Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1909/18.0T8TVD-A.L1-2
Relator: ANTÓNIO MOREIRA
Descritores: PENSÃO DE ALIMENTOS
EX-CÔNJUGE
REDUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/13/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1- A cessação da obrigação alimentar a que se reporta o art.º 2013º, nº 1, al. b), e, do mesmo modo, a alteração dos alimentos fixados a que se reporta o art.º 2012º, ambos do Código Civil, assentam na constatação da adaptabilidade da medida dos alimentos, a todo o tempo, em respeito pelo princípio da proporcionalidade entre os meios de quem presta e a necessidade de quem recebe, a que alude o art.º 2004º do Código Civil.
2- O conjunto de alterações supervenientes na situação económica do A., quer motivadas pela degradação da sua situação laboral, quer motivadas pelo aumento do seu agregado familiar, permite afirmar a diminuição das possibilidades económicas de o A. prestar alimentos à R., assim conduzindo à redução da medida dos alimentos anteriormente fixada, por razões manifestas de equidade e por respeito do princípio da prevalência, tudo segundo os quadros dos art.º 2016º e 2016º-A do Código Civil.
(Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

Em 12/5/2022 HP intentou acção especial de cessação da obrigação de prestação de alimentos contra HM, pedindo que seja reconhecida a quebra de rendimentos do A. e que seja declarada a cessação da obrigação em questão, nos termos e para os efeitos da al. b) do nº 1 do art.º 2013º do Código Civil.
Alega para tanto, e em síntese, que:
. Por sentença de 12/4/2019 foi condenado a pagar à R. a quantia mensal de €115,00, a título de alimentos devidos à mesma, na sua qualidade de ex-cônjuge;
. Ficou aí provado que o A. apresentava despesas no valor mensal de €480,00, às quais fazia face com o valor do seu rendimento, que rondava a quantia mensal de €703,17;
. Teve um aumento significativo das suas despesas mensais em razão dos problemas de saúde da sua filha MCP, nascida em 22/7/2020, deixando assim de ter condições financeiras para pagar a pensão mensal em que foi condenado.
Em conferência realizada em 11/7/2022 as partes não lograram chegar a acordo.
A R. apresentou contestação, aí sustentando, em síntese, que não se alteraram os pressupostos da obrigação do A. de lhe prestar alimentos, uma vez que sofre de uma incapacidade permanente de 71% e tem rendimentos mensais de €307,00, pagando mensalmente €220,00 de renda de casa e tendo encargos com alimentação de €150,00 mensais, pelo que só com o apoio dos filhos consegue sobreviver. Mais impugna a factualidade alegada pelo A. e relativa à alteração da sua situação económica, concluindo pela improcedência da acção.
Com dispensa de audiência prévia foi fixado o valor da causa, proferido despacho saneador tabelar, fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova, sem reclamações.
Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
Em face do exposto, e ao abrigo das citadas disposições normativas, julgo parcialmente procedente, por provado, o pedido do Requerente HP (…) e reduzo o pagamento da pensão de alimentos em relação à Requerida HM (…) fixada na sentença de 18.4.2019 para 40,00€ mensais.
Custas da acção a cargo do requerente e da requerida na proporção do decaimento que se fixa, respectivamente, em 35% e 65%, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC)”.
A R. recorre desta sentença, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem integralmente:
1.À data do início da obrigação alimentar, o Requerente auferia 620,00€ acrescido de subsídios e estava obrigado a prestar 115 euros mensais à Requerida.
2.Após a fixação daquela obrigação, o Requerente passou a ter uma filha menor, para cujos encargos concorre também a mãe desta companheira do Requerente.
3.Após auferir quantias superiores, o Requerente aufere presentemente 818,55€, de subsídio de desemprego.
4.A situação económica da Requerida não se alterou substancialmente após a sentença que determinou o pagamento da pensão de 115 euros, auferindo actualmente um montante mensal médio de 346€.
5.A sentença recorrida reduziu para 40 euros (35% do valor inicial, de 115 €) o montante da pensão de que a Requerida é credora.
6.A sentença viola o disposto nos art.ºs 2004.º/1 e 2012.º CC, na medida em que faz um desadequado juízo de proporcionalidade entre a situação inicial (sentença na acção de divórcio) e a presente (sentença nestes autos) referente a ambas as partes.
7.A sentença viola o disposto no art.º 2004.º/2, porque ignora que a credora dos alimentos sofre de uma incapacidade global e permanente de 71%, que a impossibilita de prover à sua subsistência.
8.A sentença recorrida premeia o litigante incumpridor, passando -certamente sem essa intenção, mas com esse efeito- uma imagem erradamente complacente da Justiça.
9.A sentença deve ser revista, indeferindo-se o pedido formulado pelo Requerente.
Não foi apresentada alegação de resposta.
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Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos art.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, a única questão submetida a recurso, delimitada pelas aludidas conclusões, prende‑se com a determinação da medida da obrigação alimentar do A.
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Na sentença recorrida considerou-se como provada a seguinte matéria de facto (entre parênteses consta a numeração original; eliminam-se ainda referências probatórias documentais e corrigem-se as referências processuais):
1.(3.1.1.) A. e R. contraíram casamento católico em 20.12.1986.
2.(3.1.2.) A. e R. são pais de AP, nascida em 16.6.1987 e de SP nascida em 25.3.1989.
3.(3.1.3.) Por sentença de 18.4.2019, transitada em julgada, proferida nos autos de divórcio n.º 1909/18.0T8TVD foi julgado parcialmente procedente, por provado, o pedido da R. e fixada a pensão de alimentos a cargo do A. em relação àquela, no montante mensal de €115,00, sendo a mesma devida desde 16.10.2018 a 30.1.2019 e a partir de 6.2.2019.
4.(3.1.4.) Na sentença referida em (3.1.3.) foi, nomeadamente, dado por provado que:
4.1. (3.1.4.1.) Na constância do ano de 1992, os ora AA. e R. sofreram um acidente de viação, do qual resultaram lesões graves para a ora R., sendo na altura submetida a intervenções cirúrgicas e períodos de internamento e tratamento, sendo portadora de revisão de prótese total da anca direita, já com alguns sinais de deslocamento do acetábulo. Tem rigidez dolorosa e atrofia muscular da nádega e coxa. Foi-lhe atribuída de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades uma incapacidade definitiva de 60,5%;
4.2. (3.1.4.2.) Na sequência do acidente, e por o ora A. lhe ter dito que assegurava o sustento da casa, a ora R. deixou de trabalhar;
4.3. (3.1.4.3.) Pela incapacidade com que ficou, a qual se tem agravado com o passar dos anos e ainda pelas deslocações frequentes do agregado familiar resultantes da situação da emigração, a ora R. afastou-se do mercado de trabalho, contudo sempre foi ela quem cuidou do lar, da educação e dos cuidados dos filhos, ao tempo menores;
4.4. (3.1.4.5.) Nomeadamente, tratando e cuidando da casa, preparando as refeições, tratando das roupas, fazendo as compras, em suma, tratando e cuidando de toda a economia doméstica;
4.5. (3.1.4.6.) A ora R. aufere uma pensão de invalidez no valor mensal de €273,84;
4.6. (3.1.4.7.) Tem despesas com:
- Renda de casa no valor mensal de €220,00;
- Água na quantia mensal de €18,00;
- Luz na quantia mensal de €18,00;
- Gás aproximadamente €29,00;
- Medicamentosas em Janeiro de 2019 no valor de €33,00;
– Telefone;
4.7. (3.1.4.8.) A que acrescem as despesas básicas e essenciais necessárias e indispensáveis, como, com a alimentação, higiene pessoal e da habitação.
4.8. (3.1.4.9.) O ora A. celebrou contrato de trabalho temporário a termo incerto em 3 de Setembro de 2018, com a sociedade Kelly Services – Empresa de Trabalho Temporário Unipessoal, Lda, auferindo como retribuição €620,00, o qual corresponde o valor de hora de referência de €3,58, a que acrescem outros subsídios regulares e periódicos que pelo utilizador sejam devidos aos seus trabalhadores por idêntica prestação de trabalho.
4.9. (3.1.4.10.) O ora A. sofre de uma hérnia inguinal direita redutível já tendo sido intervencionado cirurgicamente a uma hérnia discal lombar, tendo estado incapacitado para o trabalho no período de 31.1.2019 a 5.2.2019 e está a aguardar de ser novamente operado a uma hérnia;
4.10. (3.1.4.11.) O ora A. também já pediu dinheiro à sua progenitora;
4.11. (3.1.4.12.) O ora A. dá apoio à sua companheira nascida em 8.5.1982 com quem vive e à filha desta com 5 anos de idade, em semanas alternadas, estando a sua companheira desempregada, após ter tido uma gravidez de risco e está inscrita no Centro de Emprego desde 8.2.2019, efectuando anteriormente limpezas e estando à procura de novo emprego;
4.12. (3.1.4.13.) O ora A. tem de fazer face mensalmente em média às seguintes despesas:
a) Alimentação e produtos de higiene;
b) Água, luz e gás: €120;
c) Deslocações da filha da companheira no valor de €27,55;
d) Pacote da NOS: €34,94;
e) Jardim de infância com a filha da companheira: €30,25;
f) Roupa e calçado;
4.13. (3.1.4.14.) O agregado do ora A. teve despesas em farmácia no valor de cerca de €57,00 em Janeiro de 2019 sendo cerca de €50,00 com medicamentos com a filha da companheira e em Outubro e Dezembro de 2018 cerca de €12,50 com medicamentos para a companheira (do ora A.) e em 1.2.2019 o valor de €3,55 com medicamentos para o ora A. e foi-lhe prescrita uma ecografia às partes moles. Teve ainda despesas em consultas médicas em Novembro de 2018 no valor de €19,09, Janeiro de 2019 no valor de €34,09 com a AK, filha da companheira;
4.14. (3.1.4.15.) O ora A. vive actual e temporariamente numa casa que lhe foi emprestada pelo seu irmão MD que se encontra a residir no estrangeiro e comparticipa no pagamento das despesas de água, luz e gás;
4.15. (3.1.4.16.) Encontra-se pendente o processo de execução n.º 13764/18.6T8SNT no Juízo de Execução de Sintra – Juiz 3 em que é exequente Union de Créditos Imobiliários, SA e executados os ora A. e R., sendo o valor da quantia exequenda de €81.761,96 acrescida das despesas prováveis no valor de €8.176,20, tendo sido penhorado o imóvel (…).
5.(3.1.5.) O A. teve um aumento nas suas despesas mensais em decorrência da sua filha MCP, nascida em 22/7/2020.
6.(3.1.6.) A menor MCP tem uma postura cefálica preferencial e plagiocefalia posicional, foi observada por médico aos 2 meses e tem feito fisioterapia regularmente, bem como, têm sido feitos ensinos de posicionamentos e exercícios para realização no domicílio, parte fundamental do tratamento.
Em 4.3.2021 apresentava melhoria clínica.
Tem indicação clínica para manter seguimento em consulta e manter fisioterapia no Hospital Dona Estefânia.
7.(3.1.7.) Em 5.2.2021 foi emitida uma factura da Clínica Dr.ª HS, em Lisboa, no valor de €290,00 referente a um pack de 4 sessões de fisioterapia respeitantes à menor MCP, constando dessa factura a menção “Sistema de Saúde: Multicare Seguros de Saúde, SA”.
8.(3.1.8.) Em 29.1.2021 foi emitida uma factura da Clínica Dr.ª HS, em Lisboa, no valor de €290,00 referente a um pack de 4 sessões de fisioterapia respeitantes à menor MCP, constando dessa factura a menção “Sistema de Saúde: Multicare Seguros de Saúde, SA”.
9.(3.1.9.) Em 26.10.2022 foi emitida uma factura da Kinetic – Fisioterapia e Osteopatia – Serviços Paramédicos, Lda, em Lisboa, no valor de €60,00 referente a uma consulta de fisioterapia respeitante à menor MCP, constando dessa factura a observação “Multicare”.
10.(3.1.10.) o A. beneficiou de subsídio de desemprego entre 13.7.2019 e 18.12.2020, no valor diário de €16,55 e num total de €8.705,74.
No período de 18.1.2021 a 1.6.2021 no valor diário de €16,55 e no total de €2.217,81.
No período de 19.12.2020 a 17.1.2021 não recebeu subsídio de desemprego, não se encontrando a receber subsídio de desemprego em 14.2.2022.
11.(3.1.11.) Em 27.10.2021 a CB encontrava-se inscrita desde 27.10.2021 no Centro de Emprego e Formação Profissional de Lisboa – Serviço de Emprego das Picoas, em situação de desempregada e à procura de novo emprego e em 7.3.2023 o ISS informou que a mesma encontra-se a auferir do benefício AF - ABONO FAMÍLIA, no âmbito de PF -PRESTAÇÕES FAMILIARES, actualmente com o valor base mensal de €452,19. Pago por TB -TRANSFERÊNCIA BANCÁRIA.
Encontra-se a receber Rendimento Social de Inserção (RSI), desde 2021-09-01 com o valor mensal de €418,22 e até 2023-09-30.
12.(3.1.12.) Em 18.1.2022 foi emitida factura pela EPAL em nome de MD, com morada na rua …, (…), referente ao abastecimento de água e saneamento no valor de €40,23.
13.(3.1.13.) Em 27.2.2022 foi emitida factura pela Prio-energy, referente a combustível no valor de €20,00.
14.(3.1.14.) Em 16.2.2022 foi emitida factura pela Fidelidade em nome de CB, com morada na rua …, (…), referente ao seguro de saúde multicare individual com o prémio no valor de €129,85.
15.(3.1.15.) - Em 26.2.2022 foi emitida factura pela ENDESA em nome de MD, com morada na rua …, (…), referente ao fornecimento de electricidade no valor de €55,13.
16.(3.1.16.) Em 1.2.2022 foi emitida factura pela Gold Energy em nome do A., com morada na rua …, (…), referente ao fornecimento de gás no valor de € 41,34, referente ao período de 30.12.2021 a 29.1.2022.
17.(3.1.17.) Em 1.3.2022 foi emitida factura pela Gebalis em nome de MD, com morada na rua …, (…), referente ao pagamento de renda condicionada no valor de €75,86, relativa ao mês de Abril de 2022.
18.(3.1.18.) O A. sofreu um acidente em 13.8.2022, tendo ficado com incapacidade temporária em 14.8.2022, tendo ficado com ruptura parcial colateral medial, que se encontra espessado, heterogéneo e com edema periligamentar e de partes moles distalmente. Existe envolvimento do ligamento oblíquo posterior, bem como, do ligamento coronário meniscotibial. Associa-se formação quística adjacente à sua inserção femoral, em topografia posterior.
Degenerescência do corno posterior do menisco interno, não se identificando contacto superficial que permita definir rotura.
Edema das fibras do LCA, sem ruptura.
Edema ósseo no bordo posterior do planalto tibial interno. Ligeira entesopatia distal do tendão patelar.
Fissura no componente directo do tendão do semimembranoso. Associa-se bursite da pata anserina.
Edema das fibras musculares do solhar na sua entense peroneal proximal.
19.(3.1.19.) O A. do acidente sofrido em 13.8.2022 teve alta em 19.1.2023, constando do relatório médico da Fidelidade Companhia de Seguros, SA que “não se atribui incapacidade permanente dado que a funcionalidade actual é compatível com o trabalho habitual, ainda que o período de reabilitação e reintegração profissional, possa exigir esforços acrescidos e algumas adaptações, ambos de carácter temporário. (…)
Atribui-se alta na data de hoje, devendo a pessoa examinada retomar o trabalho sem incapacidade temporária, amanhã/no dia útil seguinte a esta data”.
20.(3.1.20.) O A. declarou auferir de rendimentos em 2019 o valor de €5.856,84 e em 2021 o valor de €6.927,55.
21.(3.1.21.) A sociedade JDC, Lda notificou o A. com carta de 21.10.2022 da rescisão do contrato que teve início em 8.5.2022 até 7.11.2022, caducando nesta data, deixando de prestar actividade a naquela empresa a partir de 7.11.2022.
22.(3.1.22.) Em 20.1.2023 o A. inscreveu-se no Centro de Emprego e Formação Profissional de Lisboa – Serviço de Emprego das Picoas, em situação de desempregado e à procura de novo emprego.
23.(3.1.23.) Em 3.10.2022 a Gebalis notificou MD, com morada na rua …, (…), que estavam 7 meses de renda em atraso, no valor total de €531,02.
24.(3.1.24.) O A. tem dívida fiscal no valor de €2.439,85 em 29.9.2022, tendo efectuado um plano de pagamento em 36 prestações da mesma e já tendo pago a quantia de €134,86.
25.(3.1.25.) A R. tem como despesas regulares cerca de 16 euros mensais de electricidade.
26.(3.1.26.) A R. gasta cerca de €11,00 mensais de água.
27.(3.1.27.) A R. gasta cerca de €35,01 em cada botija de gás.
28.(3.1.28.) A R. sofre de uma incapacidade permanente global de 71%, sofrendo de patologia crónica Cervicoartorse e discopatia degenerativa avançada, espondilartrose lombar degenerativa, afectação C5 leve moderada crónica direita e L5-S1 e Sx depressivo.
29.(3.1.29.) A R. tem como antecedentes pessoais síndrome da coluna com irradiação de dores, Gonartrose bilateral, Dislipidemia, Perturbação depressiva, Hipotiroidismo, Artroplastia total anca direita, Hipoacusia bilateral de tipo misto de grau ligeiro para o ouvido direito e de grau moderado a severo para o ouvido esquerdo, Dermatite atópica e Fibroadenoma da mama, tomando habitualmente vários medicamentos para o efeito.
30.(3.1.30.) A R. auferiu em 2021 um rendimento mensal de €299,97, actualizado em 2022 para €307,00.
31.(3.1.31.) Dados os encargos normais de alimentação em sentido estrito, que orçam em cerca de 150 euros mensais, só com o apoio dos filhos consegue sobreviver.
32.(3.1.32.) A R. gasta em média em medicação para as patologias que sofre cujos tratamentos lhe custam cerca de €37,00 por mês.
33.(3.1.33.) A R. paga ainda 220 euros de renda mensal.
34.(3.1.34.) A R. declarou auferir de rendimentos em 2019 o valor de €3.934,00 e em 2021 o valor de €4.158,00.
35.(3.1.35.) O A. nunca procedeu voluntariamente ao pagamento da pensão em que foi condenado.
36.(3.1.36.) O A. encontra-se a receber subsídio de desemprego, com início em 20/01/2023, por um período de 480 dias com o valor diário de €27,285855.
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Na sentença recorrida ficou assim fundamentada a redução da pensão mensal devida pelo A. à R.:
(…) tratando-se a presente acção proposta pelo Requerente de cessação do pagamento da prestação alimentícia judicialmente fixada, compete ao mesmo a prova de que a Ré, seu ex-cônjuge, deixou de precisar deles ou que esta passou a estar em condições de prover ao seu sustento sem qualquer auxílio daquele ou de que em relação ao Requerente se alteraram as suas possibilidades económicas e que por virtude de circunstâncias supervenientes, não está em condições de continuar a prestar os alimentos acordados (…).
Na sentença de 18.4.2019, transitada em julgado, e pelos fundamentos que aí melhor se explanaram decidiu-se que a aqui Requerida tinha direito ao pagamento pelo aqui Requerente da prestação de alimentos fixada no valor mensal de 115,00€.
O aqui Requerente vem alegar com vista a que seja cessada a sua obrigação, que as despesas que tem não lhe permitem suportar a pensão de alimentos fixada.
Estabelece o artigo 2013.º, n.º 1, alínea b), do Código Civil que a obrigação de prestar alimentos cessa quando aquele que os presta não possa continuar a prestá-los ou aquele que os recebe deixe de precisar deles, ou seja, se o credor auferir o suficiente para a satisfação das suas necessidades de sustento, habitação e vestuário (Ac. STJ de 12/01/1978 in BMJ 273.º-284; A. RP de 20/04/1977 in CJ, II, pg. 482).
(…)
Porém, considerando que, os alimentos apenas poderão ser prestados, considerando as possibilidades de quem os presta (art.º 2016.º-A, n.º 1 do CC), entendemos que ficou provado que o Requerente, neste momento, deixou de ter possibilidades, de prestar alimentos à Requerida o valor de 115,00€ mensais, mas ainda assim poderá contribuir com alguma ajuda à Requerida.
A Requerida ainda poderá utilizar o mecanismo previsto no art.º 2009.º, n.º 1, al. b) do Código Civil em relação aos seus filhos maiores.
Já na sentença de 18.4.2019 não tinham ficado provadas quaisquer situações em que pela equidade a contribuição do Requerente deva ser afastada, nem que tenham ocorrido comportamentos da Requerida que atentem gravemente contra a vida ou integridade física, psíquica ou sexual (v.g. homicídio tentado, maus tratos, coacção, violação) daquele a quem são pedidos alimentos; ou comportamentos, intencionais ou de grosseira negligência, da requerente de alimentos tendentes a criar a necessidade de alimentos (v.g. dissipação do património, insolvência devido a negócios ruinosos ou actividades criminosas); ou o comprometimento da Requerida noutro projecto de vida em comum (novo casamento, união de facto ou estabelecimento de parceria).
Apesar das despesas do Requerente, a verdade é que, neste momento, a Requerida não tem capacidade para fazer face a todas as suas despesas essenciais para o seu sustento e vestuário (art.º 2003.º, n.º 1 do Código Civil), em face do estado de incapacidade em que se encontra e dos encargos que tem.
Ora, a incapacidade da Requerida agravou-se de 2019 à presente data em 10%, sofrendo, neste momento, de uma incapacidade permanente global de 71%, sofrendo de patologia crónica Cervicoartorse e discopatia degenerativa avançada, espondilartrose lombar degenerativa, afectação C5 leve moderada crónica direita e L5‑S1 e Sx depressivo (3.1.28).
Torna-se muito difícil à Requerida fruto da incapacidade, da idade e da falta de escolaridade, ser-lhe exigível conseguir arranjar um trabalho adequado para aumentar os seus rendimentos.
Porém, em face das despesas do Requerente e dos rendimentos do mesmo, entendemos que a prestação de alimentos deverá ser reduzida para 40,00€ mensais, sendo certo que, atentos os rendimentos médios calculados o mesmo ficará em média com 778,00€, (na sentença de 18.4.2019 o mesmo tinha ficado com um rendimento em cerca de 588,00€) o que ainda assim é muito próximo do salário mínimo nacional para as suas despesas supra referidas quanto à alimentação, renda, água, gás, luz, saúde, roupa e calçado, pagamento das prestações, da dívida à autoridade tributária e com a contribuição para as despesas da sua filha que são inferiores a essa quantia e a outras que venha a ter.
O Requerente apesar de estar a receber subsídio de desemprego, o mesmo teve alta em 19.1.2023 do acidente sofrido em 13.8.2022 (3.1.19.), o que poderá permitir que o mesmo consiga voltar a estar empregado, bem como, não logrou o Autor provar que a sua actual companheira, pese embora, estar a receber o RSI que esteja incapacitada de trabalhar, tanto mais, que ainda é relativamente jovem e antes da gravidez de risco efectuava limpezas (3.1.4.12).
É certo que a Requerida tem tido ajuda dos filhos maiores para pagamento das suas despesas (3.1.31) e deverá continuar a ter, porém, essa ajuda não exime a contribuição do ex-cônjuge como primeiro obrigado ao abrigo do disposto no art.º 2009.º, n.º 1, al. a) e n.º 3 do Código Civil.
Tem-se consciência que a contribuição do Requerente no montante de 40,00€ mensais não é manifestamente suficiente para a Requerida e não lhe permite só por si a sua sobrevivência de forma digna e a mesma tem uma incapacidade de 71%, o que torna muito difícil arranjar trabalho, porém, será uma pequena ajuda, que, neste momento, é a possível, dado que em face dos rendimentos e despesas e dívidas apuradas que o Requerente tem, entendemos que o valor fixado será equitativamente comportável de forma razoável para o mesmo visto que fixar-se em montante superior poderia colocar em causa em alguns meses a sua subsistência e da filha atendendo a que o subsídio do mesmo é muito próximo do salário mínimo nacional e não pode a prestação alimentar sacrificar o mínimo necessário à vida normal do Requerente.
Assim, caberá à Requerida continuar a ter o apoio dos seus filhos maiores de idade, o que já acontece (3.1.31.) ao abrigo do art.º 2009.º, n.º 1, al. b) do Código Civil”.
Contrapõe a R. que, se é certo que a situação pessoal do A. se alterou desde que foi proferida a sentença onde se fixou a medida mensal dos alimentos devidos pelo mesmo em €115,00, porque entretanto lhe nasceu uma filha (em 22/7/2020), não é menos certo que para as necessidades acrescidas que resultam desse aumento do agregado familiar do A. contribuem os rendimentos da mãe da menor. E mais contrapõe que, resultando demonstrado que o montante que o A. actualmente aufere a título de subsídio de desemprego até é superior ao que auferia, quando foi fixada a prestação mensal de €115,00, tal significa que fica por preencher a previsão do art.º 2012º do Código Civil, não havendo que reduzir o valor de tal prestação.
Resulta do art.º 2012º do Código Civil que os alimentos fixados pelo tribunal ou por acordo dos interessados podem ser alterados, se se modificarem as circunstâncias determinantes da sua fixação.
A respeito da interpretação deste preceito legal, refere-se no Código Civil Anotado de Pires de Lima e Antunes Varela (volume V, Coimbra, 1995, pág. 600) que “como a obrigação alimentícia é uma obrigação duradoura que assenta fundamentalmente sobre dois pilares básicos – as necessidades económicas de quem recebe e as disponibilidades financeiras do familiar que paga –, e estes dois factos podem alterar-se, e de facto a cada passo se modificam, a lei permite, com inteira lógica e com perfeita coerência, que o quantitativo da prestação se adapte a todo o momento à evolução desses factores”.
Ou seja, apenas e tão só na medida em que se verificar uma modificação superveniente das circunstâncias que estiveram na base da determinação do montante da prestação alimentar, seja do lado das necessidades do alimentado, seja do lado das possibilidades do obrigado aos alimentos, é que se pode falar na possibilidade de alteração dos alimentos anteriormente fixados, designadamente por sentença, como é o caso dos presentes autos.
Isso mesmo resulta do acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 6/6/2019 (relatado pelo ora relator e disponível em www.dgsi.pt), aí se concluindo que “a cessação da obrigação alimentar a que se reporta o art.º 2013º, nº 1, al. b), do Código Civil [e, do mesmo modo, a alteração do alimentos fixados a que se reporta o art.º 2012º do Código Civil] (…) assenta na constatação da adaptabilidade da medida dos alimentos, a todo o tempo, em respeito pelo princípio da proporcionalidade entre os meios de quem presta e a necessidade de quem recebe, a que alude o art.º 2004º do Código Civil”.
Todavia, importa igualmente não esquecer que dos art.º 2016º e 2016º-A do Código Civil resulta a excepcionalidade do direito a alimentos entre ex-cônjuges, o que se expressa, não só na determinação do dever de cada cônjuges dever prover à sua subsistência, depois do divórcio, mas igualmente na circunstância de o direito a alimentos poder ser negado por razões manifestas de equidade, e sem esquecer que “o tribunal deve dar prevalência a qualquer obrigação de alimentos relativamente a um filho do cônjuge devedor sobre a obrigação emergente do divórcio em favor do ex‑cônjuge”, do mesmo passo que “o cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio” (nºs 3 e 4º do referido art.º 2016º-A).
Assim, e como já referiu este Tribunal da Relação de Lisboa, no recente acórdão de 30/5/2023 (relatado por Cristina Silva Maximiano e disponível em www.dgsi.pt), desde logo citando a doutrina de Tomé d’Almeida Ramião (O Divórcio e Questões Conexas, 3ª edição pág. 91, apud e-book do CEJ “Divórcio e Responsabilidades Parentais - Guia Prático”, 2ª edição, pág. 52, acessível em https://cej.justica.gov.pt/), “como decorre da sequência dispositiva dos referidos art.ºs 2016º e 2016º-A, do Cód. Civil, a regra geral em matéria de alimentos entre ex-cônjuges depois do divórcio é a de que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência”, sendo a excepção o direito a alimentos a que “qualquer dos cônjuges tem direito”, se “por razões manifestas de equidade” não lhe for negado. Ou seja, “pretende-se afirmar que o direito a alimentos não deve perdurar para sempre, competindo ao ex-cônjuge providenciar e esforçar-se pela angariação de meios de subsistência e não ficar dependente do outro ex-cônjuge e este, por sua vez, eternamente vinculado a essa obrigação””. E, do mesmo modo, citando ainda a doutrina de Maria João Romão Carreiro Vaz Tomé (Algumas reflexões sobre a obrigação de compensação e a obrigação de alimentos entre ex-cônjuges, Estudos em homenagem a Heinrich Ewald Hörster, Almedina, Dezembro 2012, pág. 445 a 458), afirma-se ainda aí que “o direito a alimentos após o divórcio visa apenas permitir a transição para a independência económica do ex-cônjuge que se encontra em situação de necessidade. Trata-se, por isso, de direito com um carácter temporário, não ficando o obrigado pela prestação responsável pelo futuro do alimentando. “A obrigação de alimentos subsiste pelo período de tempo suficientemente razoável para o alimentando se adaptar às suas novas circunstâncias de vida”. Nisto se traduz a função reabilitadora da obrigação de alimentos em causa”.
Do mesmo modo, ficou afirmado no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 27/4/2023 (relatado por Adeodato Brotas e disponível em www.dgsi.pt) que o “princípio da autossuficiência torna clara a função assistencial que a obrigação de alimentos entre ex-cônjuges é chamada a desempenhar: a obrigação alimentar entre ex‑cônjuges emergirá apenas nos casos em que um dos ex-cônjuges não consiga prover, por si, à sua própria subsistência, o que lhe comunica um carácter que se pretende excepcional”, mais se afirmando que “qualquer dos ex-cônjuges, impossibilitado de prover ao seu sustento, tem legitimidade para formular pedido de alimentos ao outro. E esse pedido baseia-se nas regras gerais do art.º 2003º e 2004º do CC: necessidade de alimentos pelo peticionante e possibilidade de o peticionado os prestar”.
Reconduzindo tais considerações ao caso concreto dos autos, e tendo presente a factualidade apurada, torna-se manifesto que a R. continua a carecer de alimentos, como já carecia aquando da prolação da sentença que condenou o A. a prestar alimentos à R. na medida mensal de €115,00.
Com efeito, a R. continua a não ter possibilidade de auferir rendimentos do seu trabalho, em razão da incapacidade permanente de 71% que a afecta, auferindo apenas uma pensão mensal de invalidez que não chega a metade do salário mínimo nacional. E sendo o valor dessa pensão mensal inferior ao valor das despesas suportadas com habitação, alimentação e saúde, a R. está dependente dos apoios de terceiros, designadamente dos seus filhos. Pelo que tal dever de assistir à R. não recai apenas sobre os seus filhos, mas igualmente e em primeira linha sobre o A., enquanto ex‑cônjuge, face ao disposto no art.º 2009º do Código Civil.
Todavia, e se ao tempo do divórcio a situação económica do A. permitia que o mesmo prestasse alimentos à R. no montante mensal de €115,00, como ficou determinado judicialmente, aquela situação económica alterou-se, no sentido da diminuição das possibilidades do A.
Assim, logo em 13/7/2019 o A. passou a estar desempregado, auferindo subsídio de desemprego no valor diário de €16,55, o que ocorreu até 18/12/2020. Desde 19/12/2020 a 17/1/2021 continuou desempregado, mas sem auferir qualquer subsídio, voltando a receber o valor diário de €16,55 desde 18/1/2021 até 1/6/2021. Desde 2/6/2021 até 8/5/2022 não há notícia de o A. ter estado empregado ou a receber qualquer subsídio, tendo regressado ao mercado de trabalho em 8/5/2022, mas tendo sofrido um acidente de trabalho em 13/8/2022 que o levou a ficar em situação de incapacidade total até 19/1/2023, e sem que haja notícia de lhe ter sido paga qualquer pensão ou subsídio. Todavia, e com efeitos a 7/11/2022 o A. viu o seu contrato de trabalho cessar, pelo que a partir de 20/1/2023 recomeçou a receber subsídio de desemprego, agora no valor diário de € 27,29.
Por outro lado, em 22/7/2020 nasceu MCP, filha do A., o que, naturalmente, acarreta um aumento de encargos para o mesmo.
Ora, é a constatação deste conjunto de alterações na situação económica do A., quer motivadas pela degradação da sua situação laboral, quer motivadas pelo aumento do seu agregado familiar, que permite afirmar a alteração superveniente das possibilidades económicas de o A. prestar alimentos à R.
E ainda que não seja de afirmar um aumento exponencial das despesas causadas pelo nascimento de mais um filho (desde logo porque a invocada plagiocefalia posicional mais não representa que uma assimetria craniana posicional, que não demanda mais que fisioterapia como tratamento, e que no âmbito da economia do agregado familiar do A. representou o dispêndio do montante global de €640,00, num período compreendido entre 29/1/2021 e 26/10/2022), ainda assim tal aumento do agregado familiar do A., associado à ausência de rendimentos do trabalho e à intermitência dos correspondentes subsídios de desemprego, tem reflexos na sua (in)capacidade de dispor de €115,00 para entregar à R., a título de alimentos devidos à mesma.
Ou seja, torna-se forçoso concluir que se está perante uma situação que cai nos quadros dos art.º 2016º e 2016º-A do Código Civil. É que, por um lado, há que respeitar o princípio da prevalência que deve ser conferida à obrigação de alimentos do A. relativamente à sua filha menor, no confronto com a obrigação de alimentos relativamente à ex-cônjuge R. Por outro lado, há que considerar que se está perante uma situação em que a medida dos alimentos prestados pelo A. à R. deve ser reduzida, por razões manifestas de equidade, entendendo-se tal princípio como correspondente à necessidade de acompanhar situações idênticas, em que o obrigado a alimentos não tem condições económicas para os satisfazer, porque toda a sua capacidade económica, situada no limiar daquilo que a sociedade entende ser o mínimo básico de sobrevivência condigna (e que se expressa em valores como o salário mínimo nacional ou os indexantes dos apoios sociais), praticamente se esgota na satisfação das necessidades do seu agregado familiar.
Em suma, constatando-se a alteração superveniente das possibilidades económicas do A. e afirmando-se a relevância desta alteração face ao disposto no art.º 2012º do Código Civil, há que acompanhar a conclusão do tribunal recorrido, no sentido da redução da medida dos alimentos a prestar pelo A. à R. para o valor mensal de €40,00.
O que equivale a afirmar que, na total improcedência das conclusões do recurso da R., a sentença recorrida não merece qualquer censura, sendo de manter.
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DECISÃO
Em face do exposto julga-se improcedente o recurso e mantém-se a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

13 de Julho de 2023
António Moreira
Paulo Fernandes da Silva
Vaz Gomes