Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9365/2004-5
Relator: FILOMENA CLEMENTE LIMA
Descritores: CONTRAFACÇÃO DE MARCA
CRIME PÚBLICO
CRIME SEMI-PÚBLICO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/26/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: O crime de contrafacção, imitação e uso ilegal de marca era, à data do seu cometimento um crime público nos termos da legislação que o previa e punia – artº 264º, nº 2 do Código da propriedade Industrial (DL 16/95, de 24.1).
Com a alteração produzida pelo DL 36/2003, de 5.3 procedeu-se à alteração da natureza do crime que passou a depender de queixa (artºs 323º e 329º do C.P.I.)
Não se configurando a queixa, à data em que o MºPº iniciou o procedimento, condição objectiva de procedibilidade, não são de aplicar as regras da sucessão de leis no tempo como se de uma alteração ao tipo legal de crime, mais favorável se tratasse, mantendo, assim, o MºPº a legitimidade para o exercício da acção penal.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. No processo comum n.º 525/00.8 PBLRS do 3º Juízo Criminal de Loures e no seguimento da acusação deduzida pelo MºPº contra G. pelo crime de contrafacção, imitação e uso ilegal de marca p.p. pelo art.º 264º,n.º2 Código da Propriedade Industrial aprovado pelo DL 16/95 de 24.1., alegadamente cometido em 20.12.2000, foi proferido despacho que, perante a questão prévia da alteração resultante das alterações legislativas do DL 36/2003 de 5.3 entrado em vigor em 1.7.2003 segundo o qual o procedimento criminal pelo referido crime, anteriormente de natureza pública, passou a depender de queixa, decidiu julgar extinto o procedimento criminal por falta de legitimidade do MºPº para o seu exercício.

Inconformado com a referida decisão, interpôs recurso o MºPº motivando o recurso com as conclusões :
- A passagem de um crime de público a semi-público está sujeita ao princípio da aplicação da lei mais favorável ao arguido que será a lei nova;
- No entanto, a aplicação de tal princípio não pode desencadear, no plano processual, a anulação de actos validamente praticados;
- Tal como o faz a decisão fazendo decair a legitimidade do MºPº para o exercício da acção penal, extinguindo todo o processado;
- A legitimidade do MºPº fixou-se no momento em que ele, como titular da acção penal, desencadeou o procedimento criminal, pelos factos que indiciavam a prática de um crime público;
- O procedimento criminal é pois válido não podendo ser extinto;
- Deve ser revogada a primeira parte do despacho recorrido na parte em que extingue o procedimento criminal pelo crime de crime de contrafacção, imitação e uso ilegal de marca com as legais consequências, designadamente determinar a realização de julgamento no que concerne a tal crime.

Admitido o recurso com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, e notificado o arguido não ofereceu resposta.
Neste Tribunal, o Exm.º Sr. Procurador Geral Adjunto secundou a posição do recorrente.
Colhidos os vistos legais, procedeu-se a conferência.


2. Perante as conclusões da motivação a única questão trazida à apreciação deste Tribunal reporta-se à apreciação do efeito da sucessão de leis no tempo segundo a qual um crime que tinha natureza pública passou a depender de queixa, tendo o MºPº exercido legitimamente a acção penal no âmbito da lei anterior, sem dependência dessa queixa.

3. O crime imputado ao arguido – alegadamente cometido em 20.12.2000 – era previsto no âmbito da legislação contemporânea da data dos factos no art.º 264º,n.º2 Código da Propriedade Industrial aprovado pelo DL 16/95 de 24.1. para cujo exercício da acção penal respectiva o MºPº não carecia de queixa, denúncia ou participação dada a sua natureza pública..
Em 1.7.2003 entrou em vigor o DL 36/2003 de 5.3 nos termos do qual se procedeu à alteração da natureza deste crime dado o disposto no art.º 329º CPI o procedimento criminal pelo crime de contrafacção, outrora público, passou a depender de queixa (art.º 323º CPI).

Em 24.2.2003 foi proferida acusação tendo o MºPº, até então e desde o seu início, exercido a acção com legitimidade, dada a natureza do crime.
De interesse nesta matéria, e que se cita por se reportar à questão objecto de discussão e a cuja tese se adere sem reservas, refira-se o ARE de 26.4.1983, BMJ 328º, 633 que concluiu que “o direito de queixa funciona como condição de procedibilidade inserindo-se no campo processual. Exercendo o MºPº a acção penal por determinado crime independentemente de queixa numa altura em que esse crime tinha natureza pública não perde legitimidade para prosseguir com o processo, não obstante, por alteração legislativa subsequente se haver tornado semi publico.
Os crimes semi-públicos, natureza que lhes é conferida em função da natureza dos interesses que tutelam traduzem-se, no essencial, numa redução do princípio da oficialidade ou oficiosidade, podendo o MºP impulsionar o procedimento criminal apenas se o ofendido ou outras as pessoas com legitimidade para tal lhe darem conhecimento do facto ou depois de o terem feito perante qualquer outra entidade com obrigação legal de transmitir a queixa ao MºPº (art.ºs 48º, 49º, 242º e 248 CPP) e permitem que, perante a desistência de queixa dos respectivos titulares até à publicação da sentença em 1ª instância, se possa pôr termo a um processo criminal (art.º 116º CP e 51º CPP).
A necessidade de queixa, condição objectiva de procedibilidade, não se configurava no momento em que o MºPº fez iniciar o procedimento nem em qualquer momento em que poderia suscitar a intervenção de quem detinha legitimidade para tal, uma vez que no momento da acusação o crime mantinha a natureza pública.
Não se referindo a queixa a um elemento típico do crime ou susceptível de o definir ou identificar em substância enquanto conceito normativo descrito pela lei penal mas reportando-se, como se disse anteriormente, a uma condição de procedibilidade, não poderia ter-se aplicado as regras da sucessão de leis no tempo como a decisão recorrida fez, ou seja como se se tratasse de alteração de um elemento constitutivo do tipo em que a lei nova se mostrasse mais favorável, denotando uma vontade legislativa de descriminalizar o tipo anteriormente definido, alterando ou restringindo o âmbito da tutela penal ou a sua eficácia, nomeadamente por atenuação da respectiva moldura penal .

A necessidade de queixa, condição objectiva de procedibilidade, não se configurava no momento em que o MºPº fez iniciar o procedimento nem em qualquer momento em que poderia suscitar a intervenção de quem detinha legitimidade para tal, uma vez que no momento da acusação o crime mantinha a natureza pública.
Não se referindo a queixa a um elemento típico do crime ou susceptível de o definir ou identificar em substância enquanto conceito normativo descrito pela lei penal mas reportando-se, como se disse anteriormente, a uma condição de procedibilidade, não poderia ter-se aplicado as regras da sucessão de leis no tempo como a decisão recorrida fez, ou seja como se se tratasse de alteração de um elemento constitutivo do tipo em que a lei nova se mostrasse mais favorável, denotando uma vontade legislativa de descriminalizar o tipo anteriormente definido, alterando ou restringindo o âmbito da tutela penal ou a sua eficácia, nomeadamente por atenuação da respectiva moldura penal .

4. Pelo exposto, acordam os juízes em dar provimento ao recurso, substituindo a decisão recorrida por outra proferida nos termos dos art.º 311º CPP e ss., mas não julgando extinto o procedimento criminal por falta de legitimidade do MºPº.
Sem tributação.

Lisboa, 26/11/04

Filomena Lima
Ana Sebastião
Vieira Lamim.