Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | ISABEL MARIA BRÁS FONSECA | ||
Descritores: | CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA TRADIÇÃO DA COISA INSOLVÊNCIA DIREITO DE RETENÇÃO CONSUMIDOR INCONSTITUCIONALIDADE | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/13/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | 1. Nos contratos promessa com eficácia meramente obrigacional em que ocorreu a traditio da coisa e o promitente comprador entregou sinal, em caso de insolvência do promitente vendedor, optando o administrador da insolvência por não celebrar o contrato prometido: a) O crédito reclamado pelo promitente comprador consumidor, goza do direito de retenção (art.º 755º nº 1 alínea f) do Cód. Civil), o que significa, no âmbito da insolvência, que deve ser graduado antes do crédito garantido por hipoteca, conforme fixado no acórdão do STJ de 20-03-2014 (AUJ nº 4/2014); este AUJ (apenas) refletiu sobre o confronto entre o direito de retenção e a hipoteca, e razões da atribuição de prevalência; b) Promitente comprador consumidor é aquele que destina a coisa, objeto de traditio, a uso particular, ou seja, não o compra para revenda nem o afeta a uma atividade profissional ou lucrativa, conforme fixado no acórdão do STJ de 12-02-2019 (AUJ nº 4/2019); este AUJ limitou-se a fixar o conceito juridicamente relevante, para o efeito em apreço, da qualidade de promitente comprador consumidor; c) O valor do crédito a que o promitente comprador consumidor tem direito a ser ressarcido é o valor correspondente à prestação que efetuou (arts. 106.º, n.º 2, 104.º, n.º 5, e 102.º, n.º 3, do CIRE), conforme fixado pelo acórdão do STJ de 27-04-2021 (AUJ nº 3/2021); este AUJ, partindo da uniformização de jurisprudência feita pelos acórdãos anteriores, apreciou exclusivamente sobre o montante do crédito devido ao promitente comprador (crédito sobre a insolvência). 2. Improcede a invocação de inconstitucionalidade da interpretação enunciada nos acórdãos uniformizadores de jurisprudência nºs. 4/2014 de 20-03-2014 e 4/2019 de 01-10-2019, proferidos pelo STJ, (indicando o apelante que a “distinção subjetiva entre promitentes compradores consumidores e não consumidores viola os princípios da segurança jurídica, ínsito no princípio do Estado de Direito democrático constante do artigo 2º da Constituição da República, da igualdade, proporcionalidade e confiança”) porquanto não pode equiparar-se a situação do promitente comprador consumidor à situação do promitente comprador não consumidor, não estando ambos em pé de igualdade: tendo em linha de conta os interesses em jogo, justifica-se a proteção da parte mais débil, que é o promitente comprador consumidor sendo, pois, a distinção de regime justificada e razoável. 3. Também se considera sem fundamento a convocação do princípio da separação de poderes (separação e interdependência dos órgãos de soberania) tendo por referência os arts. 2.º e 111.º da CRP. Competindo aos tribunais, enquanto órgãos de soberania, “administrar a justiça em nome do povo” (art.º 202.º, n.ºs 1 e 2 da CRP), no exercício dessas funções, deve o julgador obediência à lei (art.º 8.º do Cód. Civil), com a inerente necessidade da interpretação, ou seja, daquela atividade do jurista que se destina a fixar o sentido e o alcance com que o texto deve valer; deve ainda o tribunal dar efetividade à exigência de “interpretação e aplicação uniformes do direito” (número 3 do art.º 8.º do Cód. Civil), para o que releva o contributo da jurisprudência e da doutrina relevantes para a análise do caso. 4. Ultrapassada que ficou a possibilidade de fixação de doutrina com força obrigatória geral, na sequência de vários acórdãos do TC, que assinalavam o carácter normativo dos assentos em face do (anterior) texto do artigo 2º do Código Civil e revogado o preceito pelo Dec. Lei 329-A/95 de 12-12 (art.º 4.º, n.º2), passou a admitir-se a possibilidade dos intervenientes processuais interporem recurso para uniformização de jurisprudência, no condicionalismo e pressupostos fixados nos arts. 688.º a 695.º do CPC. O alcance dos AUJ é substancialmente diferente dos assentos e a adesão à jurisprudência meramente orientadora fixada naqueles arestos não acarreta qualquer invasão pelo julgador da esfera do poder legislativo, mais não configurando a alegação do apelante senão o retomar de discussão há muito ultrapassada. (Da responsabilidade da relatora (art.º 663.º, nº 7 do CPC). | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa I. Relatório Ação Processo de insolvência - apenso de verificação do passivo. Insolvente Sociedade Imobiliária … Lda, declarada insolvente por acórdão do TRL proferido em 11-02-2020, transitado em julgado. Lista de créditos O Administrador da Insolvência (AI) apresentou a lista dos credores reconhecidos e não reconhecidos, indicando, nomeadamente, que: - AF é titular de um crédito garantido (sob condição) no valor global de 75.000,00€, - A sociedade PSol – Promoção Imobiliária, Lda. é titular (i) de um crédito garantido (sob condição) no valor global de 30.000,00€; (ii) de um crédito comum (sob condição) no valor de 500.000,00€; e (iii) de um crédito subordinado (sob condição), no valor de 2.032,88€ (cfr. lista de credores reconhecidos retificada, datada de 01-08-2022 – N/REF. 4818802). Impugnações Apresentaram impugnações à lista: - Por requerimento datado de 09-02-2021, a Caixa Económica Montepio Geral, com fundamento na indevida inclusão e qualificação de créditos a favor de AF, no valor global de 75.000,00€ e ainda dos créditos a favor da sociedade PSol – Promoção Imobiliária, Lda (N/REF. 4053556). - Por requerimento de 08-02-2021, a sociedade PSol – Promoção Imobiliária, Lda com fundamento na incorreta qualificação do seu crédito reconhecido, no montante global de 500.000,00€ (N/REF. 4051343). A impugnante Caixa Económica Montepio Geral alegou, em síntese, relativamente ao crédito de AF, que (i) o reclamante não fez prova que tenha pago, a título de sinal, a quantia de 35.000,00€, (ii) nem que tenha implantado no prédio urbano descrito na CRP de Santa Cruz sob o n.º 3881/20021111 benfeitorias no valor global de 40.000,00€; (iii) que o contrato-promessa é nulo, por violar o disposto no artigo 410.º, n.º 3, do Cód. Civil; (iv) tem legitimidade para invocar a referida nulidade; (v) impugna o contrato-promessa, bem como as assinaturas dele constantes, nos termos dos artigos 376.º do Cód. Civil e 444.º do CPC; (vi) que o contrato-promessa ainda não foi incumprido; (vii) em caso de incumprimento do contrato, o crédito do reclamante é calculado nos termos dos artigos 106, n.º 2, 104.º, n.º 5 e 102.º, n.º 3, todos do CIRE; (viii) não sendo o crédito calculado nos termos do artigo 442.º, o mesmo não se encontra garantido por direito de retenção, nos termos do artigo 755.º, n.º 1, alínea f), do Código Civil; (ix) que o crédito reconhecido tem natureza comum; (x) o Reclamante não junta qualquer prova do pagamento que alega ter feito à insolvente, sendo que do contrato junto não consta sequer sobre que forma foi o alegado montante entregue; (xi) não existe assim uma cópia de cheque, um talão de depósito de montante em conta bancária, um extracto bancário de onde resulte o débito de tal quantia, a demonstração da realização de uma transferência bancária ou mesmo a referência a que o pagamento foi feito em numerário; (xii) nos termos do contrato celebrado, também não é dada quitação do montante entregue, e como dali resulta, ficaria tal quitação dependente da boa cobrança da quantia entregue (pese embora se desconheça sobre que forma); (xiii) o contrato que foi junto com a reclamação apresentada não constitui sequer declaração de quitação, porquanto está desacompanhado de outros elementos probatórios; (xiv) a Impugnada não peticiona o montante de 40.000,00€ a título de despesas feitas com o imóvel em causa, nem a título de benfeitorias realizadas, antes remetendo para o valor da coisa à data do incumprimento do contrato-promessa, mais uma vez assacando as consequências previstas no artigo 442.º do CC (do qual o mesmo não se poderá aqui prevalecer); (xv) tal montante não é liquidado, nem por qualquer forma sustentado, limitando-se o Impugnado a genericamente e de forma vaga referir que esta será a valorização que o imóvel sofreu face ao preço inicialmente acordado, como causa das suas intervenções (obras de conservação e manutenção, execução de benfeitorias e muros); (xvi) o montante reclamado pelo Impugnado não assenta nas despesas que o mesmo possa ter tido por força da alegada posse do imóvel, mas sim no suposto acréscimo de valor que o imóvel terá tido; (xvii) em virtude do atrás referido, a quantia de 40.000,00€ deve ser excluída da relação de credores reconhecidos; (xviii) o Impugnante não fez prova ter a posse do imóvel; (xix) o Impugnando não é consumidor; (xx) não sendo o imóvel habitável, nem habitado como resulta da avaliação junta aos autos, nem referindo o Impugnante o concreto uso a que o sujeitará – ainda que sem conceder quanto à invocada posse – não resulta demonstrada a sua qualidade de consumidor. Conclui peticionando que: 1. Seja declarada a nulidade do contrato promessa invocado e caso assim não se entenda; 2. Sejam os créditos reconhecido a favor de AF excluídos da lista de credores reconhecidos e caso assim não se entenda: 3. Sejam os créditos reconhecido a favor de AF qualificados como comuns. E alegou, relativamente ao crédito de Promoção Imobiliária Lda, em síntese, que: (i) os contratos-promessa juntos pela reclamante e alegadamente celebrados em dezembro de 2013 e outubro de 2017 são nulos, nos termos do artigo 220.º do Cód. Civil, (ii) tem, na qualidade de terceiro interessado, legitimidade para invocar a referida nulidade, por só o promitente vendedor ter falta de legitimidade para invocar a mencionada nulidade, nos termos do artigo 410.º, n.º 3, do Cód. Civil; (iii) o Assento do STJ, datado de 28 de junho de 1994, padece de inconstitucionalidade, fazendo uma errada interpretação do disposto no n.º 3 do artigo 410.º do Código Civil; (iv) o terceiro interessado pode invocar a nulidade do contrato-promessa de compra e venda, nos termos do artigo 286.º do Cód. Civil; (v) declarada a nulidade dos referidos contratos, os mesmos deixam de produzir efeitos, não conferindo ao promitente comprador uma posse legítima; (vi) impugna o teor dos contratos juntos pela reclamante, bem como as assinaturas constantes dos mesmos, nos termos do artigo 376.º do Cód. Civil e artigo 444.º do CPC, bem como os demais documentos juntos aos autos; (vii) o contrato-promessa referente ao ano de 2017 não foi incumprido a título definitivo, pelo que a Reclamante não tem direito a exigir qualquer compensação, nem invocar direito de retenção, cabendo-lhe apenas fixar ao administrador da insolvência um prazo para cumprir o contrato-promessa, nos termos do artigo 102.º do CIRE; (viii) caso a opção seja pelo não cumprimento, o crédito da Reclamante é calculado, nos termos dos artigos 106.º, n.º 2, 104.º, n.º 5 e 102.º, n.º 3, todos do CIRE; (ix) ainda que à Reclamante viesse a ser reconhecido algum montante a título de crédito sobre a insolvência, ainda assim nunca este montante poderia ser considerado um crédito garantido, beneficiando do direito de retenção, por não se encontrarem preenchidos os pressupostos elencados no artigo 755.º, n.º 1, alínea f), do Código Civil; (x) em virtude do atrás referido, o crédito reconhecido no valor global de 30.000,00€ tem natureza comum e não garantida; (xi) pese embora se encontre junto aos autos documento que comprovará a entrega do aludido montante a título de mútuo entre Impugnada e Insolvente, não pode tal quantia, ainda que as partes o convencionem, ser considerada como sinal neste contrato-promessa em curso, nem poderá nesse contrato dar-se quitação do mesmo, pois sinal é a coisa entregue por um dos contraentes ao outro, no momento do contrato, ou em data posterior, como garantia do cumprimento; (xii) não pode assim considerar-se que a quantia entregue em momento anterior possa revestir a natureza de sinal, quanto mais que não seja porque a mesma não é entregue no momento da celebração e resulta de um (conveniente) acordo entre as partes; (xiii) não resulta assim minimamente comprovado que a impugnada entregou qualquer valor a título de sinal, nem se aceita assim que exista alguma dívida de que seja credora, nos termos invocados na sua reclamação de créditos; (xiv) a Reclamante não comprovou nos autos ter a posse dos mesmos; (xv) impugna a matéria de facto alegada no artigo 45.º da reclamação de créditos; (xvi) a Impugnada é uma pessoa coletiva, pelo que os imóveis foram (alegadamente) prometidos comprar à Insolvente no âmbito da sua atividade para satisfação das necessidades da sociedade e prossecução dos seus fins, atividades ou objetivos profissionais – vide considerando nº 1 do Contrato-promessa celebrado em Março de 2017 e cláusula quarta do mesmo contrato; (xvii) não podendo, pelo exposto, beneficiar do invocado direito de retenção para satisfação do seu alegado crédito, o qual só poderá ter – a existir – a natureza de crédito comum. Finaliza, peticionando que: 1. Seja declarada a nulidade dos contratos-promessa invocados; 2. O crédito reclamado, no valor global de 30.000,00€, pela sociedade PSol – Promoção Imobiliária Lda não seja reconhecido por manifesta falta de prova; 3. Caso assim não se entenda, que o crédito, no valor global de 30.000,00€, seja classificado como crédito comum, por não possuir qualquer garantia emergente de direito de retenção. A sociedade PSol – Promoção Imobiliária, Lda alega, em síntese, que: (i) celebrou, no dia 02.12.2013, com a devedora um contrato-promessa de compra e venda, tendo por objeto o prédio rústico descrito na CRP de Santa Cruz sob o n.º …; (ii) por força do mencionado contrato a reclamante obrigou-se a vender à devedora, pelo preço de 2.000.000,00€, o identificado prédio; (iii) por conta do preço foi paga, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de 40.000,00€; (iv) foi estipulado um reforço do sinal de 300.000,00€ a pagar no prazo de 60 dias; (v) a reclamante, pelo mesmo contrato, obrigou-se a constituir uma hipoteca a favor do Montepio Geral para garantir um empréstimo a efetuar pela devedora destinado a obter um financiamento necessário para o pagamento do sinal; (vi) foi acordado que, em caso de incumprimento, a segunda estava obrigada a cancelar a hipoteca no prazo de 90 dias, assumindo todas as despesas, juros e encargos que a primeira venha a ter para libertar o prédio; (vii) a devedora contraiu o empréstimo junto do Montepio Geral e a reclamante constitui a hipoteca sobre prédio, sem que, no entanto, tenha sido pago o reforço do sinal no montante de 300.000,00€; (viii) porque a devedora insolvente não notificou a reclamante para a outorga da escritura pública, aquela procedeu à sua notificação para comparecer no Cartório Notarial do Dr. GF, sito na Praça ACIF, Funchal, no dia 17.02.2015, às 12:00; porém, a devedora não compareceu, nem se fez representar; (ix) para evitar um processo judicial, as partes acordaram em fazer cessar o CPCV, estipulando a perda do sinal entregue no montante de 40.000,00€, a favor da reclamante; (x) de modo a possibilitar o cancelamento hipoteca constituída a favor do Montepio Geral as partes fixaram o prazo de um ano, a contar da dada da assinatura do acordo; mais foi estipulado que, em caso de incumprimento da obrigação de cancelar a hipoteca pela insolente, a mesma ficava obrigada a pagar à reclamante uma penalização a título de indemnização no montante de corresponde ao valor da hipoteca de 300.000,00€, acrescido de 200.000,00€, título de cláusula penal; (xi) para salvaguardar e garantir a obrigação de cancelamento da hipoteca a devedora entregou à reclamante, no dia 10.03.2015, a posse dos seguintes prédios rústicos: (a) prédio rústico descrito na CRP de Santa Cruz sob o n.º …; (b) prédio misto, descrito na CRP de Santa Cruz sob o n.º …; (c) prédio rústico descrito na CRP de Santa Cruz sob o n.º …; (d) prédio rústico descrito na CRP de Santa Cruz sob o n.º …; (e) prédio rústico descrito na CRP de Santa Cruz sob o n.º …; e (f) prédio rústico descrito na CRP de Santa Cruz sob o n.º …; (xii) a revogação e o ressarcimento da reclamante ficou sujeita ao cancelamento da hipoteca no prazo de um ano e/ou pagamento da indemnização e cláusula penal no valor total de 500.000,00€, em caso de incumprimento daquele prazo; (xiii) sucede que a devedora não procedeu ao cancelamento da hipoteca constituída a favor do Montepio Geral sobre o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º …; (xiv) incumprimento que fez a devedora incorrer no pagamento de uma penalização indemnizatória no montante de 300.000,00€ e numa cláusula penal de 200.000,00 €, o que perfaz o montante total de 500.000,00€; (xv) a reclamante emprestou à devedora, para liquidação dos juros devidos ao Montepio, a coberto dos contratos de empréstimos n.ºs 258.36.2 e 258.36.3-2, a quantia de 30.000,00€, através de depósito do cheque com o n.º … do banco MILLENNIUM BCP na conta n.º … em nome de VDAJ – VALORES A PELA ÁREA JURIDICA; (xvi) no dia 09.10.2017 a devedora prometeu vender à reclamante, livre de quaisquer ónus, encargos e desocupados de pessoas e bens, o bens imóveis referidos em (xi) supra; (xvii) os imóveis, que já se encontravam na posse da promitente compradora, ora reclamante, por força do Acordo de Rescisão; (xviii) por força da “traditio” da posse dos bens, quem os tem vindo a possuir desde 2015 até ao presente data é reclamante, sendo esta quem tem vindo a proceder à sua limpeza, conservação e manutenção, colhendo os seus proveitos e frutos naturais, entrando e saindo dos mesmos à vista de toda a gente, de modo contínuo, público e de boa-fé, bem como quem tem vindo a pagar os consumos de água e eletricidade, conforme estipulado no parágrafo único da cláusula Quinta do CPCV; (xix) o preço para a venda dos imóveis foi de 2.150.000,00€, tendo sido paga a quantia de 30.000,00€; (xx) o remanescente do preço deverá ser pago na data da outorga da escritura pública de compra e venda; (xxi) a escritura pública deverá ser outorgada, logo após a reunião das condições documentais, tendo a responsabilidade pela interpelação ficado a cargo da primeira; (xxii) não obstante as insistências e pedidos de informações e promessas efetuados pela segunda junta da primeira e as promessas de cumprimento, a verdade é que a escritura não foi ainda celebrada; (xxiii) a reclamante consigna que mantém interesse na prestação e na celebração do contrato definitivo; (xxiv) por força do contrato-promessa, mais concretamente da cláusula quarta, a primeira cedeu à segunda, livre de ónus e encargos, de forma total e incondicional, todos os direitos de natureza administrativa decorrentes dos projetos, imagens, marcas e logotipos que tenham tido ou tenham por objeto dos prédios prometidos vender, bem como todos os direitos de autor e conexos e de propriedade intelectual; (xxv) na cláusula sexta foi admitido e confessado que a devedora não procedeu ao cancelamento da hipoteca constituída sobre o prédio registado na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º 5131, inscrita pela Ap. 950, de 2013/12/12, razão pela qual as partes acordaram na prorrogação do prazo para devedora proceder ao respetivo cancelamento por mais um ano, a contar de 09.10.2017, com possibilidade de prorrogação por mais 3 meses a pedido daquela; (xxvi) sucede que até à presente data a devedora não procedeu ao cancelamento da hipoteca; (xxvii) conforme ficou expressamente acordado, o incumprimento da obrigação de cancelamento da hipoteca sub judice fez a devedora incorrer automaticamente na obrigação de pagar à reclamante uma penalização a título indemnizatório no valor máximo assegurado pela hipoteca de 300.000,00€, acrescido de 200.000,00€, a título de cláusula penal, perfazendo o montante total de 500.000,00€, que por decisão unilateral da reclamante será deduzido do preço a pagar pela promessa de venda com valor de sinal; (xxviii) a devedora decidiu deduzir ao preço a pagar a quantia de 500.000,00€, que passou a possuir a natureza de sinal; (xxviii) por conseguinte e ainda que sujeito a condição (decisão que vier a ser tomada pelo administrador da insolvência sobre o cumprimento ou recusa do cumprimento do contrato-promessa), a reclamante poderá vir a deter um crédito no montante de total de 530.000,00€ correspondente à prestação que efetuou, tal como decorre do estipulado no n.º 2 do artigo 106.º, com remissão para o n.º 5 do artigo 104.º, o qual, por sua vez remete para o artigo 102.º, todos do CIRE; (xxix) a este montante deverá acrescer os juros vincendos, calculadas à taxa legal de 4%, desde a data da eventual recusa do cumprimento do contrato pelo administrador da insolvência até ao efetivo pagamento; (xxx) nos termos do disposto na al. f) do artigo 755.º do Código Civil, a reclamante goza do direito de retenção sobre os imóveis prometidos vender. Finaliza, peticionando que o crédito reclamado, no valor global de 500.000,00€, seja igualmente qualificado como crédito garantido sob condição. Respostas Por requerimento de 19-02-2021, AF respondeu à impugnação (N/REF. 4064515). Alega, em síntese, que: (i) o contrato-promessa foi efetivamente celebrado entre as partes; (ii) o sinal, no valor de 35.000,00€ foi entregue ao Reclamante no ato de assinatura do referido contrato; (iii) o Reclamante ficou imediatamente na posse do imóvel; (iv) não obstante várias interpelações efetuadas pelo Reclamante, a escritura pública de compra e venda não foi celebrada até à presente data; (v) que desde então habita o referido imóvel; (vi) as obras implantadas no imóvel valorizaram o mesmo em 40.000,00€; (vii) interveio no âmbito do contrato na qualidade de consumidor, pelo que o seu crédito beneficia de direito de retenção; (viii) o valor atual do prédio ascende atualmente a 135.000,00€; (ix) o contrato é valido, sendo que a Impugnante não tem legitimidade para invocar a nulidade prevista no artigo 410.º, n.º 3, do Código Civil; (x) tem direito a receber o valor do sinal acrescido da diferença entre o valor do prédio à data da outorga do contrato-promessa e o seu valor à data da eventual recusa de cumprimento, no valor global de 75.000,00€; e que (xi) o sinal foi pago em numerário. Finaliza, peticionando que a impugnação deduzida pela CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL seja julgada improcedente. Por requerimento de 19-02-2021 (N/REF. 4064458), a sociedade PSol – Promoção Imobiliária Lda deduzir resposta à impugnação. Alega, em suma, que: (i) na sequência da transmissão da posse dos imóveis prometidos vender, a reclamante tem vindo a deter materialmente e a exercer uma posse pública, de boa-fé e contínua, que se traduz na prática reiterada dos seguintes atos: limpeza, manutenção e cuidado dos prédios, colhendo os seus frutos naturais, parqueamento e armazenamento de materiais e equipamentos de construção civil, pagamento de impostos e encargos camarários, despesas de água e eletricidade; (ii) que o seu crédito reconhecido encontra-se garantido por direito de retenção sobre os prédios identificados no contrato-promessa; (iii) os contratos-promessa não são nulos, sendo que aos mesmos não é aplicável o disposto no artigo 410.º, n.º 3, do Código Civil; (iv) no objeto dos contratos em apreço estão em causa prédios rústicos e urbanos (já construídos), sendo, por conseguinte, óbvio que a formalidade do reconhecimento presencial das assinaturas não lhes era exigível; (v) que mesmo que assim não fosse, dos contratos-promessa sub judice decorre expressamente que as partes renunciaram à possibilidade de virem a invocar a sua nulidade formal por falta de reconhecimento presencial das assinaturas (cfr. (a) cláusula sexta do contrato-promessa de 02.12.2013 e (b) cláusula décima primeira do contrato-promessa celebrado a 09 de Outubro 2017); (vi) é dominante a jurisprudência que defende que a norma sobre o reconhecimento da assinatura do contrato-promessa, prevista no n.º 3 do artigo 410.º do Cód. Civil, não é imperativa, que está em causa um direito disponível, podendo as partes, dentro da sua liberdade contratual, dispor de modo diverso e/ou renunciar a tais direitos; (vii) a ora Impugnante não tem legitimidade para invocar a referida nulidade; (viii) o seu crédito foi reconhecido sob condição, nos termos do artigo 50.º, n.º 2, do CIRE; (ix) peticionou a restituição do sinal em singelo; (x) o seu crédito encontra-se garantido por direito de retenção; (xi) nada na lei impede que, dentro do principio da autonomia contratual, as partes acordão em imputar e ou/converter um crédito em sinal, seja ele proveniente de um empréstimo, seja ele proveniente de uma indemnização ou cláusula penal, contratualmente assumidas por violação das respetivas obrigações. Finaliza, peticionando que o seu crédito, no valor global de 30.000,00€, seja reconhecido como garantido. Decisões recorridas [ [1] ] Realizou-se audiência de julgamento após o que, em 08-05-2023, se proferiram sentenças decidindo as impugnações, com os seguintes segmentos dipositivos: 1. “VI – DECISÃO Termos em que, o Tribunal decide julgar a impugnação da lista de credores reconhecidos deduzida pela CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL parcialmente procedente e, por conseguinte, declarar que AF é titular de um CRÉDITO GARANTIDO (SOB CONDIÇÃO), no valor de 35.000,00€ (cfr. CRÉDITO 1., alínea a), da lista de credores reconhecidos)”. 2. “VI – DECISÃO Termos em que, o Tribunal decide: 1. Julgar a impugnação da lista de credores reconhecidos deduzida pela CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL parcialmente procedente e, por conseguinte, declarar a sociedade PSOL – PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA. é titular de um CRÉDITO COMUM (SOB CONDIÇÃO), no valor de 30.000,00€ (cfr. CRÉDITO 5., alínea f), da lista de credores reconhecidos); e 2. Julgar a impugnação da lista de credores reconhecidos deduzida pela sociedade PSOL – PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA. improcedente e, por conseguinte, declarar que a referida sociedade é titular de um CRÉDITO COMUM (SOB CONDIÇÃO), no valor de 500.000,00€ (cfr. CRÉDITO 5., alínea g), da lista de credores reconhecidos)”. Recursos Não se conformando apelaram AF e PSol – Promoção Imobiliária, Lda. AF apresenta as seguintes conclusões: “1. As benfeitorias levadas a cabo pelo recorrente e a correspondente valorização do prédio foi alegada aquando da reclamação e resultou provado nos autos. 2. Resultou provado nos autos que o prédio sofreu uma valorização significativa, superior aos 40.000,00€ peticionados pela recorrente. 3. A referida valorização não foi devidamente valorada e patente na sentença que ora se recorre. 4. À Recorrente deverá ser reconhecido um crédito sobre a massa insolvente correspondente à diferença positiva entre o preço convencionado e o valor da coisa à data da eventual recusa por parte do Sr. Administrador no cumprimento do contrato promessa Normas violadas: artigos 46 nº1 e 47 nº4 al a), 102, 104, 106, 149, 150, 164 nº 2 3 3. 174 nº do CIRE e artigos 754, 755 nº 1 al f) e 759 do CC. Termos em que deve o presente recurso ser julgado totalmente, devendo ser admitido o crédito reconhecido pelo Sr. Administrador de Insolvência, no seu exato valor de 75.000,00€ (setenta e cinco mil euros) conservando a sua natureza de crédito garantido e com prevalência de direito de retenção sobre a hipoteca, ainda que condicionado à recusa do CPCV outorgado pela Insolvente e pelo Reclamante a 16 de Dezembro de 2010”. PSol – Promoção Imobiliária, Lda., A. apresenta as seguintes conclusões: “1. A douta sentença recorrida padece de erro de julgamento de facto e de direito. I) Impugnação da matéria de facto 2. Se é verdade que o Tribunal a quo andou bem ao julgar os factos relativos à licitude e validade dos contratos promessa e à existência dos créditos da recorrente, não é menos verdade que errou no julgamento dos factos respeitantes à traditio dos imóveis que lhes foram prometidos vender pela insolvente e ao, consequente, direito de retenção que lhe assiste. 3. Os factos julgados provados estão elencados no ponto 4.1 do Título IV da douta sentença a quo (Fundamentação de facto). 4. Por sua vez, os factos julgados não provados, constam do ponto 4.2. I-A) Indicação dos concretos pontos de facto que a recorrente considera incorretamente julgados 5. A recorrente considera que o Tribunal a quo, perante a prova documental e testemunhal produzida, julgou erradamente os factos não provados, os quais devem ser parcialmente julgados provados, como veremos infra. 6. Por sua vez, a prova documental e testemunhal, impõem o aditamento dos seguintes factos à matéria de facto a julgar provada: a) A partir data do acordo a que se refere os factos provados 1 e 13 a PSol – Promoção Imobiliária, Lda entrou na posse dos seguintes prédios: (i) Prédio rústico com a área de 2.600 m2, localizado no sítio dos Zimbreiros, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, inscrito na matriz sob o artigo ….º da secção … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º …3; (ii) Prédio misto, com a área de 430 m2, localizado no sítio dos Zimbreiros, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, inscrito na matriz, a parte rustica sob o artigo ....º da secção … e a parte urbana sob o artigo ….º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º …4; (iii) Prédio rústico com a área de 2.070 m2, localizado no sítio dos Zimbreiros, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, inscrito na matriz sob o artigo ….º da secção … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º …74; (iv) Prédio rústico com a área de 2.219,37 m2, localizado no sítio dos Zimbreiros, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, inscrito na matriz sob parte artigo ….º da secção … (atualmente art.º ….º da secção …) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º …0; (v) Prédio rústico com a área de 4.262,84 m2, localizado no sítio do Portinho, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, inscrito na matriz sob parte artigo ….º da secção… e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º …700; (vi) Prédio rústico com a área de 2.280 m2, localizado no sítio dos Zimbreiros, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, inscrito na matriz sob o artigo ….º da secção … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º …6. b) A PSol – Promoção Imobiliária, Lda elaborou um projeto de construção de um hotel sobre os imóveis prometidos comprar à insolvente e sobre os seus imóveis confinantes, tendo precedido à sua medição e a levamentos topográficos dos mesmos e entrado e saída nos terrenos com topógrafos e técnicos e outros interessados no negócio. c) A PSol - Promoção Imobiliária, Lda, cedeu o gozo e fruição de parte dos imoveis melhor identificados no facto a julgar provado a) a terceiros para fins de produção de plantas e relva de jardim, plantas aromáticas e vendia a terceiros os frutos naturais (tabaibos) para revenda. d) A PSol – Promoção Imobiliária, Lda permitia que terceiros apanhassem erva e plantas naturais para alimentar animais de criação doméstica. e) A sociedade insolente Sociedade Imobiliária …, Lda, a partir da data referida no facto a) deixou de ter acesso aos prédios. (II-B) Indicação dos concretos meios probatórios constantes do processo que impõem decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto supra impugnado 7. Os concretos meios probatórios que impõem decisão diversa sobre os concretos pontos de factos incorretamente julgados são os seguintes: ➢ Factos incorretamente julgados não provados, elencando na Al. A) do ponto 4.2 da sentença a quo (i) Prova documental: a) Acordo, datada de 10.03.2015, mais concretamente a clausula terceira, prova documental de folhas 23 a folhas 26 verso e a que se referem os factos provados 12 e 13; b) Contrato promessa de compra e venda., datado de 09.10.2017, mais especificamente o considerando 8., prova documental de folhas 38 verso a 42 e a que se refere o facto provado 14. (ii) Prova testemunhal: a) Depoimento da testemunha AM, prestado na audiência final de julgamento realizada a 14.02.2023, com a duração de 01h e 59m e 00s e início às 00:00:00 e términus às 01:59:00, gravado através do sistema integrado de gravação digital no ficheiro 20210504150518_1670011_2871375.wma. - Passagens das declarações em que se funda o recurso: Entre os minutos 28:00 a 30:00 e 34:00 a 35:50, declarou o seguinte: A Sociedade Imobiliária … deu como garantia do cancelamento da hipoteca constituída pelo PSol a posse dos prédios. A PSol ficou com a posse dos terrenos para garantia o cancelamento da hipoteca. Entre os minutos 32:50 e 34:00m declarou que: sobre os imóveis objeto dos contratos promessa a PSol fez um projeto para um Hotel que deu entrada na Câmara; fez levantamentos topográficos, fez a limpeza dos terrenos, quando a Câmara notificava; A posse dos terrenos foi entregue à PSol quando foi celebrado o acordo de rescisão. Entre os 00:30:00 a 00:36:20 declarou que a finalidade do contrato era destinar os imóveis à construção de um hotel. Aos 00:44:55 reafirmou que quem fez a limpeza e o projeto do hotel foi a PSol. Aos 00:1:31 a 01:32:40 declarou que a entrega da posse foi uma decisão da gerência da Sociedade Imobiliária …. b) Depoimento da testemunha LB, prestado na audiência final de julgamento realizada a 14.02.2023, com a duração de 00:38:12 e início às 00:00:00 e términus às 00:38:12, gravado através do sistema integrado de gravação digital no ficheiro 20230214120251_1704895_2871387.wma. - Passagens das declarações em que se funda o recurso: Aos 00:27:15 declarou que a posse dos imóveis foi entregue à PSol para garantir o cumprimento da rescisão, a que se refere o facto provado 13. Entre os minutos 00:27:38 a 28:45 declarou que foi acordado pelas partes que deveria de existir uma garantia e a testemunha elaborou a cláusula. A posse foi dada para garantir o cumprimento da rescisão e para a PSol promover o processo da aprovação do projeto de construção do hotel. Entre os 00:30:20 a 00:33:00 declarou que a partir da data da rescisão quem passou a utilizar e a aceder aos terrenos foi a PSol e que a Sociedade Imobiliária … deixou de ter acesso aos mesmos. Que a PSol a partir da data da rescisão passou a ter a posse, era quem acedia e fazia a limpeza dos terrenos (do mato). Que a PSol fazia questão de ter os terrenos bem tratados e cuidados e que elaborou o projeto do Hotel e que destinou os terrenos ao desenvolvimento do projeto do Hotel. Na continuação do depoimento na parte da parte do dia 14.02.2023, com a duração de 00:49:03 e início às 00:00:00 e términus às 00:49:03, gravado através do sistema integrado de gravação digital no ficheiro 20230214141546_1704895_2871387.wma, declarou o seguinte: Aos 00:06:28 a 00:07:05: Com a celebração do Contrato Promessa, a que se refere o facto provado 14, manteve-se a posse que já tinha sido dada. Aos 00:07:30 a 00:07:48: A PSol efetuada a limpeza dos terrenos, dos seus e dos da Sociedade Imobiliaria … e cuja posse lhe foi dada. Entre os 00:09:00 e os 00:10:00 declarou que foi muitas vezes aos terrenos com interessados, que a PSol entrava e saia dos terrenos, efetuava medições e levantamentos topográficos e que estava a desenvolver um projeto para a área dos terrenos. Aos 00:17:30 a 00:17:50: declarou que a entrega da posse foi um entendimento entre as partes. c) Depoimento da testemunha FF, prestado na audiência final de julgamento realizada a 14.02.2023, com a duração de 00:54:31 e início às 00:00:00 e términus às 00:54:31, gravado através do sistema integrado de gravação digital no ficheiro 20230214152959_1704895_2871387. - Passagens das declarações em que se funda o recurso: Aos 00:03:08 declarou que quando a empresa recebia cartas ia ao terreno limpar os terrenos. Aos 00:47:00 a 00:50:00 declarou que limpava os terrenos todos das duas empresas, acima e para baixo da estrada. Aos 00:17:28 a 00:19:30 declarou que foi aos terrenos fazer limpezas, que foi, também, por conta da PSol e a manda da gerente NM mostrar os terrenos ao topógrafo; que quando recebiam cartas da Câmara ia aos terrenos tratar das limpezas. Aos 00:20:30 declarou que o sogro tinha gado e que lhe pedia para lá ir com os cunhados com as máquinas apanhar mato para o gado. Aos 00:39:00 a 00:30:20 declarou que apanhavam frutos naturais nos terrenos, tabaibos e figos e que as pessoas na época dos tabaibos iam apanhá-los. d) Declarações de parte de PN, prestado na audiência final de julgamento realizada a 14.02.2023, com a duração de 01:01:39 e início às 00:00:00 e términus às 00:01:39, gravado através do sistema integrado de gravação digital no ficheiro 20230214162521_1704895_2871387. - Passagens das declarações em que se funda o recurso: Aos 00:30:55 a 35:00 declarou que a posse foi dada para garantia do cumprimento; que a iniciativa foi do gerente da insolente, Dr. DB. Na continuação das declarações prestada na audiência de julgamento realizada no dia 23.03.2023, com a duração de 00:57:09 e início às 00:00:00 e términus às 00:57:09, gravadas através do sistema integrado de gravação digital no ficheiro 20230323101100_1704895_2871387, declarou: Aos 00:06:00 a 00:12:25: a PSol usava os terrenos; quando faziam escavações deitavam pedras e materiais. Que alugou parcelas de terreno a terceiros e permitia que as pessoas colhessem os frutos naturais. Que a PSol alugou cerca de 2.000 m2 à TM durante cerca de 3 a 4 anos; esclareceu que a TM é uma empresa que se dedica à atividade plantação de plantas e produção de relva para jardins. Que a PSol tinha 18 horas de água de rega e pedia ao lavadeiro para ceder duas horas de água para os terrenos. Que atualmente tem uma pequena parcela arrendada ao Sr. J, que cultiva ervas de cheiro. Que no Google Maps dá para visualizar o que declarou nos últimos anos. Mais declarou que a PSol ficava com os frutos naturais. Que existe um Sr. Jg que comprava os tabaibos e revendia aos feirantes do Funchal. Mais declarou que permitiam aos agricultores que tratavam de gado colher a erva dos terrenos para os manter limpos. Declarou que a PSol teve máquinas e contentores parqueados nos terrenos e que o sr. J cultiva a parcela à cerca de 5 a 6 anos. ➢ Factos a aditar 8. Perante a prova documental careada para os autos e a prova testemunhal produzida, o Tribunal a quo deveria ter julgado provados e aditado à factualmente assente os seguintes factos: ➢ Facto a): A partir data do acordo a que se refere os factos provados 1 e 13 a PSol – Promoção Imobiliária, Lda entrou na posse dos seguintes prédios: (i) Prédio rústico com a área de 2.600 m2, localizado no sítio dos Zimbreiros, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, inscrito na matriz sob o artigo ….º da secção … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º …3; (ii) Prédio misto, com a área de 430 m2, localizado no sítio dos Zimbreiros, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, inscrito na matriz, a parte rustica sob o artigo ….º da secção … e a parte urbana sob o artigo ….º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º …4; (iii) Prédio rústico com a área de 2.070 m2, localizado no sítio dos Zimbreiros, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, inscrito na matriz sob o artigo ….º da secção … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º …74; (iv) Prédio rústico com a área de 2.219,37 m2, localizado no sítio dos Zimbreiros, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, inscrito na matriz sob parte artigo ….º da secção … (atualmente art.º ….º da secção …) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º …0; (v) Prédio rústico com a área de 4.262,84 m2, localizado no sítio do Portinho, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, inscrito na matriz sob parte artigo ….º da secção … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º …700; (vi) Prédio rústico com a área de 2.280 m2, localizado no sítio dos Zimbreiros, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, inscrito na matriz sob o artigo ...º da secção … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º …6. 9. Os concretos meios de prova que sustentam a impugnação destes factos são os seguintes: (i) Prova documental: A indicada no ponto 7 supra das conclusões. (ii) Prova testemunhal: A mesma prova indicada para a impugnação dos factos julgados não provados, supra indicado no ponto 7 das conclusões. ➢ Facto b): A PSol – Promoção Imobiliária, Lda elaborou um projeto de construção de um hotel sobre os imóveis prometidos comprar e sobre os seus imóveis confinantes com os da insolvente, tendo precedido a levamentos topográficos dos mesmos e entrado nos terrenos com topográficos e técnicos e interessados no negócio. 10. Indicação dos concretos meios de prova: os mesmos meios de prova documental e testemunhal que sustentam a impugnação dos factos erradamente julgados não provados. ➢ Facto c): A PSol -Promoção Imobiliária, Lda, cedeu o gozo e fruição de parte dos imóveis melhor identificados no facto a julgar provado a) a terceiros para fins de produção de plantas e relva de jardim, plantas aromáticas e vendia a terceiras os frutos naturais (tabaibos e figos), para revenda E ➢ Facto d): A PSol – Promoção Imobiliária, Lda permitia que terceiros apanhassem erva e plantas naturais para alimentar animais de criação doméstica. 11. Por a respetiva impugnação assentar nos mesmos meios de prova e se tratar de factos que se referem à mesma realidade e estão interligados e conexionados, a indicação dos meios de prova é efetuada em conjunto: a) Depoimento da testemunha FF, prestado na audiência final de julgamento realizada a 14.02.2023, com a duração de 00:54:31 e início às 00:00:00 e términus às 00:54:31, gravado através do sistema integrado de gravação digital no ficheiro 20230214152959_1704895_2871387. Aos 00:47:00 a 00:50:00 declarou que limpava os terrenos todos das duas empresas, acima e para baixo da estrada. Aos 00:20:30 declarou que o sogro tinha gado e que lhe pedia para lá ir com os cunhados com as máquinas apanhar mato para o gado. Aos 00:39:00 a 00:30:20 declarou que apanhavam frutos naturais nos terrenos, tabaibos e figos e que as pessoas na época dos tabaibos iam apanhá-los. b) Declarações de parte de PN prestadas na audiência de julgamento realizada no dia 23.03.2023, com a duração de 00:57:09 e início às 00:00:00 e términus às 00:57:09, gravadas através do sistema integrado de gravação digital no ficheiro 20230323101100_1704895_2871387. Aos 00:06:00 a 00:12:25: a PSol usava os terrenos; quando faziam escavações deitavam pedras e materiais. Que alugou parcelas de terreno a terceiros e permitia que as pessoas colhessem os frutos naturais. Que a PSol alugou cerca de 2.000 m2 à TM durante cerca de 3 a 4 anos; esclareceu que a TM é uma empresa que se dedica à atividade plantação de plantas e produção de relva para jardins. Que a PSol tinha 18 horas de água de rega e pedia ao lavadeiro para ceder duas horas de água para os terrenos. Que atualmente tem uma pequena parcela arrendada ao Sr. J, que cultiva ervas de cheiro. Que no Google Maps dá para visualizar o que declarou nos últimos anos. Mais declarou que a PSol ficava com os frutos naturais. Que existe um Sr. Jg que comprava os tabaibos e revendia aos feirantes do Funchal. Mais declarou que permitiam aos agricultores que tratavam de gado colher a erva dos terrenos para os manter limpos. Declarou que a PSol teve máquinas e contentores parqueados nos terrenos e que o sr. J cultiva a parcela à cerca de 5 a 6 anos. ➢ Facto e): A sociedade insolente Sociedade Imobiliária …, Lda, a partir da data referida no facto a) deixou de ter acesso aos prédios. 12. Os concretos meios de prova que sustentam a impugnação deste fato são os seguintes: (i) A prova documental supra indicada. (ii) A seguinte prova testemunhal: As declarações da testemunha AM, LB e PN, cujas exata passagem já se indicou supra, a respeito da impugnação dos factos julgados não provados. (III-C) Decisão que no entender da recorrente deve ser proferido sobre a matéria de facto impugnada: 13. Na sequência da impugnação da matéria de facto, os factos julgados não provados pelo Tribunal a quo devem ser julgados provados nos seguintes termos: A) Desde o dia 10 de março de 2015, data em que celebrou o contrato referido em 13., a sociedade PSOL – PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA. (i) procede à limpeza dos terrenos, (ii) procede às suas medições e levantamentos topográficos, (iii) colhe os seus frutos naturais, (iv) usa os terrenos para parqueamento de contentores e para o armazenamento de materiais e equipamentos de construção civil; (v) entra e sai dos terrenos à vista de toda a gente. 14. Em face da prova documental e testemunhal (que o Tribunal a quo considerou credível, isenta e coerente) constantes dos atos, devem ser aditados à matéria de factos os seguintes factos (com a redação que se propõe ou outra com o mesmo sentido e alcance que superiormente venha a ser considerada mais adequada): Facto a): A partir data do acordo a que se refere os factos provados 1 e 13 a PSol – Promoção Imobiliária, Lda entrou na posse dos seguintes prédios: (i) Prédio rústico com a área de 2.600 m2, localizado no sítio dos Zimbreiros, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, inscrito na matriz sob o artigo ….º da secção …e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º …3; (ii) Prédio misto, com a área de 430 m2, localizado no sítio dos Zimbreiros, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, inscrito na matriz, a parte rustica sob o artigo ….º da secção … e a parte urbana sob o artigo ….º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º …4; (iii) Prédio rústico com a área de 2.070 m2, localizado no sítio dos Zimbreiros, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, inscrito na matriz sob o artigo …º da secção … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º …74; (iv) Prédio rústico com a área de 2.219,37 m2, localizado no sítio dos Zimbreiros, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, inscrito na matriz sob parte artigo ….º da secção … (atualmente art.º ….º da secção …) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º …0; (v) Prédio rústico com a área de 4.262,84 m2, localizado no sítio do Portinho, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, inscrito na matriz sob parte artigo ….º da secção … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º …700; (vi) Prédio rústico com a área de 2.280 m2, localizado no sítio dos Zimbreiros, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, inscrito na matriz sob o artigo ….º da secção … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º …6. Facto b): A PSol – Promoção Imobiliária, Lda elaborou um projeto de construção de um hotel sobre os imóveis prometidos comprar e sobre os seus imóveis confinantes com os da insolvente, tendo precedido a levamentos topográficos dos mesmos e entrado nos terrenos com topográficos e técnicos e interessados no negócio. Facto c): A PSol -Promoção Imobiliária, Lda, cedeu o gozo e fruição de parte dos imóveis melhor identificados no facto a julgar provado a) a terceiros para fins de produção de plantas e relva de jardim, plantas aromáticas e vendia a terceiras os frutos naturais (tabaibos e figos), para revenda Facto d): A PSol – Promoção Imobiliária, Lda permitia que terceiros apanhassem erva e plantas naturais para alimentar animais de criação doméstica. Facto e): A sociedade insolente Sociedade Imobiliária …, Lda, a partir da data referida no facto a) deixou de ter acesso aos prédios. II) Impugnação da matéria de direito 15. Ao errar no julgamento dos factos relativos à traditio e à entrega da posse dos imóveis prometidos vender, obviamente o Tribunal a quo errou na aplicação do Direito. 16. A recorrente, à luz do disposto nos artigos 1251.º, 1259.º, 1260.º. 1261.º, al. b) do art.º 1263.º do C.C, é possuidora dos imóveis prometidos vender. 17. Sem abdicar, caso se considere que a recorrente não é possuidora dos prédios prometidos vender, impõe-se concluir que é, no mínimo, sua detentora, por ser inquestionável que se verifica o elemento material (corpus) sobre os imóveis; bastando-se o direito de retenção com a mera detenção da coisa pelo respetivo beneficiário. 18. Por conseguinte, ao abrigo do disposto nos artigos 754.º e da al. f) do art.º 755.º do C.C, a recorrente goza do direito de retenção sobre os identificados imóveis, o qual prevalece sobre as hipotecas, ainda que registadas anteriormente (art.º 759, n.º 2 do C.C), pelo não cumprimento e/ou recusa do cumprimento do contrato promessa, por estar em causa situações idênticas que postulam materialmente a mesma tutela jurídica. 19. A recorrente não é alheia à jurisprudência uniformizadora (que não foi sufragada por unanimidade e mereceu diversos votos de vencido) consignada nos acórdãos do STJ, N.º 4/2014, de 20.03.2014, publicado no DR n.º 95/2014, I Série, de 19.05.2014, e no Acórdão do STJ n.º 4/2019, de 01.10.2019. 20. Simplesmente não se pode conformar, à luz do quadro legal vigente, com tal interpretação, que é manifestamente contra legem e ab-rogante, por não ter um mínimo de correspondência com a letra e o esprito da lei. 21. Os artigos 102. 106 e 106.º do CIRE (que apenas disciplinam as consequências e efeitos do não cumprimento e da recusa do cumprimento dos negócios pendentes, inclusive das promessas de venda), conjugados com a al. f) do art.º 755.º do C.C, não fazem qualquer distinção subjetiva do conceito de promitente-comprador, nem excluem as garantias decorrentes da traditio e do direito de retenção sobre os imóveis prometidos vender. 22. Questiona-se, por exemplo, quais as razões para tratar de modo diferente o empreiteiro que construiu a obra da insolvente dos promitentes-compradores que entregaram sinais que serviram para financiar a obra e pagar ao empreiteiro e que obtiveram a traditio das frações e viram os contratos promessa não serem cumpridos e/ou recusado o respetivo cumprimento? Resposta: nenhumas. 23. A distinção subjetiva entre promitentes compradores consumidores e não consumidores, viola os princípios da segurança jurídica, ínsito no princípio do Estado de Direito democrático constante do artigo 2º da Constituição da República, da igualdade, proporcionalidade e confiança. 24. Retirar o direito de retenção a qualquer um promitente comprador que obteve a traditio da coisa e viu o contrato não ser cumprido e/ou recusado o cumprimento, atenta contra a segurança e confiança jurídica. 25. Mais, constitui uma violação do princípio da igualmente por assentar numa descriminação injustifica, quando as razões justificativas da atribuição do direito são iguais ou semelhantes. 26. A restrição da manutenção do direito de retenção aos promitentes compradores-consumidores é desproporcional porque consubstancia uma discriminação injustificadamente excessiva desequilibrada. 27. Finalmente, a interpretação restritiva dos citados acórdãos uniformizadores é inconstitucional por violação do princípio da separação de poderes. 28. Com efeito, aos Tribunais compete interpretar e aplicar a lei. 29. Uma interpretação contra legem e ab-rogante da lei, ou seja, sem um mínimo de correspondência com a sua letra e espírito, consubstancia uma efetiva e autêntica intromissão do poder judicial no poder legislativo que a fere de intolerável inconstitucionalidade. Termos em que deve o presente recurso ser admitido e julgado totalmente procedente, devendo, em consequência, a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por uma outra que julgue procedente a impugnação da lista de credores reconhecidos deduzida pela recorrente e reconheça e declare que o respetivo crédito reconhecido, no montante total de 530.000,00 €, tem a natureza de crédito garantido por direito de retenção sobre os imóveis que lhe foram prometidos vender pela insolvente, assim se fazendo a almejada JUSTIÇA. Contra-alegações A Caixa Económica Montepio Geral apresentou resposta ao recurso interposto pelo AF, alegando como segue: “A. A sentença posta em crise que deixou de reconhecer o crédito de AF, no valor de €75.000,00, não merece qualquer reparo. B. A tese do recorrente de que a sentença proferida ignorou o seu direito ao crédito decorrente do valor resultante das melhorias levadas a cabo por si no imóvel em causa, e portanto, ignorou aquela sentença a valorização que o recorrente impôs com a sua atuação e que estimou em €40.000,00 não pode vingar, e àquele não deve ser reconhecido o crédito correspondente à diferença positiva ente o preço convencionado e o valor da coisa à data da eventual recusa por parte do Senhor Administrador de Insolvência no cumprimento do contrato–promessa. C. Desde logo, os €40.000,00 que o Recorrente pugna sejam reconhecidos como crédito garantido, decorrerão de supostas benfeitorias levadas a cabo por aquele no imóvel que prometeu comprar. D. De realçar será que o tribunal a quo deu como não provado que as obras que o Recorrente teria levado a cabo no terreno e que constam do ponto 7 dos factos provados, foram feitas através de recursos próprios do recorrente, sendo que, por outro lado, deu como provado que as construções destinadas a habitação e palheiro, existentes no terreno, encontram-se em estado de ruína – ponto 9 dos factos provados. E. Ora, pretendendo o recorrente fundar o seu direito de crédito na valorização que o terreno terá sofrido por força das melhorias que o mesmo lhe impôs, nunca o tribunal recorrido poderia reconhecer tal direito de crédito com base neste fundamento. F. Não tendo o recorrente demonstrado que tenha efetivamente introduzido quaisquer melhorias ao imóvel e que acima de tudo as tenha custeado, daqui decorre, sem mais, que não existirão quaisquer benfeitorias que possam ou devem ser consideradas para o efeito que aquele pretende e que o Tribunal a quo devesse ter tido em conta para proferir decisão diversa. G. Por outro lado, alega ao recorrente que é o mesmo detentor de um crédito sobre a massa insolvente que compreende o sinal, ao qual deve ser somado o valor resultante do acréscimo resultante da valorização do bem, desde a data da assinatura do CPCV, até à data da eventual recusa do cumprimento do contrato pelo Senhor Administrador, tudo nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos nº 2 do artigo 106º do CIRE, com remissão para o nº 5 do artigo 104º, que por sua vez remete para o artigo 102º do mesmo diploma . H. Segundo aquele, existindo avaliação nos autos que atribui ao imóvel em causa o valor de €144.000,00, está por demais demonstrada a valorização que alega existir, sendo inclusivamente a mesma excedida, face o que inicialmente peticionou. I. Consequentemente as disposições legais invocadas, devidamente conjugadas com a valorização do imóvel que existe e está demonstrada nos autos, terão que sustentar a existência de crédito sobre a massa insolvente, correspondente à diferença positiva entre o preço convencionado e o valor da coisa à data da eventual recusa por parte do Senhor Administrador no cumprimento do contrato promessa. J. Sucede que o Recorrente na sua reclamação de créditos optou, em lugar da restituição do sinal em dobro, por peticionar o valor actual da coisa, ao tempo do incumprimento, com dedução do preço convencionado, acrescido do sinal (em singelo), nos termos do artigo 442.º, n.º 2, última parte, do Código Civil. K. E como é sabido, e a sentença posta em crise bem o decide, estas normas gerais não são aqui aplicáveis, porquanto o CIRE, enquanto lei especial, regulamenta os casos em que o promitente vendedor é declarado insolvente. L. Como tal, o disposto no artigo 442.º, n.º 2, do CIRE, não é aplicável em sede de Insolvência, já que aquela disposição legal pressupõe o incumprimento definitivo, ilícito e culposo dos próprios contratantes. M. Ora, no caso dos autos, o contrato em causa nos autos não se mostra definitivamente incumprido, estando ainda na disponibilidade do Senhor Administrador cumprir ou não o mesmo, nos termos e para os efeitos do disposto no 106º do CIRE, porquanto não tomou aquele ainda posição definitiva quanto a esta matéria, nos termos do disposto no artigo 102.º, n.º 2, do mesmo diploma. N. Quando ainda seja possível ao Senhor AI optar entre cumprir ou recusar o cumprimento do contrato promessa (direito potestativo do administrador da insolvência), concluiu e bem o tribunal recorrido que não estamos perante uma promessa incumprida em termos definitivos e em data anterior à declaração da insolvência. O. Logo, se e quando o administrador da insolvência do promitente-vendedor optar pela recusa do cumprimento de contrato-promessa de compra e venda, o promitente comprador tem apenas o direito a ser ressarcido pelo valor correspondente à prestação efectuada, nos termos dos artigos 106.º, n.º 2, 104.º, n.º 5, e 102.º, n.º 3, do CIRE, tal como foi decidido pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2021, de 16 de Agosto que uniformizou jurisprudência nesse sentido. P. Ao Recorrente não podia ter sido reconhecido um crédito de valor superior àquele que lhe veio a ser reconhecido e que corresponde ao sinal por si entregue, porquanto tal reconhecimento, implicaria desde logo, contrariar a jurisprudência fixada sem que para tanto pelo Recorrente tenha sido alegada qualquer razão ponderosa. Q. Sendo ponto assente que a jurisprudência uniformizada só comporta desvio em casos especiais sendo que o dos autos não será um deles, não caberia, nem poderia o tribunal recorrido, perante a situação em apreço, enquadrável no âmbito de aplicação do Acórdão do STJ nº 3 /2021, decidir em sentido contrário. R. Como tal ao Recorrente apenas podia ser reconhecido - como foi - um crédito no valor de € 35.000,00, correspondente ao sinal por si entregue ou por outra palavras, ao valor da sua prestação. S. É assim por demais evidente que a sentença recorrida não merece qualquer reparo e deverá, pois, manter-se nos termos em que foi proferida, reconhecendo ao credor aqui recorrente o crédito nos precisos termos em que o fez. T. Não há, pois, violação das normas invocadas e a douta sentença que verificou e graduou o crédito do Recorrente, não merece qualquer reparação ou modificação. U. Em consequência, terá que improceder na íntegra o recurso interposto da mesma, o que V. Exas deverão declarar. TERMOS EM QUE DEVERÃO AS PRESENTES ALEGAÇÕES DE RESPOSTA SER ADMITIDAS E JULGADAS PROCEDENTES, MANTENDO-SE A SENTENÇA EM CRISE, ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!” II. FUNDAMENTOS DE FACTO A primeira instância deu por assente a seguinte factualidade, tendo por objeto a reclamação do credor AF: 1. O Administrador da Insolvência consignou na sua lista de credores reconhecidos que AF é titular de um CRÉDITO GARANTIDO (SOB CONDIÇÃO) no valor global de 75.000,00€ (cfr. lista de credores reconhecidos retificada, datada de 01 de agosto de 2022 – N/REF. 4818802). 2. Do relatório de avaliação datado de 14 de dezembro de 2020, referente ao prédio misto descrito na CRP de Santa Cruz sob o n.º …/20021111 consta que “(…) com base nos cálculos e valores determinados anteriormente, assentes dos pressupostos considerados, atribui-se ao prédio, na condição de livre de quaisquer ónus e encargos, o valor de 144.000,00€. No entanto, admitindo-se a concretização da capacidade construtiva máxima, o valor passa a 164.000,00€” (cfr. prova documental de fls. 115). 3. No dia 16 de dezembro de 2010, a SOCIEDADE IMOBILIÁRIA …, LDA., na qualidade de primeira outorgante, e AF, na qualidade de segundo outorgante, celebraram um acordo reduzido a escrito e assinado por ambas as partes, designado por “contrato promessa de compra e venda”, do qual consta o seguinte com interesse para a boa decisão da causa (cfr. prova documental de fls. 252 verso a 254 verso): (…)”; 4. A título de sinal, foi entregue ao insolvente a quantia de 35.000,00€ em numerário. 5. Não obstante as várias interpelações e solicitações para a outorga da escritura de compra e venda, o Reclamante nunca obteve resposta. 6. AF celebrou o contrato referido em 3. com vista a cultivar no prédio misto descrito na CRP de Santa Cruz sob o n.º …/20021111, pequenas plantações para uso pessoal e familiar e para recuperar a casa aí existente (cfr. facto aditado nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 17.º, n.º 1, do CIRE). 7. Após a celebração do contrato referido em 3., AF procedeu à limpeza do terreno agrícola, arranjou muros (dos socalcos) e cultivou vinha com ajuda do tio, bem como usou o prédio para convívios com familiares e amigos. 8. Desde há vários anos, o terreno agrícola encontra-se em estado bravio, por AF – não obstante ter, numa primeira fase, aí cultivado vinha – não pretender investir mais dinheiro no terreno até que seja celebrada a escritura definitiva de compra e venda (cfr. facto aditado nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 17.º, n.º 1, do CIRE). 9. As construções destinadas a habitação e o palheiro existentes no terreno encontram-se em estado de ruína (cfr. facto aditado nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 17.º, n.º 1, do CIRE). * A primeira instância deu por assente a seguinte factualidade, tendo por objeto a reclamação da credora PSol – Promoção Imobiliária, Lda. 1. O Administrador da Insolvência consignou na sua lista de credores reconhecidos que a sociedade PSOL – PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA. é titular (i) de um CRÉDITO GARANTIDO (SOB CONDIÇÃO) no valor global de 30.000,00€; (ii) de um CRÉDITO COMUM (SOB CONDIÇÃO) no valor de 500.000,00€; e (iii) de um CRÉDITO SUBORDINADO (SOB CONDIÇÃO), no valor de 2.032,88€ (cfr. lista de credores reconhecidos retificada, datada de 01 de agosto de 2022 – N/REF. 4818802). 2. No dia 02 de dezembro de 2013, por acordo escrito assinado por ambas as partes, designado por “contrato promessa de compra e venda”, a sociedade PSOL – PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA., na qualidade de primeira outorgante, prometeu vender à sociedade IMOBILIÁRIA …, LDA., na qualidade de segunda outorgante, e esta última prometeu comprar, o prédio rústico descrito na CRP de Santa Cruz sob o n.º …, pelo preço de 2.000.000,00€ (cfr. prova documental de fls. 21 verso a 23). 3. Da cláusula 3.º do contrato referido em 2. consta o seguinte com interesse para a boa decisão da causa (cfr. prova documental de fl. 22): 4. Ao abrigo do preceituado na cláusula 3.ª, alínea a), do contrato referido em 2., a insolvente pagou a quantia de 40.000,00€ (cfr. prova documental de fl. 23 verso). 5. Da cláusula 5.º do contrato referido em 2. consta o seguinte com interesse para a boa decisão da causa (cfr. proba documental de fl. 22 verso): 6. Da cláusula 6.º do contrato referido em 2. consta que “os outorgantes expressamente declaram renunciar à possibilidade de virem invocar a nulidade formal do presente contrato, com base na falta de reconhecimento presencial das suas assinaturas” (cfr. prova documental de fls. 22 verso). 7. Em conformidade com o estipulado na cláusula 5.ª referida em 5., a sociedade PSOL – PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA. constituiu a favor da CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL uma hipoteca voluntária sobre o prédio rústico descrito na CRP de Santa Cruz sob o n.º …/20090102 para garantir o crédito no valor de 300.000,00€ (capital) até ao valor máximo de 506.523,00€, correspondente às “obrigações assumidas pela SOCIEDADE IMOBILIÁRIA …, LDA. (…)”, conforme AP. 950 de 2013/12/12 (cfr. prova documental de fls. 36 verso e 37). 8. Não obstante a insolvente ter contraído o empréstimo junto do Montepio Geral e a reclamante ter constituído a hipoteca sobre o prédio referido em 2. (cfr. prova documental de fls. 27 a 37), a insolvente não pagou o reforço do sinal no montante de 300.000,00€. 9. A ora insolvente não notificou a Reclamante para a outorga da escritura pública referida em 3. 10. Por carta datada 30 de janeiro de 2015 e recebida no mesmo dia, a sociedade PSOL – PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA. comunicou à SOCIEDADE IMOBILIÁRIA …, LDA. que “conforme previsto no parágrafo único da cláusula quarta do contrato promessa de compra e venda, assinado” no dia 02/12/2013, que a escritura do prédio rústico “(…) está marcada para o dia 17 de Fevereiro de 2015 (…)” (cfr. prova documental de fl. 37 verso). 11. No dia referido em 10., a devedora não compareceu no local, nem se fez representar. 12. Para evitar um processo judicial, as partes acordaram em fazer cessar o contrato-promessa referido em 2., estipulando a perda do sinal entregue no montante de 40.000,00€, a favor da Reclamante (cfr. prova documental de fl. 23 verso). 13. O acordado em 12. consta do acordo escrito assinado por ambas as partes, designado por “Acordo de rescisão ao contrato de promessa de compra e venda”, datado de 10 de março de 2015, do qual consta o seguinte com interesse para a boa decisão da causa (cfr. prova documental de fls. 24 a 26 verso): (…) 14. No dia 09 de outubro de 2017, a SOCIEDADE IMOBILIÁRIA …, LDA. na qualidade de primeira outorgante, e a sociedade PSOL – PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA., na qualidade de segunda outorgante, celebraram um acordo escrito assinado por ambas as partes, designado por “contrato promessa de compra e venda”, com o seguinte teor (cfr. prova documental de fls. 38 verso a 42): (…) 15. A sociedade PSOL – PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA. celebrou o contrato-promessa datado de 09 de outubro de 2017, com vista a aprovar e licenciar a construção de um empreendimento turístico sobre (i) o prédio rústico descrito na CRP de Santa Cruz sob o n.º 3883, (ii) o prédio misto descrito na CRP de Santa Cruz sob o n.º 3884, (iii) o prédio rústico descrito na CRP de Santa Cruz sob o n.º 3174, (iv) o prédio rústico descrito na CRP de Santa Cruz sob o n.º 1440; (v) o prédio rústico descrito na CRP de Santa Cruz sob o n.º 2700; e (vi) o prédio rústico descrito na CRP de Santa Cruz sob o n.º 5816 (cfr. facto aditado ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 17.º, n.º 1, do CIRE). 16. Não obstante as insistências efetuadas pela Reclamante junto da insolvente e as promessas de cumprimento, a escritura pública de compra e venda referida em 14. não foi ainda celebrada. 17. Do teor da certidão de registo predial referente ao prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º …/20090102, resulta que até à presente data, a hipoteca voluntária constituída a favor da CEMG, conforme Ap. 950, de 2013/12/12, não foi cancelada (cfr. certidão de fls. 36 a 37). 18. O montante de 30.000,00€ referido na cláusula 2.ª, § 1, do contrato-promessa referido em 14. corresponde ao montante que a Reclamante, no dia 30 de setembro de 2016, emprestou à insolvente, para liquidação dos juros devidos ao Montepio, a coberto dos contratos de empréstimos n.ºs 258.36.2 e 258.36.3-2, através de depósito de cheque com o n.º 4167181426 do BANCO BCP, S.A, na conta n.º … em nome de VDAJ – Valores A PELA ÁREA JURÍDICA (cfr. prova documental de fl. 38). * O tribunal consignou ainda, em sede de “factos não provados”, tendo por objeto a reclamação do credor AF, como segue: “A) Desde a celebração do contrato referido em 3. o Reclamante pernoita no terreno e habita-o por temporadas; B) Desde a celebração do contrato referido em 3. o Reclamante usa o prédio para aí passar fins-de-semana, sobretudo no período de Verão e fazer acampamentos; C) As obras referidas em 7. foram feitas através de recursos próprios do Reclamante. Não se refere a restante matéria alegada por se considerar, consoante os casos, de teor conclusivo, de direito, não susceptível de confissão ou irrelevante para a boa decisão da causa”. * O tribunal consignou ainda, em sede de “factos não provados”, tendo por objeto a reclamação da credora PSol – Promoção Imobiliária Lda, como segue: “A) Desde o dia 10 de Março de 2015, data em que celebrou o contrato referido em 13., a sociedade PSOL – PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA. (i) procede à limpeza dos terrenos, (ii) colhe os seus frutos naturais, (iii) usa os terrenos para parqueamento e para o armazenamento de materiais e equipamentos de construção civil; (iv) procede ao pagamento dos respectivos impostos e encargos camarários; (v) entra e sai dos terrenos à vista de toda a gente e (iv) paga os consumos de água e electricidade. Não se refere a restante matéria alegada por se considerar, consoante os casos, de teor conclusivo, de direito, não susceptível de confissão ou irrelevante para a boa decisão da causa”. III. FUNDAMENTOS DE DIREITO 1. Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos apelantes e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 635.º e 639.º do CPC – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5.º, nº 3 do mesmo diploma. No caso, ponderando as conclusões de recurso, impõe-se apreciar, quanto ao recurso interposto por AF, se a sentença recorrida fixou corretamente o valor do crédito respetivo, que o apelante pretende ver reconhecido pelo montante que havia reclamado, de 75.000,00€, e não pelo valor fixado na sentença, de 35.000,00€; efetivamente, não se discute a qualificação do crédito reclamado como sendo um crédito garantido, sob condição. Quanto ao recurso interposto pela sociedade PSol – Promoção Imobiliária, Lda., impõe-se apreciar: - Da impugnação do julgamento de facto; - Se a reclamante goza do direito de retenção sobre os prédios cuja “posse” lhe foi entregue pela insolvente no âmbito dos contratos outorgados entre as partes e se esse direito “prevalece sobre as hipotecas, ainda que registadas anteriormente”; - Se a interpretação enunciada nos acórdãos uniformizadores de jurisprudência nºs. 4/2014 de 20-03-2014 e 4/2019 de 01-10-2019, proferidos pelo STJ, configura uma “interpretação restritiva que “é inconstitucional por violação do princípio da separação de poderes”. 2. Lê-se na fundamentação de direito expressa na decisão recorrida, na parte que ora interessa: “Conforme decorre do teor da reclamação de créditos apresentada pelo ora Reclamante, o mesmo optou, em lugar da restituição do sinal em dobro (cfr. artigo 442.º, n.º 2, 2.ª parte, do Código Civil), por peticionar o valor actual da coisa, ao tempo do incumprimento, com dedução do preço convencionado, acrescido do sinal (em singelo), nos termos do artigo 442.º, n.º 2, última parte, do Código Civil). Assim sendo, caso fosse aplicável ao caso concreto o disposto no artigo 442.º, n.º 2, última parte do Código Civil, e tendo em conta que o prédio vale à presente data pelo menos 144.000,00€ (cfr. FACTO 2.), AF seria titular de um crédito no valor de pelo menos 75.000,00€ , nos termos do artigo 609.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 17.º, n.º 1, do CIRE. Sucede que, o CIRE, enquanto lei especial, regulamenta os casos em que o promitente-vendedor é declarado insolvente, sem necessidade de recorrer às normas gerais sobre a matéria previstas no Código Civil. Por conseguinte, não é aplicável ao processo de insolvência o disposto no artigo 442.º, n.º 2, do CIRE. Isto porque, a aplicação do n.º 2 do artigo 442.º do Código Civil pressupõe o incumprimento definitivo, ilícito e culposo dos próprios contratantes. Ora, se o cumprimento do contrato fica suspenso até decisão do administrador da insolvência e este pode optar entre cumprir ou recusar o cumprimento do contrato promessa (direito potestativo do administrador da insolvência), só se pode concluir que não estamos perante uma promessa incumprida em termos definitivos e em data anterior à declaração da insolvência. Por outras palavras: não há correspondência entre a opção lícita de não cumprimento do administrador da insolvência e o incumprimento ilícito e culposo de um dos contraentes. Consequentemente, quando o administrador da insolvência do promitente-vendedor optar pela recusa do cumprimento de contrato-promessa de compra e venda, o promitente comprador tem apenas o direito a ser ressarcido pelo valor correspondente à prestação efectuada, nos termos dos artigos 106.º, n.º 2, 104.º, n.º 5, e 102.º, n.º 3, do CIRE (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2021, de 16 de Agosto). Conclui-se, por conseguinte, que AF é apenas titular de um crédito (sob condição), no valor 35.000,00€”. Concordamos com a ponderação assinalada, não avançando o apelante qualquer argumento válido para afastar o juízo valorativo corretamente feito pela 1ª instância. Em primeiro lugar, o apelante alude, em sede de recurso, a benfeitorias que realizou no prédio [ [2] ] quando o certo é que da factualidade assente não resulta, como salienta a apelada na resposta, a realização pelo apelante de quaisquer obras suscetíveis de, sendo qualificadas como benfeitorias, atenta a caraterização resultante do art.º 216.º do Cód. Civil, fundar um juízo de que assim resultou o aumento do valor do prédio – cfr. a factualidade dada por assente sob os números 7 a 9 e a factualidade dada como não provada. Acrescente-se que nem sequer na reclamação que apresentou o reclamante invocou ter realizado benfeitorias que incrementaram o valor do prédio e qual o montante respetivo, limitando-se a alegar como segue: “17. Do alegado e do disposto no n.º 2, do artigo 106.º do CIRE, com remissão para o n.º 5 do artigo 104.º do CIRE que, por sua vez, remete para o 102.º do mesmo diploma, resulta que o reclamante é detentor de um crédito que compreende o sinal, ao qual deve ser somado o valor resultante do acréscimo resultante da valorização do bem, desde a data da assinatura do CPCV até à data da eventual recusa do cumprimento, no montante de 40.000,00€ (quarente mil euros), o que perfaz o valor total de 75.000,00€ (setenta e cinco mil euros)”. Assim, está provado que o apelante, na qualidade de promitente comprador, entregou à insolvente, aquando da outorga do contrato promessa de compra e venda do prédio descrito na CRP sob o número 3881, a quantia de 35.000,00€, a título de sinal e princípio de pagamento – sendo certo que a promitente vendedora também lhe entregou o imóvel prometido vender, pelo que o apelante o usou como entendeu, isto é, colheu os benefícios correspondentes –, mas não está provado que tenha sido o apelante a incrementar o valor do prédio objeto do contrato promessa no apontado montante de 40.000,00€, sendo que o apelante não impugnou o julgamento de facto feito pela primeira instância. Independentemente do exposto, o que parece resultar da reclamação apresentada e alegações de recurso é que o apelante sustenta a aplicação aos autos do regime que decorre do art.º 442.º do Cód. Civil [ [3] ], o que, desde logo, não pode aceitar-se porquanto se considera que a aplicação do regime aludido sempre pressuporia a constatação do incumprimento do referido contrato promessa por parte da sociedade promitente vendedora, posteriormente declarada insolvente. Ora, independentemente de quaisquer considerações acerca da especificidade da situação ponderando o regime que decorre do CIRE, o certo é que da factualidade provada nem sequer resulta que a promitente vendedora se encontre em situação de incumprimento (seja incumprimento temporário, mero retardamento da prestação, isto é, em mora, seja incumprimento definitivo, ponderando o disposto no art.º 808.º do Cód. Civil) uma vez que (i) não foi fixado prazo para a realização do contrato prometido e (ii) a realização deste contrato ficou condicionada à verificação de um facto, como decorre da cláusula 4ª do contrato, sendo que o reclamante nunca alegou que tais “condições documentais” já se mostram verificadas e que, ainda assim, a promitente vendedora não procedeu à marcação da escritura; salienta-se que a indicação constante do ponto “primeiro” da referida cláusula, a saber, “[s]e, reunidas as ditas condições, o que se prevê até ao fim de junho de 2011, (…)”, traduz, como resulta do teor do texto, mera previsão. A factualidade dada por provada sob o número 5 – “[n]ão obstante as várias interpelações e solicitações para a outorga da escritura de compra e venda, o Reclamante nunca obteve resposta” – é, por si só, inócua, tendo sido fixada, aliás, de forma conclusiva, ainda que nos precisos termos em que havia sido alegada pelo reclamante (cfr. o art.º 9.º da reclamação apresentada ao AI). Em suma, desconhecendo-se as razões pelas quais o contrato prometido ainda não foi realizado e não tendo o AI proferido qualquer declaração pela qual se possa extrair que pretende cumprir, ou não cumprir, esse contrato promessa, estando ainda em tempo de o fazer (cfr. o art.º 102.º, n.ºs 1 e 2 do CIRE), nunca teria cabimento a convocação do disposto no art.º 442.º, que não se aplica à situação dos autos [ [4] ]. Improcede, pois, o recurso interposto por AF. 3. A sociedade reclamante PSol – Promoção Imobiliária, Lda. impugnou o julgamento de facto feito pela 1ª instância, pretendendo que se altere o julgamento de facto como segue [ [5] ]: - Que se adite à factualidade dada por assente a seguinte matéria que a apelante alega dever ser julgada provada: “a) A partir data do acordo a que se refere os factos provados 1 e 13 a PSol – Promoção Imobiliária, Lda entrou na posse dos seguintes prédios: (i) Prédio rústico com a área de 2.600 m2, localizado no sítio dos Zimbreiros, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, inscrito na matriz sob o artigo ….º da secção … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º …3; (ii) Prédio misto, com a área de 430 m2, localizado no sítio dos Zimbreiros, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, inscrito na matriz, a parte rustica sob o artigo ….º da secção … e a parte urbana sob o artigo ….º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º …4; (iii) Prédio rústico com a área de 2.070 m2, localizado no sítio dos Zimbreiros, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, inscrito na matriz sob o artigo ….º da secção … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º …74; (iv) Prédio rústico com a área de 2.219,37 m2, localizado no sítio dos Zimbreiros, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, inscrito na matriz sob parte artigo …º da secção … (atualmente art.º ….º da secção …) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º …0; (v) Prédio rústico com a área de 4.262,84 m2, localizado no sítio do Portinho, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, inscrito na matriz sob parte artigo ….º da secção … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º …700; (vi) Prédio rústico com a área de 2.280 m2, localizado no sítio dos Zimbreiros, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, inscrito na matriz sob o artigo ...º da secção … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º …6. b) A PSol – Promoção Imobiliária, Lda elaborou um projeto de construção de um hotel sobre os imóveis prometidos comprar à insolvente e sobre os seus imóveis confinantes, tendo precedido à sua medição e a levamentos topográficos dos mesmos e entrado e saída nos terrenos com topógrafos e técnicos e outros interessados no negócio. c) A PSol - Promoção Imobiliária, Lda, cedeu o gozo e fruição de parte dos imoveis melhor identificados no facto a julgar provado a) a terceiros para fins de produção de plantas e relva de jardim, plantas aromáticas e vendia a terceiros os frutos naturais (tabaibos) para revenda. d) A PSol – Promoção Imobiliária, Lda permitia que terceiros apanhassem erva e plantas naturais para alimentar animais de criação doméstica. e) A sociedade insolente Sociedade Imobiliária …, Lda, a partir da data referida no facto a) deixou de ter acesso aos prédios (6ª conclusão). - Deve alterar-se o juízo valorativo negativo consignado na sentença, em A), devendo considerar-se provado o seguinte: “A) Desde o dia 10 de março de 2015, data em que celebrou o contrato referido em 13., a sociedade PSOL – PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA. (i) procede à limpeza dos terrenos, (ii) procede às suas medições e levantamentos topográficos, (iii) colhe os seus frutos naturais, (iv) usa os terrenos para parqueamento de contentores e para o armazenamento de materiais e equipamentos de construção civil; (v) entra e sai dos terrenos à vista de toda a gente” (conclusão 13ª). Como resulta da comparação do texto sugerido com a redação assinalada na sentença, a apelante insiste em aditar um facto que não havia sido assinalado na sentença, sob a alínea A, a saber, que nos terrenos a reclamante “procede às suas medições e levantamentos topográficos” – factualidade que a apelante também indicou na alínea b) conforme decorre do que acima se expôs – e deixou cair a matéria alusiva aos pagamentos, o que não surpreende, considerando que a apelante não juntou qualquer prova de natureza documental alusiva aos pagamentos que invoca ter feito, a título de “impostos e encargos camarários” – A (iv) – e de “consumos de água e electricidade” – A (iv) –, nem sequer particularizando os valores pagos e datas respetivas, o que temos por muito significativo. A apelante deu cumprimento às exigências que decorrem do disposto no art.º 640.º do CPC pelo que nada obsta à apreciação da impugnação. Vejamos, antes de mais, a dinâmica dos negócios celebrados entre as partes, sociedade reclamante e insolvente, nos termos em que resultam da factualidade dada por assente: - Em 02-12-2013 a reclamante (aí identificada como 1ª outorgante) prometeu vender à insolvente (aí identificada como segunda outorgante), que prometeu comprar, o prédio descrito na CRP sob o número …; - Em 10-03-2015 a reclamante (aí identificada como 1ª outorgante) e a insolvente (aí identificada como segunda outorgante), celebraram um “acordo de rescisão” daquele contrato promessa, acordando em “proceder à revogação” daquele contrato “com a condição” da insolvente pagar a dívida hipotecária ao Montepio Geral – adiante melhor se aludirá aos contornos dos negócios – e pelo mesmo instrumento a insolvente, “para salvaguardar e garantir o cancelamento da hipoteca e/ou o pagamento da penalização” fixada pelas partes outorgantes, entregou àquela, na mesma data, “a posse dos seis prédios rústicos abaixo identificados”, prédios estes que o AI apreendeu para a massa [ [6] ]; saliente-se que o prazo fixado para a insolvente pagar a dívida hipotecária tinha o limite máximo de um ano, ou seja, até 10-03-2016; - Em 09-10-2017 a insolvente (aí identificada como 1ª outorgante) prometeu vender à reclamante, (aí identificada como segunda outorgante), que prometeu comprar, os seis prédios identificados no acordo de rescisão, prédios estes que “já se encontram na posse da Segunda desde 10/03/2015”, mais estipulando que essa situação “assim continuará”; nesse contrato as partes estipularam ainda uma cláusula com incidência no referido acordo de rescisão porquanto acordaram em “prorrogar o prazo” para o pagamento da dívida hipotecária por mais um ano, ou seja, agora até 09-10-2018, suscetível de nova prorrogação “por mais três meses”. Quanto à matéria enunciada em a), a saber, que “[a] partir data do acordo a que se refere os factos provados 1 e 13 a PSol – Promoção Imobiliária, Lda entrou na posse” dos prédios identificados em i) a vi), trata-se de matéria conclusiva que não pode ser levada, nesses termos, aos factos provados, valendo, apenas, o que já foi dado como assente pela 1ª instância sob os números 13 – mormente o que os outorgantes verteram na cláusula terceira desse acordo e quarta, número 3 – e 14, mormente a cláusula primeira e oitava, com reporte ao “considerando 7”. Que as partes entendam por bem verter nos contratos cláusulas com a tipologia enunciada, está no domínio da liberdade que lhes assiste na fixação do conteúdo dos negócios (art.º 405.º do Cód. Civil), não podem é pretender que o tribunal se paute por idêntico ou similar critério na fixação dos factos provados. Improcede a impugnação. Quanto à factualidade enunciada em b) a e), a saber: b) A PSol – Promoção Imobiliária, Lda elaborou um projeto de construção de um hotel sobre os imóveis prometidos comprar à insolvente e sobre os seus imóveis confinantes, tendo precedido à sua medição e a levamentos topográficos dos mesmos e entrado e saída nos terrenos com topógrafos e técnicos e outros interessados no negócio. c) A PSol - Promoção Imobiliária, Lda, cedeu o gozo e fruição de parte dos imoveis melhor identificados no facto a julgar provado a) a terceiros para fins de produção de plantas e relva de jardim, plantas aromáticas e vendia a terceiros os frutos naturais (tabaibos) para revenda. d) A PSol – Promoção Imobiliária, Lda permitia que terceiros apanhassem erva e plantas naturais para alimentar animais de criação doméstica. e) A sociedade insolente Sociedade Imobiliária …, Lda, a partir da data referida no facto a) deixou de ter acesso aos prédios (6ª conclusão). Trata-se de factualidade que nunca foi invocada pela apelante, em qualquer dos requerimentos que apresentou: reclamação apresentada perante o AI [ [7] ], impugnação (da lista) apresentada em 08-02-2021 e resposta apresentada em 19-02-2021- cfr. o que se indicou no relatório. A propósito do exercício de poderes de facto sobre a coisa, os identificados prédios, a apelante limitou-se a alegar a factualidade que o tribunal deu como não provada, nunca aludindo à matéria que só agora, em sede de recurso, carreou para os autos; se a apelante entendia essa factualidade como relevante e que a mesma resultou na prova pessoal produzida, isto é, da instrução da causa, então impunha-se que em audiência de julgamento sinalizasse essa pretensão, deduzindo o incidente respetivo (art.º 5.º do CPC), permitindo o subsequente exercício do contraditório relativamente às demais partes, sendo certo que até nos estamos a abstrair da qualificação da factualidade em causa, ponderando a causa de pedir invocada (factos essenciais, instrumentais, complementares e concretizadores). Não o tendo feito, em tempo oportuno, não é admissível deduzir agora, por via de recurso, questão (nova) nunca suscitada. Improcede a impugnação. Quedamo-nos então, pela análise dos elementos probatórios a que a apelante alude relativamente à factualidade que o tribunal deu como não provada, supra indicada, juízo valorativo que a apelante quer reverter, com as limitações a que se aludiu, isto é: - O juízo acima feito por esta Relação vale quanto à indicação de que a apelante “procede às suas medições e levantamentos topográficos”, a que a 1ª instância nunca aludiu no referido ponto; - O juízo negativo feito quanto aos pagamentos não foi impugnado pela apelante. Está, pois, em causa apreciar se a sociedade apelante: (i) Procede à limpeza dos terrenos; (iii) Colhe os seus frutos naturais; (iv) Usa os terrenos para parqueamento de contentores e para o armazenamento de materiais e equipamentos de construção civil e (v) Entra e sai dos terrenos à vista de toda a gente. Apreciando. A Juiz motivou o referido juízo (negativo) de forma minuciosa, como ressalta da sentença proferida [ [8] ] e avançamos já que, ouvidos integralmente os depoimentos aludidos pela apelante, para além, pois, das meras passagens assinaladas, tendemos a concordar com aquele juízo. Assim. Depoimento da testemunha AM, “assistente de administração”, afirmando, relativamente à sociedade apelante, que “a empresa para a qual eu trabalho faz parte do mesmo grupo económico”; quanto às funções exercidas, quer para a reclamante quer para a sociedade depois declarada insolvente, a Sociedade Imobiliária … Lda (segundo afirmou posteriormente, as sociedades tinham sede no mesmo local, mas em pisos diferentes), a instâncias do mandatário, que inquiriu a testemunha quanto às “funções que exercia e áreas que intervinha no âmbito destas duas sociedades”, a testemunha explicitou que “tanto numa como noutra” estava presente no arquivo da documentação, tratava de fazer depósitos, ajudar o jurista na elaboração dos contratos, fazia reuniões, o “normal do dia a dia”, “contabilidade”, confirmando que trabalhava no escritório das sociedades. A testemunha evidenciou ter conhecimento dos acordos celebrados mas, relativamente à matéria em apreço, para além de indicar o que constava dos contratos e por reporte aos mesmos (indicando que a insolvente “deu como garantia a posse dos prédios” e que “ficou com a posse”), nada adiantou com precisão, pese embora inquirida expressamente pela juíza a esse propósito [[9]] [[10]] e pelo mandatário da apelante (em repetição, acrescente-se, motivando objeção de que “a testemunha já respondeu”, salientando-se que, relativamente aos prédios em causa, a testemunha indicou conhecer a zona “mas nunca estive lá, não é uma zona de fácil acesso”, sendo uma zona “bravia”. É certo que a testemunha referiu que a reclamante tinha “um projeto para a construção de um hotel” – os terrenos da reclamante e os prédios em causa são confinantes uns com os outros – e referiu saber “que, entretanto, esses terrenos já foram limpos porque a Câmara assim o exigiu”, mas nunca referiu ter sido a sociedade apelante a ordenar e custear os trabalhos de limpeza – que, aliás, só referiu nos termos indicados, sem qualquer outra pormenorização –, como bem indicou a primeira instância aquando da motivação. Aliás, a testemunha admitiu que o projeto “deve ter dado entrada em nome da …” porque era esta a “proprietária dos terrenos”. Em suma, considera-se o depoimento desta testemunha completamente inócuo para a matéria em apreço. Testemunha LB, advogado, foi a pessoa que participou na elaboração dos contratos em causa, sendo da sua autoria as cláusulas alusivas à “posse” dos imóveis. Inquirido quanto à sua relação pessoal e profissional com a insolvente a testemunha esclareceu que um dos sócios (DB) era seu irmão e que exercia funções administrativas e de apoio jurídico ao grupo S Invest, do qual a …. Lda fazia parte; inicialmente tinha um contrato de trabalho com a … Lda, e a partir de 2014 passou a trabalhar em regime de prestação de serviços (“estabeleci-me por conta própria”); conhece a sociedade apelante “porque conhece os sócios” e esclareceu, a instâncias da mandatária, que prestava serviços para todo o grupo, serviços administrativos e de natureza jurídica. A testemunha teve intervenção direta na elaboração dos contratos em causa mas referiu que não participou nas negociações com a entidade bancária com vista à constituição da hipoteca e, a instâncias do mandatário, referiu que “a parte negocial, dos dinheiros, eu não era administrador da sociedade, não tinha nada a ver com isso”, nunca tendo trabalhado para a apelante. A instâncias da Juiz a testemunha referiu que foi a testemunha quem redigiu a “pré-cláusula” constante do acordo de rescisão relativamente à “posse” dos imóveis da insolvente e, perguntada pela juíza sobre se “a entrega da posse, naquele momento, isoladamente, servia para quê?” a testemunha referiu que “era uma maneira para garantir o cumprimento do contrato”. Quanto à matéria que ora concretamente interessa, foi a juíza quem introduziu a mesma em sede de inquirição, perguntando “então como é que foi feita a entrega da posse, sabe alguma coisa disso?” tendo a testemunha respondido “sei que a partir dessa data, quem utilizava os terrenos, tinha acesso aos terrenos e isso era, passou a ser a PSol, a sociedade Imobiliária … deixou de aceder aos terrenos”, esclareceu que os terrenos não são vedados, são confinantes e têm acesso pela estrada (mais tarde indicou que só se acede aos prédios da insolvente pelos prédios da apelante [ [11] ]). E, insistindo a juíza perguntando, referindo-se à apelante, “fazendo o quê?” a testemunha referiu “tinha a posse, sei que fazia a limpeza dos terrenos, limpeza do mato”, referindo que “o Sr. P tinha o cuidado de ter os terrenos sempre bem tratados, digamos assim, desenvolvia os seus projetos”, aludindo a um projeto de construção de um hotel, mas nada mais precisou, pese embora as insistências da juíza; inquirido sobre “os terrenos são compostos de quê?”, respondeu “estão bravios, estavam nessa data, não sei agora”. Posteriormente (sessão da tarde) aquando da inquirição pelo mandatário, depois da testemunha referir que, relativamente ao último contrato, “manteve-se a posse dos imóveis”, a juíza voltou a perguntar à testemunha sobre a mesma matéria, referindo a testemunha que pensava que o IMI continuava a ser pago pela insolvente (acrescentando “mas não sei”); e, indicando a juíza, concretamente “vamos esquecer a palavra posse, como conceito jurídico”, “o que interessa são os atos materiais que se subsumam à posse”, “esses atos materiais quais presenciou?”, a testemunha respondeu como segue: “O P (relativamente à PSol) limpava aqueles terrenos todos que tinha ali, inclusive estes que estavam juntos aos deles que eram da sociedade Imobiliária …, toda aquela zona do Portinho, fora disto, para além mato, realmente não me lembro” e perguntado sobre quantas vezes procederam à limpeza do terreno, a testemunha referiu: “eu cheguei a estar lá e os terrenos do P estavam limpos, eu cheguei a ir lá mais do que uma vez e os terrenos do P estavam limpos”, referindo que nunca lá viu agricultura. Seguidamente, o mandatário retomou a instância, salientando-se que efetuou perguntas sugestivas à testemunha, chegando a referir/perguntar “a PSol, no âmbito desses negócios entrava, saía, media os terrenos”, respondendo a testemunha “sim, sim”, voltando a referir que “o P estava a desenvolver um projeto para lá” (é a essa passagem que a apelante se reporta nas alegações de recurso, sem indicar que foi o mandatário que introduziu as expressões indicadas na pergunta feita à testemunha, vício que não afetou a inquirição feita pela juíza, que, corretamente, perguntou à testemunha quais em concreto os atos praticados pela apelante incidindo sobre os referidos prédios). A instâncias de outro mandatário (que incidiu a inquirição, fundamentalmente, sobre a racionalidade económico-financeira dos acordos celebrados, nomeadamente ponderando o valor de venda do último contrato e os efeitos do eventual incumprimento) a testemunha referiu que era a PSol que “exigia” a cláusula alusiva à posse” e reafirmou que era a sociedade quem tinha condições financeiras para desenvolver o projeto e não a insolvente, indicando depois à juíza que a PSol tinha um “interesse genuíno” em comprar “esses terrenos” e, mais adiante, que a transmissão dos direitos da insolvente, relacionados com projetos, seriam transferidos para a apelante apenas no pressuposto de que o contrato definitivo seria outorgado [ [12] ]. Concluindo, a única referência da testemunha é que era a apelante quem cuidava de limpar os terrenos, nunca tendo afirmado que a apelante procedia à recolha dos seus frutos naturais, nem que usava os terrenos para parqueamento e armazenamento de materiais e equipamentos de construção, ou que “entra e sai dos terrenos à vista de toda a gente”, sendo que a aquela (única) referência pertinente deixa de fazer sentido em face do depoimento da testemunha FF, que passamos a analisar. A testemunha FF trabalhou para a apelante entre 2007 e 2021 (atualmente referiu estar desempregado) sendo funcionário administrativo. Desconhece qualquer aspeto relacionado com os contratos nem da entrega de quaisquer prédios da insolvente à apelante, segundo indicou; referiu que quando a apelante recebia cartas da Câmara para limpar os terrenos (ou seja, necessariamente, os terrenos dos quais a apelante era proprietária e não prédios de outrem) era a testemunha quem diligenciava para encontrar pessoas para fazer a limpeza e se deslocava aos terrenos para esse efeito. Perguntado pela juíza se “alguma vez alguém lhe pediu para limpar terrenos da …” a testemunha respondeu: “de outra sociedade? Não”; saliente-se que, retomando o mandatário a inquirição, as perguntas subsequentes foram feitas de forma sugestiva, o que motivou interrupção da juíza que indicou à testemunha como segue: “o que é que o senhor sabe? Eu não quero que o senhor seja guiado na sua resposta”. A instâncias da mandatária, a testemunha referiu que o senhor PN era seu conhecido e que quem lhe dava ordens era a Senhora N (M). Perguntada pela mandatária da relação existente entre o PN e a referida N (M) a testemunha indicou “eram namorados”. Respondeu negativamente à pergunta sobre se a apelante explorava economicamente frutos que cresciam no terreno, referindo que eram as pessoas que entravam nos terrenos e apanhavam o que lá crescia naturalmente. Ou seja, do depoimento desta testemunha que era a pessoa que cuidava da limpeza dos terrenos da apelante, não resulta que a apelante procedesse igualmente à limpeza dos demais prédios; e, igualmente, a testemunha nunca afirmou que a apelante procedia à recolha dos seus frutos naturais – pelo contrário, infirmou esse facto – nem que usava os terrenos para parqueamento e armazenamento de materiais e equipamentos de construção, ou que “entra e sai dos terrenos à vista de toda a gente”. Quanto ao depoimento de PN (prestado a título de declarações de parte), que se afirmou como representante legal da insolvente e afirmou ser “empresário e diretor comercial de uma imobiliária”; é gerente da insolvente e, perguntado pela juíza se é sócio, respondeu que “indiretamente, acabo por ser o beneficiário efetivo através de uma SGPS que é a S Invest, mas tanto eu como o Dr. D somos os beneficiários efetivos da totalidade do capital social”; perguntado sobre qualquer “relação pessoal ou profissional” com a apelante, respondeu que foi gerente dessa sociedade, desde 2008 até 2013/2014 e que “fui familiar de uma acionista, já faleceu” (mãe do depoente). As declarações do depoente, a propósito desta matéria, como referiu o tribunal, foram infirmadas por outros depoimentos; o depoente evidenciou um estreito relacionamento com a sociedade apelante, sendo certo que o próprio depoente afirmou que “havia alguma confiança” – tanto assim que, por exemplo, mais tarde, inquirido pela juíza quanto ao acordo de rescisão e perguntado ao depoente “quem é que acordou o conteúdo do contrato” o depoente respondeu “eu, o Dr. DB e as representantes da PSol, na altura a minha mãe e, neste caso já estava aqui a N M como gerente” –, razão pela qual a insolvente canalizou o dinheiro que lhe foi entregue pela entidade bancária para outros pagamentos, protelando o pagamento à apelante, sendo que “para além dos 40 mil nada foi pago” e a “coisa começou a azedar e eu tive que sair da PSol”. Em suma, o depoente evidenciou forte ligação à apelante e não convenceu esta Relação, nunca permitindo, sem quaisquer outros elementos objetivos de prova, firmar a factualidade ora em causa e que a apelante pretende seja dada como assente. Saliente-se que os acordos celebrados, nos termos em que o foram, indiciam uma forte ligação entre as duas sociedades (apelante e insolvente), propiciada, exatamente, pelo depoente, não sendo obviamente usual no comércio jurídico que uma sociedade promitente vendedora permita a constituição de uma hipoteca sobre um prédio seu (o prédio prometido vender), de forma a permitir à promitente compradora pagar posteriormente a quantia convencionada como reforço de sinal, em montante elevado (300.000,00€), ponderando a entrega inicial; igualmente o empréstimo feito à insolvente e aludido no considerando 9 do acordo outorgado em 09-10-2017. Temos entendido que a circunstância de uma testemunha/depoente ter uma especial relação com uma das partes – ligação familiar, de amizade, de trabalho, de negócios etc. – não pode significar que sofre, à partida, de uma capitis diminutio até porque, usualmente, é essa especial relação que propicia a razão de ciência da testemunha/depoente, sem prejuízo de se aceitar como razoável a afirmação de que, quando tal acontece, o depoimento está sujeito a um especial juízo crítico de credibilidade. Em suma, improcede a impugnação mantendo-se, nos seus precisos termos, o juízo valorativo feito pelo tribunal de 1ª instância. 4. Está em causa apreciar se a apelante goza do direito de retenção sobre os imóveis que identifica e que alega terem-lhe sido entregues na sequência dos acordos efetuados (acordos de 10-03-2015 e de 09-10-2019), direito que “prevalece sobre as hipotecas, ainda que registadas anteriormente (art.º 759.º, n.º 2 do C.C.)” (conclusão 18ª). O legislador consagra, com caráter genérico, a figura do direito de retenção no art.º 754.º do Cód. Civil e no art.º 755.º do mesmo diploma tipifica os casos especiais em que o credor goza desse direito, relevando aqui o disposto na alínea f) do número 1 do preceito, nos termos do qual goza do direito de retenção o “beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do art.º 442.º” [ [13] ]. No âmbito do contrato promessa de compra e venda com eficácia meramente obrigacional em que ocorreu a traditio da coisa e o promitente comprador entregou sinal, em caso de insolvência do promitente vendedor, optando o administrador da insolvência por não celebrar o contrato prometido [[14]], a orientação da jurisprudência é atualmente consensual quanto à matéria alusiva ao direito de retenção, mormente em face dos acórdãos uniformizadores proferidos pelo STJ. Como se deu nota no acórdão deste TRL de 26-04-2022 assim sumariado, no que ora interessa: “1. Nos contratos promessa com eficácia meramente obrigacional em que ocorreu a traditio da coisa e o promitente comprador entregou sinal, em caso de insolvência do promitente vendedor, optando o administrador da insolvência por não celebrar o contrato prometido: a) O crédito reclamado pelo promitente comprador consumidor, goza do direito de retenção (art.º 755º nº 1 alínea f) do Cód. Civil), o que significa, no âmbito da insolvência, que deve ser graduado antes do crédito garantido por hipoteca, conforme fixado no acórdão do STJ de 20-03-2014 (AUJ nº 4/2014); este AUJ (apenas) refletiu sobre o confronto entre o direito de retenção e a hipoteca, e razões da atribuição de prevalência; b) Promitente comprador consumidor é aquele que destina a coisa, objeto de traditio, a uso particular, ou seja, não o compra para revenda nem o afeta a uma atividade profissional ou lucrativa, conforme fixado no acórdão do STJ de 12-02-2019 (AUJ nº 4/2019); este AUJ limitou-se a fixar o conceito juridicamente relevante, para o efeito em apreço, da qualidade de promitente comprador consumidor; c) O valor do crédito a que o promitente comprador consumidor tem direito a ser ressarcido é o valor correspondente à prestação que efetuou (arts. 106.º, n.º 2, 104.º, n.º 5, e 102.º, n.º 3, do CIRE), conforme fixado pelo acórdão do STJ de 27-04-2021 (AUJ nº 3/2021); este AUJ, partindo da uniformização de jurisprudência feita pelos acórdãos anteriores, apreciou exclusivamente sobre o montante do crédito devido ao promitente comprador (crédito sobre a insolvência). 2. Os acórdãos uniformizadores de jurisprudência, criam “uma jurisprudência qualificada, mais persuasiva e, portanto, a merecer uma maior ponderação”, ou seja, afinal, uma jurisprudência de valor reforçado” [ [15] ]. Como se concluiu no acórdão do TRG de 17-12-2014, “[p]ese embora, hoje, a doutrina dos Acórdãos Uniformizadores deva considerar-se meramente orientadora e não vinculativa, a verdade é que a recusa da sua aplicação deve constituir uma exceção, devendo afastar-se apenas quando haja razões profundas para a sua revisibilidade, porque se alteraram as circunstâncias que estiveram presentes no momento do debate colectivo alargado./Assim se mantém o espírito de unidade jurisprudencial, fundamento da certeza, da segurança da ordem jurídica e da sua unidade, mas compatível com a independência dos tribunais na vertente da autonomia do juiz na interpretação e aplicação do direito” [ [16] ]. No caso, a qualificação jurídica do acordo celebrado entre as partes em 09-10-2017 e vertido na factualidade assente, permite reconduzir o programa contratual definido pelos intervenientes nesse acordo à figura do contrato promessa (bilateral) de compra e venda de imóveis; assim, retira-se do acordo reduzido a escrito e consubstanciado no documento a que alude o 14 dos factos provados que a insolvente prometeu vender à apelante, que prometeu comprar, os identificados seis prédios (cláusula 1ª), pelo preço de 2.150.000,00€, tendo já sido entregue pela promitente compradora a quantia de 30.000,00€ a título de sinal e princípio de pagamento (cláusula 2ª), mais acordando as partes na entrega dos imóveis à promitente compradora, nos moldes indicados no & único da cláusula primeira – imóveis que já haviam sido entregues no âmbito de um acordo mais vasto, mormente o celebrado em 10-03-2015. No caso, como se deu nota na sentença recorrida, a apelante não logrou provar ter exercido quaisquer poderes de facto sobre os prédios rústicos em causa, como lhe competia (art.º 342.º, n.º 1 do Cód. Civil) salientando-se que o direito de retenção constitui um privilégio que não tem fonte convencional, mas legal, pelo que está irremediavelmente afastado o privilégio aludido e, consequentemente, a preferência (no pagamento) invocada (arts. 604.º e 759.º do Cód. Civil). No entanto, em segunda linha de argumentação, ainda que se aceitasse, na interpretação mais favorável à apelante, que ocorreu a traditio, por força das aludidas cláusulas contratuais, abstraindo-nos, pois, do apuramento sobre se a apelante exerceu efetivamente quaisquer poderes sobre os prédios [ [17] ] [ [18] ], ainda assim daí não segue que seja titular do direito de retenção. Efetivamente, a apelante não tem o estatuto de promitente compradora consumidora, não lhe assistindo, no âmbito da insolvência, esse direito, de acordo com a tese restritiva propugnada no citado AUJ [ [19] ]. Saliente-se a finalidade enunciada pelos outorgantes e que está na base da outorga dos acordos referidos, a saber, a compra e venda de lotes de terreno tendo em vista a construção de um empreendimento turístico sobre os 6 prédios confinantes, conforme projeto já executado e entregue na Câmara (cfr. os considerandos 1 e 2 do contrato de 09-10-2017). Conclui-se, pois, como a 1ª instância, que a reclamante não goza do direito de retenção sobre os prédios que lhe foram entregues pela insolvente no âmbito dos contratos outorgados entre as partes, devendo o crédito reclamado ser qualificado como comum, nos moldes indicados pela 1ª instância. 5. Suscita a apelante questão alusiva à inconstitucionalidade da interpretação enunciada nos acórdãos uniformizadores de jurisprudência nºs. 4/2014 de 20-03-2014 e 4/2019 de 01-10-2019, proferidos pelo STJ, considerando que a “distinção subjetiva entre promitentes compradores consumidores e não consumidores viola os princípios da segurança jurídica, ínsito no princípio do Estado de Direito democrático constante do artigo 2º da Constituição da República, da igualdade, proporcionalidade e confiança” e que “a interpretação restritiva dos citados acórdãos uniformizadores é inconstitucional por violação do princípio da separação de poderes”, constituindo uma “interpretação contra legem e ab-rogante da lei, ou seja, sem um mínimo de correspondência com a sua letra e espírito, consubstancia uma efetiva e autêntica intromissão do poder judicial no poder legislativo que a fere de intolerável inconstitucionalidade” (conclusões 23ª a 29.ª). Afigura-se-nos tratar-se de invocação sem fundamento, inexistindo qualquer inconstitucionalidade na opção legislativa, com o apontado alcance interpretativo, porquanto não pode equiparar-se a situação do promitente comprador consumidor à situação do promitente comprador não consumidor, não estando ambos em pé de igualdade: tendo em linha de conta os interesses em jogo, justifica-se a proteção da parte mais débil, que é o promitente comprador consumidor sendo, pois, a distinção de regime justificada e razoável. Salienta-se, aliás, que essa discussão já se havia colocado, em termos similares, nos aludidos acórdãos uniformizadores e em outros acórdãos do STJ, no confronto entre o promitente comprador consumidor, titular do direito de retenção e a entidade bancária titular de crédito sobre o insolvente, garantido por hipoteca, valendo também aqui as razões então apontadas. Assim aconteceu, por exemplo, no acórdão do STJ de 25-03-2014 a que já aludimos em que, perante invocação pelo Banco recorrido, nas contra-alegações, de “que a existência do invocado direito de retenção e a previsão do citado 759, nº2, do C.C., torna praticamente inviável a cobrança do seu crédito hipotecário, pondo em causa a certeza e a segurança jurídicas emergentes da garantia da hipoteca, com isso violando os princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade e da proibição do excesso de defesa”, o STJ respondeu como segue: “Mas não há qualquer inconstitucionalidade na opção legislativa./No tocante ao princípio da igualdade, importa recordar que não se pode tratar de forma igual aquilo que à partida é desigual./O tratamento desta problemática depende essencialmente da ponderação de interesses e valores legítimos, vigentes na sociedade num determinado momento histórico, e da respectiva harmonização entre si./Considerações semelhantes valem no tocante aos princípios da proporcionalidade e da proibição do excesso de defesa./ Como em muitos outros sectores do ordenamento jurídico, também aqui, no domínio do contrato promessa, o legislador, no seu poder-dever de corrigir desequilíbrios e tomando em linha de conta os interesses em jogo, entendeu propender para a protecção da parte mais débil, que é o promitente comprador, face ao credor hipotecário, desde que aquele tivesse entregue ao outro um sinal e obtido a tradição da coisa, objecto do contrato promessa. /O Tribunal Constitucional, nos seus Acórdãos nº 594/03, de 3-12-03 e nº 356/04, de 19-4-04 (www.tribunalconstitucional.pt) para cuja fundamentação se remete, já teve ocasião de se pronunciar sobre a solução do mencionado art.º 759, nº2, do C.C., tendo entendido que tal solução não ofende quaisquer valores ou princípios constitucionais./ Assim sendo, impõe-se a revogação do Acórdão recorrido e a repristinação do decidido na sentença da 1ª instância, devendo o crédito dos recorrentes AA e mulher, garantido por direito de retenção, ser pago à frente e imediatamente antes do crédito do Banco recorrido, garantido por hipoteca” [ [20] ]. Noutra vertente, também se considera sem fundamento a convocação do princípio da separação de poderes (separação e interdependência dos órgãos de soberania) tendo por referência os arts. 2.º [ [21] ] e 111.º [ [22] ] da Constituição da República Portuguesa (CRP). “Duas ideias básicas continuam a estar subjacentes à separação funcional dos órgãos constitucionais. Uma, é a da ordenação de funções através de uma ajustada atribuição de competências expressa na fixação clara de regras processuais e na vinculação à forma jurídica dos poderes a quem é feita essa atribuição. Nessa perspectiva, ou seja, como racionalização, estabilização e delimitação do poder estadual, a separação de poderes é um princípio organizatório fundamental da Constituição. É o sentido presente no art.º 111.º da CRP. (…) Através da criação de uma estrutura constitucional com funções, competências e legitimação de órgãos, claramente fixada, obtém-se um controlo recíproco do poder (checks and balances) e uma organização jurídica de limites dos órgãos do poder”./A ordenação funcional separada deve entender-se também como uma ordenação controlante -cooperante de funções. Isto não se reconduz rigidamente a conceitos como «balanço de poderes» ou «limitação recíproca de poder», nem postula uma rigorosa distinção entre funções formais e funções materiais. O que importa num estado constitucional de direito não será tanto saber se o que o legislador, o governo ou o juiz fazem são actos legislativos, executivos ou jurisdicionais, mas se o que eles fazem pode ser feito e é feito de forma legítima (…)” [ [23] ] Competindo aos tribunais, enquanto órgãos de soberania, “administrar a justiça em nome do povo”, incumbe-lhes “assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados” (art.º 202.º, n.ºs 1 e 2 da CRP e cfr. ainda o art.º 2.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26-08). No exercício dessas funções, deve o julgador obediência à lei (art.º 8.º do Cód. Civil), com a inerente “necessidade da interpretação, ou seja, daquela actividade do jurista que se destina a fixar o sentido e o alcance com que o texto deve valer. De entre os sentidos possíveis do texto há que eleger um” [ [24] ]; deve, ainda o tribunal dar efetividade à exigência de “interpretação e aplicação uniformes do direito” (número 3 do art.º 8.º do Cód. Civil), para o que releva o contributo da jurisprudência e da doutrina relevantes para a análise do caso. Ultrapassada que ficou a possibilidade de fixação de doutrina com força obrigatória geral, na sequência de vários acórdãos do TC, que assinalavam o carácter normativo dos assentos em face do (anterior) texto do artigo 2º do Código Civil [ [25] ] e revogado o preceito pelo Dec. Lei 329-A/95 de 12-12 (art.º 4.º, n.º2) [ [26] ], passou a admitir-se a possibilidade dos intervenientes processuais interporem recurso para uniformização de jurisprudência, no condicionalismo e pressupostos fixados nos arts. 688.º a 695.º do CPC. Como se concluiu no acórdão do STJ de 24-05-2022 “[n]ão foi atribuída aos acórdãos uniformizadores força obrigatória geral, nem sequer vinculativa para a organização judiciária. Não obstante, a jurisprudência uniformizada deve ser respeitada pelos tribunais de instância e pelo próprio STJ, uma vez que a aplicação do direito não pode ser alheada dos valores da igualdade, da segurança e da certeza jurídicas, pressupostos da própria legitimação da decisão./ O valor persuasivo dos acórdãos uniformizadores encontra respaldo em normas processuais de admissibilidade dos recursos, como é o caso da al. b) do n.º 2 do art.º 629.º do CPC./ A linha interpretativa fixada nos acórdãos uniformizadores só deverá ser objecto de desvio, no âmbito do mesmo quadro legal, perante diferenças fácticas relevantes e/ou (novos) argumentos jurídicos que não encontrem base de ponderação nos fundamentos que sustentaram tais arestos” [ [27] ]. O alcance dos AUJ é, pois, substancialmente diferente dos assentos e a adesão à jurisprudência meramente orientadora fixada naqueles arestos não acarreta qualquer invasão pelo julgador da esfera do poder legislativo, mais não configurando a alegação do apelante senão o retomar de discussão há muito ultrapassada. Acrescente-se, por último, que decorre com linearidade das alegações de recurso que mais do que suscitar questão de inconstitucionalidade, o apelante se insurge, verdadeiramente, contra o conteúdo da fundamentação exposta e, consequentemente, o sentido da decisão recorrida, com a qual discorda, qualificando a interpretação feita pelo tribunal de primeira instância como uma “interpretação contra legem e ab-rogante” (conclusão 29ª). Ou seja, só com alguma benevolência é que se pode considerar que o apelante suscita uma questão de constitucionalidade – com referência a uma norma ou a uma interpretação normativa – afigurando-se que fundamentalmente se limita a discordar da decisão recorrida e da análise do caso concreto feita pela juíza. Improcedem as conclusões de recurso. * Pelo exposto, decide-se julgar improcedentes os recursos de apelação interpostos por AF e pela sociedade PSol – Promoção Imobiliária, Lda., mantendo-se as decisões recorridas. Custas pelos apelantes, tendo em atenção cada um dos recursos respetivos (art.º 527.º, n.º 1 do CPC). Notifique. Lisboa, 13-09-2024 Isabel Fonseca Renata Linhares de Castro Nuno Teixeira _______________________________________________________ [1] O tribunal de primeira instância proferiu, com a mesma data, duas sentenças, em peças processuais autónomas, decidindo separadamente as impugnações apresentadas, sem que se vislumbre qualquer razão ou motivo que processual ou materialmente o justifique, tendo em conta a tramitação que decorre dos arts. 128.º e seguintes do CIRE. Esta Relação apreciará, pois, até por razões de economia e celeridade processual, no mesmo acórdão os vários recursos interpostos relativamente às duas sentenças. [2] Assim, lê-se no corpo das alegações de recurso: “10. Pretende a recorrente ver-lhe reconhecido o crédito reclamado, no valor de 75.000,00€ (setenta e cinco mil euros), nos termos em que foi inicialmente reconhecido pelo Sr. Administrador da Insolvência de forma correta e em conformidade com a lei. 11. A recorrente outorgou um contrato promessa de compra e venda com a insolvente nos autos, onde intervieram, respetivamente, na qualidade de promitente-comprador e promitente-vendedora. (…) 13. A recorrente reclamou o seu crédito ao Sr. Administrador da Insolvência, pedindo-lhe que reconhecesse o crédito, no valor do sinal, acrescido da diferença entre o valor do prédio à data da outorga do CPCV e o seu valor à data da eventual recusa do cumprimento, perfazendo o valor total de 75.000,00€ (setenta e cinco mil euros), crédito esse que, apesar de condicional, deveria revestir a natureza de garantido e com prevalência sobre a hipoteca, por ser basear no direito de retenção, nos termos e com os fundamentos aí plasmados. 14. Na sequência da referida reclamação de créditos, andou bem o senhor Administrador da Insolvência ao reconhecer ao credor-reclamante, aqui respondente, um crédito garantido, no valor de 75.000,00€ (setenta e cinco mil euros). 15. Da impugnação deduzida pela credora Caixa Económica Montepio Geral resultou a sentença ora proferida. 16. Sentença essa que ignorou por completo o direito da recorrida ao crédito do valor resultante das melhorias levadas a cabo no prédio, portanto, à valorização do mesmo. 17. Ora, do alegado ao longo dos autos e do disposto no n.º2, do artigo 106.º do CIRE, com remissão para o n.º5 do artigo 104.º, também ele do CIRE, que, por sua vez, remete para o 102.º do mesmo diploma, resulta que o recorrente é detentor de um crédito que compreende o sinal, ao qual deve ser somado o valor resultante do acréscimo resultante da valorização do bem, desde a data da assinatura do CPCV, até à data da eventual recusa do cumprimento. 18. Aquando da reclamação de créditos, o ora recorrente, estimou que essa valorização ascendesse aos 40.000,00€. 19. Inclusive, a impugnante, aqui recorrida, juntou aquando da sua impugnação, sob Doc.1, um relatório pericial que atribui o valor de 144.000,00€ (cento e quarenta e quatro mil euros) ao prédio, excedendo aquelas que eram os cálculos do credor-reclamante. 20. Aliás, o mesmo relatório refere ainda: “Face ao exposto, e com base nos cálculos e valores determinados anteriormente, assentes nos pressupostos considerados, atribui-se ao prédio, na condição de livre de quaisquer ónus e encargos, o valor de 144.000€. no entanto, admitindo a concretização da capacidade construtiva máxima, o valor passa a 164.000€.” 21. Pelo que é mais do que óbvia a valorização do imóvel. 22. Aquando da junção daquele documento a recorrente declarou a sua aceitação, para todos os efeitos legais, da confissão da impugnante, quanto ao valor atribuído ao imóvel, por meio de documento junto à impugnação, por relatório técnico que o atesta e pelos valores aí referidos. 23. A referida valorização não foi devidamente valorada e patente na sentença que ora se recorre. 24. As benfeitorias levadas a cabo pelo recorrente e a correspondente valorização do prédio foi alegada aquando da reclamação e resultou provado nos autos. 25. Pelo que, terá a recorrente sobre a massa insolvente um crédito correspondente à diferença positiva entre o preço convencionado e o valor da coisa à data da eventual recusa por parte do Sr. Administrador no cumprimento do contrato promessa”. [3] Artigo 442.º (Sinal) 1 - Quando haja sinal, a coisa entregue deve ser imputada na prestação devida, ou restituída quando a imputação não for possível. 2 - Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou, ou, se houve tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, o seu valor, ou o do direito a transmitir ou a constituir sobre ela, determinado objectivamente, à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado, devendo ainda ser-lhe restituído o sinal e a parte do preço que tenha pago. 3 - Em qualquer dos casos previstos no número anterior, o contraente não faltoso pode, em alternativa, requerer a execução específica do contrato, nos termos do artigo 830.º; se o contraente não faltoso optar pelo aumento do valor da coisa ou do direito, como se estabelece no número anterior, pode a outra parte opor-se ao exercício dessa faculdade, oferecendo-se para cumprir a promessa, salvo o disposto no artigo 808.º 4 - Na ausência de estipulação em contrário, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste, ou do aumento do valor da coisa ou do direito à data do não cumprimento. [4] O prédio em causa foi apreendido nos autos, como resulta do apenso B (cfr. a verba VIII), mas não foi objeto de venda, parecendo depreender-se da posição do AI, relativamente aos “credores garantidos”, incluindo o prédio descrito na CRP sob o número 3881, que aguarda o resultado das “inúmeras impugnações da lista de créditos apresentadas por diversos credores” para decidir do destino dos prédios, iniciando as diligências de venda apenas dos prédios relativamente aos quais não foram apresentadas impugnações (cfr., nomeadamente, os relatórios de 18-05-2021, 02-08-2021, de 25-09-2023, alínea F), em que alude “[n]ada mais foi possível adiantar ao nível da liquidação da massa insolvente, atentos os inúmeros recursos pendentes em sede de impugnação de créditos”, de 20-12-2023, alínea F, de idêntico teor, de 18-03-2024, alínea D e 24-06-2024, alínea D, todos do apenso C, alusivo à liquidação). [5] Salienta-se que a apelante, em flagrante violação do princípio da colaboração processual, repete inúmeras vezes a sua alegação, como resulta da leitura linear das conclusões de recurso. [6] Assim, o prédio identificado sob o n.º 1 do acordo de rescisão corresponde à verba IX do auto de apreensão, o prédio n.º 2 à verba XI, o prédio n.º 3 à verba V, o prédio n.º 4 à verba I, o prédio n.º 5 à verba IV e o prédio n.º 6 à verba XV. [7] Em que se limitou a alegar, no art.º 23.º como segue: “Ou seja, por força da “traditio” da posse dos bens, quem os tem vindo a possuir desde 2015 até ao presente data é reclamante, sendo esta quem tem vindo a proceder à sua limpeza, conservação e manutenção, colhendo os seus proveitos e frutos naturais, entrando e saindo dos mesmos à vista de todas a gente, de modo contínuo, público e de boa-fé, bem como quem tem vindo a pagar os consumos de água e eletricidade, conforme estipulado no parágrafo único da cláusula Quinta do CPCV (Doc. 7)” (sic). [8] Assim: “5. A Reclamante alega que, desde o dia 10 de Março de 2015, data em que celebrou o contrato referido em 13., a sociedade PSol – PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA. (i) procede à limpeza dos terrenos, (ii) colhe os seus frutos naturais, (iii) usa os terrenos para parqueamento e para o armazenamento de materiais e equipamentos de construção civil; (iv) procede ao pagamento dos respectivos impostos e encargos camarários; (v) entra e sai dos terrenos à vista de toda a gente e (iv) paga os consumos de água e electricidade. Cumpre decidir. Ao ser confrontado com o teor da planta junta com o requerimento datado de 31 de Março de 2023 (N/REF. 5183000), PN declarou, de forma credível, que os terrenos assinalados com bordo vermelho são aqueles que a SOCIEDADE IMOBILIÁRIA …, LDA. prometeu vender à sociedade PSol – PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA. (cfr. FACTO 14.), sendo que os terrenos assinalados com borda azul são terrenos da titularidade da sociedade Reclamante. LB alegou que os terrenos referidos nos contratos mencionados em 13. e 14. são bravios. Mais declarou, que a sociedade PSol “limpava os terrenos” (sic.). FF (funcionário da sociedade PSol – PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA. entre 2007 e 2021), por sua vez, declarou, de forma credível, ter contratado pessoas para proceder à limpeza dos terrenos da sociedade PSol e ter supervisionado os mesmos (trabalhos). Com vista a concretizar o seu depoimento, o Julgador convidou a referida testemunha a aproximar-se da sua mesa com vista a identificar no mapa de fl. 42 verso a exacta zona onde os trabalhos de limpeza foram concretizados (a saber: à data da referida sessão de julgamento, o referido mapa era o único constante dos autos a localizar os imóveis em referência). FF localizou no mapa a referida zona, tendo o Tribunal feito nota da referida localização. Após comparar as indicações feitas pela testemunha com o teor da planta junta com o requerimento datado de 31 de Março de 2023 (N/REF. 5183000), o Tribunal verificou que os trabalhos de limpeza supervisionados por FF foram concretizados nos terrenos assinalados com borda azul, correspondendo, por conseguinte, a terrenos da sociedade PSol. A conclusão que antecede é coerente com o que foi declarado pela referida testemunha. De facto, FF afirmou que apenas supervisionou a limpeza de terrenos da sociedade PSol e que nunca ouviu falar que a SOCIEDADE IMOBILIÁRIA …, LDA. tivesse entregue terrenos à sociedade PSol. Verifica-se, assim, que das declarações das testemunhas LB e FF, não decorrem indícios suficientes mediante os quais seria possível concluir que a sociedade PSol procedeu, de facto, à limpeza, conservação e manutenção dos terrenos em referência. O Tribunal não dúvida que os terrenos em causa foram limpos, por tal obrigação derivar da Lei. Porém, dos autos não decorrem indícios suficientes susceptíveis de comprovar que os trabalhos de limpeza foram efectivamente ordenados pela sociedade PSol, ainda para mais quando se tem em conta que a ora Reclamante não juntou aos autos qualquer outro meio de prova complementar como, por exemplo, facturas comprovativas da contratação dos alegados serviços. Por sua vez, PN afirmou que DB (gerente da ora insolvente) propôs a entrega dos imóveis identificados no contrato-promessa à PSol – PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA. (cfr. FACTO 14.), aquando da celebração do contrato referido em 13., com vista a garantir nomeadamente o cumprimento do estipulado no contrato datado de 11 de Março de 2015. Quando confrontado com a pergunta em que termos se materializavam os alegados poderes de facto da sociedade PSol sobre os imóveis em apreço, PN declarou que uma área de cerca de 500m2 situada nos referidos terrenos se encontra arrendada a favor de um Senhor chamado “J” que aí explora uma pequena plantação de ervas aromáticas, sendo que as rendas pelo espaço são entregues à sociedade ora Reclamante. Mais acrescentou que os frutos das tebaibeiras (opuntia tuna), denominados vulgarmente por tabaibos (Figo da Índia), que crescem de forma espontânea nos terrenos em referência, passaram a ser “comercializadas” pela sociedade PSol. Por fim salientou que os agricultores da área costumam apanhar erva nos referidos terrenos, com vista a salvaguardar que os mesmos se mantenham limpos. Os factos que antecedem foram negados por AM. A referida testemunha declarou não ser verdade que a sociedade PSol usasse os referidos terrenos para agricultura, após a celebração do contrato mencionado em 13., ou que aí tivesse edificado o que quer que seja. Assim sendo, e não obstante das declarações de PN decorrerem indícios que apontam no sentido de que a PSol tenha rentabilizado os referidos terrenos, é entendimento do Tribunal que as mesmas (declarações) – desacompanhadas de quaisquer outros meios de prova susceptíveis de corroborarem a veracidade dos factos alegados, como, por exemplo, “recibos de renda”, ou “facturas que consignam a venda de tabaibos” – são insuficientes para fazerem prova do alegado. Por fim, cabe ainda realçar que dos autos não resultam quaisquer indícios susceptíveis de fazerem prova de que a sociedade PSol (i) usa os terrenos para parqueamento e para o armazenamento de materiais e equipamentos de construção civil; (ii) procede ao pagamento dos respectivos impostos e encargos camarários; (iii) entra e sai dos terrenos à vista de toda a gente e (iv) paga os consumos de água e electricidade. Conclui-se, por conseguinte, que da prova produzida nos autos não resultam indícios suficientes mediante os quais seria possível concluir que a sociedade PSol é efectivamente detentora dos prédios em referência. Termos em que, o Tribunal decide julgar o FACTO A) como não provado”. [9] Atente-se no seguinte diálogo: Juíza: E como é que fizeram essa entrega? Testemunha: A PSol ficou com a posse, começou a usar os terrenos. Juíza: Para quê, agricultura? Testemunha: Realmente não, aquilo não é uma zona onde se possa cultivar, acho eu. [10] E, mais adiante, inquirida pela juíza sobre se “de alguma forma a PSol usava aqueles terrenos para agricultura, respondeu “não” e se havia “alguma edificação, alguma casinha de férias, alguma construção”, respondeu “não” e perguntada se, indo ao local, lá iriam encontrar “galinhas, gado”, a testemunha respondeu que os prédios são um terreno com mato, que “cresce rápido”. [11] O que é consentâneo com a referência feita na motivação da decisão e supra transcrita, sendo que compulsando os documentos juntos (fotografia entre fls. 623-624 e documento de 631) verifica-se efetivamente que os prédios em causa da insolvente, assinalados a vermelho, não tem acesso pela estrada mas apenas pelos prédios da apelante, com os quais confinam. Refira-se que o aspeto dos prédios, da apelante e da insolvente, nas referidas fotografias (que tem inteira correspondência com a imagem que ainda atualmente se pode visualizar pela utilização da aplicação google maps) é uno não se visualizando qualquer edificação, marco ou sinal distintivo entre eles. [12] Esclarece-se que o depoimento da testemunha continuou, mas incidindo já sobre questões relacionadas com a impugnação do outro credor (AF). [13] “I. O direito de retenção, previsto nos arts. 754º e 755º, ambos do Código Civil, traduz-se no direito conferido ao credor, que tem a posse de uma coisa e está obrigado a entregá-la a outrem, de a reter enquanto não lhe for satisfeito aquilo que, em ligação com ela, lhe é devido. II. São, assim, pressupostos deste direito: i) a posse e obrigação de entrega duma coisa; ii) a existência, a favor do devedor, dum crédito exigível sobre o credor; iii) e a existência de uma conexão causal entre o crédito do detentor e a coisa, ou seja, este crédito acha-se ligado à coisa, visando o pagamento de despesas que o detentor com ela efetuou ou a indemnização de prejuízos que em razão dela sofreu - «debitum cum re junctum». III. Trata-se de um direito real de garantia que decorre diretamente da lei, surgindo sem necessidade de prévia declaração judicial nesse sentido, e com eficácia erga omnes, permitindo ao retentor realizar o seu crédito através do produto da venda do objeto, com prioridade sobre os credores restantes, designadamente sobre outros credores que gozem de hipoteca mesmo que esta tenha sido registada anteriormente” (acórdão do STJ de 16-05-2019, processo: 61/11.7TBAVV-B.G1.S1, Relator: Rosa Tching), acessível in www.dgsi.pt, como todos os demais aresto aqui referidos. [14] Não se confunde a traditio da coisa objeto do contrato prometido com a atribuição de eficácia real ao contrato, que implica o seu registo na Conservatória do Registo Predial. Nos termos do art.º 413.º, nº1 do CC, “[à] promessa de transmissão ou constituição de direitos reais sobre bens imóveis, ou móveis sujeitos a registo, podem as partes atribuir eficácia real, mediante declaração expressa e inscrição no registo”. No caso, nunca foi sequer alegado pela reclamante que se mostra registada na CRP a aludida promessa de compra e venda, pelo que nem sequer se coloca qualquer questão a esse propósito; os pressupostos do direito de retenção passam pela traditio mas não pela atribuição de eficácia real ao contrato (eficácia supra partes) (art.º 755.º nº1, alínea f) do Cód. Civil); aliás, se o contrato tivesse eficácia real (com tradição da coisa), o administradora da insolvência teria que cumprir o contrato – no pressuposto, obviamente, da possibilidade de cumprimento – como decorre do art.º 106.º, nº1 do CIRE. [15] Processo: 801/12.7TYLSB-F.L1-1 (Relator: Isabel Fonseca). [16] Processo 3652/11.2TBGMR-C. G1 (Relator: Ana Cristina Duarte). [17] Como se sabe, a posse traduz um conceito jurídico, correspondendo ao poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real (artº 1251º Cód. Civil), distinguindo-se tradicionalmente como integrando o corpus (elemento objetivo), correspondente ao exercício de poderes de facto sobre a coisa e o animus (elemento subjetivo), isto é, a intenção com que se exerce esses poderes; no caso, parece evidente que a situação em apreço nunca configuraria mais do que uma posse precária, ou posse exercida em nome de outrem, mera detenção, portanto. [18] Lê-se no acórdão do STJ de 25-03-2014, processo: 1729/12.6TBCTB-B.C1.S1 (Relator: Azevedo Ramos), em que se colocava a questão de saber se ocorriam os pressupostos da tradição da coisa, enquanto (um) dos elementos constitutivo do direito de retenção: “Assim, é possível concluir que, radicando o direito de retenção num contrato-promessa, não é necessário que o beneficiário da promessa tenha a posse da coisa objecto do contrato prometido. É suficiente que a detenha, por simples tradição. A tradição de que fala a alínea f), do nº 1, do art.º 755 do CC não se confunde com a posse e pode existir sem esta. O conceito de tradição da coisa vem tratado de forma exemplar no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-4-2001 (publicado na R.L.J. nº133-367 e segs, com Anotação favorável do Prof. Calvão da Silva, na mesma R.L.J. Ano 133 - pág. 370 e Ano 134 - pág. 21), a propósito de um caso paradigmático, pelo que não resistimos a transcrever o seguinte passo desse douto Acórdão (R.L.J. Ano 133-368): “A tradição da coisa exprime, na disciplina dos direitos reais, a transmissão da detenção de uma coisa entre dois sujeitos de direito, sendo constituída por um elemento negativo (o abandono pelo antigo detentor) e um elemento positivo, a tradicionalmente chamada apprehensio (acto que exprime a tomada de poder sobre a coisa). A alínea b) do artigo 1263 do C.C., na esteira de uma velha tradição romanista, confere igual valor à tradição material e à tradição simbólica. É no elemento positivo da traditio (apprehensio) que se verificam as variações que explicam a distinção entre tradição material e tradição simbólica. A tradição é material quando, p. ex., o livreiro entrega em mão o livro ao comprador, ou o vendedor de uma casa leva o comprador a entrar nela, abandonando-a de seguida; será simbólica quando o vendedor de um apartamento entrega as chaves ao comprador, ou o vendedor de uma quinta entrega ao comprador os títulos ou os documentos que justificavam o seu direito, ou, como nos antigos costumes, lhe entregava uma porção de terra do prédio ou, p.ex., uma cepa de uma vinha. A tradição material é, portanto, a realizada através de um acto físico de entrega e recebimento da própria coisa; a tradição simbólica é o resultado do significado social ou convencional atribuído a determinados gestos ou expressões. A relevância atribuída à tradição simbólica foi a natural consequência de nem sempre a apprehensio poder ser materialmente realizada, por impossibilidade objectiva ou subjectiva, mas o seu uso generalizou-se e diversificou-se de acordo com as necessidades do comércio jurídico. O valor simbólico de um acto depende, naturalmente, do tipo de coisa que se transmite, como supra ficou exemplificado e explicado. Mas também a traditio material varia de configuração e intensidade, de acordo com a natureza da coisa alienada. A chamada traditio longa manu ou traditio oculis et affectu, que exprimiam o consenso das partes junto das coisas transmitidas, com o significado de abandono e apprehensio, sofreu, nos direito romano e comum, uma evolução no seio da tradição material, para formas atenuadas de transmissão da coisa. A traditio material, suposta pelo legislador, não implica, portanto, um acto plasticamente representável, de largar e tomar, bastando-se com a inequívoca expressão de abandono da coisa e a consequente expressão de tomada de poder material sobre a mesma, por parte do beneficiário”. No caso dos autos, face aos factos provados nos pontos 11º,12º,15ºe 16º, é de considerar verificados os necessários pressupostos da tradição da coisa”. [19] A propósito da interpretação restritiva do preceito (art.º 755.º do Cód. Civil), refere Mariana Coimbra Piçarra: “Têm sido avançadas diversas formas de limitar e restringir o âmbito de eficácia da al. f) do n.º 1 do artigo 755.º, mediante a interpretação restritiva do preceito ou pela criação de mecanismos de compatibilização do direito de retenção do promitente-comprador com a segurança jurídica, tutela de expetativas de terceiros e o sistema registal. (…) Finalmente, diremos que a tese que goza de maior adesão, no seio doutrinário, se apoia no facto de o legislador ter expressado a sua intenção de proteger o promitente-comprador enquanto consumidor, postulando uma interpretação restritiva da al. f) do n.º 1 do artigo 755.º como norma de tutela do consumidor e, como tal, apenas sendo aplicável caso aquele assumisse tal estatuto” (Direito de retenção do promitente-comprador: algumas reflexões JULGAR - n.º 34 – 2018, pp. 29-31). E, mais adiante: “O Supremo Tribunal de Justiça acolheu, assim, a orientação de tutela do promitente-comprador, atribuindo-lhe o direito ao sinal em dobro nos termos da lei civil, garantido com direito de retenção, nos termos da al. f) do n.º 1 do artigo 755.º e pronunciando-se em sentido favorável quanto à interpretação restritiva deste preceito no sentido da sua aplicação exclusiva ao promitente-comprador consumidor, recusando, expressamente, tal garantia aos demais” (p. 32). [20] No mesmo sentido cfr. o acórdão do STJ de 16-02-2016, processo: 135/12.7TBMSF.G1. S1 (Relator: Maria Clara Sottomayor). [21] Artigo 2.º (Estado de direito democrático) A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa. [22] Artigo 111.º (Separação e interdependência) 1. Os órgãos de soberania devem observar a separação e a interdependência estabelecidas na Constituição. 2. Nenhum órgão de soberania, de região autónoma ou de poder local pode delegar os seus poderes noutros órgãos, a não ser nos casos e nos termos expressamente previstos na Constituição e na lei. [23] Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª edição (11ª Reimpressão), Coimbra, Almedina, p. 251, sobre a “[d]ivisão de poderes” e a sua “[r]elevância jurídico-constitucional” enquanto “princípio jurídico -organizatório”. [24] Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 2011, Coimbra, Almedina, p. 176. Refere o autor: “A disposição legal apresenta-se ao jurista como um enunciado linguístico, como um conjunto de palavras que constituem um texto. Interpretar consiste evidentemente em retirar desse texto um determinado sentido ou conteúdo de pensamento. / O texto incorpora múltiplos sentidos (polissemia do texto) e contém com frequência expressões ambíguas ou obscuras. Mesmo quando aparentemente claro à primeira leitura, a sua aplicação aos casos concretos da vida faz muitas vezes surgir dificuldades de interpretação insuspeitadas e imprevisíveis. Além de que, embora aparentemente claro, na sua expressão verbal, e portador de um só sentido, há ainda que contar com a possibilidade de a expressão verbal ter atraiçoado o pensamento legislativo - fenómeno mais frequente do que parecerá à primeira vista” (pp. 175-176). [25] O acórdão do TC n.º 743/96, de 28-05-1996 (processo nº 240/94, Relator: Cons. Monteiro Diniz), decidiu “declarar a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, da norma do artigo 2º do Código Civil, na parte em que atribui aos tribunais competência para fixar doutrina com força obrigatória geral, por violação do disposto no artigo 115º, nº 5, da Constituição”. [26] Lê-se no preâmbulo do diploma: “Não se acompanhou, todavia, a solução consistente em tratar o acórdão das secções cíveis reunidas, proferido em julgamento ampliado do recurso de revista, como «assento», optando-se antes pela revogação de tal instituto típico e exclusivo do nosso ordenamento jurídico./ Na verdade, como se refere no citado Acórdão n.º 810/93 do Tribunal Constitucional, sempre seria condição indispensável à não caracterização do assento como acto normativo de interpretação e integração autêntica da lei o não ter a doutrina por ele fixada força vinculativa geral e estar sujeita «em princípio à contradita das partes e à modificação pelo próprio tribunal dela emitente». Deste modo, para além de a doutrina do assento não poder vincular tribunais situados fora da ordem dos tribunais judiciais, não bastaria, para operar a «constitucionalização» do instituto dos assentos, prever a possibilidade de o próprio Supremo Tribunal de Justiça, em recursos que ulteriormente perante si decorressem, «revogar» o assento anteriormente emitido, sendo indispensável garantir às próprias partes, em qualquer instância, a possibilidade de impugnarem ou contraditarem a doutrina que nele fez vencimento. Quebrada pela jurisprudência constitucional a força vinculativa genérica dos assentos e imposto o princípio da sua ampla revisibilidade - não apenas por iniciativa do próprio Supremo, no âmbito dos recursos perante ele pendentes, mas a requerimento de qualquer das partes, em qualquer estado da causa -, pareceu desnecessária a instituição dos necessariamente complexos mecanismos processuais que facultassem a revisão do decidido, por se afigurar que a normal autoridade e força persuasiva de decisão do Supremo Tribunal de Justiça, obtida no julgamento ampliado de revista - e equivalente, na prática, à conferida aos actuais acórdãos das secções reunidas -, será perfeitamente suficiente para assegurar, em termos satisfatórios, a desejável unidade da jurisprudência, sem produzir o enquistamento ou cristalização das posições tomadas pelo Supremo”. [27] Processo: 1562/17.9T8PVZ.P1. S1 (Relator: Graça Amaral). |