Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | TERESA DE JESUS S. HENRIQUES | ||
Descritores: | SEPARAÇÃO DE FACTO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/19/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | N | ||
Texto Parcial: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | Integra o conceito de separação da facto para o disposto no art.1781,al.a) ex vi art.1782º, a circunstância de , ainda que habitando ambos os cônjuges a mesma casa e pagando o cônjuge marido a maioria das despesas domésticas: a) dormirem em quartos separados; b) relacionarem-se de modo separado com os filhos; c) passarem férias e dias festivos separados, alternando com as respectivas famílias alargadas e com os filhos estes convívios; d) ausentando-se a mulher sem dar explicações e; e) desde data determinada , comprar o cônjuge mulher a sua alimentação e pagar metade da despesa do condomínio e taxa de esgotos. | ||
Decisão Texto Parcial: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa I.-Relatório I.A- Antecedentes processuais O apelado intentou acção ordinária contra a apelante pedindo que seja decretado o divórcio entre ambos. Alegou, em síntese, que casou com a mesma am …/…/… mas que desde Março de 2008 o relacionamento desfez-se pois , não obstante viverem na mesma casa, fazem vidas pessoais totalmente separadas, não dormindo ,nem tomando as refeições, nem passando tempos de lazer ou festividades juntos, sendo que esta ruptura da vida conjugal é fundamento de divórcio atento o disposto no art.1781ºal.d) do C Civ.. A apelante contestou impugnado a factualidade mas admitindo que desde 2007 se «verificou um afastamento» entre ambos, sendo certo que, na sua óptica, «o casamento pode continuar a subsistir»; ainda assim, «reclama para si a casa de morada de família, dado que tal casa também é sua» e findou afirmando não prescindir da atribuição de pensão de alimentos. Julgada a causa foi proferida sentença que decretou o divórcio, com fundamento no disposto no art.1781º,al.ªa), do C Civ e não conheceu da questão da atribuição da casa de morada de família nem da atribuição de prestação de alimentos . I.B-Síntese conclusiva I.B.a-Apelante 1 - Recorrente e recorrido continuam a viver juntos, na mesma habitação, e com os dois filhos do casal, e ambos fazem o seu centro de vida na mesma casa; 2 - Recorrente e recorrido mantêm uma economia comum, na qual este último suporta a maioria das despesas domésticas. 3 - Não existe separação de facto - pelo contrário, Recorrente e recorrido vivem efectivamente juntos e interdependem um do outro, como qualquer outro casal, beneficiando apenas o A. e recorrido do facto da sua pujante vida económica lhe possibilitar uma aparente independência da mulher e ora recorrente, a qual pretende simplesmente colocar numa posição se subalternidade na sua própria casa. 4 - A douta sentença recorrida fez uma interpretação errónea dos factos provados, violando assim o disposto nos artigos 1781º, alínea a), e 1782º, nº 1, ambos do Código Civil. I.B.b-Apelado 1. Os factos provados evidenciam, com particular detalhe, que, apesar de viverem debaixo do mesmo tecto, A. e R. desde 2008 têm uma vida independente um do outro, fazendo diariamente vidas separadas, autónomas e com desconhecimento um do outro. 2. A. e R. não vivem juntos, nem têm propósito algum, há vários anos, de vida em comum, apenas coincidindo, por razões económicas, no mesmo tecto. 3. Não é essencial para a separação de facto, o facto de os cônjuges viverem em casas separadas. 4. Não há qualquer comunhão de vida entre A. e R., os quais até com os filhos se relacionam autonomamente. 5. Na relação entre A. e R. há sinais persistentes, repetidos e confirmados de total afastamento, o que significa, de modo inequívoco o fim da relação conjugal. 6. Não há qualquer economia comum entre A. e R., porque nada colocam em comum, apenas o A. paga a maioria das despesas domésticas, porque a R. não paga quase nada (apenas o que se provou), alegando que não tem rendimentos; não restando outra solução ao A. senão pagar as contas da casa. 7. A R. desempregou-se voluntariamente, apesar de desaconselhada pelo A. e nunca mais foi trabalhar. 8. A douta sentença foi correcta aplicação do direito aos factos, mas mesmo que se entenda que não ocorre factualidade que integre a alínea a) do art. 1781º do C. Civil, sempre os factos provados integram a previsão da alínea d) do mesmo artigo. I.C- Questões a merecerem apreciação Viabilidade da separação de facto quando os cônjuges habitam na mesma casa e um deles suporta a maioria das despesas. II. Fundamentação II.A- De facto (…) II.B- De direito Dispõe o art.1773º,n.º1, do C Civ que o divórcio pode ser por mútuo consentimento ou sem consentimento de um dos cônjuges. O regime jurídico do divórcio instituído pela Lei n.º61/2008 de 31 de Out determina, o fim da culpa como fundamento para a dissolução do casamento por divórcio. O actual regime jurídico permite o divórcio sem consentimento de um dos cônjuges sempre que os mesmos estejam separados de facto há pelo menos um ano [art. 1781.º, n,º 1, al.ª a)] e, ainda, independentemente do preenchimento daquele requisito temporal, quando quaisquer outros factos mostrem a ruptura definitiva do casamento [art. 1781.º, al.ª d)]. A opção do legislador, em linha com a tendência dogmática europeia, pelo corte com o princípio da culpa, é claramente assumida na exposição de motivos das alterações ao regime jurídico do divórcio (Projecto de Lei nº 509/X)[1], segundo a qual,”o projecto procura convergir com a legislação mais recente e com a que vigora na maioria dos países Europeus, como pode ser procura convergir com a legislação mais recente e com a que vigora na maioria dos países Europeus, como pode ser conferido na publicação Principles of European Family Law Regarding Divorce and Maintenance Between Former Spouses, livro que é produto da actividade da CEFL, Comission on European Family Law em que Portugal também participa …. elimina-se a culpa como fundamento do divórcio sem o consentimento do outro, tal como ocorre na maioria das legislações da União Europeia e alargam-se os fundamentos objectivos da ruptura conjugal. O abandono do fundamento da culpa é, aliás, ponto de convergência na legislação europeia como se pode ler na obra atrás citada: “A eliminação a qualquer referência à culpa é consistente com a evolução da lei e da prática nos sistemas legais europeus analisados. Em muitos desses sistemas a culpa foi abandonada. Mesmo os poucos que, de forma parcial, a mantém muitas vezes na prática evoluíram na direcção do divórcio sem culpa. De qualquer dos modos é difícil atribuir culpa apenas a um dos cônjuges” (in Boele-Woelki et al. (2004), Principles of European Family Law Regarding Divorce and Maintenance Between Former Spouses, Commission on European Family Law, Antwerp-Oxford, Intersentia, p.55)”e, ainda, “sendo a ruptura conjugal, com muita frequência, um processo emocionalmente doloroso, a tendência tem sido também, ao nível legislativo, e nos países europeus que nos vão servindo de referência, para retirar a carga estigmatizadora e punitiva que uma lógica de identificação da culpa só pode agravar..” No entanto, ainda que eliminado o divórcio fundado na violação culposa dos deveres conjugais, estes deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência permanecem consagrados no art.1672º do C Civ. O regime vigente encurtou, ainda, os prazos para concessão do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges fundado em causas objectivas [ ausência, separação de facto e alteração das faculdades mentais do outro cônjuge-cfr. art.1781º, a.ª a), b) e, c)], prazo esse que passa a ser, para as diferentes situações, o prazo de um ano. Igual prazo é previsto para a conversão da separação judicial de pessoas e bens em divórcio. E veio consagrar uma causa geral objectiva para o divórcio sem consentimento de um dos cônjuges: “quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do casamento" (art. 1781.º, al.ª d). Na sentença impugnada entendeu-se que a factualidade provada integrava o conceito de separação de facto previsto no art. 1781º,alªa) do C Civ porquanto apesar de viverem na mesma habitação levam vidas totalmente separadas. Diz a apelante que não há separação de facto porque, para além de continuarem a viver na mesma casa (com a inerente utilização de espaços comuns), o apelado paga quase todas as despesas domésticas, assim como paga as despesas de condomínio e metade da tarifa de conservação de esgotos do imóvel onde habitam . Ora entende a lei (cfr. art.1782º C Civ) que se verifica a separação de facto quando não existe comunhão de vida entre os cônjuges e há da parte de ambos ou de um deles, o propósito de não a restabelecer. A factualidade apurada demonstra não existir qualquer comunhão de vida: dormem em quartos separados, relacionam-se de modo separado com os filhos, passam férias e dias festivos separados, alternando com as respectivas famílias alargadas e com os filhos estes convívios, ausentam-se sem dar explicações a apelada, pelo menos desde Abril de 2010, compra a sua alimentação e paga metade da despesa do condomínio e taxa de esgotos.. O pagamento por parte do apelado da esmagadora maioria das despesas domésticas não é relevante pois constitui uma inevitabilidade. A circunstância de residirem na mesma habitação em nada altera o que se acaba de expor. Está efectivamente verificada a separação de facto a que alude o art.1781º,alªa), ex vi art1782º do C Civ. A qualificação jurídica que o apelado fez da factualidade que alegou, e provou, não vincula o tribunal.-art.664º CPC. As conclusões da apelante improcedem na totalidade. Em síntese diz-se o seguinte: i) Integra o conceito de separação da facto para o disposto no art.1781,al.a) ex vi art.1782º, a circunstância de , ainda que habitando ambos os cônjuges a mesma casa e pagando o cônjuge marido a maioria das despesas domésticas: a) dormirem em quartos separados; b) relacionarem-se de modo separado com os filhos; c) passarem férias e dias festivos separados, alternando com as respectivas famílias alargadas e com os filhos estes convívios; d) ausentando-se a mulher sem dar explicações e; e) desde data determinada , comprar o cônjuge mulher a sua alimentação e pagar metade da despesa do condomínio e taxa de esgotos. III-Decisão Considerando o que se acaba de expor, julga-se improcedente a apelação , confirmando-se a sentença recorrida. Custas pela apelante. Lisboa 19/02/2013 Teresa Jesus Ribeiro de Sousa Henriques Isabel Maria Brás da Fonseca Eurico José Marques dos Reis [1] Disponível em http://www.parlamento.pt/ActividadeParalamentar/paginas/D | ||
Decisão Texto Integral: |