Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | DIOGO RAVARA | ||
Descritores: | AUDIÊNCIA PRÉVIA DISPENSA NULIDADE | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/04/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Sumário: | · A audiência prévia é de realização necessária quando o juiz tencione conhecer de todo o mérito da causa e as razões de facto e de direito atinentes a todas as questões a decidir não tiverem sido debatidas nos articulados; · Porém, mesmo na situação descrita em I-, a audiência prévia pode ser dispensada desde que: · As razões de facto e de direito atinentes a todas as questões a decidir já se mostrem debatidas nos articulados, e as partes sejam notificadas dessa intenção, e tenham a possibilidade de sobre ela tomarem posição; · As partes sejam consultadas, nos termos do art. 3.º, n.º 3 do CPC, e lhes seja concedida a possibilidade de manite4srarem o seu assentimento ou oposição à dispensa da audiência prévia, de forma a garantir o contraditório quanto à gestão processual; · As partes sejam informadas, de forma fundamentada, sobre a decisão a proferir, o que implica a enunciação das questões a resolver; · Caso alguma das partes não concorde com a dispensa de realização da audiência prévia, esta deve obrigatoriamente realizar-se. · A prolação de despacho saneador-sentença com inobservância do procedimento supra descrito configura uma nulidade secundária, nos termos previstos no art. 195º, nº 1 do CPC, suscetível de invocação em recurso de apelação interposto daquela decisão. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I- RELATÓRIO Em 01-09-2016 B intentou a presente ação declarativa de impugnação pauliana com processo comum contra A1, A2, A3, A4, A5 e A6, pedindo que o Tribunal declare ineficaz, em relação a si, a transmissão de propriedade decorrente dos contratos de doação que melhor identifica, nos termos e para os efeitos dos artigos 610.º e seguintes do Cód. Civil. Para tanto alega ser credora dos 1º e 2ª réus num montante global de € 48.200,09, na sequência da prestação de fianças que estes assumiram relativamente a um contrato de mútuo que ficou com a sociedade EC, Lda, bem como de avales que prestaram a livranças cujo valor global perfaz a referida soma; e que aqueles réus doaram aos 3ª e 4º réus dois imóveis, sendo que por sua vez estes doaram aos 5º e 6º réus; o que se traduziu na perda de garantia patrimonial do seu crédito. Regular e pessoalmente citados, os réus contestaram, impugnando os factos e conclusões de Direito vertidos na petição inicial, e concluindo pela improcedência da ação. Em 04-05-2017 a Mmª Juíza a quo proferiu o despacho com a refª 106605300, constante de fls. 104 e v., no qual consignou o que segue: ”Em face do esclarecimento prestado a fls. 101 e seguintes, fixar-se-á à presente o valor indicado pela A.. * * * À presente acção vai ser fixado valor que supera metade da alçada do Tribunal da Relação, razão pela qual no seu âmbito dever-se-ia proceder à audiência prévia cujo regime consta do artigo 591.º do Cód. Proc. Civil – cfr. ainda artigos 592.º e 593.º, estas a contrario, e bem assim artigo 597.º, todos do diploma em referência. Não vislumbrando qualquer mais valia na realização da diligência acima referida nestes concretos autos, e tendo presente que a agenda deste Juízo encontra-se preenchida até Julho de 2017, desde já proponho a seguinte adequação formal do processado, o que faço ao abrigo do artigo 6.º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil, consubstanciada na eventual concessão de prazo às aqui partes para se pronunciarem sobre matéria de excepção e questões que se entendam do conhecimento oficioso, a identificar oportunamente, após o que se proferirá despacho saneador e despachos ao abrigo dos artigos 596.º e 593.º, n.º 2, alínea d), todos do Cód. Proc. Civil, sem prejuízo das faculdades previstas no n.º 3 do último dos preceitos referidos. Semelhante adequação do processado facultará um mais célere andamento processual, atendendo ao congestionamento da agenda deste Tribunal de que acima se dá nota, não implicando a postergação de qualquer direito das aqui partes. Neste conspecto, pronunciem-se então as partes sobre este projecto de adequação formal, sendo que no seu silêncio, assim decidirá este Tribunal.” Notificadas do despacho supra transcrito, apenas a autora se pronunciou sobre o ali vertido, através do requerimento com a refª 25757866 [9879041] de 18-05-2017, no qual manifestou nada ter a opor. Em 18-10-2017 a Mmª Juíza a quo proferiu o despacho com a refª 109252640 no qual consignou o que segue: “Face à expressa anuência da A. e ao silêncio dos RR., adequo formalmente o processado nos termos propostos no despacho de fls. 104 e 104 verso. * * * Antes do mais, esclareçam os RR. se, no negócio jurídico de aquisição da propriedade dos imóveis pelos primeiros impetrantes, o alienante tinha conhecimento que os “verdadeiros adquirentes” eram os 22.º RR. que só não figuraram no acto jurídico em apreço pelas razões já aduzidas na contestação oferecida”. As partes foram notificadas deste despacho por comunicação eletrónica de 26-10-2017. Em 18-12-2017 a Mmª Juíza a quo proferiu o despacho com a refª 110452052, no qual fez constar o seguinte: “Renovo o despacho que antecede, sendo que na manutenção do silêncio dos RR., considerar-se-á que desconhecia o alienante o que aí melhor se consigna.” As partes foram notificadas deste despacho por comunicação eletrónica de 20-12-2017, não tendo qualquer delas tomado posição sobre o mesmo. Em 20-02-2018 a Mmª Juíza a quo proferiu o despacho com a refª 111559386, onde determinou o que segue: “A 19.º a 25.º, 27.º da contestação oferecida, afirmam os RR. que os prédios dos autos somente formalmente eram da propriedade dos 1.º RR., que declaram adquiri-los a fim de poderem obter financiamento mais vantajoso à construção da edificação empreendida pelos 2.º RR., razão pela qual, no momento em que procederam à sua doação a favor destes, não mais fizerem do que formalizar a realidade substantiva referente à propriedade dos imóveis. Ora, a adução de semelhante versão da realidade não pode senão ser considerada confessória nos termos e para os efeitos dos artigos 352.º e seguintes do Cód. Civil pelas seguintes razões: 1. Admitem os RR. que a aquisição da propriedade pelos 1.º RR. fundou-se, no mínimo, na realização de um negócio simulado por interposição fictícia de pessoas1 com o fito de obter uma vantagem que doutra maneira não seria alcançada caso figurassem no acto de aquisição dos 2.º RR. como adquirentes: concessão de crédito no regime bonificado jovem. Donde, é manifesta a nulidade deste negócio de aquisição que, no entanto, não é oponível à A. por esta ser manifestamente terceira de boa fé nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 243.º do Cód. Civil – cfr. ainda artigos 240.º e 605.º, ambos do diploma em referência. Ao que acresce que argúem ainda os impetrados que a doação efectivamente realizada a favor dos 2.º RR. o foi para adequar a realidade formal à substantiva, sendo manifesto assim que não pretendiam transmitir ou adquirir a propriedade que já se inscrevia na esfera destes últimos, mas tão só dar a aparência dessa transmissão para o exterior; do que resulta manifesta também a simulação deste último negócio jurídico, e consequentemente, a sua nulidade nos termos acima referidos – sendo certo que, nos termos do artigo 291.º, n.º 1 do Cód. Civil. Tendo havido interposição real de pessoas, ou seja, se o alienante não tiver intervindo no pacto simulatório, a questão nem se equaciona: os 1.º RR. adquiriram efectivamente a propriedade dos imóveis 2. São terceiros aqueles que, não tendo intervindo no negócio, seriam afectados pela sua nulidade – cfr. Carvalho Fernandes, RDES, XXX tendo os 3.º RR. adquirido gratuitamente os imóveis e bem assim não se poderem considerar terceiros de boa fé, nada obstaria a tanto. Logo, sempre procederia a presente acção e daí a natureza confessória das admissões realizadas. Porém, a admissão confessória é realizada por mandatário a quem não foram conferidos poderes para confessar. Tendo presente o regime ínsito nos artigos 46.º e 465.º do Cód. Proc. Civil e bem assim o entendimento, sufragado por este Tribunal que a retractação pode ter lugar até ao encerramento da audiência, deverá a A. vir aos autos informar se aceita especificadamente a referida confissão a fim da concernente factualidade ser considerada como assente já em sede do despacho proferido ao abrigo do artigo 596.º do Cód. Proc. Civil. * * * Considerando a adequação formal acima determinada, deverão as partes pronunciarem-se sobre a solução de Direito acima consignada.” As partes foram notificadas do despacho em apreço por comunicação eletrónica de 21-02-2018, e sobre o mesmo apenas a autora se pronunciou, o que fez através do requerimento com a refª 28411980 [11874457], de 06-03-2018 (fls. l06-107), no qual declarou “que aceita especificadamente os factos confessados pelos Réus nos artigos 19º a 25º e 27º da sua Contestação”, e que “concorda com solução de Direito consignada no Despacho de fls., proferido em 20.02.2018, sendo que, nos termos dos artigos 46º e 465º do CPC, a confissão de tais factos apenas pode ser retirada ou rectificada enquanto a parte contrária, in casu a Autora, a não tiver aceitado especificadamente, ou seja, até à apresentação do presente requerimento.” Em 17-01-2019 a Mmª Juíza a quo proferiu o despacho com a refª 117177053 (o qual não consta do processo físico), no qual consignou o que segue: “Antes do mais, uma vez que os RR. impugnam toda a factualidade inscrita na petição inicial, mas posteriormente circunstanciam as alienações realizadas, informem os RR. se aceitam que não procederam ao pagamento das prestações a 9.º e a 19.º da petição inicial e consequente validade de preenchimento dos títulos de crédito posteriormente dados à execução. No silêncio dos RR., assim interpretará o Tribunal o teor da sua contestação.” As partes foram notificadas deste despacho por comunicação eletrónica de 21-01-2019, e nada disseram. Seguidamente, em 14-02-2019 a Mmª Juíza a quo proferiu o despacho saneador-sentença com a referência 117711208 (fls. 114 a 118), no qual, nomeadamente, fez constar o que segue: “Atendendo à adequação formal do processado determinada pelo despacho de 18.10.2017, e já tendo sido assegurado o contraditório, passo a proferir: * DESPACHO SANEADOR I – Valor da causa: Nos termos do artigo 306.º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil, conjugado com o vertido nos artigos 296.º, 302.º, n.º 4 e 299.º, n.º 1, todos daquele diploma legal, fixo o valor da causa em 48.200,09 € (quarenta e oito mil e duzentos euros e nove cêntimos). --//-- II - Saneamento: O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da hierarquia e da matéria. * Inexistem nulidades que afectem todo o processo. * As partes têm personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e encontram-se devidamente representadas e patrocinadas. * Inexistem outras nulidades de que cumpra conhecer. --//-- III – Julgamento da causa: Nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 595.º do Cód. Proc. Civil, no despacho saneador apreciar-se-á, total ou parcialmente, do mérito da causa sempre que o estado do processo o permita, por se revelar desnecessária a produção de prova. Sucede que a presente já se encontra em condições de ser julgada dado que a factualidade alegada para a sustentar encontra-se integralmente demonstrada nos autos, Assim, passo a proferir: --//-- SENTENÇA I – RELATÓRIO: (…) II - IDENTIFICAÇÃO DO OBJECTO DO LITÍGIO E DAS QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE APRECIAR: (…) III – SANEAMENTO: (…) IV – FUNDAMENTAÇÃO: A) Decisão de Facto: (…) B) Fundamentação da Decisão de Facto (…) C) Fundamentação Jurídica: (…) VI - DISPOSITIVO: Pelo exposto, julgo integralmente procedente a presente acção de impugnação pauliana e, em consequência, declaro constituído o direito da A. à restituição dos bens melhor identificados em 11. e 15. da Fundamentação de Facto da presente, na medida do seu interesse e sem qualquer limitação, podendo assim executá-los no património dos 5.ª e 6.º RR., e bem assim praticar os actos de conservação de garantia patrimonial autorizados por lei. (…)”; Inconformados com tal decisão, vieram os réus interpor recurso de apelação, no qual formularam as seguintes conclusões: · Fora das situações previstas no art. 592º, em que se não realiza audiência prévia, e no caso concreto, tendo os RR. contestado a acção, a prolação de decisão de mérito sem lhes dar a oportunidade de sobre o mesmo se pronunciarem, constitui violação do princípio do contraditório, por decisão-surpresa (art. 3º, nº3), incorrendo-se na nulidade prevista no art.º 195º do CPC. · Diversa interpretação dos normativos legais supra citados, configuraria a legitimação da decisão recorrida como “decisão surpresa”, em violação do art.º 3.º, n.º 3, do CPC, e do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição. · No caso dos autos, parece, ocorre uma presunção daquilo que as partes tenham querido alegar, no caso os RR., sem que no entanto fosse determinado qualquer aperfeiçoamento, concluindo a Sentença recorrida que «Na verdade, em momento algum os demandados contraditaram o relato dos factos inscrito na petição inicial.», o que se mostra desde logo incompaginável com o art.º 1º da contestação, em que «os RR. impugnam expressamente todos os factos vertidos pela A. na douta PI.». Não se vislumbra, pois, como poderá entender-se neste caso ocorrer confissão dos factos, mais a mais, dispensando-se a audiência prévia e proferindo-se, sem mais, decisão de mérito presuntiva dessa confissão. · Foram pois violados, não só os artigos 3º e 592º, Código de Processo Civil; Tal como foram violados os artigos 252º do Código Civil e 574º, do Código de Processo Civil. · Cabendo ao credor, na impugnação pauliana, a prova da anterioridade do crédito em relação ao acto impugnado (art. 611.º do CC), a verdade é que tal anterioridade, nem está demonstrada nos autos. · O direito da A. sobre os 2ºs RR., é um direito cartular, emergente do título, autónomo em relação ao direito subjacente que lhe deu origem; i.e., a A. configurou o seu crédito como decorrente do aval cambiário, razão pela qual a obrigação dos avalistas apenas se constitui com o preenchimento da letra, em 22.02.2013. · Assim, em 30 de Outubro de 2012, quando os 1ºs Réus doaram à 2ª Ré mulher os imóveis dos autos, não existia qualquer dívida vencida da sociedade EC., para com a A.; E mais do que isso, não existia os 1ºs Réus, na qualidade de avalistas e meros garantes pessoais, nada deviam à A., pois que a sua obrigação, meramente cambiária, na estruturação que a A. dela fez na causa de pedir, apenas nasceu posteriormente, com o preenchimento das livranças, em 22.02.2013. · Pior, alegando a A. que a mutuária EC. pagou por conta do capital mutuado, o montante de € 25.779,36, e correspondendo tal montante a 30 prestações, é então matematicamente impossível que em 22.02.2013 a dívida de capital ascendesse a € 24.220,64, como a A. alega.; E o mesmo se diga quanto ao mútuo celebrado em 04.02.2010 corporizado na proposta n.º 75.982, no montante inicial de capital de € 25.000,00, sendo objectivamente impossível que «Em 22.01.2013 venceu-se uma prestação do empréstimo, a qual não foi paga nem nessa data nem posteriormente», na medida em que, nessa data, nunca o valor pago por conta do capital em dívida, poderia corresponder ao montante de € 10.481,98, pois em 22.08.2012, estariam pagas 30 prestações, correspondendo as mesmas a 12.500,00€. · Por outro lado, resultando dos factos provados que «3. Em momento não apurado, os 1.º e 2.ª RR. apuseram a sua assinatura no verso do documento constante de fls. 25, imediatamente abaixo da seguinte inscrição: Bom por aval à firma subscritora (…)» e que «6. Em momento não apurado, os 1.º e 2.ª RR. apuseram a sua assinatura no verso do documento constante de fls. 29, imediatamente abaixo da seguinte inscrição: Bom por aval à firma subscritora (…).», não está – nem pode estar – provado que os 1º e 2º RR. fossem titulares dos prédios à data em que deram aval aos títulos cambiários em causa; Porque, tal data, não foi apurada (nem alegada). · Refere ainda a sentença recorrida que: «Prescinde, contudo, a lei do requisito da anterioridade do crédito, sempre que a diminuição do património do devedor tenha tido como fito o impedimento da satisfação do direito do futuro credor.», sem indicar a norma em que funda tal premissa e dispensando a subsunção dos factos elencados com provados a tal norma, incorrendo assim em manifesta falta de fundamentação; · Sendo que, só podendo ser a al. a) do art.º 610º, do Código Civil, não corresponde sequer ao que vem plasmado na sentença, antes se exigindo que o acto impugnado seja «realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor», o que também não está minimamente demonstrado, nem alegado, nem (como se referiu) subsumido. · Foi em consequência violado o art.º 610º, al. a), do Código Civil, sem prejuízo da nulidade da sentença nos termos do artigo 615° n.º 1 alíneas b) e c) do Código de Processo Civil. Culminaram as suas conclusões sustentando que “deverá o presente recurso proceder, e em consequência: a) Ser anulada a Sentença recorrida; Ou caso assim não se entenda, b) Ser a sentença recorrida anulada e os RR. absolvidos do pedido.“ A recorrida contra-alegou, sumariando os seus argumentos nos termos das seguintes conclusões: · Como já se decidiu, “(…) a realização da audiência prévia não deve ser abordada numa dicotomia maniqueísta entre obrigatório ou facultativo, mas numa ponderação finalística: a realização da audiência prévia deve ter lugar sempre que for a forma mais adequada de realizar os fins por ela visados (e que ao legislador se afigura ser a situação mais frequente); na impossibilidade de alcançar esses fins ou se eles já tiverem sido alcançados de outra forma ou possam vir a ser mais adequadamente alcançados de outra forma a audiência prévia não deve realizar-se”, competindo, assim, ao julgador fazer este juízo de ponderação, no exercício do seu dever de gestão processual e de adequação formal e em interacção com as partes; · No caso concreto, entendeu o Tribunal a quo, no uso dos seus poderes de gestão processual e adequação formal, que, apesar de nos termos da lei se dever realizar audiência prévia, existia uma solução processual alternativa mais adequada à satisfação dos fins previstos no artigo 591º do CPC, com ganhos relevantes ao nível da celeridade, sem prejuízo da justa composição do litígio e sem postergação de qualquer direito das partes, tendo estas sido convidadas a pronunciarem-se sobre a mesma por Despacho de fls. 104 e 104 verso, sendo que os Recorrentes nada disseram, apenas a Recorrida se pronunciou em sentido favorável; · A Decisão de adequação formal, com dispensa de audiência prévia, foi proferida, no exercício do dever de gestão processual e de adequação formal, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6º do CPC, e em estreita interacção com as partes, pelo que bem andou o Tribunal a quo quando assim decidiu, ao abrigo do dever de gestão processual e de adequação formal e com observância do princípio do contraditório; · Este princípio foi, igualmente, assegurado através dos Despachos subsequentes de 18.10.2017, 18.12.2017, 20.02.2018 e 17.01.2019 que antecederam a prolação da Decisão de mérito recorrida, nos quais o Tribunal a quo deu às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre as questões de facto e/ou de direito aí consignadas, informando que, no silêncio destas, decidiria nos termos constantes dos mesmos; · Entre esses Despachos evidencia-se o proferido em 20.02.2018, no qual o Tribunal a quo entendeu que os Recorrentes tinham confessado na contestação os factos que vieram a ser dados como provados nos pontos 19 a 23 da Decisão recorrida e ao qual a Recorrida respondeu, aceitando especificadamente a factualidade confessada, ao abrigo dos artigos 46º e 465º do CPC, sendo a partir desse momento irretractável; e salienta-se também o Despacho proferido em 17.01.2019, em que o Tribunal a quo requereu aos ora Recorrentes que informassem se aceitavam que não procederam ao pagamento das prestações a 9º e a 19º da petição inicial e consequente validade de preenchimento dos títulos de crédito posteriormente dados à execução, uma vez que impugnaram toda a factualidade inscrita na petição inicial mas posteriormente circunstanciaram as alienações realizadas, advertindo-os que, no seu silêncio, assim interpretaria o Tribunal o teor da sua contestação; · Os Recorrentes não responderam aos referidos Despachos dentro do prazo que dispunham para o efeito, pelo que bem andou o Tribunal a quo quando, após assegurado o princípio do contraditório, decidiu em conformidade com as soluções exaradas nesses Despachos; · Em suma, o Tribunal a quo observou e fez cumprir o princípio do contraditório ao longo do processo, tendo dado às partes a possibilidade de se pronunciarem previamente, quer sobre a dispensa da audiência prévia, quer sobre as questões de facto e de direito em causa nos autos, o que os Recorrentes não fizeram porque não quiseram, pelo que a prolação da Decisão de mérito sob impugnação, sem realização de audiência prévia, não consubstancia uma Decisão surpresa; · A Decisão recorrida não violou os princípios do contraditório e da proibição da indefesa, nem os artigos 3º, 592º, 574º do CPC e 252º do Código Civil, nem se verifica a nulidade prevista no artigo 195º do CPC; · O requisito da anterioridade dos créditos está demonstrado nos autos, dado que, ao contrário do alegado pelos Recorrentes, os créditos cambiários da Recorrida constituíram-se na data de emissão das Livranças, isto é, em 22.02.2010, e não na data do respectivo vencimento – conforme entendimento maioritário da doutrina e jurisprudência -, sendo, por isso, anteriores à celebração do primeiro contrato de doação impugnado (30.10.2012); · Nos termos do disposto no artigo 614.º do Código Civil, não é necessário que o crédito esteja vencido, basta que esteja constituído, o que se verifica in casu; · Igualmente, não assiste razão aos Recorrentes, nem se pode aceitar que, em sede de recurso, venham pôr em causa o preenchimento das Livranças, porquanto tal consubstancia uma questão nova, que não foi suscitada oportunamente pelos Recorrentes, nem resultou provada, pelo que não pode ser apreciada pelo Tribunal ad quem, nos termos do n.º 2 do artigo 608º do CPC. · Caso assim não se entenda, o que não se concede, sempre se dirá que os Recorrentes partem do pressuposto – errado – que o valor das amortizações de capital é igual em todas as prestações dos empréstimos, quando não é, estando, por isso, incorrectas as operações matemáticas efectuadas por estes, tendo as livranças sido bem preenchidas. · Por outro lado, ao contrário do alegado pelos Recorrentes, embora não se tenha apurado a data em que os Recorrentes A1 e A2 avalizaram as Livranças, tendo em conta que as mesmas foram emitidas em 22.02.2010, forçoso é concluir que o aval não terá sido dado em momento anterior a esta data, ou, ainda que assim não se entenda o que não se concede, pelo menos é certo que o aval não foi dado em momento anterior à data da aquisição da propriedade dos prédios pelos referidos Recorrentes, ou seja, a 07.05.1998, pelo que resulta assim manifesto que estes já eram proprietários dos imóveis quando deram o aval. · Por fim, consta efectivamente da Sentença recorrida que: “prescinde, contudo, a lei do requisito da anterioridade do crédito, sempre que a diminuição do património do devedor tenha tido como fito o impedimento da satisfação do direito do futuro credor”, porém tal apenas foi referido pelo Tribunal a quo aquando da análise dos requisitos gerais de procedência da acção de Impugnação Pauliana previstos nos artigos 610º e ss do Código Civil, não tendo sido aplicado ao ca concreto. · Pois, como bem entendeu o Tribunal a quo, resultou demonstrado ser a Recorrida titular de créditos cambiários constituídos no decurso do mês de Fevereiro de 2010, ou seja, antes da celebração dos contratos de doação impugnados, estando, assim, verificado o requisito da anterioridade dos créditos, pelo que carece de sentido a questão suscitada pelos Recorrentes, não se verificando a violação da alínea a) do artigo 610º do Código Civil, nem as alegadas nulidades de Sentença previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 615º do CPC. · Por tudo quanto exposto, bem andou o Tribunal a quo quando proferiu o Despacho Saneador-Sentença recorrido, o qual não merece qualquer censura ou reparo, devendo, por isso, manter-se nos seus exactos termos. II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO E DOS PODERES DE COGNIÇÃO DO TRIBUNAL Conforme resulta das disposições conjugadas dos arts. 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, seja quanto à pretensão dos recorrentes, seja quanto às questões de facto e de Direito que colocam. Esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5º n.º 3 do CPC). Não obstante, está vedado a este Tribunal o conhecimento de questões que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas. Por outro lado, as questões suscitadas pelo recorrente devem ser apreciadas de acordo com a ordem de precedência lógica e cronológica que resulta do regime legal a aplicar. Nesta conformidade, as questões essenciais a decidir são as seguintes: · Da nulidade decorrente da violação do princípio do contraditório – als. a) a d) das conclusões · Da nulidade do despacho saneador-sentença – al. l) das conclusões · Do mérito da causa – als. e) a k) das conclusões III- OS FACTOS Na apreciação da nulidade invocada pelos recorrentes, fundada na violação do princípio do contraditório [ponto I (arts. 1º a 17º) da motivação de recurso e als. a) a d) das conclusões], levaremos em conta a tramitação da causa sumariada no relatório do presente acórdão. No tocante ao mérito da causa, haverá que considerar que a decisão recorrida considerou provados os seguintes factos: · No dia 22.02.2010, foi preenchido modelo oficial de livrança constante a fls. 25, na qual se inscreveu: · A A. como emitente; · o montante de 24.220,64 € no local destinado à inscrição do valor; · a data de 22.02.2013 no local destinado ao vencimento; · Nesse mesmo documento, encontra-se impresso o seguinte: No seu vencimento pagarei(emos) por esta única via de livrança a NÓS, ou à sua ordem, a quantia de ...; · Em momento não apurado, os 1.º e 2.ª RR. apuseram a sua assinatura no verso do documento constante de fls. 25, imediatamente abaixo da seguinte inscrição: Bom por aval à firma subscritora; · No dia 22.02.2010, foi preenchido modelo oficial de livrança constante a fls. 29, na qual se inscreveu: · A A. como emitente; · o montante de 14.518,02 € no local destinado à inscrição do valor; · a data de 22.01.2013 no local destinado ao vencimento; · Nesse mesmo documento, encontra-se impresso o seguinte: No seu vencimento pagarei(emos) por esta única via de livrança a NÓS ou à sua ordem, a quantia de ...; · Em momento não apurado, os 1.º e 2.ª RR. apuseram a sua assinatura no verso do documento constante de fls. 29, imediatamente abaixo da seguinte inscrição: Bom por aval à firma subscritora; · Apresentadas a pagamento na data dos seus vencimentos, os montantes titulados pelas livranças acima referidos não foram pagos; · À data da propositura da presente, a dívida referente à livrança referida em 1. ascendia a 30.074,07 €; · À data da propositura da presente, a dívida referente à livrança referida em 4. ascendia a 18.126,02 €; · Com base nas livranças acima referidas, a A. instaurou acção executiva contra os 1.º e 2.ª RR., na qual não se logrou penhorar quaisquer bens da propriedade destes por não se ter apurado a sua existência; · Pela descrição 2279 da freguesia de ..., encontra-se registado na Conservatória do Registo Predial de Mafra o prédio misto denominado M..., situado ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3..., e na matriz predial rústica sob o artigo ..., Secção E; · Pela ap. ... de 1998.05.07, encontra-se inscrita a aquisição da propriedade do prédio referido em 11. a favor da 2.ª R., casada com o 1.º R. no regime de bens da comunhão geral, por doação realizada pelos 3.ª e 4.º RR., casados um com o outro no regime de bens da comunhão geral; · Pela ap. 1... de 2012.11.05, encontra-se inscrita a aquisição da propriedade do prédio referido em 11. a favor da 3.ª R., casada com o 4.º R. no regime de bens da comunhão geral, por doação realizada pelos 1.º e 2.ª RR; · Pela ap. 1... de 2013.01.16, encontra-se inscrita a aquisição da propriedade do prédio referido em 11. a favor da 5.ª e 6.º RR., por doação realizada pelos 3.ª e 4.º RR., casados um com o outro no regime de bens da comunhão geral; · Pela descrição 2... da freguesia de ..., encontra-se registado na Conservatória do Registo Predial de Mafra o prédio rústico denominado T. situado ...., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 1..., Secção E; · Pela ap. 1... de 1998.05.07, encontra-se inscrita a aquisição da propriedade do prédio referido em 15. a favor da do 1.º e 2.ª RR., casados no regime de bens da comunhão geral, por compra a MS, ML, MF, JF, MAS, CS, JS, TS, JAS; · Pela ap. 1... de 2012.11.05, encontra-se inscrita a aquisição da propriedade do prédio referido em 15. a favor da 3.ª R., casada com o 4.º R. no regime de bens da comunhão geral, por doação realizada pelos 1.º e 2.ª RR; · Pela ap. 1... de 2013.01.16, encontra-se inscrita a aquisição da propriedade do prédio referido em 15. a favor da 5.ª e 6.º RR., por doação realizada pelos 3.ª e 4.º RR., casados um com o outro no regime de bens da comunhão geral; · Os 1.º, 2.ª, 3.ª e 4.º RR. combinaram entre si que a propriedade dos imóveis descritos em 11. e 15. seria transmitida para os 1.º e 2.ª RR. a fim de estes solicitarem empréstimo à habitação, ao qual teriam acesso com maior facilidade dado serem mais jovens, para a construção pelos 3.ª e 4.º RR. duma moradia; · Não era, assim, intenção dos 1.º, 2.ª, 3.ª e 4.º RR. adquirir ou transmitir a propriedade dos prédios em causa; · Contudo, procederam à celebração dos negócios referidos em 13. e 15., tendo com tal obtido o empréstimo referido em 19.; · Empréstimo esse que foi integralmente pago pelos 3.ª e 4.º RR.; · Após o que, de modo a que os prédios regressassem formalmente à esfera jurídica dos 3.ª e 4.º RR., foram celebradas as doações referidas em 13. e 17.. V- OS FACTOS E O DIREITO A – Da nulidade decorrente da violação do princípio do contraditório - ponto I (arts. 1º a 17º) da motivação de recurso e als. a) a d) das conclusões Sustentaram os apelantes que “a prolação de decisão de mérito sem lhes dar a oportunidade de sobre o assunto se pronunciarem constitui violação do princípio do contraditório, por decisão surpresa (art. 3º, nº 3), incorrendo-se na nulidade prevista no art.º 195.º do CPC”. Trata-se, pois de saber se a preterição da realização de audiência prévia seguida da prolação de despacho saneador-sentença sem que o julgador tenha previamente dado às partes a oportunidade de se pronunciarem sobre a não realização daquela diligência com vista à imediata prolação de uma tal decisão, e sem que as partes, nessa circunstância, tenham oportunidade de se pronunciarem sobre o mérito da causa, tal como a mesma se configura findos os articulados constitui uma nulidade processual. Estabelece o art. 195º do CPC que não se verificando os casos previstos nos números anteriores, “a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”. No caso vertente é manifesto que a lei não prevê especificamente que a omissão da realização de audiência de partes seguida da prolação de despacho saneador-sentença sem que seja previamente concedida às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a dispensa da audiência prévia e tomarem posição quanto às questões de Direito em discussão na causa, tal como resultam dos articulados constitua nulidade processual, pelo que só poderá estar em causa uma nulidade secundária. Assim, serão requisitos da verificação de uma tal nulidade: · a prática de ato que a lei não permita, ou a omissão de ato ou formalidade que a lei imponha; · que tal ato ou omissão influa no exame ou decisão da causa A este propósito haverá que recordar que em regra o meio processual adequado à invocação de nulidades processuais não é o recurso para o tribunal da Relação, mas a arguição de nulidades perante o Tribunal recorrido. Não obstante, caso a nulidade se revele por efeito de uma decisão recorrível, então o meio próprio para a impugnar será o recurso. Com efeito, já em 1945 ensinava ALBERTO DOS REIS: “a arguição de nulidade só é admissível quando a infracção processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial; se há um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou omissão do acto ou da formalidade, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade que se tenha cometido, não é a arguição ou reclamação por nulidade, é a impugnação do respectivo despacho pela interposição do recurso competente. Eis o que a jurisprudência consagrou nos postulados: dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se. É fácil justificar esta construção. Desde que um despacho tenha mandado praticar determinado acto, por exemplo, se porventura a lei não admite a prática dêsse acto é fora de dúvida que a infracção cometida foi efeito do despacho; por outras palavras, estamos em presença dum despacho ilegal, dum despacho que ofendeu a lei do processo. Portanto a reacção contra a ilegalidade traduz-se num ataque ao despacho que a autorizou ou ordenou; ora o meio idóneo para atacar ou impugnar despachos ilegais é a interposição do respectivo recurso (...)”. Na mesma linha se pronunciou MANUEL DE ANDRADE: “(...) se a nulidade está coberta por uma decisão judicial que ordenou, autorizou ou sancionou, expressa ou implicitamente, a prática de qualquer acto que a lei impõe, o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente a interpor e a tramitar como qualquer outro do mesmo tipo. Trata-se em suma da consagração do brocardo: «dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se»”. Também ANTUNES VARELA dizia: “se entretanto, o acto afectado de nulidade for coberto por qualquer decisão judicial, o meio próprio de o impugnar deixará de ser a reclamação (para o próprio juiz) e passará a ser o recurso da decisão”. Finalmente argumentou ANSELMO DE CASTRO: “Tradicionalmente entende-se que a arguição da nulidade só é admissível quando a infracção processual não está, ainda que indirecta ou implicitamente, coberta por qualquer despacho judicial; se há um despacho que pressuponha o acto viciado, diz-se, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade cometida, não é a arguição ou reclamação por nulidade, mas a impugnação do respectivo despacho pela interposição do competente recurso, conforme a máxima tradicional – das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se. A reacção contra a ilegalidade volver-se-á então contra o próprio despacho do juiz; ora o meio idóneo para atacar impugnar despachos ilegais é a interposição do respectivo recurso (…), por força do princípio legal de que, proferida a decisão, fica esgotado o poder jurisdicional do juiz (art. 666.º)”. É este também o entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores [neste sentido, analisando questão semelhante àquela que se discute nos presentes autos, cfr. ac. RL 09-05-2019 (Isoleta Almeida Costa), p. 8764/16.3T8LSB.L1-8]. No caso em apreço, a nulidade invocada surge coberta pelo despacho saneador-sentença recorrido, na medida em que este foi proferido sem ter sido precedido de qualquer decisão que anunciasse tal intenção. Com efeito, recordando a tramitação processual resumida no relatório, verificamos que apesar de, no despacho com a refª 106605300, de 04-05-2017, a Mmª Juíza a quo ter anunciado a intenção de dispensar a realização da audiência prévia, fê-lo no pressuposto de vir a proferir “despacho saneador e despachos ao abrigo dos artigos 596º e 593º, nº 2 al. d), todos do CPC”, ou seja, com vista a proferir despacho saneador, seguido de despacho identificando o objeto do litígio, e enunciando os temas de prova, e de “despacho destinado a programar os atos a realizar na audiência final, a estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e a designar as respetivas datas“. E, depois de notificadas as partes desse despacho, em 18-10-2017 proferiu o despacho com a refª 109252640 declarando adequar o processado nos termos daquele despacho. Não tendo a Mmª Juíza a quo proferido posteriormente e antes da prolação do despacho saneador-sentença recorrido qualquer outro despacho anunciando a intenção de conhecer do mérito da causa, é manifesto que a nulidade invocada se consumou apenas e só com a prolação da decisão recorrida, pelo que se deve concluir que a mesma surge “coberta” por esta. Nesta medida, o meio próprio para invocar tal nulidade era a interposição de recurso, no prazo previsto para o efeito, e não a arguição e nulidades (sujeita ao prazo geral de 10 dias – art. 149º co CPC). Cumpre pois aferir se a prolação de despacho saneador-sentença, nas circunstâncias em que o mesmo foi proferido configura nulidade processual. Fá-lo-emos seguindo muito de perto a argumentação expendida no recente ac. deste Tribunal e Secção, de 14-05-2019 (José Capacete), proc. 3078/17.4T8LRS.L2, que o ora relator subscreveu na qualidade de adjunto e ao que se sabe ainda inédito. Como é sabido, a modelação da audiência prévia é produto da reforma do processo civil que culminou com a publicação da Lei nº 41/2013, de 26-06, que aprovou o CPC2013. Lê-se na exposição de motivos da Proposta de Lei 113/XII, que veio a dar origem à referida Lei, que “(...) como medidas essenciais prevê-se a criação de um novo paradigma para a ação declarativa e para a ação executiva, a consagração de novas regras de gestão e de tramitação processual, nomeadamente a obrigatoriedade da realização da audiência preliminar tendo em vista a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova”. No mesmo documento se afirma que “a audiência prévia é, por princípio, obrigatória porquanto só não se realizará nas acções não contestadas que tenham prosseguido em regime de revelia inoperante e nas acções que devam findar no despacho saneador pela improcedência de uma excepção dilatória, desde que esta tenha sido debatida nos articulados. (...) Numa perspetiva de flexibilidade, mas nunca descurando a assinalada visão participada do processo, prevê-se que o juiz, em certos casos, possa dispensar a realização da audiência prévia. Nessa hipótese, o juiz proferirá despacho saneador, proferirá despacho a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova, programando e agendando ainda os actos a realizar na audiência final, estabelecendo o número de sessões e a sua provável duração. Notificadas as partes, se algumas delas pretender reclamar do que foi decretado pelo juiz (exceção feito ao despacho saneador, cuja impugnação haverá de ser feita por via de recurso, nos termos gerais), o meio próprio é requerer a realização da audiência prévia destinada a tratar dos pontos sob reclamação». Estas ideias mereceram acolhimento nos artigos 591º a 593º do CPC, que no que releva para a apreciação da questão em análise dispõem o seguinte: art. 591º 1 - Concluídas as diligências resultantes do preceituado no n.º 2 do artigo anterior, se a elas houver lugar, é convocada audiência prévia, a realizar num dos 30 dias subsequentes, destinada a algum ou alguns dos fins seguintes: a) Realizar tentativa de conciliação, nos termos do artigo 594.º; b) Facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar exceções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa; c) Discutir as posições das partes, com vista à delimitação dos termos do litígio, e suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto que ainda subsistam ou se tornem patentes na sequência do debate; d) Proferir despacho saneador, nos termos do n.º 1 do artigo 595.º; e) Determinar, após debate, a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º e no artigo 547.º; f) Proferir, após debate, o despacho previsto no n.º 1 do artigo 596.º e decidir as reclamações deduzidas pelas partes; g) Programar, após audição dos mandatários, os atos a realizar na audiência final, estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e designar as respetivas datas. art. 592.º 1 - A audiência prévia não se realiza: a) Nas ações não contestadas que tenham prosseguido em obediência ao disposto nas alíneas b) a d) do artigo 568.º; b) Quando, havendo o processo de findar no despacho saneador pela procedência de exceção dilatória, esta já tenha sido debatida nos articulados. art. 593.º 1 - Nas ações que hajam de prosseguir, o juiz pode dispensar a realização da audiência prévia quando esta se destine apenas aos fins indicados nas alíneas d), e) e f) no n.º 1 do artigo 591.º. No caso vertente não releva o art. 597º, uma vez que o valor da presente causa é superior a metade da alçada da Relação. Ora, como se afere das disposições legais citadas, caso pretenda conhecer imediatamente, em sede de despacho saneador do mérito da causa, deve o juiz convocar audiência prévia, sendo-lhe vedado, sem prévia consulta e assentimento das partes, dispensar aquela diligência. Com efeito, interpretando tais disposições legais dizem ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA, e LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA: “Do confronto dos art. 591º, nº 1, 592º, nº 1, 593º e 597 resulta claro que a tramitação de uma ação declarativa comum de valor superior a metade da alçada da Relação(…) incluirá, em curso normal, uma audiência prévia, regra que apenas comporta duas exceções tipificadas: quando a lei assim o estabeleça, o que sucede nos casos indicados no art. 592º, nº 1; quando o juiz dispense a realização da audiência, ao abrigo do art. 593º, nº 1. Com tais ressalvas, a audiência previa é obrigatória, decorrendo da sua dispensa uma nulidade (…)”. “o cotejo dos arts. 591.º, n.º 1, al. b), 592.º, n.º 1, al. b) (“havendo o processo de findar no despacho saneador pela procedência de exceção dilatória”) e 593.º, n.º 1 (“nas ações que hajam de prosseguir”) mostra bem o relevo que o legislador atribui à audiência prévia enquanto espaço privilegiado para a garantia das partes, em função da natureza (formal ou material) das decisões a tomar no despacho saneador e do impacto dessas decisões na própria causa. Se o juiz projetar conhecer apenas de uma exceção dilatória no despacho saneador, julgando-a procedente e absolvendo o réu da instância, poderá dispensar a audiência prévia, desde que tal exceção tenha sido debatida nos articulados, aplicando-se o art. 592.º, n.º 1, al. b). Sempre que projete conhecer do mérito da causa no despacho saneador, seja quanto a algum pedido, seja quanto a alguma exceção perentória, e independentemente do possível sentido da decisão, deverá convocar audiência prévia para os efeitos do art. 591.º, n.º 1, al. b). Daqui resulta com total clareza o propósito legislativo, no sentido de que as ações declarativas não incluídas na previsão do art. 597.º não podem terminar com decisão de mérito no despacho saneador sem que o mesmo seja proferido no contexto de uma audiência prévia”. Com efeito, resulta claramente do disposto no nº 1 art. 593º que a dispensa de audiência prévia só é admissível quando esta se destine aos fins previstos nas als. d), e) e f) do art. 591º, ou seja, quando se destine à prolação de despacho saneador (stricto sensu), fazer operar a adequação formal, e proferir despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas de prova, bem como, se for o caso disso, decidir de reclamações que as partes entendam deduzir. Poder-se-ia objetar que a circunstância de a citada norma remeter para a al. d) do nº 1 do art. 591º e este referir o nº 1 art. 595º, e não apenas a al. a) deste último abriria espaço para que se considere que aquela remissão abrange igualmente a al. b) deste último preceito, que rege o despacho saneador-sentença. Essa dificuldade interpretativa foi enfatizada por J. H. DELGADO DE CARVALHO. Cremos contudo que essa interpretação colidiria frontalmente com a circunstância de o nº 1 do art. 593º não conter nenhuma referência à al. b) do nº 1 do art. 591º, bem como porque do nº 2 do art. 593º resulta de forma clara que nos casos de dispensa de audiência prévia a ação prossegue com vista à realização da audiência final. Na verdade, como bem refere RUI PINTO, «no que ao problema tange, há que ir às als. b) e d) do n.º 1 do artigo 591.°: verificada a necessidade de ambos os fins eles são interdependentes. Assim, “faculta-se às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar exceções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa" e depois profere-se o competente despacho saneador julgando as exceções e/ou do mérito. Portanto, não se discute as exceções dilatórias e o mérito sem que a seguir não se julgue em saneador; não se julga em saneador sem discutir. Trata-se, pois, de um saneador que termina a causa por absolvição da instância ou que conhece do mérito (total ou parcialmente), nos termos das duas alíneas do n.º 1 do presente artigo. A ratio subjacente é a de que o tribunal que está em condições de pôr termo à causa (seja por procedência de exceção dilatória, seja por julgamento integral do mérito) ou de, sem pôr termo à causa, conhecer do mérito parcial (julgamento de um pedido cumulado contra uma mesma parte ou de uma exceção perentória) deve facultar às partes a discussão de facto e de direito, cumprindo o artigo 591.º n.º 1 al. b) (salvo se, porventura, se tratar de exceção dilatória insanável conhecida oficiosamente e que, por evidente, dispense discussão, ou em certos casos de factos a provar por documento (...). Trata-se, afinal, da mesma faculdade que as partes teriam se o processo prosseguisse até à audiência final ao abrigo do artigo 604.º n.º 3 al. e). Visa-se, deste modo, garantir o contraditório e evitar, como efeito secundário uma decisão-surpresa, em conformidade com o artigo 20.º n.º 4 CRP e o artigo 3.º n. 3” Também RAMOS DE FARIA e ANA LOUREIRO referem que “a audiência prévia é de realização necessária, com o fim de facultar às partes a discussão de facto e de direito, quando o juiz tencione conhecer parcialmente do mérito da causa (art. 591.º, n.º 1, al. b)), se a questão parcelar não tiver sido discutida nos articulados. O conhecimento da totalidade do mérito da causa não é de considerar, pois não satisfaz o primeiro requisito da norma habilitadora da dispensa: “ações que hajam de prosseguir”. A audiência prévia é de realização necessária quando o juiz tencione de todo o mérito da causa e a questão não tiver sido debatida nos articulados, o que vale dizer que pode ser dispensada no caso oposto (art. 547.º). Esta decisão de dispensa deve, todavia ser precedida da consulta das partes (art. 3.º, n.º 3), assim se garantindo não apenas o contraditório sobre a gestão do processo, como também uma derradeira oportunidade para as partes discutirem o mérito da causa. Note-se que a al. b) do n.º 1 do art. 591.º não prevê a realização da audiência [prévia] para o juiz decidir o mérito da causa. Este fim decisório vem, sim, previsto na al. d) do mesmo número – veja-se, ainda, o art. 595.º, n.º 1, al. b)). O fim contido na al. b) visa, sim, assegurar o respeito pelo princípio do contraditório, o qual poderá se garantido mos termos acima referidos”. Assim, sempre que o tribunal considerar que é de proferir de imediato decisão que ponha termo à causa deve ter lugar a audiência prévia para o fim previsto no art. 591.º, n.º 1, al. b). Daí que, como referem ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, a prolação de despacho saneador-sentença em desrespeito pelas referidas disposições legais configura uma nulidade por se resultar da omissão de um ato processual (a audiência prévia) susceptível de influir no exame e na decisão da causa, nos termos do art. 195º, nº 1 do CPC. Neste sentido cfr. acs. RL 13-11-2014 (Ana de Azeredo Coelho), p. 673/03.2TYLSB.L1-6; RE 10-05-2018 (Mata Ribeiro), p. 2239/15.5T8ENT-A.E1; RE 24-05-2018 (Tomé Ramião), p. 10442/15.1T8STB-A.E1; RG 17-01-2019 (José Cravo), p. 4833/15.5T8GMR-A.G3. Aqui chegados, cumpre reconhecer que também se afigura plausível uma via interpretativa que ressalvadas certas condições permita a dispensa da audiência prévia mesmo em casos em que o Tribunal entenda que o estado da causa admite e justifica a prolação de despacho saneador-sentença. Na verdade, como salienta MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “O que importa assegurar é que a tramitação alternativa continue a garantir um processo equitativo, pelo que há que determinar qual é o standard mínimo que resulta da tramitação legal e que deve ser respeitado em qualquer procedimento alternativo definido pelo juiz. Nesta perspectiva, pode dizer-se que em qualquer tramitação tem de estar assegurada a possibilidade de as partes alegarem as suas razões de facto e de direito e de realizarem a prova dos factos controvertidos, bem como a oportunidade de o tribunal se pronunciar tanto sobre a matéria de facto, como sobre a de direito e, quanto a esta última, quer numa perspectiva processual, quer numa óptica substantiva. Respeitado este standard mínimo, toda a tramitação determinada pelo juiz está em condições de ser válida.” Assim, alvitra JH DELGADO de CARVALHO que é possível compatibilizar a regra de que a decisão antecipada da causa deve ter lugar na audiência prévia com a admissão de exceções, fruto da adequação formal. Como sustenta este autor, “deve ser permitido que o juiz, quando pretenda conhecer imediatamente de questão substancial que põe termo ao processo, possa ouvir as partes para que estas influenciem a sua decisão, em lugar de ter de convocar a audiência prévia nos termos do art. 591.º, n.º 1, al. b), 2.ª parte, e 593.º, n.º 1, a contrario sensu; mas, em contrapartida, o juiz deverá prevenir as partes, de forma fundamentada, sobre a solução do litígio, o que implica a enunciação das questões a solucionar e a sua comunicação às partes (cf. art. 3.º, n.º 3). Sendo assim, quando o juiz pretenda, no despacho saneador, conhecer imediatamente de questão substancial que põe termo ao processo, as partes podem ser notificadas para habilitarem o juiz a conhecer do mérito da causa, de modo a influenciarem a sua decisão. A notificação das partes, com a finalidade de estas poderem influenciar o juiz na discussão do mérito da causa, dispensa a realização da audiência prévia, se as partes concordarem com essa dispensa. A dispensa da audiência prévia, para garantia da equidade processual e a igualdade das partes, fica, contudo, dependente de o juiz prevenir as partes, de forma fundamentada, sobre a solução do litígio, o que implica a enunciação das questões a solucionar e a sua comunicação às partes, como decorrência da boa-fé processual e da recíproca cooperação entre as partes e o juiz. A comunicação da visão perspetivada pelo juiz é também importante para permitir confirmar ou infirmar a existência de condições para, sem mais provas, o juiz poder conhecer do mérito da causa. Este procedimento é, indiscutivelmente, uma boa técnica de agilização e simplificação processual, como instrumento de organização de todo o serviço do juiz, e evitaria a deslocação das partes e seus mandatários ao tribunal apenas para a realização, a maior parte das vezes, das alegações finais. Um dos princípios estruturantes do processo civil é o de que tem de haver contraditório em relação a tudo quanto possa constituir uma decisão surpresa, seja uma questão de facto, seja uma questão de direito. O contraditório, para ser autêntico e efetivo, não se reporta apenas aos factos alegados pelas partes e às posições por estas assumidas; também abrange a identificação das normas que o juiz entende aplicar e a interpretação que delas venha a fazer, dado que a sentença – precedida ou não do julgamento da matéria de facto – deve ser uma peça previsível para as partes, quer no domínio dos factos que devam ser considerados nessa decisão pelo tribunal, quer no domínio do direito aplicável. Nesta senda, é de considerar uma decisão surpresa, não tanto a aplicação de uma norma que não foi equacionada pelas partes, mas antes o enquadramento jurídico da pretensão que não é previsível, face à evolução da doutrina e da jurisprudência e, sobretudo, do que foi invocado e debatido pelas partes na fase dos articulados. De igual modo, constitui uma decisão surpresa a interpretação de uma norma que, mesmo que haja sido considerada pelas partes, não é usualmente seguida pela doutrina ou pela jurisprudência, nem essa interpretação foi assumida pelas partes nos articulados. É que embora seja livre de aplicar e interpretar o direito (cf. art. 5.º, n.º 3), não estando sujeito nessa tarefa de indagação às alegações das partes – podendo, por isso, decidir num sentido que não foi pedido pelas partes –, o juiz não pode adotar uma solução jurídica para a resolução do caso concreto em apreciação, ainda que juridicamente possível – ou seja, situada dentro do quadro geral e abstratamente permitido pela lei –, que seja diferente das correntes maioritárias na doutrina e na jurisprudência sem que previamente tenha ouvido as partes, e lhes haja transmitido qual é a sua posição sobre a questão em litígio e como pensa dirimir essa questão. Só com este sentido o n.º 3 do art. 3.º garante um efetivo e autêntico contraditório e, nessa medida, assegura a igualdade das partes, pois é sabido que nem sempre estas dispõem, por quem lhes presta assistência jurídica, de igual qualidade técnica. Isto significa, por seu turno, que já não viola o contraditório, por não constituir uma decisão surpresa, a decisão que não vai ao encontro da suposição que as partes houverem feito ou da expetativa que elas possam ter acalentado, quer quanto às questões de facto, quer quanto às questões de direito. Noutras palavras, os fundamentos de direito da decisão não só devem estar ínsitos ou relacionados com o pedido que é formulado como também devem de antemão ser conhecidos ou perspetivados pelas partes como sendo fortemente possíveis. A ausência de uma probabilidade forte justifica a audição das partes, nos termos do n.º 3 do art. 3.º, antes de o juiz conhecer imediatamente do mérito da causa. As partes só têm a obrigação de prever a solução do juiz se ela corresponder a uma das diversas soluções plausíveis da questão de direito; já não quando se traduz numa inflexão relevante da qualificação jurídica maioritariamente perfilhada na doutrina e na jurisprudência, sem correspondência no enquadramento assumido e discutido nos articulados”. Esta abertura a soluções de maior flexibilidade interpretativa que com respeito do princípio do contraditório, proporcionem espaço para adequação formal (arts. 6º e 547º do CPC), e possibilitem a dispensa da audiência prévia também nas situações em que o processo deva terminar mediante a prolação de despacho saneador, maxime com despacho saneador-sentença foi igualmente acolhida nos acs. RL 05-05-2015 (Cristina Coelho), p. 1386/13.2TBALQ.L1-7; RP 24-09-2015 (Judite Pires), p. 128/14.0T8PVZ.P1; RL 08-02-2018 (Cristina Neves), p. 3054-17.7T8LSB-A.L1-6; e 11-12-2018 (Arlindo Crua), p. 103/16.0T8OER-A.L1-2, RL 16-10-2018 (Ana Rodrigues da Silva), p. 1713/16.0T8CSC.L1, e RL 14-05-2019 (Ana Rodrigues da Silva), p. 2172/18.9T8ALM.L1. Uma tal adequação do processado deve contudo, respeitar de forma escrupulosa o princípio do contraditório, e a obter a prévia anuência das partes. Assim, reiteramos o entendimento manifestado no já citado ac. deste Tribunal de 14-05-2018, no sentido de que: “i) a audiência prévia é de realização necessária quando o juiz tencione conhecer de todo o mérito da causa e as razões de facto e de direito atinentes a todas as questões a decidir não tiverem sido debatidas nos articulados; ii) a audiência pode ser dispensada quando o juiz tencione conhecer de todo o mérito da causa e as razões de facto e de direito atinentes a todas as questões a decidir já se mostrem debatidas nos articulados; iii) nada obsta a que, com vista à dispensa da audiência prévia, tencionando o juiz conhecer de todo o mérito da causa, e não se encontrando as razões de facto e de direito atinentes a todas as questões a decidir suficientemente debatidas nos articulados, o juiz notifique as partes para, pro escrito, se pronunciarem sobre aquelas razões; iv) tanto no caso referido em ii), como no caso referido em iii), o juiz deve, no entanto, em cumprimento do disposto no art. 3.º, n.º 3: a) consultar as partes, nos termos do art. 3.º, n.º 3, no sentido de indagar se se opõem à dispensa da audiência prévia, de forma a garantir o contraditório quanto à gestão processual; b) o juiz deve prevenir as partes, de forma fundamentada, sobre a solução do litígio, o que implica a enunciação das questões a solucionar e a sua comunicação às partes; v) no caso de alguma das partes não concordar com a dispensa de realização da audiência prévia, esta deve obrigatoriamente realizar-se.” No caso que nos ocupa, é manifesto que as condições acima enunciadas para a dispensa da audiência prévia com vista à prolação de despacho saneador-sentença não foram cumpridas na medida em que, como já se referiu, embora as partes tenham sido consultadas acerca da possibilidade de dispensar a audiência prévia, a Mmª Juíza não informou as partes de que era sua intenção proferir decisão que pusesse fim à causa, e mesmo quando se referiu a questões que pretendia apreciar, e o possível desfecho da causa, o fez num contexto que pressupunha que a causa prosseguisse com vista à realização da audiência de julgamento. Com efeito, o que o relato da tramitação processual referida no relatório e já acima mencionada demonstra é que a dispensa da audiência de partes tinha como pressuposto a prolação de despacho saneador stricto sensu seguida de despacho identificando o objeto do litígio e enunciando os temas da prova e de despacho designando data para a realização da audiência de julgamento (vd. despachos de 04-05-2017 e 18102017). Discordamos, por isso da posição manifestada pela recorrida quando sustenta que a prolação dos despachos datados de 18-10-2017, 18-12-2017, 20-02-2018 e 17-01-2019 conferiu às partes a possibilidade se se pronunciarem amplamente sobre as questões em discussão nos presentes autos, pelo que a nulidade invocada pelos recorrentes não se verifica, na estrita medida em que em nenhum desses despachos se refere a intenção de proferir despacho saneador-sentença, e muito menos as questões a abordar no mesmo e o sentido das decisões a proferir. É certo que no despacho de 20-02-2018 a Mmª Juíza a quo se refere à possibilidade de a causa vir a ser julgada procedente, mas no mesmo despacho refere a intenção de proferir “despacho (…) ao abrigo do artigo 596.º do Cód. Proc. Civil.” Esta disposição, como sabemos, reporta-se ao despacho que identifica o objeto do litígio e enuncia os temas de prova, o que pressupunha que a causa prosseguisse com vista à realização da audiência final e não que cessasse com a prolação de despacho saneador-sentença, como veio a suceder. Nesta conformidade, concluímos que a omissão da realização da audiência prévia, seguida da prolação de despacho saneador-sentença, nos termos em que ocorreu, com manifesta preterição do princípio do contraditório, constituindo uma verdadeira decisão-surpresa, configura violação do disposto nos arts. 3º, nº 3, 591º, nº 1, al. b), e 593º, nº 1, todos do CPC e que tal infração influiu no exame e decisão da causa, pelo que constitui nulidade nos termos previstos no art. 195º, nº 1 do mesmo Código. B – Síntese conclusiva Verificada a nulidade secundária invocada pelos apelantes, importa declarar nulo o processado consistente na prolação do despacho saneador-sentença e demais atos dele dependentes, devendo a tramitação do processo ser retomada no momento imediatamente anterior à prolação de tal decisão. Assim sendo, fica prejudicada a apreciação das demais questões que constituíam o objeto do presente recurso, a saber, a nulidade do despacho saneador sentença fundada no disposto nas als. c) e d) do nº 1 do art. 615º do CPC, e a apreciação do mérito da causa – art. 608º, nº 2, 2ª parte, ex vi do art. 663º, nº 2 do mesmo código. VI- DECISÃO Por todo o exposto, acordam os juízes que integram a 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar a apelação procedente e declarar nulo o processado correspondente à prolação do despacho saneador-sentença, revogando-o; regressando os autos ao momento processual anterior à sua prolação, e prosseguindo a causa a partir daí conforme à Mmª Juíza a quo se afigurar ser adequado e de direito, sempre, no entanto, com estrito respeito pelo princípio do contraditório, em todas as suas vertentes, incluindo a da gestão do processo, e tendo presente que a prolação de despacho saneador-sentença só poderá ter lugar em audiência prévia, a menos que a realização desta seja dispensada sem oposição de qualquer das partes, e que os motivos da dispensa daquela audiência e a intenção de proferir despacho saneador-sentença, bem como o teor deste sejam previamente comunicados às partes. Custas pela apelada. Lisboa, 04 de junho de 2019 Diogo Ravara Ana Rodrigues da Silva Micaela Sousa |