as garantias conferidas pelos mais elementares princípios de justiça criminal a quem tenha praticado um ilícito merecedor de uma sanção criminal. 31. Ao invés da orientação acolhida pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 22 de Maio de 2024, segundo a qual a aplicação de um modelo automático da aplicação do coeficiente de bonificação de 1,5 permite a efectivação do direito constitucionalmente consagrado à justa reparação, consideramos que um tal modelo conduz antes à violação de uma tal exigência fundamental. Nesta sede, também não faz sentido convocar o expediente jurídico da interpretação conforme a constituição, tal como fez o Acórdão, uma vez que o legislador constitucional não delimitou o conceito de justa reparação, remetendo antes uma tal tarefa para o legislador infraconstitucional. 32. Desta feita, a convocação do mecanismo jurídico da interpretação conforme a constituição parte de uma petição de princípio, porque o sentido e o alcance do regime dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais apenas podem ser compreendidos a partir de uma análise articulada entre a disciplina contida na lei da reparação dos danos por acidentes de trabalho ou de doenças profissionais e aqueloutra plasmada na Tabela Nacional das Incapacidades, tal como a Constituição expressamente prescreve no art.º 59º, al) f). Ora, de uma tal análise articulada, resulta, de modo bem patente, que o factor de bonificação de 1,5 enquanto medida legislativa com forte impacto social, não pode colocar em causa os princípios fundamentais da reparação dos danos que se encontra subjacente aos dois regimes acabados de mencionar. 33. Não podemos deixar de considerar inaceitável a defesa da aplicação automática do coeficiente de bonificação em função da idade, como defende o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 22 de Maio de 2024, com base na constatação de que ao estrato etário dos 50 anos anda associada uma perda de capacidade funcional dos trabalhadores e das pessoas em geral. Na verdade, um tal entendimento acaba, por se basear, em presunções ou ficções, e alcançar a verdade jurídica através de tais expedientes jurídicos não, é de modo algum, a melhor forma de a atingir. Sobretudo quando no âmbito dos procedimentos de avaliação das incapacidades, e nos correspondentes incidentes de revisão previstos na Lei n.º 98/2009, se revela perfeitamente possível comprovar a existência ou a inexistência de uma tal perda de capacidade funcional. 34. Bem vistas as coisas, a dita "ficção", "presunção" ou "realidade incontornável" que supostamente se encontra na base do critério do coeficiente pela idade previsto na Tabela nacional das Incapacidades, poderá vir a ser, em inúmeras situações, desmentida ou contrariada pela necessária avaliação da incapacidade a que deve ser submetido o trabalhador sinistrado. Nesta sede, importa evidenciar que quando o legislador a propósito de questões de direito difíceis de demonstrar, se socorre, por razões de simplificação probatória, de presunções inilidíveis, os resultados alcançados nem sempre se revelam os mais desejáveis, sob o ponto de vista da verdade material. Como exemplo elucidativo de quanto acabámos de afirmar, considerem-se as presunções inilidíveis de causalidade previstas no regime da insolvência culposa, que acabam por tornar o regime da insolvência particularmente rigoroso para o devedor. 35. Não tendo a Tabela Nacional de Incapacidades previsto expressamente nenhum processo de revisão automático da incapacidade, apenas através de um incidente de revisão da incapacidade, que obedecerá ao regime previsto do art.º 70º, nº 1 da Lei nº 98/2009, será possível, na verdade, proceder à actualização da pensão. Na verdade, resulta bem claro do n.º 5, al) a) das Instruções Gerais da Tabela Nacional das Incapacidades que a aplicação do coeficiente 1,5 em função da idade depende da avaliação da incapacidade do trabalhador/lesado, seja uma tal avaliação efectuada no momento inicial, ou tenha a mesmo lugar em momento subsequente. 36.º Defender esta posição, não corresponde a nenhuma posição restritiva quanto à aplicação do coeficiente de bonificação em função da idade, tal como considera o Acórdão Uniformizador (tanto mais que a Lei nº 98/2009 permite aos trabalhadores sinistrados suscitara todo o tempo, um incidente de revisão da incapacidade), pretendendo-se, antes, verdadeiramente explicitar, de acordo com a ratio do regime estatuído no n.º 5, al) a) das Instruções Gerais da Tabela Nacional das Incapacidades, a regra fundamental aí explicitada, a qual deve ser observada, quer no momento da alta médica, quer em momento subsequente: a atribuição do coeficiente de bonificação de 1,5, em função da idade, supõe necessariamente a determinação de um certo grau de incapacidade, ou de um novo grau de incapacidade. 37. Particularmente inadmissível se manifesta também a convocação dos argumentos interpretativos da unidade sistemática e da teleologia das normas invocados pelo Acórdão de Uniformização para justificar a aplicabilidade automática do coeficiente de bonificação de 1,5 em função da idade, bem como a interpretação teleológica do art.º 70º, n.º 1 da Lei nº 98/2009 feita à luz da presunção legislativa constante do n.º 5, al) a) da Tabela Nacional de Incapacidade, à qual se faz associar uma diminuição da capacidade funcional dos trabalhadores com 50 ou mais anos de idade. Uma tal interpretação teleológica não teve, com efeito, em consideração que a disciplina da tabela nacional de incapacidades tem uma natureza meramente instrumental face ao regime substantivo estatuído na Lei de Reparação dos Danos por Acidentes de Trabalho ou por Doenças Profissionais. 38. Para além disso, a "presunção", segundo a qual a partir dos 50 anos de idade se regista uma perda da capacidade funcional ou laborai das pessoas surge muitas vezes infirmada ou contrariada pelos dados da realidade histórico-social, como se pode comprovar pela tendência registada na generalidade das legislações em prolongarem a idade da reforma, em consonância com o aumento da esperança de vida nas sociedades ocidentais. 39. De resto, se o envelhecimento que é susceptível de se registar a partir dos 50 anos de idade pode ser de molde a provocar limitações à capacidade funcional das pessoas, também, de um modo paradoxal, constitui, não raras vezes, uma etapa de amadurecimento potenciadora de novas aptidões, talentos e capacidades particularmente úteis para o exercício das actividades profissionais. 40. A defesa de um mecanismo automático de revisão da incapacidade em momento subsequente ao da alta médica, com os fundamentos acabados de mencionar, configura-se, na verdade, como um critério orientador de decisões jurisprudenciais demasiadamente amplo, vago e inconsistente, e tais características constituem um factor de insegurança jurídica, uma vez que do critério constante no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 22 de Maio de 2024 são susceptíveis de surgir obrigações de reparação dos danos para as companhias de seguro quanto aos prejuízos decorrentes de acidentes de trabalho ou de doenças profissionais. 41. Manifestação clara da inconsistência e incongruência da fundamentação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência encontra-se na admissibilidade de aplicação do coeficiente de 1,5 às hipóteses em que os trabalhadores/sinistrados, na sequência da revisão da incapacidade tenham registado uma melhoria na sua situação clínica. Ora, tendo este aresto partido do pressuposto que o factor de bonificação de 1,5 em função da idade se aplica automaticamente em virtude de constituir uma realidade incontornável a perda de capacidade funcional das pessoas com mais de 50 anos, então nas hipóteses acabadas de mencionar, o coeficiente de bonificação não se deveria aplicar por não se encontrar preenchido o pressuposto para que tal se verifique. Em rigor, os Senhores Juízes Conselheiros, ao invés do que acontece, por exemplo com os trabalhadores em funções públicas tratados nas instâncias administrativas, quer no foro laboral ou comum fizeram "caridade à custa alheia". 42. Não podemos ignorar que uma definição em termos, tão vagos e genéricos, de uma orientação acerca de uma problemática tão relevante para a actividade das entidades responsáveis pelo pagamento das indemnizações é susceptível de provocar os comummente designados riscos jurídicos, que verdadeiramente consubstanciam riscos catastróficos, provocando significativos abalos no sinalagma risco a cobrir, prémio a pagar, abalos esses insusceptíveis de serem previstos pelas seguradoras no momento da celebração do contrato de seguro. 43. Como exemplo de riscos catastróficos podem invocar-se precisamente os riscos jurídicos, no âmbito dos quais se abrangem as perturbações criadas pela lei ou pela jurisprudência, decorrentes de alterações introduzidas por estes estratos do ordenamento jurídico em regras com base nas quais as partes celebraram os contratos de seguro. Nesta sede, pode invocar-se, a título meramente exemplificativo a orientação fixada no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 6/2002, de 28 de Maio, a propósito do ónus da prova do nexo de causalidade entre a condução com álcool e o sinistro. 44. O carácter vago, genérico e indeterminado do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 22 de Maio de 2024, em virtude da respectiva fundamentação patentear as características acabadas de referir, não permite alcançar os objectivos de segurança ou de certeza jurídica que se propunha efectivamente. Não tendo resolvido, em termos claros e precisos, a problemática jurídica submetida à sua apreciação, dificilmente a orientação nele acolhida servirá de critério orientador para a resolução de questões judiciais onde se venha a discutir a aplicabilidade do factor 1,5, em função da idade. De resto, o Assento de 29 de Novembro de 1989 constituiu um exemplo paradigmático de frustração dos objectivos de segurança e de certeza que o mesmo aresto se propunha alcançar. 45. De igual modo, também no âmbito da jurisprudência constitucional portuguesa, nos temos deparado com Acórdãos que têm defendido a inconstitucionalidade de normas jurídicas, em virtude dos critérios nelas estatuídos se revelarem vagos e genéricos, tal como se pode constatar, a título meramente exemplificativo, com os Acórdãos n.º5 268/2022 e 800/2023. 46. Ainda neste contexto específico das múltiplas e indefinidas consequências susceptíveis de andarem associadas ao critério vago, genérico e indeterminado do Acórdão Uniformizador em análise, cumpre recordar que um tal cenário é de molde a fazer emergir para as entidades responsáveis pela reparação dos danos decorrentes de acidentes de trabalho ou por doenças profissionais obrigações de conteúdo indeterminado, às quais o nosso Código Civil faz associar a sanção da nulidade (art.º5 280º e 400º). 47. Não se argumente em sentido contrário, com a ideia que este concreto direito de crédito não resulta da Lei da Reparação dos Danos por Acidentes de Trabalho ou por Doenças Profissionais, mas decorre antes das Instruções Gerais da Tabela Nacional das Incapacidades. Na verdade, como já deixámos atrás sublinhado, este diploma tem uma natureza meramente instrumental face ao direito substantivo plasmado na Lei nº 98/2009, e a prestação do subsídio por incapacidade resulta desta lei, e tem as modalidades previstas no seu art.º 25º. 48. Igualmente problemática no tocante à multiplicidade de efeitos susceptíveis de ser produzidos pelo Acórdão de Uniformização é a questão da aplicação do coeficiente 1,5 nas situações em que tenha ocorrido a remição total e obrigatória da pensão, nos termos previstos no art.º 75º, nº 1 da Lei nº 98/2009. A circunstância do art.º 77º, al) b) prever que se mantém incólume o direito dos trabalhadores/lesados requererem a revisão da pensão nas situações de remição foi sobretudo pensado para as situações de remição parcial das pensões, tal como parece resultar claramente do art.º 77º, al) d) da Lei de Reparação dos Danos por Acidentes de Trabalho ou por Doenças Profissionais, porquanto aqui a Seguradora ainda tem algum montante a pagar, o mesmo não sucedendo na hipóteses de remição total, em que se opera uma espécie de novação (art.º 859º do Cód. Civil). 49. Apesar do Dec-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro estatuir um regime especial relativamente à avaliação das incapacidades para os trabalhadores da administração pública, certo é que o art.º 38º, nº 5 deste Dec-Lei remete claramente, para efeitos de avaliação das incapacidades, para o regime da Tabela Nacional de Incapacidades. Desta feita, o critério contido no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 22 de Maio de 2024 será aplicável aos trabalhadores da administração pública, sendo que a responsabilidade pelos encargos irá onerar sobretudo o Estado, por força do art.º 4º, al) e) do preâmbulo deste Dec-Lei, onde se estabelece a regra da intransmissibilidade daquela responsabilidade para as seguradoras. Apenas ficam excepcionados deste regime os trabalhadores da administração pública com contrato individual de trabalho, com ou sem termo, na medida em que a estes se aplica integralmente o regime da segurança social. 50. Por último, impunha-se que o Tribunal a quo explicitasse e clarificasse o porquê de, sem sustentáculo fáctico, ter aplicado o aludido factor de bonificação e de se ter afastado da prova científica (três Juntas Médicas) constante dos autos. 51. Dai que, a Decisão recorrido persiste em apresentar um conteúdo que, salvo o devido respeito, é um mero ditame, sem qualquer pretensão de verdadeiramente esclarecer a situação e de clarificar o caso sub judice. 52. É sabido que as decisões dos tribunais devem ser devidamente fundamentadas (vide artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e artigo 154.º, n.º 1 do CPC aplicável ex vi artigo 1.º n.º 2 alínea a) do CPT). 53. Logo, a insuficiente e obscura fundamentação não permite à Apelante conhecer efectivamente as razões de facto e de direito que conduziram a tal decisão. A Decisão do Tribunal a quo é, por isso, nula, conforme disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º n.º 2 alínea a) do CPT. 54. Ademais, contrariamente ao que resulta do artigo 413.º do CPC, o Tribunal a quo ignorou por completo a prova documental cientifica junta aos autos, sem tão pouco explicar de forma sustentada por que o fez. 55.O Tribunal recorrido, outrossim, a pretexto de ter obrigação de se vergar obedientemente ao Supremo Tribunal de Justiça aceita derrotado uma capitis diminutio que não tem nem devia admitir, o desempenhar de um papel meramente administrativo, e a validade de uma justiça "carimbo" que acriticamente entende pode fazer "justiça à custa alheia". A manter-se tal entendimento, está descoberta a "galinha dos ovos de ouro" que dará azo a infindáveis incidentes de revisão sem fundamento mas que serão julgados procedentes pelo simples facto de os sinistrados, entretanto, terem atingido os 50 anos. 56. Em súmula: ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artºs 13º (Princípio da Igualdade), 18º e 266º, n.º 2 (Princípios da Proporcionalidade, da Justiça, da Imparcialidade) e art.º 59º, al) f) (Princípio da Justa Reparação), todos da Constituição da República Portuguesa, bem como os art.ºs 21º, 25º, 70º, n.º 1 e 77º, al b) da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro, tal como o vertido nos n.º5,al) a), 6 e 7 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades, assim como os art.ºs 280º, 400º, 494º, 562º, 566º, 568º, 494º e 859º do Código Civil, sem esquecer o art.º 128º da Lei do Contrato de Seguro e por último o art.º 413º do Código de Processo Civil. Quanto à nulidade da Decisão, é invocada ao abrigo do disposto no art.º 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e art.º s 154.º, n.º 1 e 615.º, n.º 1, al b) do CPC do CPC aplicável ex vi artigo 1.º n.º 2 alínea a) do CPT).» - fim de transcrição. Assim, sustenta que deve ser concedido provimento ao recurso quer de facto quer de direito, devendo a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que expurgue dos assentes o facto vertido no Ponto 8 e determine que o Sinistrado mantém a incapacidade permanente parcial de 8,00% a partir de 22.03.2019, data da alta definitiva, sem possibilidade de aplicação ao caso concreto do factor de bonificação 1.5. A título subsidiário, caso assim não se entenda, sustenta que sempre se deverá ordenar a revogação do Despacho recorrido e a respectiva substituição por outro que esclareça cabalmente em que factos concretos (não putativas presunções ou "percepções") se fundamenta para entender que o grau sequelar deve ser artificial e automaticamente majorado. A título subsidiário, caso assim não se entenda — o que apenas se admite por prudente dever de patrocínio, e sem conceder —, sempre se deverá ordenar a revogação do Despacho recorrido e a respectiva substituição por outro que esclareça cabalmente em que factos concretos (não putativas presunções ou "percepções") se fundamenta para entender que o grau sequelar deve ser artificial e automaticamente majorado. O Mº Pº contra alegou.6 Concluiu que: « a) Alega a Recorrente, em suma, que ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artºs 13º (Princípio da Igualdade), 18º e 266, n.º 2 (Princípios da Proporcionalidade, da Justiça, da Imparcialidade) e art.º 59º, al) f) (Princípio da Justa Reparação), todos da Constituição da República Portuguesa, bem como os arts 21º, 25º, 70, n.º 1 e 77, al b) da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro, tal como o vertido nos n.ºs 5, al) a), 6 e 7 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades, assim como os artºs 280º, 400º, 494º, 562º, 566º, 569º, 494º e 899º do Código Civil, sem esquecer o art.º 128º da Lei do Contrato de Seguro e por último o art.º 413º do Código de Processo Civil. Quanto à nulidade da Decisão, é invocada ao abrigo do disposto no art.º 205, nº 1 da Constituição da República Portuguesa e artºs 154.º, n.º 1 e 615.º, nº 1, al b) do CPC do CPC aplicável ex vi artigo 1º n.º 2 alínea a) do CPT). b) Salvo o devido respeito, o Ministério Público não pode concordar com a posição da Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A. c) A decisão proferida encontra-se devidamente fundamentada de facto e de direito, inexistindo qualquer contradição na mesma e, não merecendo a mesma qualquer reparo. d) Na realidade, a recorrente não coloca em causa apenas a decisão proferida, mas o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do acórdão uniformizador de jurisprudência de 17.12.2024, seguido de perto pela douta decisão recorrida. e) Na realidade, os argumentos alegados da recorrente foram, no essencial, analisados e respondidos no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 16/2024. f) O referido n.º 5, alínea a), das instruções gerais da TNI, estipula que «[n] a determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número: a) Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG x 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor». g) Assim, da interpretação do estipulado resulta que para seja atribuído o fator de bonificação de 1,5 exige-se: (i) que a vítima não seja reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tenha 50 anos ou mais; (ii) que não tenha beneficiado da aplicação desse fator. h) Por sua vez, a recorrente alega, ainda, que o regime de bonificação previsto na alínea a) do n.º 5 das instruções gerais da TNI é meramente instrumental em relação ao previsto na LAT, máxime no seu artigo 70º, pelo que não tendo o legislador previsto um processo de revisão automática da incapacidade não pode recorrer-se a esta esta norma. i) A esta questão, o acórdão respondeu, sem grandes considerações, que sim, referindo mesmo que não é necessário existir um agravamento, podendo mesmo existir uma melhoria das condições do sinistrado, "havendo então que multiplicar essa nova IPP, inferior à originária ou até à atribuída num anterior incidente de revisão, pelo fator de bonificação de 1,5, desde que o sinistrado entretanto tenha atingido os 50 anos de idade.". j) Assim, ao contrário do que alega a recorrente, o legislador optou pelo critério, objeto e genérico, em que considera que a idade (50 ou mais anos) constitui, por si só, fator relevante para aplicar a bonificação (desde que esta não tenha sido aplicada anteriormente) na atribuição da incapacidade, em detrimento de critérios subjetivos e casuísticos. k) Foi proferido, recentemente, em 30/01/2025, um Acórdão pelo Tribunal da Relação de Évora, no âmbito do processo 1258/18.4T8STR.2.E1, disponível em www.dgsi.pt: "1— O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de maio de 2024 (publicado no DR nº. 244/2024, Série I, de 17-12-2024) fixou jurisprudência no sentido de que: «I- A bonificação do fator 1.5 prevista na alínea a) do n.2 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais aprovada em anexo ao Decreto-Lei nº 352/2007 de 23 de outubro é aplicável a qualquer sinistrado que tenha 50 ou mais anos de idade, quer já tenha essa idade no momento do acidente, quer só depois venha a atingir essa idade, desde que não tenha anteriormente beneficiado da aplicação desse fator; II- O sinistrado pode recorrer ao incidente de revisão da incapacidade para invocar o agravamento por força da idade e a bonificação deverá ser concedida mesmo que não haja revisão da incapacidade e agravamento da mesma em razão de outro motivo.». 2 — Embora esse acórdão não tenha força jurídica vinculativa, no âmbito do mesmo quadro legal apenas deverá haver desvio à linha interpretativa nele seguida se houverem diferenças lácticas relevantes e novos argumentos jurídicos que não foram naquele ponderados. 3 — Não se verificando tal situação, é de aplicar o referido fator de bonificação na situação em que o sinistrado ainda não beneficiou do mesmo e requereu incidente de revisão da incapacidade, não tendo a mesma sido revista com o fundamento no invocado, mas ter atingido 50 anos de idade na pendência do incidente. 4 — O facto da pensão, inicialmente fixada ou objeto de anterior revisão da incapacidade, ter sido remida não obsta à aplicação do referido fator de bonificação no âmbito de novo incidente de revisão da incapacidade." I) Pelo exposto, as questões suscitadas no recurso inscrevem-se na jurisprudência fixada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-05-2024 (proc. nº 33/12.4TTCVL.7.C1.51), sendo que os argumentos aqui expendidos pela recorrente se mostram também, suficiente e adequadamente, analisados nesse acórdão, pelo que não se vislumbra fundamento para o Tribunal se afastar daquela jurisprudência. m) No que respeita à alegada inconstitucionalidade da interpretação em causa, remete-se uma vez mais para os argumentos detalhadamente expostos no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, entendendo-se também que não se verifica a violação do principio da igualdade, previsto no art.º 13º da Constituição da República Portuguesa, nem qualquer violação do art.º 59º, n.º 1, al. f), do mesmo diploma legal. n) Face às conclusões alcançadas, o novo quantitativo da pensão anual é devida ao sinistrado desde o início do processo de revisão, conforme é entendimento jurisprudencial. o) A douta sentença recorrida não padece de qualquer nulidade, devendo manter-se integralmente.» - fim de transcrição. Assim, entende que o recurso deve seja julgado improcedente e a decisão recorrida mantida nos seus precisos termos. Em 9 de Abril de 2025, o recurso foi admitido, sendo que em 1ª instância se sustentou não haver sido cometida qualquer nulidade.7 Mostram-se colhidos os vistos. Nada obsta ao conhecimento. **** Na elaboração do presente acórdão será levada em conta a matéria de facto decorrente do supra elaborado relatório, com alguma alteração que lhe seja introduzida. *** É sabido que o objecto do recurso apresenta-se delimitado pelas conclusões da respectiva alegação (artigos 635º e 639º ambos do CPC ex vi do artigo 87º do CPT). Mostra-se interposto um recurso pela Ré Seguradora. Nas suas conclusões suscita três questões. A primeira consiste em saber se a decisão recorrida padece de nulidade contemplada no artigo 615º nº, 1 alínea b) do CPC [ b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão]. Segundo a recorrente de acordo com a junta médica o sinistrado AA não apresenta sequelas sobreponíveis às sequelas já valoradas. Assim, conclui que o Ponto 8 dos factos assentes tem de ser expurgado por falso, por estar em contradição com a motivação da Decisão e com o laudo da Junta Médica de 14.10.2024. Por outro lado, entende que se impunha que o Tribunal “a quo “explicitasse e clarificasse o porquê de, sem sustentáculo fáctico, ter aplicado o aludido factor de bonificação e de se ter afastado da prova científica (três Juntas Médicas) constante dos autos. A seu ver, a decisão recorrida apresenta um conteúdo que é um mero ditame, sem qualquer pretensão de esclarecer a situação e de clarificar o caso concreto. Mais invoca que as decisões dos tribunais devem ser devidamente fundamentadas (vide artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e artigo 154.º, n.º 1 do CPC aplicável ex vi artigo 1.º n.º 2 alínea a) do CPT). Sustenta que a insuficiente e obscura fundamentação não permite à Apelante conhecer efectivamente as razões de facto e de direito que conduziram a tal decisão. Entende que a decisão do Tribunal a quo é nula, conforme disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º n.º 2 alínea a) do CPT. Analisada a verberada decisão afigura-se-nos, salvo melhor opinião, que a invocada nulidade não se verifica. Os fundamentos de facto e de direito constam da decisão que não é totalmente omissa a esse respeito o que, como é sabido, é condição necessária para a verificação da invocada nulidade8. Esta só se verifica quando haja total omissão dos fundamentos de facto em que assenta a decisão – o que não é o caso – e não se confunde com um erro de julgamento, de facto [nomeadamente resultante de um lapso de escrita, mais ou menos evidente] ou de direito. Anote-se ainda que o sustentáculo para a aplicação do factor 1,5 com o consequente agravamento da incapacidade advém não de matéria de facto, mas de uma interpretação jurídica - concorde-se ou não com ela - que se mostra perfeitamente explanada e explicada na decisão recorrida. *** Questão diversa, constituindo esta a segunda vertente do recurso, consiste em saber se o facto assente sob o nº 8 [ou seja 8. AA apresenta sequelas sobreponíveis às sequelas já valoradas.] deve ser eliminado [ou alterado], por ser contraditório com o entendimento expresso pelos Exmºs Peritos na Junta Médica, realizada em 12-10-2024, os quais na resposta aos quesitos consignaram o seguinte: «RESPOSTA A QUESITOS fls. 69 v: 1- Não, o sinistrado apresenta sequelas sobreponíveis às sequelas já valorada, uma vez que - do ponto de vista objetivo – não é expectável que as sequelas neurológicas sofram agravamento ao longo dos anos, e o EMG feito em 2024 documenta a mesma alteração (lesão grave do nervo mediano) do EMG de 2019. 2 e 3 e 4- Prejudicadas pela resposta anterior. Acrescenta-se que o fator 1,5 deve ser aplicado à IPP já estabelecida (8%), ficando com 12%, dado o facto de ter completado 50 anos à data do pedido de Revisão. O perito da entidade responsável refere que discorda deste entendimento, considerando que não deve ser aplicado de forma automática, 1. Alínea a)». Anote-se que na decisão recorrida se refere expressamente: « Realizada junta médica, em conformidade com o disposto no artigo 145, nº 5º Código de Processo do Trabalho, concluiu esta, em sentido contrário ao exame singular, não existir um agravamento das sequelas resultantes do acidente de trabalho sofrido pelo Sinistrado, uma vez que "do ponto de vista objetivo — não é expectável que as sequelas neurológicas sofram agravamento ao longo dos anos, e o EMO feito em 2024 documenta a mesma alteração (lesão grava do nervo mediano) do EMG de 2019. Ora, em face dos elementos juntos aos autos, atento o resultado do exame objetivo realizado, não se vislumbra fundamento para divergir do entendido da Junta Médica, de que não existiu agravamento das sequelas que determinaram a fixação da incapacidade permanente parcial em 8,00%.»; - «Contudo, concordamos na íntegra com os fundamentos supra expostos, razão pela qual deverá ser aplicado o fator 1.5 à IPP anteriormente fixada ao Sinistrado, conforme concluiu, por maioria, a Junta médica. Nesta medida será de alterar o coeficiente de incapacidade de que está afetado o Sinistrado para o indicado, por maioria, pela Junta Médica, de 12% de IPP». A respeito do ponto nº 8 da matéria assente pode, desde logo, esgrimir-se que se trata de matéria conclusiva e como tal podia ser pura e simplesmente eliminado. Todavia, nesse particular cabe recordar que segundo aresto do STJ, de 14-07-2021, proferido no processo nº 19035/17.8T8PRT.P1.S1, Nº Convencional: 4.ª Secção, Relator Conselheiro Júlio Gomes acessível em www.dgsi.pt: « I- Importa verificar se um facto, mesmo com uma componente conclusiva, não tem ainda um substrato relevante para o acervo dos factos que importam para uma decisão justa». É o que sucede com o facto em causa. Cumpre, agora, referir que no contexto médico sequela sobreponível significa que não houve agravamento da situação clínica, ou seja, não houve alteração significativa em comparação com estado anterior. Assim, a nosso ver, não cumpre alterar a redacção do ponto de facto nº 8. *** A terceira questão a dirimir consiste em saber se, ao invés do decidido no Acórdão de Uniformização de jurisprudência, de 22-05-2024, proferido no âmbito do processo n.º 33/12.4TTCVL.7.C1.S1, acessível em www.dgsi.pt [segundo o qual: «1. A bonificação do fator 1.5 prevista na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais aprovada em anexo ao Decreto-Lei n.º 352/2007 de 23 de outubro é aplicável a qualquer sinistrado que tenha 50 ou mais anos de idade, quer já tenha essa idade no momento do acidente, quer só depois venha a atingir essa idade, desde que não tenha anteriormente beneficiado da aplicação desse fator; 2. O sinistrado pode recorrer ao incidente de revisão da incapacidade para invocar o agravamento por força da idade e a bonificação deverá ser concedida mesmo que não haja revisão da incapacidade e agravamento da mesma em razão de outro motivo. »], que foi aplicado na decisão recorrida, deve considerar-se que tendo em conta que não houve agravamento de incapacidade, caso concreto, não deve lograr aplicação a bonificação em causa. Segundo o mencionado aresto9: «De Direito A questão que se coloca no presente recurso é a de saber se o fator de bonificação previsto no n.º 5 a) das Instruções gerais da TNI é automaticamente aplicável quando o sinistrado, que não tinha 50 anos à data da alta médica, tenha 50 anos ou mais à data da revisão da incapacidade. Ora esta questão de grande sensibilidade social tem sido objeto de respostas contraditórias nos nossos Tribunais1. Assim, a favor de uma aplicação automática pronunciaram-se, por exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26-09-2019, proferido no processo 1029/16.2T8STR.E1 – “(…) 3. O fator de bonificação de 1,5 a que se refere a Instrução Geral n.º 5 al. a), segunda parte, da TNI, está apenas dependente de dois critérios objetivos: idade igual ou superior a 50 anos e não ter o sinistrado beneficiado da aplicação desse fator. 4. Não depende de qualquer agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão, e deve ser aplicado independentemente de pedido de revisão”) – o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 01-02-2016, processo n.º 975/08.1TTPNF.P1 (“1. A aplicação do fator 1.5 previsto no nº5 das Instruções gerais da TNI aprovada pelo DL nº352/2007 de 23.10 – com fundamento na idade do sinistrado – não está dependente de qualquer agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão [pressupostos do pedido de revisão] mas apenas e tão só de um elemento: a idade do sinistrado. 2. Por isso, a referida «bonificação» deve ser aplicada ao sinistrado, independente do pedido de revisão, na medida em que a aplicação do fator 1.5 depende apenas do fator idade”). E contra, designadamente, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13-01-2016, processo nº. 1606/12.0TTLSB-L.1-4 (“o fator de bonificação resultante da idade de 50 anos só funciona ou na fixação inicial da incapacidade ou, em caso de revisão (em qualquer das situações tipificadas), desde que médico-legalmente seja verificada alteração da desvalorização anteriormente atribuída”), o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15-06-2021, processo n.º 141/11.9TTVNF.4.G1 (“A atribuição do fator de bonificação de 1.5 decorrente de o sinistrado ter atingido 50 anos de idade pode também ter lugar em incidente de revisão, desde que se verifique o agravamento das sequelas/disfunções objetivado por perícia médica através do seu diferente enquadramento na TNI ou, caso se mantenham as mesmas rubricas, por atribuição de coeficiente diferente”), o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-04-2023, processo n.º 35/03.1TTCVL.4.C1 (“No incidente de revisão da incapacidade para que possa ser aplicado o fator de bonificação 1,5 previsto no ponto 5, a), da TNI, impõe-se a verificação de uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva ou recaída da lesão e que origine a alteração da prestação fixada (artigo 70.º da LAT)”). A Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007 de 23 de outubro, e que faz parte integrante daquele diploma, constando do seu anexo I, contém nas Instruções Gerais a Instrução 5 a) segundo a qual “[n]a determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número: a) os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula. IG + (IG x 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor”. Tratou-se neste ponto de uma evolução sensível quanto ao que dispunha a anterior Tabela Nacional de Incapacidades aprovada pelo Decreto-Lei n.º 341/93 de 30 de setembro, cuja Instrução 5 a), previa que “[n]a determinação do valor final da incapacidade devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número: a) sempre que se verifique perda ou diminuição de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho que ocupava com carácter permanente, os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados com uma multiplicação pelo factor 1.5, se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais”2. Face à nova Tabela de Incapacidades a bonificação é atribuída automaticamente desde que a vítima tenha 50 anos ou mais. A Instrução 5 a) prevê, com efeito, duas situações distintas que considera suficientemente graves para que a bonificação tenha lugar: a circunstância de a vítima não ser reconvertível ao seu posto de trabalho e a sua idade (ter 50 anos ou mais)3. Sendo certo que de um acidente de trabalho resulta uma perda de capacidade de trabalho ou de ganho o legislador considera que essa perda é agravada pela idade do sinistrado. Não se trata de uma presunção4 – seja ela absoluta ou relativa – mas sim do reconhecimento de uma “realidade incontornável”5, como lhe chamou o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24-10-2016, que explica esta opção legislativa: “O envelhecimento é um fenómeno universal, irreversível e inevitável em todos os seres vivos. É certo que envelhecer difere de indivíduo para indivíduo, uma vez que o processo de envelhecimento pode ser acentuado ou retardado em razão de vários factores, entre outros, desde logo os de natureza genética, mas também dos que respeitam às condições e hábitos de vida do indivíduo e dos seus comportamentos (…) Em termos gerais e abstractos, é do conhecimento da ciência médica e, nos dias que correm, com toda a informação disponível e divulgada e com os cuidados de saúde a que se tem acesso, também da generalidade das pessoas que, após os 50 anos há um acentuar desse processo natural, que se vai agravando progressivamente com o aumento da idade. A título de mero exemplo, é consabido que a partir dos 50 anos de idade, independentemente do estado de saúde do indivíduo, seja homem ou mulher, a medicina recomenda que se observem especiais cuidados preventivos de saúde, sendo aconselhável a realização de determinados exames de diagnóstico que normalmente não são prescritos antes de se atingir essa idade. É na consideração desta realidade incontornável que o legislador entendeu atribuir a bonificação do factor 1.5, reconhecendo que, em termos gerais e abstractos, a vítima de acidente de trabalho que fique com determinada incapacidade permanente terá uma dificuldade acrescida, como consequência natural do organismo, para o desempenho de uma actividade profissional”. A este propósito importa, também, atender ao que o Tribunal Constitucional afirmou, em uma das várias ocasiões em que foi chamado a pronunciar-se sobre a constitucionalidade da atribuição desta bonificação em razão da idade do sinistrado e em que precisamente se pronunciou no sentido de “não julgar inconstitucional a norma que determina a aplicação do «fator de bonificação de 1,5, em harmonia com a alínea a) do n.º 5 do anexo I do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro, (Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais)» aos coeficientes de incapacidade previstos nesse diploma quando «a vítima (…) tiver 50 anos ou mais”. Pode, com efeito, ler-se, no n.º 7 da fundamentação do Acórdão n.º 526/2016 proferido a 4 de outubro de 2016, no processo n.º 1059/156: “Assim, as soluções legais do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro, no que diz respeito à Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, são justificadas pela consagração de um regime autónomo, distinto do aplicável ao dano civil, especificamente desenhado para o dano laboral que atinge a capacidade de ganho do trabalhador e também a pessoa. É neste contexto que surge um regime diferenciado dado a um grupo de trabalhadores face aos restantes trabalhadores, tendo como critério de aplicação a idade (igual ou superior a 50 anos, como se referiu). Pela inserção sistemática, pode concluir-se que o legislador traça uma aproximação entre esta situação e a dos trabalhadores que, embora tenham uma idade inferior a 50 anos, não são reconvertíveis em relação ao posto de trabalho, pois ambos os casos são colocados numa relação alternativa, dando origem (um ou o outro) à aplicação da bonificação. A aproximação destas duas situações também decorre do facto de o trabalhador vítima de acidente ou doença profissional apenas poder beneficiar da bonificação em causa (por um critério ou pelo outro) na ausência de outra bonificação equivalente Em ambos os casos, estamos perante situações de maior dificuldade de acesso ao mercado de trabalho relativamente àquela em que se encontra um trabalhador, também vítima de acidente de trabalho ou doença profissional, mas ainda reconvertível ou de idade mais jovem. Sendo distintas as posições relativas dos trabalhadores, não se configura qualquer violação do princípio da igualdade, pois este pressupõe que se esteja perante situações equivalentes. Há que reconhecer que no plano normativo não há discriminação alguma: a situação dos trabalhadores vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional que tenham uma idade igual ou superior a 50 anos não é idêntica à dos trabalhadores que não são vítimas daquelas circunstâncias ou com idade inferior a 50 anos. A própria recorrente admite que «a passagem do tempo e a progressão da idade tenham efeitos (positivos e negativos) sobre a capacidade de ganho e a produtividade pessoal dos trabalhadores», e que «o envelhecimento, como o avançar da idade, quando produzam uma diminuição daquela capacidade de ganho, hão de naturalmente poder repercutir-se nos coeficientes de incapacidade» (cfr. o ponto II., n.º 20 das alegações de recurso, fls. 131). O facto de o cálculo da incapacidade em ambos os casos comportar diferenças não justifica que se considere violado o princípio da igualdade, pois estamos perante situações diferenciadas. Assim, a previsão de um regime mais favorável para os trabalhadores com idade igual ou superior a 50 anos, quando não tenham já beneficiado da aplicação do fator em causa, não é desrazoável ou arbitrária, por assente nas características do mercado de trabalho e da mais difícil inserção neste dos trabalhadores com idade superior a 50 anos. Existem, pois, fundamentos racionais, pois assentes em dados empíricos relacionados com as consequências do envelhecimento do trabalhador e com as características do mercado de trabalho, e objetivos, porque aplicáveis de forma genérica e não subjetiva, por o legislador ter em conta a idade do trabalhador ao estabelecer o regime aplicável ao cálculo das incapacidades dos sinistrados ou doentes no âmbito laboral. Cabe-lhe, assim, escolher os instrumentos através dos quais esta ponderação ocorre, tendo optado, neste caso, por consagrar uma repercussão nos coeficientes através da previsão de uma bonificação. O regime também prevê que a bonificação apenas opera uma vez, não ocorrendo se o fator em causa tiver já sido aplicado por outro motivo. Esta solução encontra-se dentro da margem de livre apreciação do legislador, não se apresentando como desrazoável. Existindo fundamento material suficiente, razoável, objetivo e racional, para a diferenciação de trabalhadores com idades iguais ou superiores a 50 anos, nomeadamente relacionados com o efeito do envelhecimento na capacidade de ganho e tendo em conta as características do mercado de trabalho nacional, não é possível concluir que a solução tenha um caráter arbitrário ou que exista violação do princípio da igualdade”. A solução encontrada pelo legislador com a aplicação automática da bonificação de 1.5 ao sinistrado com 50 anos ou mais à data da alta tem a vantagem de evitar a difícil determinação do impacto do envelhecimento sobre cada sinistrado em concreto, que variaria em razão de uma grande diversidade de fatores (o organismo de cada um, mas também, por exemplo, as especificidades da atividade laboral e do setor profissional). Admite-se que se possa falar aqui em uma ficção jurídica, como fez o Parecer do Ministério Público junto neste Tribunal e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 01-02-2016, no qual se pode ler que “o legislador “ficcionou” que, a partir daquela idade as lesões tendem a agravar-se com a consequente maior limitação da capacidade de trabalho do sinistrado/trabalhador”. Sendo assim, e se o legislador entendeu que quando o sinistrado tem 50 anos de idade ou mais se justifica uma bonificação por força da dificuldade acrescida, da maior penosidade laboral, que resulta do envelhecimento, haverá algum motivo que justifique que o sinistrado que tinha menos de 50 anos de idade, mas, entretanto, atinja essa idade, não passe a beneficiar da mesma bonificação? Uma parte da nossa jurisprudência, como vimos, responde afirmativamente. Invoca-se, sobretudo, que o legislador não previu qualquer mecanismo processual para revisão automática da pensão em função da idade e que a revisão da pensão seria um meio processual inadequado ou mesmo “enviesado”7. Tal “colidiria frontalmente com o princípio estabelecido no artigo 70.º n.º 1 da Lei 98/2009, de onde decorre que no âmbito da revisão da incapacidade, a prestação pode ser alterada, mas desde que se verifique “uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado”8. Acrescenta-se, ainda, que “a TNI tem natureza meramente instrumental em relação ao regime jurídico substantivo da reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho” e que “não são mais que um conjunto de regras elucidativas da aplicação prática da mesma, no que toca à determinação do coeficiente de incapacidade a atribuir em cada caso concreto, sem porém concorrerem com conteúdo jurídico relevante no regime da reparação dos acidentes, que é domínio da LAT e do seu regulamento”9. Importa, todavia, ter em conta que ao estabelecer em uma norma legal que um sinistrado com 50 anos (ou mais) tem direito a uma bonificação de 1.5 o legislador exprimiu uma opção, a de considerar que a idade representa um agravamento das consequências negativas da perda da capacidade de trabalho ou de ganho decorrente do acidente de trabalho. “Em suma: para o legislador dos acidentes de trabalho a idade do sinistrado – no caso, 50 anos ou mais – é factor relevante, que “acresce” à sua IPP para efeitos de atribuição de incapacidade, factor assente no facto de que a partir dessa idade as condições físicas/psíquicas de qualquer trabalhador se agravam de modo natural”10. Pode, na realidade, afirmar-se que “[o] fator de bonificação 1,5, ao invés de violar os princípios da justa reparação e da igualdade, previstos, respetivamente, nos artigos 59.º, al. f) e 13.º da CRP, foi criado no intuito específico de lhes dar integral cumprimento”, como se pode ler no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14-09-2023, Processo n.º 21789/22.0T8SNT.E1. Tal opção legislativa deve ser interpretada à luz do disposto no artigo 9.º do Código Civil e tendo em conta designadamente, como bem destaca o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09-01-2020, processo n.º 587/06.4TUPRT.4.P1, a unidade do sistema jurídico (n.º 1 do artigo 9.º), por um lado, e, por outro, que “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (n.º 3 do artigo 9.º). Seria arbitrária e conduziria a uma diferença de tratamento sem qualquer justificação uma interpretação que apenas atribuísse a bonificação a um sinistrado com 50 ou mais anos à data do acidente, ou melhor, à data em que fixada a incapacidade, mas já não a um sinistrado que tendo menos de 50 anos nesse momento, venha, no entanto, a atingir essa idade – com efeito, se e quando tiver 50 anos este último estará exatamente na mesma situação de agravamento das consequências negativas que justificou a bonificação de que beneficiou o sinistrado que já tinha 50 anos quando se procedeu à primeira avaliação da incapacidade. Há, pois, que proceder a uma interpretação teleológica, de resto mais conforme com a tutela constitucional em matéria de acidentes de trabalho, e afirmar que o fator de bonificação deve ser atribuído ao sinistrado com 50 anos ou mais, quer tenha já 50 à data em que é avaliada inicialmente a incapacidade, quer tenha menos idade, mas venha a atingir 50 anos. Se, porventura, fosse exato que o legislador não tinha previsto um mecanismo processual para operar esta atualização e a aplicação da bonificação, tal implicaria a existência de uma lacuna a preencher pelo intérprete, já que o direito adjetivo não deve trair o direito material ou substantivo11. Mas, na realidade, a situação cabe na previsão do artigo 70.º da LAT se a mesma for objeto de uma interpretação teleológica. Com efeito, o legislador considerou que a idade do sinistrado – ter este 50 ou mais anos de idade – representa, ela própria, um fator que tem impacto na capacidade de trabalho ou de ganho e que representa um agravamento na situação do trabalhador, mormente no mercado de trabalho. Este agravamento pela idade, reconhecido pelo legislador, poderá ser objeto de um pedido de revisão das prestações12. E não se afigura inútil ou “enviesada” a aplicação do mecanismo da revisão das prestações, tanto mais que o sinistrado tanto pode atingir os 50 anos apenas alguns dias, semanas ou meses após a fixação inicial das prestações, como pode vir a perfazer aquela idade anos ou mesmo décadas após tal fixação inicial, sendo conveniente que a bonificação seja aplicada a uma avaliação e a uma prestação atualizadas. Aliás, até pode suceder, por exemplo, que o incidente de revisão de incapacidade seja requerido pela entidade responsável com fundamento da melhoria da situação clínica (cf. artigo 70.º, números 1 e 2 da LAT), melhoria essa que pode vir a ser confirmada pela perícia médico-legal singular ou plural, havendo então que multiplicar essa nova IPP, inferior à originária ou até à atribuída num anterior incidente de revisão, pelo fator de bonificação de 1,5, desde que o sinistrado entretanto tenha atingido os 50 anos de idade. Decisão: Concedida a revista, revogando-se o Acórdão recorrido e determinando-se novo julgamento da causa. Fixa-se jurisprudência no sentido de que: 1. A bonificação do fator 1.5 prevista na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais aprovada em anexo ao Decreto-Lei n.º 352/2007 de 23 de outubro é aplicável a qualquer sinistrado que tenha 50 ou mais anos de idade, quer já tenha essa idade no momento do acidente, quer só depois venha a atingir essa idade, desde que não tenha anteriormente beneficiado da aplicação desse fator; 2. O sinistrado pode recorrer ao incidente de revisão da incapacidade para invocar o agravamento por força da idade e a bonificação deverá ser concedida mesmo que não haja revisão da incapacidade e agravamento da mesma em razão de outro motivo. Custas pelo Recorrido.» - fim de transcrição. Concorda-se com tal jurisprudência que aqui se acolhe integralmente, sendo que não se vislumbra necessidade de repisar a supra citada argumentação por outras palavras. Recorde-se que tal como se consignou em acórdãos do STJ 10de: - de 12-05-2016, proferido no processo 982/10.4TBPTL.G1-A.S1, Nº Convencional: 2ª Secção, Conselheiro Abrantes Geraldes: « 1. Os Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência, conquanto não tenham a força obrigatória geral que era atribuída aos Assentos pelo revogado art.º 2º do CC, têm um valor reforçado que deriva não apenas do facto de emanarem do Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, como ainda de o seu não acatamento pelos tribunais de 1ª instância e Relação constituir motivo para a admissibilidade especial de recurso, nos termos do art.º 629º, nº 2, al. c), do CPC. 2. Esse valor reforçado impõe-se ao próprio Supremo Tribunal de Justiça, sendo projectado, além do mais, pelo dever que recai sobre o relator ou os adjuntos de proporem ao Presidente o julgamento ampliado da revista sempre que se projecte o vencimento de solução diversa da uniformizada. 3. Em face do que foi decidido no AcUJ nº 10/15, não é de admitir recurso de revista interposto pelo Autor de acórdão da Relação que condenou o Réu no pagamento da quantia de € 8.426,64, depois de o Autor se ter conformado com a sentença de 1ª instância que condenou o Réu no pagamento da quantia € 21.343,57, uma vez que a diferença entre esses valores, que traduz a sucumbência do Autor em face do acórdão recorrido, é inferior a metade da alçada da Relação. 4. A dedução de reclamação contra o despacho que rejeitou o recurso com total desconsideração do que foi decidido em acórdão de uniformização de jurisprudência é susceptível de ser sancionada ao abrigo do art.º 531º do CPC, com aplicação de taxa sancionatória excepcional.» - fim de transcrição. - de 24-05-2022, proferido no processo nº 1562/17.9T8PVZ.P1.S1, Nº Convencional: 6.ª Secção, Relatora Conselheira Graça Amaral « I - A publicidade dos acórdãos uniformizadores de jurisprudência proferidos pelo STJ, consubstanciando uma exigência do princípio do Estado de direito democrático, tem a ver, fundamentalmente, com o direito de os cidadãos tomarem conhecimento do sentido interpretativo fixado relativamente às normas que os regem em situações de conflito de jurisprudência; não, com a obrigatoriedade do respectivo acatamento. II - Não foi atribuída aos acórdãos uniformizadores força obrigatória geral, nem sequer vinculativa para a organização judiciária. Não obstante, a jurisprudência uniformizada deve ser respeitada pelos tribunais de instância e pelo próprio STJ, uma vez que a aplicação do direito não pode ser alheada dos valores da igualdade, da segurança e da certeza jurídicas, pressupostos da própria legitimação da decisão. III - O valor persuasivo dos acórdãos uniformizadores encontra respaldo em normas processuais de admissibilidade dos recursos, como é o caso da al. b) do n.º 2 do art.º 629.º do CPC. IV - A linha interpretativa fixada nos acórdãos uniformizadores só deverá ser objecto de desvio, no âmbito do mesmo quadro legal, perante diferenças fácticas relevantes e/ou (novos) argumentos jurídicos que não encontrem base de ponderação nos fundamentos que sustentaram tais arestos. V - Estando em causa nos autos determinar o momento a partir do qual se mostra precludido o direito de a parte requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, impõe-se ter presente e acatar o sentido interpretativo que foi fixado pelo AUJ n.º l/2022 ao art.º 6.º, n.º 7, do RCJ.» - fim de transcrição. E nem se venha esgrimir que a aplicação automática do coeficiente de correcção em causa decorrente da idade, quer no momento da avaliação inicial da incapacidade, quer em momento subsequente quando os trabalhadores/lesados atinjam os 50 anos de idade gera desigualdades. A nosso ver, o contrário é que o faria. A posição sustentada pela Seguradora acarretaria que um sinistrado que à data da alta tenha 49 anos e 364 dias de idade não tem nem nunca teria direito, nomeadamente em sede de incidente de revisão, direito à bonificação em causa ao invés de um outro que naquela data já tinha 50 anos de idade, sendo tal diferença de tratamento justificada por um mero período de 24 horas, embora quer em termos físicos quer de mercado de trabalho as suas condições até pudessem ser idênticas, sendo que tal problemática, aliás, em nada contende com o facto de, tal como se refere no AUJ, no plano normativo não haver discriminação alguma. Vai, pois, julgado improcedente o recurso. **** Em face do exposto, acorda-se em julgar o recurso improcedente. Custas pela recorrente. Notifique. DN (processado e revisto pelo relator). Lisboa, 28-05-2025 Leopoldo Soares Celina Nóbrega Susana Silveira _______________________________________________________ 1. Fls. 27 a 32 v. 2. 1 Ac. Tribunal da Relação do Porto de 01.02.2016, proc. n.º 975/C41.1T1PNF.P1, relator: Fernanda Soares, disponível em www.dgsi.pt. 3. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2205.2024, proc. n.• 33/12.4TTCVL7.C1S1, relator: Júlio Gomes, disponível em www.dgsi.pt, publicado no DR n.1 244/2024, Série de 2024.12.17 4. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.05. 2022, proc. nº 1562/17.9T8PVZ.P1.S1., relator Graça Amaral, disponível em www.dgsi.pt 5. Fls. 1 a 13. 6. Fls. 16 a 25. 7. Fls. 32. 8. Nesse sentido CPC, Anotado, Volume 2º, 3ª edição, Almedina, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, pág. 733-734. 9. Não se transcrevem as notas de rodapé. 10. Ambos acessíveis em www.dgsi.pt. |