Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2435/20.3T8OER-J.L1-6
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: CABEÇA DE CASAL
REMOÇÃO
INCIDENTE
CONTRADITÓRIO
MÉRITO
PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/06/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: SUMÁRIO
– O incidente de remoção de interessado do cargo-de-cabeça de casal segue a tramitação dos incidentes da instância nos termos dos artºs 292º a 295º, do Código de Processo Civil ;
– Já as hipóteses não reguladas directamente no âmbito do incidente e não contidas na previsão dos artºs. 293.º a 295.º deverão ser resolvidas pelas disposições gerais e comuns e, subsidiariamente, pelas disposições que regulam o processo declarativo comum, por extensão da norma do art.º 549.º, n.º 1, do CPC.
– Em face do referido em 4.2., e apesar do disposto no artº 293º,nº1, do CPC, nada obsta a que ao requerente do incidente, por aplicação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, contidos nos artigos 3º, nº 3 e 4º do CPC, ambos do CPC, seja permitido apresentar um outro articulado destinado a assegurar o exercício do seu direito de contraditório relativamente a matéria de excepção que tenha sido aduzida na oposição apresentada e, bem assim, a usar da prerrogativa do artº 415º, nº 2, II parte do CPC, o qual reza que “relativamente às provas pré-constituídas, deve facultar-se à parte a impugnação, tanto da respectiva admissão como da sua força probatória”.
- A preceder a decisão de mérito do incidente supra identificado obrigado está o julgador em determinar a produção de prova, seguida de alegações orais, formalidades apenas dispensáveis quando, após a oposição ao incidente, o estado do processo revele não haver necessidade de mais provas e, outrossim, disponham já os mesmos autos de todos os elementos que habilitam o tribunal a proferir uma decisão conscienciosa em sede de direito e à luz das mais variadas soluções admitidas na doutrina, ou na jurisprudência, que não apenas à luz da solução eventualmente perfilhada pelo juiz da causa .
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de LISBOA
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1. - Relatório
Nos autos de processo de inventário que corre termos [desde 10/08/2020 e com vista à partilha de bens integrantes da herança aberta por morte – em 1/8/2019 – de D, a requerimento de A e B, e no qual desempenha o cargo de CABEÇA-DE-CASAL a requerida C, vieram [ em 20/3/2025 ] ambos os requerentes deduzir -por apenso - incidente de REMOÇÃO DE CABEÇA DE CASAL, para tanto alegando, em síntese, que :
- Tendo a ora Requerida sido nomeada Cabeça de Casal no âmbito dos autos principais de inventário e vindo a exercer o respetivo cargo, certo é que no desempenho das suas funções não tem administrado o património [do qual fazem parte designadamente dois prédios urbanos constantes da relação de bens, respectivamente verbas 4 e 7], com prudência e zelo, revelando incompetência para o cargo;
- É assim que, e tal como de resto já informado nos autos de inventário em requerimento de 05/11/2024, tem a Cabeça de casal procedido ilicitamente à suspensão dos pagamentos mensais de rendas dos prédios da herança aos ora Requerentes, alegando uma suposta dívida, a qual não existe;
- É assim também que, e tal como de resto já informado nos autos de inventário em requerimento de 20/12/2024, não procedeu a Cabeça-de-Casal ao pagamento de uma dívida à EDP no montante de € 1.373,21 e respeitante ao consumo de eletricidade da escada do prédio sito na Rua …, Cascais (Verba 4 da Relação de Bens), dívida que actualmente atinge já o valor de 1.515,62 Euros;
- Acresce que, e tal como também já informado nos autos de inventário em requerimento dos ora Requerentes de 03/01/2025, não diligencia a cabeça-de-casal pela imediata realização das obras impostas pela C. M. Lisboa no prédio sito na Travessa …, em Lisboa (verba 7 da Relação de Bens);
- Ainda com referência a obras que importa realizar em prédio da Relação de Bens, não procede a cabeça-de-casal à adjudicação das obras a realizar na Travessa …, em Lisboa [ referentes ao Orçamento de reparação/substituição do tubo de queda e ao Orçamento de reparação/substituição do caixilho do 1º Esq. ], isto por um lado e, por outro, não solicita a Cabeça de casal – como se impõe - quaisquer orçamentos para as obras de conservação do 1º Dtº do mesmo prédio, pelo menos, a duas empresas diferentes, fundamentalmente, para pintura total das paredes e tetos do andar, e substituição das louças sanitárias da casa de banho;
- Ainda com referência às obras impostas pela C.M.Lisboa no prédio sito na Travessa ..., em Lisboa (verba 7 da Relação de Bens), e sendo verdade que pela cabeça de casal lhes foi presentada uma estimativa e não um orçamento definitivo, certo é que daquela constam obras que não necessárias [ v.g. a substituição do soalho do quarto ] ;
- Ora , em face do referido, e pretendendo os requerentes visitar com urgência o prédio de Lisboa - incluindo o 1º Dtº - de que são cotitulares na proporção de 2/3 e de que são responsáveis pelo pagamento das obras na mesma proporção, nomeadamente, para verificar o estado em que se encontra o andar, e se o soalho do quarto pode ser arranjado, afagado e envernizado o que sairá mais barato , acontece que a cabeça de casal nada faz para que aos requerentes seja permitido o acesso aos referidos imóveis;
- Em suma, e por falta de pagamento à EDP, as escadas do prédio da Pampilheira, Cascais, continuam sem eletricidade, e, portanto, sem iluminação, as campainhas do prédio continuam sem funcionar, a fechadura da porta de entrada do prédio continua por arranjar, situação que se mantém por exclusiva responsabilidade da cabeça de casal, a qual não procede ao pagamento da quantia em dívida à EDP, e não diligencia para proceder às reparações que se impõem ;
- Com as graves consequências e incómodos da falta de eletricidade nas escadas do prédio, quando inclusive os ora Requerentes residem nesse prédio, e estando os restantes andares arrendados, na maioria a idosos, e algumas rendas são elevadas, tendo inclusive os inquilinos vindo a reclamar compreensivelmente da situação que se arrasta há cerca de um ano, pelo menos;
- Igualmente os inquilinos reclamam que a cabeça de casal não tem emitido os recibos de renda, como se impõe e, pretendendo os ora Requerentes saber se a cabeça de casal procedeu aos aumentos legais das rendas, e quais são atualmente os valores mensais das rendas de cada inquilino, tendo solicitado essa informação à Cabeça-de-casal, certo é que também não receberam resposta;
- Ainda quanto ao prédio sito na Travessa ..., em Lisboa, (verba 7 da Relação de Bens), certo é que receberem os ora Requerentes um ofício datado de 11-02-2025, da Câmara Municipal de Lisboa, a alertar quanto à insalubridade e presença de ratos no terreno do prédio, tendo por isso sido designada uma vistoria camarária para o dia 7 de março de 2025, pelas 10 horas no prédio, acontece porém que a cabeça de casal não compareceu à data e hora previstas para a vistoria camarária, como era sua obrigação legal, bem como não compareceu qualquer seu representante;
- Não obstante, ambos os ora Requerentes estiveram presentes, mas como não têm as chaves daquele imóvel, nem dos andares, como aquela bem sabe, dado que a cabeça de casal sempre se recusou a entregar-lhes as chaves como solicitado, aqueles não puderam dar acesso ao prédio aos técnicos da CML para vistoriarem o local, o que terá as necessárias consequências legais;
- Acontece também que o prédio da Travessa ..., em Lisboa, é constituído por seis fogos para habitação, na sua maioria em boas condições de habitabilidade, dois deles com quintais, sendo evidente que o arrendamento desses fogos seria não só muito fácil, dada a falta de habitação existente em Lisboa, bem como benéfico a nível financeiro para todos os herdeiros, como ainda evitava a degradação do edifício, porém, a cabeça de casal recusa arrendar os andares, bem como não informa os ora Requerentes do que pretende fazer com o prédio, o que é inaceitável, urgindo que a cabeça de casal comunique o que pretende fazer, como já solicitado várias vezes;
1.1. - Notificada a Cabeça-de-casal C do teor do requerimento inicial do incidente [para efeitos do contraditório], veio a reclamada deduzir OPOSIÇÃO, pugnando a final para que seja o mesmo considerado/julgado improcedente e, consequentemente, se mantenha a Cabeça-de-casal, aqui Requerida, no exercício do cargo.
No essencial, e no âmbito de impugnação motivada, explica a cabeça-de-casal, em síntese, que:
- Sendo verdade que a C procedeu à suspensão do pagamento de rendas aos requerentes, a mesma suspensão justificou-se em razão de uma divida dos mesmos no montante de €2.000,00, e, uma vez aquela paga, os pagamentos da renda foram retomados;
- Sendo verdade que a Cabeça-de-Casal não pagou uma pretensa dívida à EDP no montante de € 1.373,21, certo é que o fez porque duvida da existência de mesma, podendo até estar já prescrita;
- No que concerne às obras a realizar na Travessa ..., em Lisboa, a verdade é que a Cabeça-de-casal já obteve os orçamentos necessários e deu-os a conhecer aos Requerentes em requerimento datado de 16/01/2025 , e , havendo concordância destes em relação aos orçamentos de reparação/substituição do tubo de queda e de reparação/substituição do caixilho do 1º Esq., adjudicou já as obras, que já foram realizadas e pagas ;
- Já quanto às obras de maior envergadura, de conservação, a Requerida apresentou dois orçamentos aos Requerentes, tendo ambos sido rejeitados em virtude dos valores envolvidos, sendo que apresentando um dos orçamentos um valor de €49.440,20, a verdade é que a herança, neste momento, não tem capital para custear tais obras, estando, em conta apenas €5.090,46;
-Em suma, a herança não tem dinheiro disponível para liquidar, no imediato, as obras de conservação que são necessárias e exigidas pelo Município, mas, se a Cabeça-de-casal suspender os pagamentos mensais com o propósito de reunir capital para a intervenção, decerto que os Requerentes se queixarão e oporão;
- Já relativamente á Reposição de Electricidade [que apenas foi cortada por culpa do requerente, porque não facultou em tempo a competente factura à C] na Pampilheira, a Cabeça-de-casal, aqui Requerida, já celebrou um contrato para o fornecimento de energia para as escadas localizadas no prédio da Pampilheira, o que ocorreu em 22/03/2025;
- Quanto às Campainhas e Fechadura – Prédio da Pampilheira – a verdade é que desde que a C casou com o De Cujus (ano 2000) e passou a viver em Portugal que as campainhas e a fechadura da porta de acesso ao exterior no prédio da Pampilheira se encontram a carecer de reparação, mas, ainda assim, a Cabeça-de-casal já solicitou orçamentos para tais reparações, estando a aguardar que lhos enviem ;
- No tocante à invocada não entrega de recibos e, desconhecendo-se quais os inquilinos queixosos, sucede que todos os recibos de renda estão a ser devidamente emitidos através do Portal das Finanças e, ademais, procedeu já também a Cabeça-de-casal aos aumentos legais das rendas em 24/03/2025;
- Relativamente à alegada ausência em vistoria marcada pela CM, acontece que a Cabeça-de-casal encontrava-se no estrangeiro, onde se manteve um mês, pelo que não soube da sua realização, porém, logo que regressou de férias e se apercebeu da existência dessa questão, logo diligenciou para resolver o problema, tendo comparecido à vistoria que se concretizou em 02/04/2025, estando a situação já tratada e o processo camarário encerrado/arquivado ;
- Reconhecendo a Cabeça-de-casal que não tem arrendado alguns apartamentos do prédio, tal decorre tão só do facto de os mesmos não estarem em condições de conservação, de habitabilidade e de segurança para o efeito, não existindo dinheiro para as obras necessárias;
- Por ultimo, não é verdade que a Cabeça-de-casal tenha negado visitas ao prédio pelos requerentes, tendo de resto já transmitido a sua disponibilidade para se combinar um dia para o efeito, mas, desde que o fez, os Requerentes não vieram indicar as suas disponibilidades.
1.2.- Ao articulado da C identificado em 1.1., vieram os requerentes do incidente responder, atravessando novo instrumento a 29/5/2025, nele pugnando no sentido de se considerarem como não escritos os artºs 1º a 13º do requerimento de Oposição da requerida, e desentranhados os Doc.s 1 a 4 com ele anexos, por serem completamente alheios à matéria do presente Incidente.
1.3. – Ao instrumento identificado em 1.2. respondeu a Cabeça-de-Casal, requerendo o desentranhamento requerimento dos Requerentes de 29/05/2025, bem como da documentação que o acompanha, para tando invocando que incidente não admite réplica, pretensão esta última que os requerentes em “novo” instrumento de 31/5/2025 vieram requerer que fosse desatendida, pugnando pela manutenção nos autos do requerimento Refª 52398482 dos Requerentes de 29 de maio de 2025 .
1.4. – Conclusos os autos a 23/6/2025, proferiu de imediato o veio a 3/7/2024 a Exmª Juiz titular dos autos a DECISÃO que pôs termo ao incidente de remoção do C, senda mesma – em parte - do seguinte TEOR;
“ (…)
A e B requererem novo presente incidente de remoção de cabeça de casal de C.
A remoção do cabeça de casal constitui um incidente do processo de inventário, encontrando-se subordinado às regras gerais dos incidentes, conforme expressamente resulta do disposto no artº 1339º, nº3, do Código de Processo Civil, estando esta pretensão sujeita aos artigos 292º a 295º.
Procedimento, aliás, do conhecimento das partes, porquanto este é o segundo incidente deduzido pelos interessados.
Os Requerentes, como aliás tem sido apanágio em todos os apensos e autos principais, não obstante as advertências, têm sido prolixos em articulados.
Este não é excepção.
O regime dos incidentes, admite apenas, dois articulados. Não obstante, sob a justificação de que se encontram a exercer o princípio do contraditório, remeteram aos autos, os requerimentos datados de 29.05.2025 e de 31.05.2025.
Ora, o principio do contraditório não é uma porta aberta para sempre que a parte entende articular factos, considerações, etc.
A 20.03.2025 os requerentes deduziram o presente incidente. Juntaram documentos.
A 29.04.2025 a cabeça de casal deduziu oposição. Juntou documentos.
A 29.05.2025 os requerentes impugnaram os documentos e, concomitantemente, nos artigos 4 a 18 articularam conclusões e juntaram mais documentos que mais não são do que peças processuais dos autos de inventário.
A 31.05.2025 vieram os requerentes inserir excertos de jurisprudência relativa ao princípio do contraditório.
Exarando, desde já os autos, de elementos estranhos à tramitação, decide-se:
- julgar não escritos os artigos 4 a 18 do requerimento de 29.05.2025.
- julgar não escrito o requerimento de 31.05.2025;
- não admitir a junção dos documentos juntos com o requerimento de 29.05.2025, nos termos do art. 293º, nº 1 do CPC.
Admite-se os documentos juntos a 30.05.2025, uma vez que a parte havia protestado juntá-los em tempo oportuno.
Custas do incidente: a final com a decisão.
**
Cumpre apreciar e decidir do incidente de remoção de cabeça de casal:
(…)
Assim, é à luz do art. 2086º, nº 1 do CC que as questões levantadas pelos Requerentes deverão ser analisadas:
a. Recusa da Cabeça de Casal em falar ou comunicar com os Requerentes, salvo através de mandatários.
Ao contrário do alegado, as funções do Cabeça de Casal, não abrangem a obrigatoriedade de contacto directo entre as partes. Acresce que, face à manifesta litigiosidade, sempre se dirá ser ajuizada tal recusa, impondo as conversações entre ilustres advogados.
b. Suspensão dos pagamentos das rendas
Da aferição das prestações de contas e dos documentos juntos aos autos principais, não se vislumbra fundamento que preencha o aludido art. 2086º do CC.
c. Divida EDP
Não entende o Tribunal a razão pela qual não foi dirigido ao Cabeça de Casal devido a interpelação, mas aos herdeiros, desconhecendo o Tribunal se as cartas para pagamento foram dadas a conhecer à Cabeça de Casal.
Acresce que, estando o direito controvertido, não pode o Tribunal considerar que os valores estão por pagar.
d. Obras Travessa … e obras impostas pela CML.
Resulta dos documentos nºs 8 e 9 que já se mostram realizadas as obras relativas ao tubo de queda e caixilho.
No que se reporta às obras de conservação. Resulta dos autos que a Cabeça de Casal enviou aos interessados dois orçamentos. Não se vislumbra qualquer inactividade na resolução das questões.
Mais resulta dos autos a celebração de um contrato de fornecimento de energia para as escadas do prédio da Pampilheira – documentos 12 e 13 juntos com a oposição.
e. Recibos das rendas
As mesmas constam do Portal das Finanças, pelo que nada há a acrescentar.
f. Não arrendamento.
Só por manifesto lapso se entende o alegado pelos Requerentes, porquanto, ou os andares não estão em condições de habitabilidade e precisam de obras, ou os Requerentes querem que, sem condições de habitabilidade, as fracções sejam arrendadas. E, não sendo, seja fundamento para remoção da Cabeça de Casal. Conforme documentos nºs 3 e 4 juntos com a PI.
Perante tais afirmações constantes do requerimento inicial, o Tribunal ou considera lapso manifesto ou má fé processual.
Assim, e em sumula, no caso concreto, quer analisando a tramitação do processo de inventário quer analisando as questões levantadas pelos Requerentes, que consideram ser fundamento para a remoção, consideramos que não existe da parte da cabeça-de-casal qualquer acção ou omissão violadora dos seus deveres.
Deste modo, improcede a requerida destituição.
Fixa-se ao incidente o valor de 30.000,01€ - art. 304º do CPC.
Custas a cargo dos Requerentes.
Registe e notifique.
Oeiras, d/s
1.3. - Inconformado com a decisão indicada em 1.2, vieram de seguida os interessados A e B, da mesma apelar, aduzindo as seguintes conclusões:
1º- Vem o presente Recurso interposto da Douta Sentença de fls. que decidiu improceder a requerida destituição do cargo de cabeça de casal de C, por entender “em sumula, no caso concreto, quer analisando a tramitação do processo de inventário quer analisando as questões levantadas pelos Requerentes, que consideram ser fundamento para a remoção, consideramos que não existe da parte da cabeça de casal qualquer acção ou omissão violadora dos seus deveres”;
2º-A impugnação da Douta Decisão recorrida, caso vier a ser interposto recurso da decisão final – a sentença de partilha -, seria absolutamente inútil, pois que as funções do cabecelato estariam esgotadas e os efeitos visados com a remoção seriam inúteis (art.ºs 644º, nº 2, h),645º, nº 2, e 647, nº1 todos do C. P. Civil);
3º- Os ora Apelantes não se conformam com a Douta Decisão Recorrida, uma vez que entendem que a mesma, salvo o devido respeito e melhor opinião, não é justa e enferma, designadamente, de erro de fundamentação, de falta de fundamentação de facto e de direito, de omissão de pronúncia, de pronúncia sobre questões de que não podia tomar conhecimento face à não realização da audiência de discussão e julgamento, de erro de interpretação e de aplicação da lei;
4º- Os ora Apelantes são os únicos filhos do falecido D, o qual faleceu a 01 de agosto de 2019, na freguesia de Alcântara, em Lisboa, no estado de casado em segundas núpcias sob o regime imperativo de separação de bens, dada a sua idade à data do casamento, com a ora Apelada C;
5º- O “de cujus” não fez testamento nem disposição de última vontade e deixou como seus únicos e universais herdeiros, respetivamente, a sua aludida mulher, ora Apelada, e os ora Apelantes;
6º- Até à presente data não foi feita a partilha da herança deixada pelo “de cujus”, a qual permanece indivisa, cabendo aos ora Apelantes dois terços da mesma herança;
7º- O presente incidente foi instaurado a 20/03/2025 pelos ora Apelantes contra a ora Apelada C, dado que a mesma não tem vindo a desempenhar devidamente as suas funções, não administrando o património com prudência e zelo, revelando incompetência para o cargo, ocorrendo assim nos termos do artº 2086º, b),c) e d) do Código Civil, motivos para a sua remoção do cargo de cabeça de casal;
8º- Em consequência, foi solicitado pelos ora Apelantes na sua petição inicial designadamente, para a cabeça de casal C ser removida de imediato do cargo de cabeça de casal e ser nomeado cabeça de casal o filho mais velho do "de cujus", ou seja, o ora Apelante A, para todos os devidos e legais efeitos;
9º- Os ora Apelantes arrolaram na petição inicial três testemunhas, juntaram 4 Doc.s e requereram ao abrigo do artº 466º do C. P. Civil a sua prestação de declarações sobre todos os factos alegados;
10º- A ora Apelada foi notificada do Incidente para a sua remoção do cargo de cabeça de casal, para querendo deduzir Oposição ao mesmo, nos termos do disposto nos artºs 292º e seguintes do C.P.C., tendo deduzido a Contestação Refª 52141228 de 29/04/2025;
11º- Na sua contestação, em vez de impugnar ou excecionar os factos alegados pelos ora Apelantes na sua petição inicial, como nos termos legais se impunha, veio, designadamente, invocar factos totalmente estranhos aos presentes autos e inclusive aos autos principais de inventário, completamente fantasiosos, falsos e descabidos muitos deles, contendo ofensas injustificadas inclusive à mãe e tia dos ora Apelantes, e a estes, e juntando 17 documentos na sua maioria sem qualquer cabimento ou justificação para a boa decisão da causa ;
12º- Os ora Apelantes, ao abrigo designadamente do disposto no artº 3º nº3 do C.P.C. apresentaram o Requerimento Refª 52398482 de 29/05/2025 com vários Doc.s anexos, solicitando que fossem dados como não escritos os artºs 1º a 13º do requerimento de Oposição da ora Requerida, e desentranhados os Doc.s 1 a 4 com ele anexos, por serem completamente alheios à matéria do presente Incidente, e ainda impugnaram os Doc.s 1 a ... anexos pela ora Apelada na sua contestação;
13º- A ora Apelada veio apresentar o Requerimento Refª 52481064 de 30/ 05/2025 com orçamentos anexos com datas posteriores à propositura do presente Incidente, tendo solicitado que fosse desentranhado o requerimento dos ora Apelantes de 29/05/2025, alegando que o mesmo era uma Réplica, bem como dos respetivos documentos anexos;
14º-Tal Requerimento da ora Apelada teve a resposta dos Apelantes pelo requerimento Refª 52493731 de 31/05/2025, no qual alegaram que não tinham apresentado qualquer réplica, tendo apenas ao abrigo designadamente do disposto no artº 3º nº3 do C.P.C. exercido o direito ao contraditório, e se pronunciado sobre os documentos anexos pela ora Apelada, nos termos legais, já que vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio do contraditório;
15º- A final os ora Apelantes requereram que o requerimento que apresentaram Refª 52398482 de 29 de maio de 2025 se mantivesse nos autos com os documentos anexos, e fosse devidamente apreciado, nos termos legais;
16º- Sem ter sido designada nem realizada a Audiência de discussão e julgamento para a produção de prova solicitada na p.i., respetivamente a audição das testemunhas arroladas pelos ora Apelantes e audição dos próprios Apelantes ao abrigo do artº 466º do C.P.C., e Alegações orais, o Douto Tribunal apreciou e decidiu o presente Incidente, proferindo a Douta Sentença recorrida, a qual não deu razão aos ora Apelantes, e improcedeu a destituição da cabeça de casal;
17º- Na Douta Decisão recorrida consta que este é o segundo incidente de destituição da cabeça de casal, mas o primeiro incidente foi julgado improcedente por Douta Sentença de 29/04/2024 proferida pela mesma Meritíssima Srª Drª Juiz, não tendo os ora Apelantes interposto recurso, apesar de, salvo o devido respeito, não concordarem com a Decisão, apenas porque estavam convictos que os autos viessem a terminar com brevidade, o que não veio a ocorrer;
18º- O Douto Tribunal recorrido considerou que o regime dos Incidentes admite apenas dois articulados e não obstante os ora Apelantes terem remetido aos autos ao abrigo do princípio do contraditório os requerimentos datados de 29/05/2025 e de 31/05/2025, tal princípio segundo a Decisão recorrida “não é uma porta aberta para sempre que a parte entende articular factos, considerações, etc.”;
19º- Em consequência, decidiu o Douto Tribunal recorrido julgar não escritos os artºs 4 a 18 do requerimento de 29/05/2025 dos ora Apelantes, não admitir a junção dos doc.s anexos com esse requerimento, e julgar não escrito o requerimento de 31/05/2025 dos ora Apelantes;
20º-Salvo o devido respeito, os ora Apelantes não podem concordar com tal posição do Douto Tribunal recorrido, já que a mesma viola os direitos legais dos ora Apelantes, quanto a estes se poderem pronunciar sobre a matéria alegada pela parte contrária e juntarem doc.s probatórios em sua defesa, ao abrigo do disposto, designadamente, no artº 3º nº3 do C.P.C. em exercício do direito ao contraditório;
21º- Os direitos das partes devem ser exercidos em condições de igualdade, mas o direito de defesa dos ora Apelantes, salvo o devido respeito, não foi atendido na Douta Decisão a quo, quando o princípio do contraditório vai ínsito no direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20º, nº1, da Constituição;
22º- Os ora Apelantes apresentaram o requerimento de 29/05/2025, em virtude do teor da contestação da ora Apelada;
23º- Face ao requerimento da ora Apelada de 30/ 05/2025, no qual designadamente solicitou que fosse desentranhado o dito requerimento dos ora Apelantes de 29/05/2025,alegando que este era uma Réplica, e dos documentos anexos, tiveram os ora Apelantes de apresentar o requerimento de 31/05/2025, em sua defesa;
24º- Salvo o devido respeito, a Douta Decisão recorrida, violou designadamente os artºs 2º (Garantia de acesso aos tribunais), 3º (Necessidade do pedido e da contradição), 4º (Igualdade das partes), 5º (Ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal), 7º (Princípio da cooperação), todos do C. P. Civil.;
25º- A Douta Decisão recorrida menciona “as questões levantadas pelos ora Apelantes que deverão ser analisadas”, referindo e decidindo apenas e respetivamente, “a. Recusa da cabeça de casal em falar ou comunicar com os Requerentes, salvo através de mandatários”;
“b. Suspensão dos pagamentos das rendas”; “c. Dívida EDP”; “d. Obras Travessa … e obras impostas pela CML”; “e. Recibos das rendas”; “f. Não arrendamento”;
26º - Tais questões elencadas não foram as únicas levantadas pelos ora Apelantes, como resulta da matéria constante designadamente dos artºs 26º, 27º, 33º, 34º, 35º, 37º, 38º, 39º,40º, 41º, 42º, 43º, 44º, 45º, 46º, 47º, 48º, 49º, 50º, 53º todos da petição inicial do presente Incidente;
27º- Salvo o devido respeito, a Douta Decisão recorrida não especifica devidamente os fundamentos de facto e de Direito, o que constitui uma causa de nulidade ao abrigo do artº 615º, nº1, alínea b) do C. P. Civil;
28º- O decidido pelo Douto Tribunal recorrido sobre cada uma das questões que menciona, salvo o devido respeito, enferma não só de insuficiência mas também de erro, pois designadamente constam documentos nos autos e alegações nos vários requerimentos apresentados pelos ora Apelantes que contrariam o decidido pelo Douto Tribunal;
29º - Salvo devido respeito, o Douto Despacho a quo julgou erradamente, de facto e de direito, desde logo, ao não valorar os factos documentados;
30º - Adicionalmente, salvo o devido respeito, o Douto Despacho a quo julgou mal, de facto e de direito, ao não realizar a audiência de discussão e julgamento com a respetiva produção de prova testemunhal e de parte requerida pelos ora Apelantes;
31º-A produção de prova em audiência de discussão e julgamento solicitada na petição inicial impunha-se para o esclarecimento do Douto Tribunal em vista à boa Decisão do mérito da causa;
32º- Na Douta Decisão recorrida, salvo o devido respeito, ocorre pronúncia sobre questões de que não podia tomar conhecimento, face à não realização da audiência de discussão e julgamento, o que constitui também causa de nulidade da Douta Sentença recorrida (artº 615º, alínea d) do C. P. Civil);
33º- Quanto à questão da “a. Recusa da cabeça de casal em falar ou comunicar com os Requerentes, salvo através de mandatários”, o problema não é a Cabeça de casal não comunicar diretamente com os ora Apelantes, mas sim não cumprir os seus deveres legais, não se aceitando que tal recusa seja aceitável, pois resulta que os assuntos da administração não se resolvam, como decorre dos inúmeros requerimentos juntos aos autos pelos ora Apelantes a solicitar o cumprimento dos seus deveres, requerimentos esses mencionados na p.i. do presente Incidente;
34 º -Salvo o devido respeito, não se concorda assim com a decisão do Douto Tribunal Recorrido, pois o facto da cabeça de casal não esclarecer nem informar os ora Apelantes de todas as questões relativas à administração dos bens e não administrar constitui um fundamento que preenche o artº 2086ª do CC.;
35º- Quanto à questão da “b. Suspensão dos pagamentos das rendas”, salvo o devido respeito, não podem os ora Apelantes concordar com o decidido, pois que a cabeça de casal nos termos designadamente do artº 2092º do CC está obrigada a proceder à entrega das rendas devidas, o que não se verificou;
36º - A cabeça de casal alegando uma suposta dívida, não entregou as rendas devidas aos ora Apelantes, dívida essa que não existia, como decorre dos vários requerimentos e documentos anexos aos autos, designadamente, requerimento Refª 50115863 de 19 de outubro de 2024, requerimento Refª 50365655 de 5 de novembro de 2024 e Requerimento Refª 50907173 de 08/01/2025 todos apresentados pelos ora Apelantes;
37º - É evidente que a Cabeça de casal não podia suspender o pagamento das rendas devidas aos ora Apelantes, em virtude dos alegados 2.000,00 Euros, como fez;
38º - Salvo o devido respeito, não se concorda com o decidido pelo Tribunal recorrido, pois a cabeça de casal violou designadamente o disposto no artº 2092º do CC, que constitui um fundamento que preenche o aludido artº2086ª do CC;
39º- Quanto à questão da “c. Dívida EDP”, a cabeça de casal sempre foi informada pelos ora Apelantes das quantias a pagar de eletricidade da escada do prédio sito na Pampilheira, em Cascais, onde inclusive aqueles residem há já muitos anos, muito antes do óbito do seu pai, tendo o maior interesse no pagamento daquela despesa, e aquela sempre soube que tal despesa tinha de ser paga, pelo que inclusive foi pagando ao longo de alguns anos;
40º- Os Doc.s 1 e 2 juntos com a petição inicial do presente incidente constituem comprovativos da dívida à EDP, e nos artºs 17º e 18º da petição inicial é designadamente mencionado o requerimento Refª 50843949 de 20 de dezembro de 2024 junto aos autos principais pelos ora Apelantes, no qual é solicitado expressamente que a Cabeça de casal proceda ao pagamento da dívida;
41º- A cabeça de casal conforme requerimento de 16/01/2025 recusou-se a pagar, alegando que estava em nome de E, quando este era o proprietário inicial do prédio, pai do “de cujus”, avô dos ora Apelantes, o qual deixou tal prédio em herança ao seu único filho, o de cujus, e consequentemente aos ora Apelantes e à ora Apelada, pelo que as faturas ainda permaneciam em seu nome, já que o “de cujus” não diligenciou para a alteração para seu nome, nem igualmente a cabeça de casal C para o nome da herança, como era devido;
42º- No artº 21º da p.i. do incidente é mencionado o Requerimento Refª 51059171 apresentado a 20/01/2025 pelos ora Apelantes nos autos principais, em vista designadamente, a Cabeça de casal efectue com urgência todas as diligências, EM VISTA AO IMEDIATO RESTABELECIMENTO DO FORNECIMENTO DA ELETRICIDADE NAS ESCADAS DO PRÉDIO, designadamente, contacte urgentemente a EDP, para proceder ao pagamento que se impõe, e solicite de imediato orçamentos a duas empresas diferentes, respetivamente, para a reparação do sistema das campainhas do prédio e para a reparação da fechadura da entrada do prédio;
43º-E no artº 22º da p.i. é mencionado que a cabeça de casal não diligenciou na sua maioria, para o efeito;
44º- Nos artºs 28º e seguintes da petição inicial do presente incidente, é mencionado quão graves os problemas no prédio, decorrentes da falta de pagamento da eletricidade nas respetivas escadas, ou seja, sem iluminação, as campainhas do prédio e a fechadura da porta de entrada sem funcionarem, sendo a maioria dos inquilinos idosos, e algumas rendas são elevadas, tendo inclusive os inquilinos vindo a reclamar compreensivelmente da situação que se arrasta há cerca de um ano, pelo menos;
45º- No artº 8º - o qual foi dado como não escrito - do aludido Requerimento Refª 52398482 de 29/05/2025 dos ora Apelantes, cujos documentos anexos o Douto Tribunal recorrido decidiu não admitir, consta quanto à dívida à EDP da despesa da eletricidade das escadas, um email da Intrum de 14 de março de 2025 que foi anexo como Doc. 7, e a mesma já ascendia nessa data a 1.515,62 euros;
46º- Salvo o devido respeito, não se aceita assim a decisão do Douto Tribunal que considerando o direito controvertido “não pode considerar que os valores estão por pagar”, pois os documentos anexos aos autos provam a existência da dívida e que a mesma não foi paga e causa elevados prejuízos, além de que a audição das testemunhas arroladas e dos ora Apelantes podia esclarecer o Tribunal quanto à efetiva existência da dívida ;
47º-Os factos expostos que são graves, resultam de um claro incumprimento dos deveres de administração por parte da cabeça de casal que constitui fundamento que preenche o aludido artº2086ª do CC;
48º- Quanto à questão “d. Obras Travessa Artur Lamas e obras impostas pela CML”, salvo o devido respeito, os ora Apelantes não podem concordar com o decidido pelo Douto Tribunal;
49º- O Douto Tribunal refere, por um lado, o envio de dois orçamentos aos interessados, o que não corresponde à realidade, dado que aqueles foram sim anexos aos autos principais, por Requerimento Refª 51042417 apresentado a 16/01/2025 pela ora Apelada;
50º- Por outro, não especifica que tais orçamentos não se referem apenas às obras impostas pela CML, mas sim a obras de remodelação do prédio pretendidas pela cabeça de casal de valor muito elevado, e cuja concretização não é sequer viável, dado que como a cabeça de casal afirma no seu requerimento, a herança não goza de capital para aceitar o orçamento de remodelação;
51º- Nos artºs 19º e 21º da p.i. do incidente são mencionados, respetivamente, o Requerimento Refª 50903920 apresentado a 03/01/2025 pelos ora Apelantes, para a cabeça de casal mandar proceder à imediata realização das obras impostas pela C. M. Lisboa ; o Requerimento Refª 51059171 apresentado a 20/01/2025 pelos ora Apelantes com 3 Doc.s anexos, em vista designadamente a Cabeça de casal adjudique de imediato à empresa que apresentou os orçamentos apenas das obras exigidas pela CML; a Cabeça de casal solicite de imediato um orçamento apenas para obras de conservação do 1º Dtº do mesmo prédio, conforme ordenado pela CML, a pelo menos duas empresas diferentes, fundamentalmente, para pintura total das paredes e tetos do andar, e substituição das louças sanitárias da casa de banho;
52º - Pelo mencionado Requerimento Refª 50903920 apresentado a 03/01/2025 pelos ora Apelantes foi anexo aos autos principais como Doc. 1, a notificação da CML, Unidade de Coordenação Territorial, Unidade de Intervenção Territorial Ocidental, datada de 05-12-2024 relativa ao processo nº …/RLU/2018, do prédio sito na Travessa ..., em Alcântara, com a respetiva informação e despacho, sobre as obras ordenadas;
53º-Foram estas exclusivamente as obras que em 05-12-2024 se mostraram necessárias a realizar no prédio pela CML, e não outras;
54º-Os orçamentos apresentados pela cabeça de casal com o referido requerimento não respeitam apenas às obras impostas pela CML, como se impunha, mas também a obras de remodelação de custo elevado e que não são necessárias;
55º-Alegaram os ora Apelantes que da vistoria ao imóvel efetuada pelo município no ano de 2018, resultou quanto ao 1º Dtº que o andar estava em médio estado de conservação, tendo apenas algumas anomalias, conforme decorre do auto camarário que anexaram como Doc.1;
56º- Alegaram também que após a vistoria do prédio em 2018 o “de cujus” fez várias obras no mesmo, pelo que atualmente no que respeita ao 1º andar Dtº, impõem-se fundamentalmente obras de pintura das paredes e dos tetos, e louças sanitárias novas na casa de banho, e que o 1º andar Dtº do aludido prédio foi ocupado até ao dia 31 de julho de 2024, pelo respetivo ex-inquilino;
57º- Mais alegaram que a cabeça de casal sabe bem quais as obras efetuadas naquele prédio pelo “de cujus”, designadamente, obras de reparação do telhado, pinturas exteriores de ambas as fachadas, instalações elétricas em todo o prédio e andares, substituição da coluna de esgoto do prédio, substituição do tubo de esgoto da cozinha do 2º andar para o 1º andar, substituição de vidros da claraboia e reparação do chão do 2º andar, resultando que a Cabeça de casal pretende fazer obras que não foram impostas e que não se justificam;
58º-A cabeça de casal contrariamente ao que foi requerido pelos ora Apelantes no mencionado requerimento, não solicitou até à presente data um orçamento apenas para as obras de conservação do 1º Dtº;
59º-Resulta que a cabeça de casal não fez todas as obras que a CML impôs porque não quis, pois pretendia efetuar obras avultadas que não se justificavam;
60º-Salvo o devido respeito, não se aceita assim a decisão do Douto Tribunal que decidiu “não se vislumbra qualquer inactividade na resolução das questões”;
61º-A cabeça de casal ao não solicitar até à presente data um orçamento apenas para as obras de conservação do 1º Dtº, pelo menos, a duas empresas diferentes, em vista ao acordo para a sua escolha e adjudicação, e não realizar tais obras, não cumpriu os deveres de cabeça de casal, o que constitui fundamento que preenche o aludido artº 2086ª do CC.;
62º- Quanto à questão dos “e. Recibos das rendas”, salvo o devido respeito, os ora Apelantes não podem concordar com o decidido, pois designadamente os recibos de renda podem constar no Portal, porém, a maioria dos inquilinos são idosos, com dificuldade em utilizar as novas tecnologias, mas têm o direito de receber os recibos de renda que pagam, tanto mais que os recibos nem sequer são emitidos mensalmente no Portal;
63º-Salvo o devido respeito, resulta que a cabeça de casal não cumpriu os seus deveres, oque constitui fundamento que preenche o aludido artº2086ª do CC;
64º- Quanto à questão do “f. Não arrendamento”, salvo o devido respeito, o Douto Tribunal labora em manifestos erros, já que os andares têm condições de habitabilidade para serem arrendados, contrariamente ao decidido, e os mencionados Doc.s 3 e 4 juntos com a PI, não provam que os andares não têm condições de habitabilidade, pois respeitam apenas ao quintal traseiro do prédio;
65º - O prédio da Travessa … está atualmente completamente vago - com os seis fogos por isso a deteriorarem-se - e não gera quaisquer rendimentos por culpa exclusiva da cabeça de casal que não aceita arrendar os andares, sem qualquer motivo, com avultados prejuízos para os ora Apelantes;
66º- Os Doc.s 3 e 4 juntos com a PI, contrariamente ao decidido pelo Douto Tribunal recorrido não respeitam aos andares do prédio, mas sim exclusivamente AO TERRENO DOPRÉDIO, OU SEJA, AO QUINTAL EXISTENTE NA TRASEIRA DO PRÉDIO;
67º- Conforme artº 37º e seguintes da PI, o Doc. 3 respeita ao ofício datado de 11-02-2025, da Câmara Municipal de Lisboa, quanto à insalubridade e presença de ratos no TERRENO do prédio, e a realização de uma vistoria no dia 7 de março de 2025, à qual a cabeça de casal não compareceu e os ora Apelantes não puderam dar acesso aos técnicos ao quintal, porque a cabeça de casal recusa dar-lhes as chaves;
68º- Conforme artº 43º da p.i., o Doc. 4, respeita a novo ofício datado de 11-03-2025, da Câmara Municipal de Lisboa igualmente quanto à insalubridade e presença de ratos no TERRENO do prédio, e a realização de uma vistoria no dia 2 de abril de 2025;
69º- Tal situação já foi tratada pela cabeça de casal e também pelos os ora Apelantes que se deslocaram ao prédio e ali entraram com aquela – entrada que há muito tinham solicitado, sem êxito - encontrando-se a ocorrência encerrada, como resulta dos Doc. 16 e 17 anexos com a oposição,
70º- Porém, ocorreu por culpa exclusiva da cabeça de casal que não tratou da limpeza do quintal do prédio, o qual sublinhe-se tem acesso apenas pelo rés-do-chão, nada tendo a ver com os restantes andares;
71º- Os andares do prédio têm condições de habitabilidade, pelo que no Requerimento Refª 47198350 apresentado a 21/11/2023 pelos ora Apelantes, estes requereram que a cabeça de casal fosse notificada para informar o Douto Tribunal se já iniciou os respetivos procedimentos para os respetivos arrendamentos de todos os andares vagos do prédio da herança sito na Travessa ..., em Lisboa;
72º-A Cabeça de casal não iniciou os procedimentos para arrendar os andares vagos, não estando já à data a cumprir as suas obrigações de administração dos bens da herança, e prejudicando os restantes herdeiros;
73º- Pelo Requerimento Refª 50903920 apresentado a 03/01/2025 pelos ora Apelantes foi anexo aos autos principais como Doc. 1, a notificação da CML, Unidade de Coordenação Territorial, Unidade de Intervenção Territorial Ocidental, datada de 05-12-2024 relativa ao processo nº …/RLU/2018, do prédio sito na Travessa ..., em Alcântara, coma respetiva informação e despacho, impondo apenas no aludido prédio, obras de conservação do 1º andar Dtº, reparação do tubo de queda de drenagem das águas pluviais, existente na fachada principal e reparação do caixilho da fachada principal do 1º andar esquerdo;
74º- Foram estas exclusivamente as obras que em 05-12-2024 se mostraram necessárias a realizar no prédio pela CML, e não outras;
75º- As obras de Reparação do tubo de queda de drenagem das águas pluviais, existente na fachada principal e de Reparação do caixilho da fachada principal do 1º andar esquerdo, já foram efetuadas;
76º- Resta somente as obras de conservação do 1º andar Dtº, as quais a cabeça de casal não fez, sem motivo, pretendendo sim fazer obras de remodelação de custos muitos elevados e de que a herança segundo afirma não tem meios, conforme vários requerimentos com documentos que o comprovam;
77º - Resulta assim que todos os andares estão em condições de habitabilidade, à exceção do 1º andar Dtº, contrariamente ao decidido pelo Douto Tribunal, e o prédio da Travessa … está há mais de um ano completamente vago e não gera quaisquer rendimentos por culpa exclusiva da cabeça de casal que não aceita arrendar os andares, sem qualquer motivo;
78º- Não se verificou qualquer lapso ou má fé processual por parte dos ora Apelantes;
79º- Salvo o devido respeito, contrariamente ao decidido pelo Douto Tribunal, resulta que a cabeça de casal não cumpriu os seus deveres, o que constitui fundamento que preenche o aludido artº2086ª do CC.;
80º-As questões sobre as quais o Douto Tribunal se pronunciou, não foram as únicas levantadas pelos ora Apelantes, como resulta da matéria constante designadamente nos artºs 26º, 27º, 33º, 34º, 35º, 37º, 38º, 39º, 40º, 41º, 42º, 43º, 44º, 45º, 46º, 47º, 48º, 49º, 50º, 53º todos da petição inicial do presente Incidente;
81º- As aludidas questões constantes nesses indicados artsº da p.i., não foram analisadas pelo Douto Tribunal recorrido;
82º- Sublinha-se pela sua importância, das questões não decididas pelo Douto Tribunal recorrido, a questão da cabeça de casal não prestar contas anualmente, como está obrigada por lei, nem entregar os rendimentos totais em proporção;
83º- A cabeça de casal apenas vem apresentando contas e entregando os saldos dos rendimentos totais, através de sucessivas Ações de prestação de contas apensas aos autos, que os ora Apelantes são obrigados assim a instaurar contra a cabeça de casal para receberem os rendimentos que lhes são devidos por lei e para tomar conhecimento das contas;
84º- Todas as questões não decididas configuram uma má gestão do património da herança por parte da cabeça de casal, causando assim elevados prejuízos aos ora Apelantes;
85º- Na Douta Decisão recorrida ocorreu assim, salvo o devido respeito, omissão de pronúncia sobre questões que devia apreciar, o que constitui causa de nulidade da Douta Sentença recorrida ( artº 615º, alínea d) do C. P. Civil) ;
86º- Todos os factos constantes da p.i. do Incidente, salvo o devido respeito, devidamente valorados, consubstanciam a violação, muito grave e culposa, dos deveres de prudência e zelo, por parte da cabeça de casal, revelando incompetência para o cargo;
87º- Face a todo o exposto, contrariamente ao decidido pelo Douto Tribunal recorrido verifica-se que a ora Apelada não tem vindo a desempenhar devidamente as suas funções, não administrando o património com prudência e zelo, revelando incompetência para o cargo, ocorrendo assim nos termos do artº 2086º, b), c) e d) do Código Civil, motivos para asua remoção do cargo de cabeça de casal, e ser nomeado cabeça de casal o filho mais velho do "de cujus", devendo assim a Douta Decisão recorrida ser revogada;
88º- Salvo o devido respeito e melhor opinião, a Douta Decisão recorrida, não é pois justa e enferma, designadamente, de erro de fundamentação, de falta de fundamentação de facto e de direito, de omissão de pronúncia, de pronúncia sobre questões de que não podia tomar conhecimento face à não realização da audiência de discussão e julgamento, de erro de interpretação e de aplicação da lei, violando nomeadamente, o consignado nos artºs 8º( Obrigação de julgar e dever de obediência à lei), nº3, 9º (Interpretação da lei), 341º (Função das provas), 362º (Prova documental) todos do Código Civil, e artºs 2º (Garantia de acesso aos tribunais), 3º (Necessidade do pedido e da contradição), 4º ( Igualdade das partes), 5º (Ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal), 7º (Princípio da cooperação), 155º (gravação da audiência final e documentação dos demais atos presididos pelo juiz), nº1, 195º (Regra geral sobre a nulidade dos atos), nº1, 292º (Regra geral dos Incidentes), 293º (indicação das provas e oposição), nºs 1 e 2, 294º (limite do número de testemunhas e registo dos depoimentos), 295º(alegações orais e decisão), 413º (Provas atendíveis), 415º (Princípio da audiência contraditória), 417º (Dever de cooperação para a descoberta da verdade), nº1, 599º (Juiz da audiência final), 602º ( Poderes do juiz),607º (sentença), nºs 1, 4 e 5, 608º (Questões), nº2, 615º (causas de nulidade da sentença),nº1, alíneas b) e d), 1103º (Substituição do cabeça de casal), nº 2 todos do C. P. Civil e artºs13º (Princípio da Igualdade), nº1, 18º ( Força Jurídica ), nº1, 20º (Acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva), nºs 4 e 5 todos da Constituição da República Portuguesa;
89º-Termos em que requerem respeitosamente a V. Exªs que seja revogada a Douta Decisão recorrida in totum, com as legais consequências, e assim se fará JUSTIÇA.
1.4. – Com referência à APELAÇÃO identificada em 1.3. veio C, Cabeça-de-casal e Requerida, apresentar contra-alegações, aduzindo as seguintes conclusões:
1. Os Recorrentes iniciam o recurso com apreciações externas ao teor da sentença, procurando persuadir o Tribunal ad quem de que a Recorrida se assenhorou do que não é seu, quando se trata de uma herdeira e da cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de D;
2. A Recorrida actuou dentro das balizas do ónus de impugnação (artigos 490.º e 293.º do CPC), sendo que os Recorrentes tentaram criar, ao abrigo do artigo 3.º, n.º 3, do CPC, uma forma de tentar responder à oposição, quando a réplica só é admissível em casos de reconvenção (artigo 584.º do CPC) e o incidente em causa somente prevê a oposição (artigo 293.º do CPC);
3. Bem andou o Tribunal a quo, quando julgou não escritos os artigos 4 a 18 do requerimento de 29/05/2025; julgou não escrito o requerimento de 31/05/2025; e não admitiu a junção dos documentos que acompanhavam o requerimento de 29/05/2025;
4. O recurso viola o disposto no artigo 639.º, n.º 1, do CPC, apresentando conclusões excessivas que são a repetição integral das alegações, pelo que os Recorrentes devem ser convidados ao aperfeiçoamento das conclusões (artigo 639.º, n.º 3, do CPC) e, caso as irregularidades não sejam supridas, deverá o recurso ser rejeitado nos termos do artigo 641.º, n.º 2, alínea b), do CPC;
5. A sentença não comete as nulidades arguidas e concatenadas no artigo 615.º, n.º1,alíneas b) e d), do CPC, ou seja, excesso de pronúncia e a não especificação dos fundamentos de facto e de direito;
6. A realização da audiência de discussão e julgamento era dispensável, visto que a prova documental, cuja autenticidade e genuinidade não foram impugnadas, demonstra cabalmente a mendacidade do alegado pelos Recorrentes, bem como porque, tratando-se de matéria de manifesta simplicidade, a demais matéria de facto, mesmo que fosse provada como alegada pelos Recorrentes, não alteraria em nada a decisão a proferir;
7. E os Recorrentes confundem falta de fundamentação com fundamentação ineficiente;
8. Quanto ao Ponto VI do recurso, a Cabeça-de-casal tem obtido provimento em todas as contas que prestou, não lhe cabendo o dever de informar os demais herdeiros de todos os passos, até porque a administração é sua;
9. Quanto ao Ponto VII, os Recorrentes reconhecem que extravasaram os seus eventuais poderes e tomaram decisões sobre o arrendamento que prejudicaram a herança e que cabiam à Cabeça-de-casal (artigos 1024.º, n.º 1, e 2079.º do CC) ou, em última instância, a todos os herdeiros, pelo que esta operou a compensação dos créditos, explicando e informando-os da sua decisão;
10. Quanto ao Ponto VIII, a Cabeça-de-casal agiu com prudência relativamente a uma suposta dívida que, em princípio, está prescrita e que nem sequer é reclamada pela EDP, nem é reclamada à herança que esta administra;
11. Quanto ponto IX do recurso, não passa de mera opinião, uma vez que os factos são incontestáveis, ou seja, a Recorrida realizou as obras possíveis e apresentou orçamentos, sendo os Recorrentes que bloqueiam a obtenção de capital para a realização das empreitadas de conservação;
12. Quanto ao ponto X, não há nada a provar, porque estes reconhecem que os recibos estão a ser emitidos no portal das Finanças, o que é obrigação da Cabeça-de-casal e está a ser feito;
13. A questão da idade dos inquilinos só foi agora levantada, quanto aos recibos, pelo que não faz parte da matéria do incidente e os Recorrentes não identificam quem são os inquilinos, quais as idades e os fogos arrendados;
14. Quanto aos pontos XI, XII e XIII, de novo, não há nada a provar pelos Recorrentes, porque os documentos demonstram que o alegado pela Recorrida é verdade, sendo que, quando os Recorrentes exigiram o arrendamento, não alegaram nada do que agora apresentam;
15. A necessidade de obras está provada até por confissão dos Recorrentes;
16. Concluindo-se que, à luz do previsto no 2086.º, n.º, 1 do CC, não existe da parte da Cabeça-de-casal qualquer acção ou omissão violadora dos seus deveres.
Destarte, nestes termos e nos mais de Direito, sempre com o douto suprimento de Vossas Venerandas Excelências, requer-se que o recurso seja considerado totalmente improcedente.
*
Thema decidendum
1.5. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho ), e sem prejuízo das que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a decidir resumem-se às seguintes :
I – Decidir se a decisão supra transcrita em 1.4., se impõe ser revogada na parte em que : julga não escritos os artigos 4 a 18 do requerimento de 29.05.2025 ; julga não escrito o requerimento dos apelantes de 31.05.2025; não admite a junção dos documentos juntos com o requerimento dos apelantes de 29.05.2025, nos termos do art. 293º, nº 1 do CPC ;
II - Decidir se incorre a decisão recorrida do vício de NULIDADE, porque não especifica devidamente os fundamentos de facto e de Direito, o que integra a causa de nulidade a que alude o artº 615º, nº1, alínea b) do C. P. Civil;
III - Decidir se incorre a decisão recorrida do vício de NULIDADE, porque conhece de questões que não poderia no momento apreciar e conhecer, maxime porque não realizada audiência de discussão e julgamento [ e considerando que a produção de prova em audiência de discussão e julgamento solicitada na petição inicial se impunha ], o que constitui também causa de nulidade da Douta Sentença recorrida (artº 615º, alínea d) , segunda parte, do C. P. Civil);
IV – Decidir se incorre a decisão recorrida do vício de NULIDADE, porque não aprecia de factualidade apelada pelas recorrentes e suscetível de desencadear fundadamente a remoção da apelada do cargo de cabeça-de-casal , o que constitui a causa de nulidade a que alude o artº 615º, alínea d) , primeira parte, do C. P. Civil);
V - Aferir se incorre a decisão recorrida em error in judicando, considerando que não praticou a recorrida qualquer facto susceptível de desencadear/fundamentar a sua remoção do cargo de cabeça-de-casal ;
*
2.- Motivação de facto.
Da decisão recorrida não consta a indicação, de forma individualizada, separada e bem fundamentada designadamente no que à subjacente convicção concerne [tal como decorre do disposto no artº 607º,nº3 e 4, do CPC ], a decisão de facto com indicação assertiva dos factos provados e não provados.
***
3.- Motivação de Direito.
3.1. – Da/s decisões interlocutórias proferidas juntamente com a decisão final.
Impugnam os apelantes as decisões proferidas pelo primeiro Grau e que incidiram sobre a apreciação dos requerimentos por aqueles atravessados nos autos em 29.05.2025 e 31.05.2025, considerando no que ao primeiro concerne, como “não escritos os artigos 4 a 18 ” e como inadmissíveis os documentos com ele juntos e ,relativamente ao segundo, julgar o mesmo como não escrito.
Para os apelantes, ambas as referidas decisões mostram-se “ilegais”, violando o princípio do contraditório que se mostra ínsito no direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20º, nº1, da Constituição, e , outrossim violam designadamente os artºs 2º (Garantia de acesso aos tribunais), 3º (Necessidade do pedido e da contradição), 4º (Igualdade das partes), 5º (Ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal), 7º (Princípio da cooperação), todos do C. P. Civil.
Apreciando
Inserindo-se o processado pelos apelantes visado em incidente de remoção de cabeça-de-casal, pacifico é que é se mostra ele regulado pelos artºs 292º a 295º, todos do Código de Processo civil, estando designadamente no art.º 293º, nºs 1 e 2 apenas expressamente prevista a existência de dois articulados [ requerimento inicial do incidente e oposição ] e devendo em ambos as “ partes oferecer o rol de testemunhas e requerer os outros meios de prova ”.
Não obstante o referido, tal não obriga a concluir que no âmbito da tramitação de um incidente de remoção de cabeça-de-casal, em caso algum possa ser atravessado nos autos um “terceiro” articulado, estando igualmente no âmbito da apresentação da competente prova as partes restringidas em as oferecer tão só aquando da apresentação daqueles.
É que, como bem salienta a melhor doutrina [ v.g. José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto (1)] , “Embora não constituam processos especiais (…), os incidentes (…) também levam à aplicação das normas do processo ordinário nos casos omissos, na medida em que a analogia das situações o impuser”, entendimento que igualmente subscreve TEIXEIRA de SOUSA (2) ao considerar que “Aos incidentes da instância aplicam-se as disposições próprias, bem como as disposições gerais e comuns que constam dos art. 293.º ss. ( art. 549.º, n.º 1, ext.). (b) Subsidiariamente, aplica-se aos incidentes da instância o que se acha estabelecido para o processo declarativo comum (art. 549.º, n.º 2, ext.)”.
O referido entendimento doutrinal, de resto, é também aquele que vem sendo seguido pela nossa jurisprudência, tendo designadamente este mesmo Tribunal da Relação de Lisboa em Acórdão de 26/05/2022 (3) e citando ABRANTES GERALDES e outros (4) e LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE (5) , decidido que «As linhas estruturantes são definidas nos artgs. 293.º, 294.º e 295.º, disposições a observar em quaisquer incidentes que surjam na pendência de uma causa, salvo havendo regulamentação especial que deva prevalecer. Por outro lado, as hipóteses não reguladas directamente em cada concreto incidente e não contidas na previsão dos artgs. 293.º a 295.º deverão ser resolvidas pelas disposições gerais e comuns e, subsidiariamente, pelas disposições que regulam o processo declarativo comum, por extensão da norma do art.º 549.º, n.º 1».
Perante o acabado de expor, temos assim que, comportando por regra a tramitação de incidente da instância apenas dois articulados, nada obsta a que, por aplicação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, contidos nos artigos 3º nº 3 e 4º do CPC, ambos do CPC, seja permitido ao requerente de incidente apresentar um outro articulado destinado a assegurar o exercício do seu direito de contraditório relativamente a matéria de excepção que tenha sido aduzida na oposição apresentadas.
De igual modo, nada obsta a que, no que à prova documental diz respeito, seja permitido ao requerente de incidente lançar mão da permissão prevista nºs 2 e 3, do artº 423º, do CPC, provados claro está, os subjacentes requisitos e, bem assim, que com referência à prova documental apresentada com o último articulado, possa a parte contrária em pertinente articulado usar da prerrogativa do artº 415º, nº2, II parte do CPC, o qual reza que “ relativamente às provas pré-constituídas, deve facultar-se à parte a impugnação, tanto da respectiva admissão como da sua força probatória.
Aqui chegados e munidos dos contributos legais, doutrinais e jurisprudenciais supra explanados, nenhuma censura merece a decisão recorrida na parte em que julga não escritos os artigos 4 a 18 do requerimento de 29.05.2025”, pois que, em rigor, não respeitam aqueles – escritos – a considerações/alegações dirigidas a matéria de excepção, ou, sequer, a especifica impugnação dirigida a prova documental junta pela parte contraria em anterior articulado.
Por outra banda , e a justificar a junção “tardia” dos documentos [ juntos com o requerimento de 29.05.2025 e à luz do artº 293º,nº1, do CPC], certo é que nada alegaram os requerentes/apelantes, maxime nos termos e para efeitos do disposto no artº 423º,nºs 2 e 3, do CPC.
Consequentemente e, considerando [ o que importa aduzir em face da invocada violação do princípio do contraditório que se mostra ínsito no direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20º, nº1, da Constituição, e , outrossim do artº 2º (Garantia de acesso aos tribunais) ] o reconhecido “ amplo poder de modelação e conformação do sistema processual que a Constituição da República Portuguesa confere ao legislador ordinário na escolha das soluções concretas concernentes à tramitação do processo e que, sem nunca ofender ou afectar, no plano substantivo, aqueles princípios, sejam idóneas a promover uma acção judicial célere, tramitada de forma expedita e verdadeiramente funcional, com eficaz gestão dos meios disponíveis, desenvolvida em termos racionais e sustentáveis, permitindo a obtenção de uma decisão final em tempo útil e razoável, com o afastamento de quaisquer expedientes dilatórios, manobras de entorpecimento processual, pedido de realização de diligências inúteis ou tentativas de gerar delongas injustificadas e desnecessárias” (6), eis porque NADA justifica revogar a decisão recorrida na parte em que analisa o tribunal a quo o requerimento e respectiva prova atravessada nos autos pelos apelantes a 29.05.2025.
Por último, nenhum reparo merece outrossim a decisão apelada na parte em que “ julga não escrito o requerimento de 31.05.2025 ”, porque proferido no âmbito do poder/dever de gestão processual, “disciplinando” o Juiz titular do processo a prática processual e inútil das partes [ em face desde logo do disposto no artº 130º, do CPC ] , designadamente obstando a qualquer prática que não se afigure precisa para a produção da decisão final e de forma a não existir qualquer retardamento da mesma.
Neste conspecto, importa salientar que a direção activa do processo consubstancia um poder/dever, exigindo-se ao juiz titular do processo que designadamente modere o excessivo antagonismo existente entre as partes, maxime quando os respectivos e ilustres mandatários, e não obstante ser-lhes exigido uma abordagem racional e separada das emoções que cercam o conflito que envolve as partes, se deixam também envolver emocionalmente nas "dores das partes", inundando o processo com requerimentos e contra requerimentos de todo não necessários e úteis para o desenrolar do processo e para a boa decisão da causa.
Destarte, porque cabe em primeira linha igualmente ao julgador observar e fazer cumprir ao longo do processo o princípio do contraditório [ cfr. artº 3º,nº3, do CPC ], ouvindo se necessário a parte contrária relativamente a concreta pretensão atravessada nos autos, eis porque bem andou o tribunal a quo em “ julgar não escrito o requerimento de 31.05.2025”.
Em conclusão, improcede a apelação dirigida para os despachos interlocutórios acabados de sindicar.
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3.2. – Da decretada improcedência do incidente de remoção da apelada do cargo de Cabeça-de-casal.
3.2.1. - Se incorre a decisão recorrida do vício de NULIDADE, porque não especifica devidamente os fundamentos de facto e de Direito, o que integra a causa de nulidade a que alude o artº 615º, nº1, alínea b) do C. P. Civil, e
3.2.2. - Se incorre a decisão recorrida do vício de NULIDADE, porque conhece de questões que não poderia no momento apreciar e conhecer, maxime porque não realizada audiência de discussão e julgamento [ e considerando que a produção de prova em audiência de discussão e julgamento solicitada na petição inicial se impunha ], o que constitui também causa de nulidade da Douta Sentença recorrida (artº 615º, alínea d) , segunda parte, do C. P. Civil).
Vimos já que consideram os apelantes que a decisão que pôs termo ao incidente de remoção da apelada do cargo de cabeça-de casal incorre em vício de NULIDADE, quer porque não foi precedida de produção de prova [ cfr. o disposto no artº 295º, do CPC ] , quer porque da mesma não consta sequer a necessária fundamentação de facto.
Consequentemente, e no entender dos apelantes, viola a decisão recorrida o disposto nos artºs 615º,nº1, alíneas b) e d), segunda parte, do CPC.
Apreciando
Diz-nos o artº 154º, do CPC, que as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido são sempre fundamentadas (nº1) e, bem assim (nº 2), que a justificação não pode de todo consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade .
Em causa está, em rigor, a consagração na Lei adjectiva do princípio constitucional vertido no artº 205º da Lei Fundamental, no sentido de que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei, sendo que, a propósito de tal exigência, clarificam JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS (7) que não é a mesma meramente formal, antes tem ela por desiderato o cumprimento de uma dupla função : de carácter objectivo - pacificação social, legitimidade e autocontrole das decisões; e de carácter subjectivo - garantia do direito ao recurso e controlo da correcção material e formal das decisões pelos seus destinatários.
Já o Prof. ALBERTO dos REIS (8), aludindo à mesma exigência, explica que importa que a parte vencida conheça as razões por que o foi, para que possa atacá-las no recurso que interpuser.
Acresce que, adianta ainda ALBERTO dos REIS (9), “Mesmo no caso de não ser admissível recurso da decisão, o tribunal tem de justificá-la, pela razão simples de que uma decisão vale, sob o ponto de vista doutrinal, o que valeram os seus fundamentos. Claro que a força obrigatória da sentença ou despacho está na decisão; mas mal vai à força quando não se apoia na justiça e os fundamentos destinam-se precisamente a convencer de que a decisão é conforme à justiça.
Concluindo, também nos termos de ALBERTO dos REIS (10), sendo a função própria do Juiz a de interpretar a lei e aplicá-la aos factos da causa, “ (…) deixa de cumprir o dever funcional o Juiz que se limita a decidir, sem dizer como interpretou e aplicou a lei ao caso concreto “.
Dito isto, no seguimento das acima apontadas exigências de fundamentação, diz-nos mais adiante o CPC, no seu art.º 615, n.º 1, b), que é nula a sentença quando não especifique a mesma os fundamentos de facto e de direito, discriminando os factos que a justificam e indicando outrossim quais as normas jurídicas que à situação fáctica provada se aplicam, sendo que tal exigência estende-se ainda, até onde seja possível, aos próprios despachos ( cfr. nº3, do artº 613º, do CPC ).
Em todo o caso, como é jurisprudência uniforme sobre tal matéria, apenas o vício da falta absoluta de motivação, ou seja, quando ela não existe de todo, é que integra causa de nulidade de sentença, já não padecendo desta última de nulidade quando, existindo tal fundamentação, é porém ela escassa, deficiente ou mesmo pobre. (11)
Do mesmo modo, e a propósito do apontado vício, é também a doutrina unânime em considerar que importa (12) distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. É que, adverte JOSÉ ALBERTO DOS REIS, o que a lei considera nulidade é “(…) a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade”. (13)
Por último, importa atentar que, dispondo o artº 295º, do CPC , que “ Finda a produção da prova, pode cada um dos advogados fazer uma breve alegação oral, sendo imediatamente proferida decisão por escrito, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 607.º, tal “obriga” a que a decisão/sentença que põe termo o incidente, julgando-o, deve começar por identificar as partes e o objeto do litígio, enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre solucionar, seguindo-se depois os fundamentos, devendo portanto o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final [ ou seja, e no que à fundamentação de facto concerne, deve o juiz na referida sentença declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção – nºs 2,3 e 4, do artº 607º, do CPC ].
Em suma, pacifico é assim que a sentença que aprecie do “mérito” de um incidente da instância , deve também aproximar-se da estrutura plasmada no artº 607º, do CPC, integrando no mínimo a fundamentação de facto - maxime com a identificação clara, individualizada e separada, dos factos provados - e de direito, sendo que , como bem avisa ABRANTES GERALDES (14) “ a decisão da matéria de facto, seja no âmbito de processos de cariz definitivo, seja em sede de procedimento de natureza cautelar, é certamente dos actos mais importantes que se inserem na actividade jurisdicional e, já o especifico dever de motivação do julgamento da matéria de facto, “ que deriva ainda do dever constitucional de fundamentação de todas as decisões que afectem os interessados, impõe um esforço na racionalização do processo de formação da convicção”.
Aqui chegados, e analisada a sentença que é objecto da apelação de A e B é inquestionável que não integra a mesma a especificação dos fundamentos de facto, ou , pelo menos, não se encontram eles devidamente especificados de forma individualizada e separada, apenas sendo possível conjecturar/repescar alguns – mas muito poucos – do âmbito das explanações de direito que integram a mesma sentença.
Em rigor, portanto, é assim manifesto que não integra a sentença recorrida a fundamentação de facto [ ainda que não tenha havido lugar à produção de prova, obrigado estava o julgador em fundamentar a ratio de concreta factualidade justificar ser julgada provada, maxime em razão de aplicação de regra vinculativa extraída do direito probatório, ou de declaração confessória resultante do processo – artºs 293º,nº3, e 574º,nº2, ambos do CPC] , o que justifica/obriga a considerá-la NULA, nos termos do artº 615º, nº1, alínea b), primeira parte, do CPC.
Destarte, no seguimento da constatação da ocorrência da referida NUIDADE, prima facie impunha-se a este Tribunal suprir a subjacente omissão de especificação de facto, e prima facie nos termos do artº 665º, do CPC .
Não obstante, porque não constam dos autos todos os necessários elementos ( cfr. artºs 662º, nº 2 , alínea c), do CPC ) para o referido efeito , e, ademais, mal andou o Primeiro Grau em enveredar pela prolação da decisão final sem antes produzir a competente prova pelas partes arrolada nos requerimentos apresentados [ o inicial e o de oposição , enveredando em rigor o tribunal a quo por uma análise de mérito sem suporte factual fixado , não discriminando devidamente os pertinentes factos provados e não provados ], certo é que, como bem se nota em Ac. do TRLisboa (15), “a ausência de decisão sobre a matéria de facto não pode deixar de se entender como a situação - limite da decisão deficiente a que alude o n.º 4 do artigo 712.º do CPC» , dispositivo este último que corresponde ao actual artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC em vigor, e o qual “obriga” sempre à anulação da decisão proferida na 1ª instância quando do processo não constam todos os elementos que permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto ( o que prima facie é o caso ).
Neste conspecto, recorda-se que aplicando-se subsidiariamente ao incidente ora em análise o que se acha estabelecido para o processo declarativo comum (art. 549.º, n.º 1, do CPC ), então a prolação do decisão final de mérito do incidente e sem a designação de audiência para a produção de prova apenas ocorrerá quando os factos essenciais [ segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito ] a que alude o nº 1, do artº 5º, do mesmo diploma legal, se mostram já assentes [ não controvertidos, porque já plenamente provados por documento, por acordo ou confissão das partes – cfr nºs 4 e 5, do artº 607º, do CPC ], não sendo o mesmo já prima facie admissível para que o Julgador , e à luz de uma só solução jurídica que reputa ser a mais defensável, possa de imediato pôr termo à acção, como que antecipando o julgamento do mérito da acção.
Em suma, e no âmbito de despacho- saneador, pode/deve o juiz conhecer desde logo do mérito da causa sempre que o estado do processo revele não haver necessidade de mais provas e, outrossim, disponham já os mesmos autos de todos os elementos que habilitam o tribunal a proferir uma decisão conscienciosa em sede de direito e à luz das mais variadas soluções admitidas na doutrina, ou na jurisprudência, que não apenas à luz da solução eventualmente perfilhada pelo juiz da causa . (16)
Alinhando por semelhante entendimento, também para ANSELMO de CASTRO (17) o Juiz julgará [ decisão esta que não se deve reger por critérios de oportunidade, a apreciar discricionariamente, mas por critérios de legalidade ] do pedido logo em sede de Saneador quando não existe necessidade de produção de provas ou de mais provas para o referido efeito, o que ocorrerá vg quando se depara com um caso de : “ inconcludência do pedido, pudesse ou não ter sido já causa de indeferimento liminar; não impugnação dos factos fundamentadores do direito – contestação restrita à impugnação do efeito jurídico pretendido ; impugnação não relevante ( admissão por acordo desses factos ou dos factos fundamentadores de excepção do réu ); prova de uns e outros por confissão expressa ou prova documental com força probatória legal produzida durante os articulados”.
Isto dito e, analisando o alegado [ o que tudo se mostra supra indicada em 1. e 1.1. ] pelas partes, é para nós ostensivo que no que concerne ao grosso da factualidade pelos requerentes do incidente alegada no requerimento inicial veio a Requerida Cabeça-de-casal deduzir oposição motivada, impugnando a respectiva verificação, isto por um lado e , por outro, prova documental com força probatória legal e plena não foi de todo carreada para os autos capaz de obstar a qualquer prova testemunhal em contrário – cfr. artº 393º,nº2, do CC.
A matéria de facto basilar para a decisão do litígio encontra-se, pois, manifestamente controvertida, não estando julgada, razão porque a decisão do litígio não se pode reconduzir à assunção, não factualmente demonstrada [ porque não produzida ainda a competente prova suficiente dirigida para os “comportamentos” – os actos e omissões - atribuídos pelos apelantes à cabeça-da-casal e susceptíveis de integrar/preencher fundamento para a respectiva remoção do cargo ] de que ao invés do alegado pelos recorrentes não agiu a apelada, no exercício do cargo, em incumprimento dos deveres de administração com prudência e zelo, e revelando incompetência enquanto cabeça-de-casal.
Tal equivale a dizer que o julgamento de mérito do tribunal a quo como que consubstancia um julgamento precipitado, não admissível, existindo à data da prolação de sentença recorrida diversa factualidade pertinente ainda controvertida, logo, incorre aquela sentença também em vício de NULIDADE, tendo a Exmª Juiz conhecido de questão que – ainda – não podia tomar conhecimento.
Com efeito, a prolação de saneador-sentença precipitado, porque não permitia ainda o estado do processo a prolação de uma decisão de mérito, desencadeia uma nulidade que atinge a própria decisão, respeitando ao respectivo conteúdo, e, consequentemente, é a mesma nula por excesso de pronúncia - cfr. artigo 615º, nº 1, al. d), do Código de Processo Civil.
Em conformidade, importando primeiramente estabelecer a base factual essencial à justa composição do litígio relacionado com a reclamada remoção da apelada do cargo de cabeça-de-casal, queda por ora prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas na apelação.
A apelação portanto, procede, importando reconhecer a NULIDADE da decisão recorrida, quer com fundamento no disposto na alínea b), do nº1, do artº 615º, do CPC, quer com fundamento na respectiva alínea d), segunda parte.
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4.- Em Conclusão (cfr. artº 663º,nº7, do CPC ) :
4.1. – O incidente de remoção de interessado do cargo-de-cabeça de casal segue a tramitação dos incidentes da instância nos termos dos artºs 292º a 295º, do Código de Processo Civil;
4.2. – Já as hipóteses não reguladas directamente no âmbito do incidente e não contidas na previsão dos artºs. 293.º a 295.º deverão ser resolvidas pelas disposições gerais e comuns e, subsidiariamente, pelas disposições que regulam o processo declarativo comum, por extensão da norma do art.º 549.º, n.º 1, do CPC.
4.3. – Em face do referido em 4.2., e apesar do disposto no artº 293º,nº1, do CPC, nada obsta a que ao requerente do incidente, por aplicação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, contidos nos artigos 3º, nº 3 e 4º do CPC, ambos do CPC, seja permitido apresentar um outro articulado destinado a assegurar o exercício do seu direito de contraditório relativamente a matéria de excepção que tenha sido aduzida na oposição apresentada e, bem assim, a usar da prerrogativa do artº 415º, nº 2, II parte do CPC, o qual reza que “relativamente às provas pré-constituídas, deve facultar-se à parte a impugnação, tanto da respectiva admissão como da sua força probatória”.
4.4. - A preceder a decisão de mérito do incidente supra identificado obrigado está o julgador em determinar a produção de prova, seguida de alegações orais, formalidades apenas dispensáveis quando, após a oposição ao incidente, o estado do processo revele não haver necessidade de mais provas e, outrossim, disponham já os mesmos autos de todos os elementos que habilitam o tribunal a proferir uma decisão conscienciosa em sede de direito e à luz das mais variadas soluções admitidas na doutrina, ou na jurisprudência, que não apenas à luz da solução eventualmente perfilhada pelo juiz da causa .
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5.-Decisão.
Em face de tudo o supra exposto, acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em concedendo provimento ao recurso de apelação apresentado por A e B;
5.1.- Reconhecer e declarar a nulidade da decisão apelada e, consequentemente, determinam o normal prosseguimento dos autos - da respectiva e regular tramitação - , proferindo-se depois da devida instrução e julgamento a decisão que seja devida em termos de facto e de direito, e maxime quanto ao respectivo mérito do incidente concerne.
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As custas na apelação são da responsabilidade da apelada.
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LISBOA, 06/11/2025
António Manuel Fernandes dos Santos
Jorge Almeida Esteves
Nuno Luís Lopes Ribeiro

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(1) Em Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 2.ª edição, pág. 237.
(2) Em CPC online – anotação ao regime dos incidentes da instância – disponível em http://blogippc.blogspot.com. e cfr. citação que consta do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/3/2023, que vimos seguindo de perto e acessível, em www.dgs.pt.
(3) Proferido no Processo nº 5686/20.7T8ALM-B.L1-2 e acessível, em www.dgs.pt.
(4) Em Código de Processo Civil anotado, 2.ª Edição, anotação 5, pág. 359.
(5) Em CPC anotado, vol. I, 4.ª ed., p.597),
(6) Cfr. Ac. do STJ de 12/7/2022, proferido no Processo nº 1916/18.3T8STS.P1.S1 , in www.dgsi.pt.
(7) In Constituição da República Portuguesa, Anotada, Tomo III, pág.70.
(8) In Comentário ao Código de Processo Civil, 1945, Volume 2º, págs. 172 e segs. ).
(9) In Comentário ao Código de Processo Civil, 1945, Volume 2º, pág. 172 .
(10) Ibidem , pág. 172.
(11) Cfr. de entre vários e muitos outros o Ac. do STJ de 5/5/2005, in www.dgsi.pt.
(12) Cfr. José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, 1984, anotado, Volume V, pág. 140.
(13) In Código de Processo Civil, 1984, anotado, Volume V, pág. 140.
(14) In Temas da Reforma de Processo Civil , III volume, 4ª Edição, Procedimento Cautelar Comum, Almedina, 2010, págs. 234/235.
(15) Ac. de 21/5/2009, proferido no Processo nº 6425/2008-6, in www.dgsi.pt.
(16) Cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ibidem, em Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, pág. 402.
(17) Em Direito Processo Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, 1982, págs. 253/254.