Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
407/24.8YHLSB.L1-PICRS
Relator: MÓNICA BASTOS DIAS
Descritores: PROPRIEDADE INDUSTRIAL
MARCA
IMITAÇÃO
RISCO DE CONFUSÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/12/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: SUMÁRIO (da responsabilidade da relatora):
Apesar da nulidade da sentença do Tribunal “a quo”, por omissão de pronúncia, se a questão foi levantada pela recorrente na 1.ª instância, mostrando-se reunidos os elementos necessários para poder decidi-la, deve o Tribunal da Relação, ao abrigo do disposto no artigo 665.º do CPC, substituir-se ao tribunal recorrido, deliberando nos termos dos artigos 607.º, n.º 4, e 663.º, n.º 2, do CPC.
A Marca é um sinal ou símbolo que permite distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.
Na apreciação do risco de confusão entre Marcas, que inclui o risco de ligação no espírito do consumidor médio, deve ser observado o princípio da interdependência entre os parâmetros e fatores visual, fonético e conceptual, levando em conta a impressão provocada por cada um dos sinais em conflito, globalmente considerado.
Isto porque o consumidor médio apreende uma marca como um todo.
Marca notória é aquela que é amplamente reconhecida pelo público como distintiva e associada a produtos ou serviços específicos.
A notoriedade da marca agrava o risco de confusão.
A marca “COTELO NEIVA”, lida em português, inicia-se sempre da esquerda para a direita, e é composta por dois nomes de família, que consubstanciam direitos de personalidade que devem ser protegidos.
É o nome “COTELO” que mais sobressai e fica na memória dos consumidores medianos, em virtude de o primeiro vocábulo de uma marca meramente nominativa é aquele que mais imediatamente é apreendido e tende a permanecer na memória do consumidor. E não se confunde facilmente com as marcas da recorrente: “NEIVA C.”, “NEIVA CORREIA” e “JOSÉ NEIVA”.
E o consumidor médio de “vinhos” é particularmente atento às diferenças entre as marcas dos produtos que escolhe e não confundirá facilmente a proveniência desses produtos.
A questão da concorrência desleal não foi suscitada junto do Tribunal “a quo” e não integra matéria de conhecimento oficioso, apenas tendo surgido nas conclusões das alegações de recurso como questão nova, pelo que não pode ser conhecida pelo Tribunal da Relação.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I. Relatório
D F J Vinhos, S.A., interpôs, ao abrigo do disposto nos artigos 38.º, alínea a), 39.º, n.º 1, 40.º, n.º 1, e 41.º do Código da Propriedade Industrial, recurso de impugnação do despacho de 05/08/2024, proferido pelo Diretor de Marcas e Patentes do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, I.P., por subdelegação de competências do Conselho Diretivo, de concessão do registo de marca nacional n.º 718744, “COTELO NEIVA”, pedindo a revogação do despacho, por violar o disposto no artigo 232.º, n.º 1, alíneas b) e g) do C.P.I., e, por consequência, deve ser decidido recusar o registo de marca nacional n.º 718744, “COTELO NEIVA”.
A Adriano's Smr - Sociedade Agrícola, Lda, contestou pugnando pela manutenção do despacho de concessão da marca nacional “COTELO NEIVA” com o n.º 718744.
Foi proferida sentença que manteve o despacho proferido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial que concedeu o registo da marca nacional n.º 718744, “COTELO NEIVA”.
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Inconformada com a sentença dela apelou a D. F. J. VINHOS, S.A., formulando as seguintes conclusões:
I. O objeto da apelação é a sentença de 22 de Maio de 2025 proferida nos presentes autos, negando provimento ao recurso interposto do despacho do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (I.N.P.I.), que concedeu à Apelada o registo da marca nacional nº 718744, “COTELO NEIVA”;
II. O Tribunal a quo não se pronunciou sobre as questões relativas aos motivos absolutos de recusa suscitadas pela ora Apelante no recurso que apresentou do despacho do INPI, que concedeu o registo de marca nacional n.º 718744, “COTELO NEIVA”.
III. A Apelante pretende, assim, o suscitar este motivo absoluto de recusa no presente recurso da apelação;
IV. O INPI considerou sanado o motivo absoluto de recusa (provisória), pela autorização ao uso do nome do Prof. Doutor AA, na marca “COTELO NEIVA”.
V. Salvo o devido respeito, não se acompanha essa decisão, por se considerar que infringe o disposto na alínea g), do nº 1, do artigo 232.º do C.P.I.
VI. Essa condição legal não se mostra satisfeita com a autorização da herdeira única BB, filha sobreviva do Prof. Doutor AA, cujo nome «Cotelo Neiva» constitui, per se, a marca registanda;
VII. A autorização ao uso do nome do Prof. Doutor AA, também teria de ser dada pelas netas do mesmo, por serem suas parentes;
VIII. O I.N.P.I. e agora o Tribunal a quo não tinha elementos que comprovassem ser dispensável a autorização dessas parentes do Prof. Doutor AA, sendo certo que não existe nenhum motivo para presumir que faleceram;
IX. Nestes termos, não podia o Tribunal a quo, sem mais, dar por satisfeita a condição prevista na alínea g), do n.º 1, do artigo 232.º do C.P.I.;
X. Em conclusão: a sentença recorrida deve ser revogada, por violar o disposto na alínea g), do n.º 1, do artigo 232.º do C.P.I. e, por consequência, o pedido de registo da marca nacional n.º 718744, “COTELO NEIVA”, deve ser recusado;
XI. A Apelante não pode, ainda, conformar-se com essa decisão por considerar que a marca registanda “COTELO NEIVA” constitui uma imitação das suas marcas “NEIVA C.” “NEIVA CORREIA” e “JOSÉ NEIVA”;
XII. Ora, o Tribunal a quo considerou – e bem – que, no presente contencioso de marca, verificam-se os requisitos do conceito de imitação previstos nas alíneas a) e b), do n.º 1, do artigo 238.º do C.P.I.;
XIII. Todavia, na decisão entendeu-se, que a marca “COTELO NEIVA” não imita as marcas “NEIVA C.”, “NEIVA CORREIA” e “JOSÉ NEIVA”, da Apelante;
XIV. Ao realizar a análise comparativa entre as marcas em confronto – a registanda “COTELO NEIVA” e as anteriormente registadas “NEIVA C.”, “NEIVA CORREIA” e “JOSÉ NEIVA” – o Tribunal a quo não conferiu a devida relevância ao elemento comum “NEIVA”, que possui força distintiva muito acentuada, especialmente no sector vitivinícola;
XV. Essa desvalorização do elemento “NEIVA” como elemento distintivo preponderante constitui erro manifesto de julgamento, porquanto é precisamente o apelido “NEIVA” perdura na memória do consumidor, criando assim risco de confusão e/ou associação com as marcas anteriormente registadas da Apelante;
XVI. É facto assente que todas as marcas em confronto partilham o termo “NEIVA”, apelido pouco frequente, com forte carga distintiva, tanto pela sua natureza patronímica, como pela sua elevada projeção no sector vitivinícola;
XVII. O elemento “NEIVA” surge como componente dominante nas marcas da Apelante e na marca registanda “COTELO NEIVA”, por ser um termo muito conhecido no sector vitivinícola que é associado ao enólogo CC, sendo este o elemento que permanecerá na memória do consumidor;
XVIII. O prestígio e reconhecimento público do enólogo CC – figura indissociável da marca “NEIVA” – confere à designação uma notoriedade relevante que não foi ponderada adequadamente na decisão recorrida;
XIX. A coincidência do elemento “NEIVA” é ainda reforçada de forma especialmente significativa pelo facto de as marcas em causa se destinarem a assinalar produtos idênticos (vinhos), circunstância que, segundo doutrina e jurisprudência dominante, agrava o risco de confusão;
XX. A jurisprudência é uniforme em considerar que, na comparação de marcas nominativas, deve atender-se aos elementos que prevalecem na perceção do consumidor, sendo a designação “NEIVA” aquela que, pela sua notoriedade no sector vitivinícola se revela determinante;
XXI. A marca “COTELO NEIVA” incorpora e absorve o sinal “NEIVA C.”, marca registada da Apelante, com a mera omissão da letra “C.”, não se entendendo como pode o Tribunal a quo não ter reconhecido que a suscetibilidade de erro ou confusão será inevitável.
XXII. A douta decisão recorrida violou, claramente, também, o n.º 3 do artigo 238.º do C.P.I.: «3 - Considera-se imitação ou usurpação parcial de marca o uso de certa denominação de fantasia que faça parte de marca alheia anteriormente registada».
XXIII. A decisão recorrida desconsidera ainda que o consumidor não confronta as marcas simultaneamente, sendo relevante a impressão global que retém do sinal registado, a qual, no caso, será fortemente associada à marca da Apelante;
XXIV. A omissão de uma avaliação correta da preponderância do elemento “NEIVA” constitui um erro de apreciação e de análise dos factos e das disposições legais aplicáveis, que viola o disposto no artigo 238.º, n.º 1, alínea c), e n.º 3, do C.P.I., que impõem a recusa do registo em caso de imitação suscetível de causar confusão;
XXV. Tal confusão é tanto mais provável quanto as marcas se destinam ao mesmo tipo de produto – vinhos –, num mercado onde a identidade e reputação do produtor e enólogo do vinho assumem papel determinante na escolha do consumidor;
XXVI. Está, pois, em causa no presente processo a verificação cumulativa dos requisitos previstos no artigo 238.º do Código da Propriedade Industrial (C.P.I.);
XXVII. Ora, o Tribunal a quo considerou – e bem – que, no presente contencioso de marca, verificam-se os requisitos do conceito de imitação previstos nas alíneas a) e b), do n.º 1, do artigo 238.º do C.P.I.;
XXVIII. Todavia, a Apelante discorda do juízo formulado na decisão recorrida a respeito da verificação do requisito de confundibilidade entre marcas;
XXIX. Em face do exposto, verifica-se que a decisão recorrida decorre de uma deficiente interpretação e aplicação aos factos provados do requisito de imitação de marca previsto no artigo 238º, nº 1, alínea c), do C.P.I.;
XXX. Além disso, a Apelada considera que o uso da marca “COTELO NEIVA” possibilitará à Apelada praticar atos de confusão com os produtos da ora Apelante assinalados pelas suas marcas “NEIVA C.”, “NEIVA CORREIA” e “JOSÉ NEIVA”, isto é, cometer concorrência desleal;
XXXI. Em consequência, viola o disposto no artigo 232º, nº 1, alínea b), do mesmo Código, dispositivo legal que impõe a recusa do registo da marca que constituir imitação de outra marca anteriormente registada para produtos ou serviços idênticos ou afins;
XXXII. Em suma: a sentença recorrida é ilegal, por ter violado o disposto no artigo 232º, nº 1, alíneas b), g) e h), do C.P.I., devendo ser revogada e substituída pela recusa do registo da marca nacional nº 718744.
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Adriano's Smr - Sociedade Agrícola, Lda, apresentou contra-alegações, pugnando que o recurso interposto pela recorrente deve ser julgado improcedente, devendo manter-se integralmente a sentença recorrida.
E apresentou as seguintes conclusões:
I. Não qualquer violação do disposto na alínea g), do nº 1, do artigo 232.º do C.P.I., uma vez que a autorização dos parentes até ao 4.º grau apenas será necessária caso não existam herdeiros.
II. O falecido Prof. Doutor AA não fez testamento, deixando como herdeiras legitimárias, as suas filhas: BB e DD.
III. A BB é a única herdeira viva.
IV. A DD faleceu a .../.../2029, tendo deixado testamento, o qual dispôs da sua herança sob a forma de legados, todos de natureza puramente patrimonial ( bens imóveis, móveis, contas bancárias e seguros ).
V. Para os legatários, como a EE ou a FF, transmitiram-se estes bens ou valores determinados e não outros, como direitos de personalidade – por inexistirem disposições testamentárias sobre o direito de identidade, nomeadamente de uso do nome do falecido Prof. Doutor AA.
VI. Este e outros direitos de personalidade, bem como todos os outros bens não especificados no testamento, são transmitidos de acordo com as regras de sucessão legítima, art. 2131 a 2133º, todos do Código Civil.
VII. Por conseguinte, o direito à identidade e uso do nome do falecido Prof. Doutor AA, na parte que cabia à referida testadora, foi transmitido à sua herdeira, BB, nos termos do art. 2030º e 2133º, n.º1, alínea c), ambos do Código Civil.
VIII. A irmã da testadora, BB, é herdeira do uso do nome do falecido Pai de ambas e, neste sentido e atentas as disposições do Código Civil invocados, a BB é única herdeira para efeitos do art. 232º, n.º 1, alínea g), do CPI.
IX. As marcas, quando analisadas no seu conjunto, são perfeitamente distintas e não apresentam riscos de confusão pelo consumidor.
X. O confronto das marcas não deve exigir, pelo consumidor médio, especiais conhecimentos do setor vinícola.
XI. Atenta a impressão, pelo consumidor médio, do conjunto das marcas em confronto, é relevante a expressão “COTELO”, na marca da Recorrida, por ser diferenciador em relação às marcas da Recorrente.
XII. Neste sentido, a decisão do tribunal a quo, atendendo os motivos acima explanados, dever-se-á manter.
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O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II. Questões a decidir
São as conclusões das alegações de recurso que circunscrevem as questões que o Tribunal da Relação terá de analisar e decidir – cf. artigos 635.º, nº4 e 639.º, nº1, do Código de Processo Civil.
Todavia, essa limitação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento – v. artigo 5.º, nº 3, do Código de Processo Civil.
Deste modo, sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões da recorrente, as questões a decidir são:
A) Saber se há omissão de pronúncia do tribunal “a quo”;
B) Apurar se a sentença recorrida incorre em erro de julgamento a respeito da verificação do requisito de confundibilidade entre as marcas em confronto, a saber: a marca nacional n.º 718744, “COTELO NEIVA”, e as anteriormente registadas “NEIVA C.”, “NEIVA CORREIA” e “JOSÉ NEIVA”;
C) e da questão da concorrência desleal da recorrida.
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III. Fundamentação
III.1. Os factos
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1. O registo da marca nacional n.º 718744, “COTELO NEIVA”, foi pedido em 28/01/2024, para assinalar “bebidas alcoólicas (excluindo cerveja)”, da classe 33.ª da Classificação Internacional de Produtos e Serviços para o Registo de Marca (Acordo de Nice).
2.
A Recorrente deduziu reclamação contra esse pedido de registo, invocando a imitação das seguintes marcas de que é titular:
- Marca da União Europeia n.º 18331721, “NEIVA C.” - registo pedido em 03/11/2020 e concedido em 19/03/2021, para assinalar “bebidas alcoólicas (com exceção das cervejas); aguardentes; brandy; vinhos”, da classe 33.ª.
- Marca da União Europeia nº 18331724, “NEIVA CORREIA” – registo pedido em 03/11/2020 e concedido em 17/04/2023, para assinalar “bebidas alcoólicas (com exceção das cervejas); aguardentes; brandy; vinhos”, da classe 33.ª.
- Marca nacional nº 707727, “JOSÉ NEIVA” – registo pedido em 27/06/2023 e concedido em 11/10/2023, para assinalar “vinhos”, da classe 33.ª.
3.
Por despacho do I.N.P.I. de 14/06/2024, foi a reclamação indeferida mas o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (doravante INPI), decidiu recusar provisoriamente o registo da marca “COTELO NEIVA”, com fundamento na falta de autorização por parte de todos os herdeiros de AA para o seu do nome.
4.
O AA faleceu no ano de 2015, tendo deixado como suas únicas herdeiras, as suas filhas, BB, casada, e DD, solteira, maior.
5.
A herdeira DD faleceu a .../.../2019, tendo deixado testamento.
6.
BB é a única herdeira viva, sendo igualmente sócia da Recorrida Adriano's SMR - Sociedade Agrícola, LDA.
7.
BB, única e universal herdeira de AA concede autorização do uso do nome à Recorrida.
8.
Por despacho de 05/08/2024, proferido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial, I.P., foi concedido o registo de marca nacional n.º 718744, “COTELO NEIVA”, a ADRIANO'S SMR - SOCIEDADE AGRÍCOLA, LDA, publicado no Boletim da Propriedade Industrial n.º 154/2024, de 09/08/2024.
9.
A Recorrente recebeu o prémio “MELHOR EMPRESA PME PORTUGUESA DO SECTOR AGROINDÚSTRIA 2022”, sendo esta uma iniciativa da revista “EXAME”, que todos os anos elege segundo critérios financeiros: “AS MELHORES 1000 PME” .
10.
Nesse artigo da revista “EXAME”, escreve-se: «A DFJ VINHOS nasceu em 1998 apenas para exportar, possui hoje 250ha de vinhas, não regadas, com produção integrada certificada. CC é o enólogo-chefe e proprietário produzindo vinhos desde a vindima de 1974. Em 2022 exportámos mais de 99% de 10 milhões de garrafas que produzimos para mais de 50 países. Desde 2010 ganhámos mais de 5000 prémios a nível internacional. Em 2022 segundo a GWMR fomos a empresa de vinhos que ganhou mais medalhas no mundo em vinhos tintos, a 2ª em vinhos brancos e também a 2ª em vinhos rosé.»
11.
Desde 2006, os vinhos DFJ VINHOS foram selecionados 15 VEZES para a lista das TOP 100 BEST BUYS OF THE YEAR da Wine Enthusiast, selecionada como uma das 5 melhores adegas europeias do ano 2017 pela Wine Enthusiastta, tendo recebido diversos prémios mundiais e em no ano de 2021 a Recorrente foi agraciada com o prémio «PME Excelência 2021» -.
12.
A Recorrente faz-se representar regularmente em feiras e eventos nacionais e internacionais do ramo do comércio dos vinhos.
13.
A DFJ VINHOS, S.A. investe em publicidade e divulgação de forma intensa.
14.
O nome de CC – fundador da DFJ VINHOS, S.A. e enólogo-chefe desta –, goza de grande reputação e prestígio no mercado dos vinhos, tendo sido distinguido no ano de 2013, pela “Revista do Vinho”, com o Prémio “SENHOR DO VINHO (MISTER WINE) - CC”.
15.
Na página da Internet do instituto público “Instituto da Vinha e do Vinho”, sob o título «DFJ Vinhos conquista mercado norte-americano», consta o artigo seguinte:
«A DFJ Vinhos, empresa com sede na Localização 1, em Valada, concelho do Cartaxo, ganhou o troféu "Portugal Red Wine Producer of the Year" no New York International Wine Competition (NYIWC) 2015.
"É um motivo de orgulho saber que temos tantos vinhos que agradam a este júri composto apenas por compradores americanos, o que significa que estamos no caminho certo para crescer neste mercado, apoiando os nossos importadores naquilo que é a base de todo este negócio que é a qualidade do vinho para os consumidores",
salientou CC, enólogo-chefe e proprietário da DFJ, que trouxe ainda 18 medalhas desta competição, sendo quatro de ouro, nove de prata e cinco de bronze.
Entre os vinhos que receberam a medalha mais desejada, estão três tintos, o "Alta Corte Caladoc" 2012, o "Pomar" 2014 e o "Pedras do Monte Castelão" 2013, e um branco, o "Cara Viva" 2014.
Nascida em 1998, a DFJ controla atualmente cerca de 400 hectares de vinhas, e exporta 95% da sua produção para 45 países espalhados por todo o mundo.
A empresa foi fundada pelo enólogo CC, que, em 2013, recebeu o mais importante prémio do sector vinícola em Portugal, ao ser eleito "Senhor do Vinho" 2013 pela Revista de Vinhos» .
16.
Na revista “FUGAS”, do jornal “Público”, de .../.../2012, sob o título «O fenómeno CC», foi publicada uma reportagem sobre CC, onde é escrito:
«Criada em 1998, a DFJ é hoje uma das mais dinâmicas e inovadoras empresas de vinho do país, produzindo cerca de seis milhões de garrafas por ano, na sua maior parte para o mercado externo. Um caso de sucesso que se deve à criatividade e arrojo de CC, um dos mais talentosos e desconcertantes enólogos nacionais.
(…)
CC criou a DFJ, juntamente com dois sócios, em 1998. Hoje é o único acionista e, embora a empresa não possua vinhas próprias, vende cerca de seis milhões garrafas, 90% dos quais no mercado externo. São mais de 30 marcas e perto de 80 vinhos diferentes, oriundos de várias regiões nacionais. Não há ninguém tão prolixo no país.»
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- Factos não provados:
A decisão recorrida não os declarou.
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III.2. Do mérito do recurso
A. Da omissão de pronúncia do tribunal “a quo”
A apelante defende que houve omissão de pronúncia em relação a um aspeto: autorização ao uso do nome do Prof. Doutor AA, na marca “COTELO NEIVA”, marca nacional n.º 718744.
Refere também a apelante que há infração do disposto na alínea g) do nº 1 do artigo 232.º do C.P.I., uma vez que essa condição legal não se mostra satisfeita com a autorização da herdeira única BB, filha sobreviva do Prof. Doutor AA, cujo nome «Cotelo Neiva» constitui, per se, a marca registanda.
As nulidades da sentença estão típica e taxativamente previstas no art.º 615.º, do C.P.C., reconduzem-se a vícios formais da decisão decorrentes de erro de atividade ou de procedimento - error in procedendo - referente à disciplina legal e que impedem o pronunciamento do mérito. Questão diferente é o erro de julgamento - error in judicando -, quer quanto à apreciação da matéria de facto (error facti), quer quanto à determinação e interpretação da norma jurídica aplicável (error juris).
Ora, o artigo 615.º, do C.P.C., estabelece que:
“1. É nula a sentença quando: (…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões que não podia tomar conhecimento; (…)”
Como é consabido, os vícios de omissão ou de excesso de pronúncia previstos na al. d) do citado artigo incidem sobre as questões a resolver nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 608.º, nº 2, do C.P.C., que estatui que “ O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Questões cuja omissão de pronúncia conduz à nulidade de decisão são “(…) todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer ato (processual) especial, quando realmente debatidos pelas partes (…)” (Antunes Varela, in R.L.J., Ano 122, p. 112). São “todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer” (v. Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, 2º, 2ª ed., p. 704). Por isso, as questões não se confundem com argumentos, razões (de facto ou de direito) ou motivos invocados pelas partes em defesa ou reforço das suas posições.
No que concerne à apontada nulidade de omissão de pronúncia, a recorrente já havia expressamente alegado que a condição legal prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 232.º, do C.P.I., não se mostra satisfeita com a autorização da herdeira única BB, filha sobreviva do Prof. Doutor AA, cujo nome «Cotelo Neiva» constitui, per se, a marca registanda. Isto porque entende que a autorização ao uso do nome do Prof. Doutor AA também teria de ser dada pelas netas do mesmo, por serem suas parentes.
Ora, na sentença recorrida, foi exarado que a única questão a decidir respeita ao apuramento se a Marca nacional nº 718744, “COTELO NEIVA”, imita as marcas da Recorrente.
Deste modo, a decisão recorrida não se pronunciou sobre a invocada questão da autorização da herdeira única BB, filha sobreviva do Prof. Doutor AA, para o uso dos nomes «Cotelo Neiva» para integrar a marca registanda. E deveria tê-lo feito.
Tal requisito legal constitui um dos fundamentos legais de recusa do registo de marca, cuja análise, por ser de índole meramente formal, seria prévia à outra questão a decidir sobre a confusão da marca registanda com as marcas antes registadas “NEIVA C.”, “NEIVA CORREIA” e “JOSÉ NEIVA”.
A invocada omissão de pronúncia verifica-se.
No entanto, face à regra da substituição ao tribunal recorrido, prevista no artigo 665.º, do CPC, este Tribunal está em condições de decidir por se mostrarem reunidos os elementos necessários, o que se passará a efetuar nos termos dos artigos 607.º, n.º 4, e 663.º, n.º 2, do CPC.
Os factos dados como provados na decisão recorrida e acima transcritos, relativos a esta questão, são:
- AA faleceu no ano de 2015, tendo deixado como suas únicas herdeiras as suas filhas, BB, casada, e DD, solteira, maior.
- A herdeira DD faleceu a .../.../2019, tendo deixado testamento.
- BB é a única herdeira viva, sendo igualmente sócia da Recorrida Adriano's SMR - Sociedade Agrícola, LDA..
- BB, única e universal herdeira de AA, concede autorização do uso do nome à Recorrida.
Tal materialidade fáctica, necessária para a resolução da questão da autorização do uso do nome, não foi impugnada pela recorrente, não podendo ser alterada por este Tribunal.
O artigo 232.º, n.º 1, alínea g), do C.P.I., dispõe que:
“ 1 - Constitui ainda fundamento de recusa do registo de marca:
(…)
g) O emprego de nomes, retratos ou quaisquer expressões ou figurações, sem que tenha sido obtida autorização das pessoas a que respeitem e, sendo já falecidos, dos seus herdeiros ou parentes até ao 4.º grau”.
Tal dispositivo prevê que a autorização seja feita pelos herdeiros OU, em alternativa, sendo esse o significado da conjunção, pelos parentes até ao 4.º grau.
As duas filhas da única herdeira viva do falecido Professor AA, não são herdeiras, mas legatárias da tia DD, perecida a .../.../2019, no estado de solteira e sem filhos, descentes ou ascendentes, sendo a irmã BB a sua única e universal herdeira.
Os sucessores são herdeiros ou legatários. Diz-se herdeiro o que sucede na totalidade ou numa quota do património do falecido e legatário o que sucede em bens ou valores determinados – cf. Artigo 2030.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil.
A matéria de facto dada como assente, acima transcrita, mostra-se demonstrada documentalmente no âmbito do processo do tribunal recorrido, nomeadamente, através da escritura de habilitação de herdeiros de 29 de maio de 2019 – v. artigos 607.º, n.º 4, e 663.º, n.º 2, do CPC.
Do exposto resulta que a autorização que consta dos autos do tribunal “a quo”, para se considerar que a autorização da herdeira única BB, filha sobreviva do Prof. Doutor AA, para o uso dos nomes «Cotelo Neiva» para integrar a marca registanda, é válida e suficiente.
Em conclusão, a omissão de pronúncia verifica-se, mas o Tribunal da Relação está em condições de decidir, de acordo com o disposto no artigo 665.º, do CPC, resolvendo a questão no sentido de considerar válida e suficiente a autorização da herdeira única BB, filha sobreviva do Prof. Doutor AA, para o uso dos nomes «Cotelo Neiva» para integrar a marca registanda, não se mostrando violado o artigo 232.º, n.º 1, alínea g), do CPI.
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B) Da verificação do requisito de confundibilidade entre as marcas em confronto, a saber: a marca nacional n.º 718744, “COTELO NEIVA”, e as anteriormente registadas “NEIVA C.”, “NEIVA CORREIA” e “JOSÉ NEIVA”.
A sentença recorrida julgou improcedente o recurso judicial e manteve o despacho recorrido proferido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial que concedeu o registo da marca nacional n.º 718744, “COTELO NEIVA”.
A recorrente interpôs recurso para o Tribunal da Propriedade Intelectual, com fundamento no facto da marca recorrida imitar a suas marcas, nomeadamente, no facto da marca registanda conter e reproduzir a denominação de fantasia “NEIVA” da marca da União Europeia n.º 18331721, da titularidade da Recorrente.
Na fundamentação, o Tribunal “a quo” considerou que “A marca recorrida não é composta exclusivamente pelo termo “NEIVA”, sendo que, relativamente às duas primeiras marcas da Recorrente, verifica-se uma inversão quanto à posição que o vocábulo “NEIVA” ocupa no nome de cada uma delas, estando este posicionado em segundo lugar na marca recorrida enquanto que nas marcas da recorrente ocupa primeiro lugar.
Por regra o primeiro vocábulo de uma marca meramente nominativa, é aquele que mais facilmente é apreendido e tende a permanecer na memória do consumidor.
Assim, arriscamos-nos a dizer que o termo relevante na marca recorrida é o vocábulo “COTELO”, passando a expressão “NEIVA” a uma posição secundária que leva a que não seja recordada senão quando associada à expressão “COTELO”. “.
Ao caso dos autos aplica-se o Código da Propriedade Industrial (doravante CPI), aprovado pelo Decreto-Lei nº 110/2018, de 10 de dezembro (sendo a última versão atribuída pelo DL n.º 9/2021, de 29/01).
A Marca constitui um sinal ou símbolo entendido pelos sentidos humanos e que, tal como dispõe o artigo 208.º, in fine, do CPC, permite distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.
Face a essa função distintiva, a Marca não pode ser concedida, nomeadamente, se englobar no todo ou em alguns dos seus elementos a “ reprodução de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços afins ou a imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor ou que compreenda o risco de associação com a marca registada” – v. art.º 232.º, n.º 1, al. b), do CPI.
Como um dos direitos de propriedade industrial, a Marca terá de afiançar a lealdade da concorrência, por via da atribuição da sua propriedade, e em exclusivo, ao respetivo titular, para os produtos e serviços que assinale, que, de um modo geral, se anunciam, particularmente, nos artigos 1º e 311º, nº 1, al. a), do CPI.
A Marca pode ser composta por um sinal ou conjunto de sinais suscetíveis de representação gráfica, mormente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respetiva embalagem, desde que adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas – cf. Artigo 208.º do CPI.
No que se refere à sua composição, as Marcas podem ser: a) nominativas, se constituídas somente por palavras, letras, números ou sons, de significado conceptual ou de fantasia; b) gráficas, se contêm apenas sinais evocativos de uma imagem visual (figurativas) ou de um conceito concreto ou abstrato; c) mistas, se integradas pela combinação de elementos nominativos e gráficos.
Para Luís Couto Gonçalves – v. Manual de direito industrial”, 2ª edição, páginas 185 a 198 - e Carlos Olavo - “Propriedade Industrial”, volume I, 2ª edição, páginas 73 a 76 - as Marcas desempenham uma função prioritária distintiva, que permite discriminar, distinguir, produtos e serviços por forma a garantir a sua origem empresarial, na perspetiva de quem está onerado pelo uso não enganoso da marca; mas também uma função de qualidade derivada para tutela da confiança do consumidor; e ainda uma função complementar publicitária que visa produzir efeito atrativo junto do consumidor.
Todavia, não aproveitam dos efeitos jurídicos que decorrem da titularidade de uma Marca os sinais que:
a. sejam desprovidos de qualquer carácter distintivo;
b. sejam constituídos, exclusivamente, pela forma ou por outra característica imposta pela própria natureza do produto, pela forma ou por outra característica do produto necessária à obtenção de um resultado técnico ou pela forma ou por outra característica que confira um valor substancial ao produto;
c. sejam constituídos, exclusivamente, por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica, a época ou meio de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos;
d. sejam constituídos, exclusivamente, por sinais ou indicações que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio (v. artigo 209.º, do CPI).
Quanto ao conceito de imitação, o artigo 238.º, n.º 1, do CPI, estabelece que a marca registada se considera imitada ou usurpada por outra, no todo ou em parte, quando, cumulativamente:
a) A marca registada tiver prioridade;
b) Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins;
c) Tenham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto. (sublinhado nosso).
Na ponderação da similitude dos sinais devem ser ponderados, por regra, cumulativamente e de forma interdependente todos os fatores pertinentes, de natureza fonética, gráfica e conceptual, conferindo-se particular atenção aos elementos dominantes dos sinais pretendidos.
O juízo comparativo deve ser feito por intuição sintética e não por dissecação analítica, já que o juízo a fazer acerca da imitação deverá ter em conta uma impressão de conjunto, desagregação do sinal, e não de pormenor das marcas ou produtos, sendo relevantes os elementos que essencialmente as distinguem por serem os dominantes.
E esse juízo deve ser efetuado atendendo ao consumidor médio da categoria de produtos em causa que esteja normalmente informado e razoavelmente atento e advertido.

O risco de confusão deve ter-se por verificado quando os consumidores podem ser induzidos a tomar uma marca por outra e, consequentemente, um produto por outro, atendendo, designadamente, à semelhança das marcas e dos produtos ou serviços designados. O risco de confusão é tanto mais elevado quanto o caráter distintivo da marca anterior se reconhece como importante. O risco de associação verifica-se quando os consumidores, distinguindo embora os sinais, ligam um ao outro e, em consequência, um produto ao outro.
Passemos a analisar a questão da notoriedade das Marcas da recorrente:
“NEIVA C.”
“NEIVA CORREIA”
“JOSÉ NEIVA”
Nas conclusões das suas alegações de recurso, a recorrente invoca que “O prestígio e reconhecimento público do enólogo CC – figura indissociável da marca “NEIVA” – confere à designação uma notoriedade relevante “.
Para melhor apreciar o tema, importa ter presente o estabelecido no artigo 234.º, do CPI, com a epígrafe de “Marcas notórias”:
“É recusado o registo de marca que constitua:
a) A reprodução de marca anterior notoriamente conhecida em Portugal, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos;
b) A reprodução de marca anterior notoriamente conhecida em Portugal, se for aplicada a produtos ou serviços afins, ou a imitação ou tradução, no todo ou em parte, de marca anterior notoriamente conhecida em Portugal, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins, sempre que com ela possa confundir-se ou se, dessa aplicação, for possível estabelecer uma associação com o titular da marca notória.
2. Os interessados na recusa dos registos das marcas a que se refere o número anterior só podem intervir no respetivo processo depois de terem efetuado o pedido de registo da marca que dá origem e fundamenta o seu interesse.”
Marca notória é aquela que é amplamente reconhecida pelo público como distintiva e associada a produtos ou serviços específicos. Devido a esse conspecto, a Marca notória possui proteção especial em virtude dessa reputação excecional e da sua capacidade de identificar a origem dos produtos ou serviços que representa.
Essa proteção tem por escopo evitar a diluição../../../fj56241/Desktop/Acordaos a Publicar/2024-04-10-P┬║220.23.0YHLSB.L1 Casal Alegria-ARMANDOCORDEIRO-PICRS.doc - _ftn5 da sua distintividade prevenindo o uso indevido por terceiros – v. Marcas, estudos, Manuel C. Nogueira Serens, Gestelegal, 2023, pp. 241 e segs. E resulta consagrada na alínea b) do n.º 1 do artigo 234.º, do CPI, quando estipulado que é recusado o registo de marca que constitua a imitação ou tradução, no todo ou em parte, de marca anterior notoriamente conhecida em Portugal, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins, sempre que com ela possa confundir-se ou se, dessa aplicação, for possível estabelecer uma associação com o titular da marca notória.
Os factos provados, salvo o devido respeito por opinião oposta, são manifestamente insuficientes para considerar as marcas da recorrente: “NEIVA C.”, “NEIVA CORREIA” e “JOSÉ NEIVA” marcas notórias.
Os factos relevantes para a presente apreciação são os seguintes:
- A Recorrente recebeu o prémio “MELHOR EMPRESA PME PORTUGUESA DO SECTOR AGROINDÚSTRIA 2022”, sendo esta uma iniciativa da revista “EXAME”, que todos os anos elege segundo critérios financeiros: “AS MELHORES 1000 PME” .
- O nome de CC – fundador da DFJ VINHOS, S.A. e enólogo-chefe desta –, goza de grande reputação e prestígio no mercado dos vinhos, tendo sido distinguido no ano de 2013, pela “Revista do Vinho”, com o Prémio “SENHOR DO VINHO (MISTER WINE) - CC”.
Ora, o exame dessa materialidade permite-nos concluir que, a existir notoriedade, será do enólogo CC, que foi distinguido em 2013, há mais de 10 anos, e não das marcas da recorrente: “NEIVA C.”, “NEIVA CORREIA” e “JOSÉ NEIVA”.
Deste modo, as aludidas marcas, por não serem notórias, carecem da proteção especial arrimada no artigo 234.º do CPI.
Passaremos agora a analisar se existe risco de confusão ou associação entre as marcas dos autos.
São pontos que não merecem discussão, por não terem sido postos em causa, que as Marcas da União Europeia n.º 18331721, “NEIVA C.” - registo pedido em 03/11/2020 e concedido em 19/03/2021; a Marca da União Europeia nº 18331724, “NEIVA CORREIA” – registo pedido em 03/11/2020 e concedido em 17/04/2023; e a Marca nacional nº 707727, “JOSÉ NEIVA” – registo pedido em 27/06/2023 e concedido em 11/10/2023, para assinalar “vinhos”, da classe 33.ª, são prioritárias, tendo o registo da marca nacional n.º 718744, “COTELO NEIVA”, sido pedido em 28/01/2024, nem que as marcas em confronto assinalam produtos idênticos (todas “bebidas alcoólicas (com exceção das cervejas); aguardentes; brandy; vinhos”, da classe 33.ª).
Está somente em causa avaliar o requisito previsto na al. c) do citado artigo 238.º, ou seja, se as marcas têm tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.
A sentença recorrida manteve o despacho proferido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial que concedeu o registo da marca nacional n.º 718744, “COTELO NEIVA”.
Vejamos.
      Marca Registanda
      Marcas Registadas
      “COTELO NEIVA”
      “NEIVA C.”
“NEIVA CORREIA”
“JOSÉ NEIVA”
Essas marcas são compostas somente por elementos nominativos.
A marca registanda “COTELO NEIVA” não é formada exclusivamente pela palavra “NEIVA”, sendo que, quanto às duas primeiras marcas da recorrente, verifica-se uma inversão quanto à posição que o vocábulo “NEIVA” ocupa no nome de cada uma delas, estando este posicionado em segundo lugar na marca recorrida enquanto que nas marcas da recorrente ocupa primeiro lugar.
Como é referido no acórdão do TRLisboa de 26-05-2023, Proc.º n.º 62/22.0YHLSB.L1-PICRS (v. www.dgsi.pt), de forma elucidativa, que acompanhamos, “ A existência do risco de confusão depende de numerosos factores, enunciados a título exemplificativo, no considerando (16) da Directiva 2015/2436 e que resultam de uma jurisprudência constante do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), em particular nos acórdãos C- 251/95, C- 425/98, C-39/97 e C-361/04. A este propósito, a recorrente invoca a jurisprudência do Tribunal Geral da União Europeia (TG), designadamente nos acórdãos T-412/08, T-109/07, T-133/05 e T-312/03, que o Tribunal também levará em conta na análise que se segue.
47.–Assim, à luz da jurisprudência mencionada no parágrafo anterior, para saber se há risco de confusão, incluindo risco de ligação, importa considerar os seguintes factores ou critérios de apreciação (cf. Código da Propriedade Industrial Anotado, Coordenação Luís Couto Gonçalves, Almedina, páginas 946 a 951 e Pedro Sousa e Silva, Direito Industrial, 2.ª Edição, páginas 276 a 286):
As marcas devem ser apreciadas globalmente uma vez que o consumidor médio apreende uma marca como um todo;
O risco de confusão a evitar abrange igualmente a mera associação ou risco de ligação, que não é uma alternativa ao risco de confusão, mas serve apenas para precisar o seu conteúdo;
A reprodução do conteúdo semântico de uma marca pode conduzir a uma associação, mas não basta para que exista risco de confusão;
Adicionalmente é necessário que o conteúdo reproduzido possua um carácter distintivo particular;
Quanto mais forte (arbitrária) for a marca anterior, maior é o risco de ligação ou associação;
O prestígio da marca anterior, aumenta a susceptibilidade de erro por ser também maior o risco de ligação ou associação;
Sendo o consumidor médio, a potencial vítima do risco de confusão, deve levar-se em conta a projecção da marca na percepção do consumidor médio dos tipos de produtos ou serviços em causa;
Na determinação do consumidor relevante, há que levar em conta a natureza dos produtos ou serviços em causa, designadamente, o seu preço e/ou o seu elevado carácter tecnológico, pois o consumidor médio demonstra um nível particularmente elevado de atenção quando adquire esses produtos ou serviços;
Na análise dos sinais em conflito, deve atender-se ao elemento dominante de cada uma das marcas;
Devem desvalorizar-se os elementos genéricos ou descritivos;
Em geral, o consumidor presta mais atenção ao início da marca.
48.–Os parâmetros a apreciar, na medida em que estiverem disponíveis nos autos e forem perceptíveis, são os seguintes:
O elemento visual (aparência do sinal, incluindo das palavras nele contidas e da respectiva grafia);
O elemento fonético (sonoridade resultante da leitura);
O elemento conceptual (ideia expressa, representando uma coisa ou uma situação).
–Por fim, na apreciação do risco de confusão, que inclui o risco de ligação no espírito do consumidor médio, deve ser observado o princípio da interdependência entre os parâmetros e factores acima enunciados, levando em conta a impressão provocada por cada um dos sinais em conflito, globalmente considerado.
Ora, do confronto das marcas em causa, consideramos que na marca “COTELO NEIVA” o elemento dominante é a palavra COTELO. Esta palavra não tem significado a não ser como apelido, nome de família.
Efetivamente, com relevo para a presente apreciação, ficou provado que AA faleceu no ano de 2015, tendo deixado como suas únicas herdeiras, as suas filhas, BB, casada, e DD, solteira, maior. A herdeira DD faleceu a .../.../2019, tendo deixado testamento. BB é a única herdeira viva, sendo igualmente sócia da Recorrida Adriano's SMR - Sociedade Agrícola, LDA. E BB, única e universal herdeira de AA, concede autorização à recorrida do uso do nome.
A recorrida pretende utilizar na marca a registar dois nomes de família respeitantes ao falecido pai: AA. Tal pedido plasma-se nos direitos de personalidade, a saber: o direito ao nome e o direito à imagem, regulados nos artigos 70.º a 81.º do Código Civil.
Estão em causa valores e direitos pessoais, como a utilização comercial de um nome, neste caso, de um familiar já falecido, que terão de ser protegidos.
Acresce que é o nome “COTELO” que mais sobressai e fica na memória dos consumidores medianos, em virtude de, como acima se destacou, o primeiro vocábulo de uma marca meramente nominativa é aquele que mais facilmente é apreendido e tende a permanecer na memória do consumidor.
Por outro lado, a marca “COTELO NEIVA”, lida em português, inicia-se sempre da esquerda para a direita, o que também implica que o primeiro vocábulo possui uma distintividade forte, memorizando-o com mais facilidade do que o segundo e não se confunde facilmente com as marcas da recorrente: “NEIVA C.”, “NEIVA CORREIA” e “JOSÉ NEIVA” .
Também não se apurou que as marcas da recorrente: “NEIVA C.”, “NEIVA CORREIA” e “JOSÉ NEIVA” beneficiem de notoriedade em Portugal, o que diminui o risco de associação entre as marcas no espírito do público relevante.
As marcas registadas pertencem a uma sociedade com sede na Localização 1, no Ribatejo, enquanto a marca registanda foi pedida por uma sociedade com sede no concelho de Alijó, zona Norte do país.
E o consumidor médio ou público relevante dos serviços assinalados pelos sinais conflituantes, ou seja, o consumidor médio de “vinhos” é particularmente atento às diferenças entre os sinais em conflito acima enunciadas, pelo que não os confundirá.
A palavra Neiva, presente em todas as marcas, é nome de rio e de vários lugares e povoações, assim como possui o significado de “branca e suave”.
Os sinais “NEIVA C., “NEIVA CORREIA” e “JOSÉ NEIVA” estão relacionados com o nome do enólogo CC, diferente da marca registanda “Cotelo Neiva”, em que a palavra mais distintiva ou mais forte é “Cotelo”, que se lê em primeiro lugar e, com mais facilidade, se memoriza e assimila.
Tal como na sentença recorrida, com acerto, se exarou que: “.. o termo relevante na marca recorrida é o vocábulo “COTELO”, passando a expressão “NEIVA” a uma posição secundária que leva a que não seja recordada senão quando associada à expressão “COTELO”.
A este propósito salientamos o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 29/09/2020, no âmbito do processo 153/19.4YHLSB.L1-PICRS, que por sua vez invoca os Acórdãos do Tribunal Geral «Trubion Pharmaceuticals», Processo T- 412/08, «Spa Therapy», Processo T-109/07 e do Tribunal de Primeira Instancia, «Meric» (ou «PAM-PIM’S BABY-PROP»), Processo T- 133/05, e « Wassen International» ( ou «SELENIUM-A CE»), Processo T-312/03 : “É adequado que se tenha presente o facto de o consumidor dar maior relevo e prestar mais atenção aos vocábulos iniciais” (…) . Ainda neste sentido Disponível em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/377bae9cabbdff848025860f00405563?OpenDocument
Pelos mesmos fundamentos conclui-se que a marca recorrida não é suscetível de ser confundida com a Marca nacional nº 707727, “JOSÉ NEIVA” da titularidade da Recorrente, uma vez que, sendo ambas percecionadas como ligadas a nomes pessoais e sendo o primeiro vocábulo o elemento mais forte, facilmente o consumidor entenderá que se trata de marcas distintas. “.
Da análise e exame feitos antecedentemente resulta que, considerados globalmente os sinais em conflito, não é possível concluir que a reprodução semântica do único elemento comum da marca da recorrida, NEIVA, que é um elemento cuja distintividade não é robusta, por si só, concatenados com todos os elementos antes enunciados, produza risco de confusão no espírito do público relevante.
Na verdade, o consumidor médio dos artigos em causa é especialmente atento às marcas dos produtos que escolhe, detetará as diferenças e não confundirá facilmente a proveniência desses produtos.
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C) Da questão da concorrência desleal da recorrida
A recorrente suscita ainda, nas conclusões das suas alegações, que o registo da marca da recorrida é suscetível de gerar concorrência desleal, nos termos da alínea h) do n.º 1 do artigo 232.º, do CPI.
Analisada a sentença recorrida, verifica-se que não houve pronúncia sobre a questão da concorrência desleal, porquanto não foi suscitada junto do Tribunal “a quo”, e não integra matéria de conhecimento oficioso, apenas tendo surgido nas conclusões das alegações de recurso.
Em conclusão, sendo a matéria da concorrência desleal uma questão nova, que não pode ser conhecida de modo oficioso pelo Tribunal da Relação, não poderemos apreciá-la nesta instância.
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Pelo que importa concluir pela improcedência do recurso.
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IV. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar o recurso improcedente e confirmar a sentença recorrida, que manteve o despacho proferido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial que concedeu o registo da marca nacional n.º 718744, “COTELO NEIVA”.
Custas pela Recorrente (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
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Lisboa, 12.11.2025
Mónica Bastos Dias
Alexandre Au-Yong Oliveira
Carlos M.G. de Melo Marinho