Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
149/25.7T8OER-A.L1-2
Relator: FERNANDO CAETANO BESTEIRO
Descritores: EXECUÇÃO
SUSPENSÃO
VENDA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/20/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: SUMÁRIO (art. 663º, n.º7, do CPC):
I. Com o regime constante do art. 794.º do CPC, pretende-se evitar que os mesmos bens do executado possam ser vendidos em processos executivos distintos, gerando interesses conflituantes e insegurança jurídica, garantindo-se, desta forma, a realização de uma única venda ou adjudicação
II. A prossecução da execução cível, suspensa por força do art. 794º, n.º 1, do CPC, para concretização da venda do bem também nela penhorado, demanda que se esteja perante uma situação de “paralisação” da execução fiscal, que legitime o levantamento da sustação anteriormente decidida.
III. O Tribunal deverá averiguar, junto do processo executivo fiscal, os pressupostos de facto que poderão determinar o levantamento da sustação da execução determinada ao abrigo do art. 794.º, n.º 1, do CPC, quando os mesmos tenham sido alegados pelo exequente para suportar pedido formulado nesse sentido.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: I – RELATÓRIO.
Banco Santander Totta, SA., intentou, contra AA e BB, acção executiva, com a forma de processo sumária, para cobrança da quantia total de € 67 919,28 (correspondente à soma de € 49 014,66, referentes a capital em débito, € 5 512,89, atinentes a juros à taxa de 2,9666% acrescida de 3% respeitante à mora, e de € 3391,83 atinentes a despesas judiciais e extrajudiciais garantidas por hipoteca), e juros de mora vincendos, impostos legais, custas e demais despesas da execução, tudo até efectivo e integral pagamento.
Em sede de requerimento executivo, alegou que:
1. Entre o Exequente Banco Santander Totta, S.A., e os Executados AA e BB, foi celebrado, em 30-06-1997, um contrato de mútuo com hipoteca, que foi objeto de aditamentos e mediante o qual aquele concedeu a estes um empréstimo no valor de 17.000.000$00, ora € 84.795,64, do qual se confessaram devedores, cfr. documento que se junta e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (Doc. 1).
2. A referida quantia foi creditada, na data de celebração do contrato, na conta de depósitos à ordem que os Executados são titulares junto do Banco Exequente.
3. O contrato de empréstimo foi celebrado pelo prazo inicial de 25 anos (cfr. doc. 1).
4. Para garantia de todas as responsabilidades assumidas nos termos do aludido contrato
designadamente, amortização do capital mutuado, pagamento de juros, encargos contratuais ou prémios de seguro que o Banco viesse a pagar em substituição dos Executados, estes constituíram hipoteca sobre a fracção autónoma designada pela letra “G”, correspondente ao segundo andar direito do prédio urbano sito na Urbanização de Rua 1, Freguesia de Carcavelos, Concelho de Cascais, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o nº ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ....º da União de freguesias de Carcavelos e Parede.
5. A referida hipoteca encontra-se devidamente registada a favor do Banco Exequente, conforme descrição predial, que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (Doc. 2).
6. Sucede que os Executados não procederam ao pagamento da prestação do empréstimo vencida em 30-01-2023, nem das que posteriormente se venceram, não obstante interpelados para o efeito e, face ao incumprimento verificado, o Exequente considerou antecipadamente vencido o capital do empréstimo a partir dessa data, ao abrigo do disposto nas cláusulas contratuais.
7. Assim os Executados são devedores ao Exequente, à data de 03/12/2024, dos seguintes
valores:
- Capital: € 49 014,56;
- Juros à taxa de 2,966%, acrescidos de 3% referente à mora: € 5 512,89;
- Despesas judiciais e extrajudiciais garantida pela hipoteca: € 3 391,83,
- Total: € 57 919,28.
8. Ao montante global de € 57 919,28, acrescem juros de mora vincendos, impostos legais, custas e demais despesas de execução, tudo até efetivo e integral pagamento.
9. A dívida é certa, líquida e exigível.
10. A escritura junta como doc. 1 constitui título executivo, nos termos do disposto no artigo 703º, n.º 1, al. b), do CPC, e a presente execução segue a forma sumária, artigo 550º, n.º 2, alínea c) do mesmo diploma legal.
Foram anexados ao requerimento executivo o documento que titula o acordo nele invocado e cópia das inscrições registais em vigor referentes ao imóvel objecto da hipoteca também mencionada no aludido requerimento, onde se afere a inscrição de tal direito de garantia.
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A 04-02-2025, foi lavrado auto de penhora do imóvel acima referido.
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Os executados foram citados, como se afere do expediente junto ao processo a 04-02-2025 e 12-02-2025, não deduziram oposição, designadamente por embargos, nem tiveram qualquer outra intervenção no processo.
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A 08-04-2025, foi junta informação apresentada pelo Agente de Execução com o seguinte teor:
CC, agente de execução, designado nos autos supra referenciados, vem informar V. Exa., que nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 794.º do CPC, foi sustada a execução quanto à Fração autónoma designada pela letra G, que corresponde ao segundo andar direito, um fogo, destinado a habitação, do prédio urbano sito na Rua 1, Carcavelos, inscrito na matriz predial sob o artigo .... da freguesia de União das Freguesias de Carcavelos e Parede, concelho de Cascais, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o número .../Carcavelos, em virtude de sobre a mesma incidir penhora anterior no Processo de Execução Fiscal nº …943 e Apensos - Serviço de Finanças de Cascais-2.
Destes factos dei conhecimento ao(à) ilustre mandatário(a) do exequente.
Pede Deferimento.
A informação em referência foi acompanhada, além do mais, de certidão, com cópia, das inscrições registais em vigor em relação ao imóvel penhorado, dele se aferindo, além do mais que não releva para a presente decisão, que:
a. Mediante a apresentação 1896 de 27-10-2016, foi inscrita penhora, realizada na mesma data no âmbito do processo de execução fiscal n.º …943 e apensos, que corre termos no Serviço de Finanças de Cascais – 2, sobre o imóvel penhorado nos presentes autos, para garantia do pagamento de € 2 012,25, sendo a mesma a favor da Fazenda Nacional e figurando o executado, AA, como devedor;
b. Mediante a apresentação 1066 de 13-03-2025, foi inscrita a penhora realizada nos presentes autos.
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Notificada da informação acima referida, a exequente, a 07-05-2025, apresentou requerimento com o seguinte teor:
1. Nos vertentes autos foi penhorado o imóvel hipotecado ao Exequente, imóvel este também penhorado à ordem da Fazenda Nacional, processo em que o Exequente já reclamou créditos.
2. A penhora da Fazenda Nacional data do ano de 2016, pelo que, podemos concluir que este Serviço de Finanças não irá, pelo menos a breve trecho, diligenciar pela venda do imóvel, encontrando-se o processo sem qualquer impulso – cfr. Doc. 1 que se junta para todos os efeitos legais.
3. Ora, a inércia do Serviço de Finanças de Cascais – 2, quanto à venda do imóvel em apreço, é lesiva dos interesses do Exequente, pois a penhora da Fazenda Nacional mantém-se apenas como mera garantia do crédito fiscal, sem quaisquer outras consequências processuais, pois a venda, salvo melhor entendimento, não se irá realizar.
4. Como é unanimemente reconhecido pela Jurisprudência dos nossos Tribunais, a sustação só faz sentido quando a execução para a qual o Exequente é remetido, está em andamento e em termos normais, permitindo-lhe o reconhecimento do crédito e seu pagamento em tempo razoável.
5. Como demonstrado, tal não está nem vai suceder, o que implica inclusivamente uma negação da cobrança do crédito exequendo pela impossibilidade de satisfação do credor atingido pela sustação.
6. Aliás, poderemos estar perante a afronta ao direito de propriedade privada constitucionalmente garantido e a garantia do credor à satisfação do seu crédito (art.º 62, n.º 1 da CRP) tornando, pelo menos, desproporcionadamente mais difícil ou onerosa a satisfação do direito do Exequente (com violação do art.º 18º da CRP).
7. Assim, não se verifica o circunstancialismo do art.º 794.º, n.º 1 do CPC (pendência de duas ou mais execuções dinâmicas sobre o mesmo bem), pelo que tem o Exequente direito a requerer o prosseguimento da presente execução, o que desde já se requer, citando-se os credores, designadamente a Autoridade Tributária, para, querendo, vir reclamar os seus créditos, assim se assegurando que o credor não é prejudicado com o prosseguimento dos autos, apesar das penhoras anteriores registadas a seu favor.
8. Tendo em conta que a Autoridade Tributária sempre será citada para reclamar créditos, os seus direitos não serão prejudicados com o prosseguimento dos autos.
9. Assim, em face do exposto, requer-se a V. Exa. se digne autorizar o prosseguimento dos autos para venda do imóvel penhorado.
Com o requerimento em referência, foi apresentado um documento, identificado como doc. n.º1, referente a uma resposta do Serviço de Finanças de Cascais -2 (Carcavelos) a pedido de informação solicitado pelo AE nomeado na execução, CC, onde se refere, por referência ao processo n.º …943, que:
1 – O aludido processo não se encontra extinto e a venda do bem penhorado não ocorreu;
2 – A venda judicial do bem penhorado não se encontra marcada, nem existe previsão para a mesma, estando o processo executivo em análise, e se a venda for marcada, da mesma serão citados os credores.
3 – No processo executivo principal n.º …943 e apensos que fazem parte da ordem de penhora, em que é executado o contribuinte AA, encontra-se em dívida o valor total de € 1 981,85.
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A 04-06-2025, foi proferida decisão com os seguintes termos:
“Requerimento antecedente: Não existe motivo para não aplicar a regra do artigo 794º do CPC; desconhecendo-se em absoluto a tramitação da execução fiscal (ou o motivo para a alegada não realização da venda), se a exequente se considera prejudicada deverá instaurar a devida acção contra o Estado.
Certo é que não compete ao Tribunal inventar regras processuais – motivo por que se indefere o requerido.
Notifique.”
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Por requerimento junto a 03-09-2025, a exequente interpôs recurso da decisão referida, apresentando as seguintes conclusões, que se transcrevem:
1. O presente recurso vem interposto do despacho que indeferiu o prosseguimento dos presentes autos e o levantamento da sustação da execução, com vista à venda do imóvel penhorado, por existir penhora anterior registada da Fazenda Nacional, fazendo, na ótica do Recorrente, uma incorreta aplicação e interpretação do artigo 794.º do Código de Processo Civil.
2. Nos presentes autos, que correspondem a uma execução por dívida com garantia hipotecária, emergente de um contrato de mútuo, foi penhorado o imóvel hipotecado a favor do aqui Recorrente, sendo tal imóvel a habitação permanente dos executados, conforme resulta, de resto, do contrato de mútuo dado à execução, bem como da caderneta predial do imóvel.
3. Tal imóvel encontrava-se já penhorado à ordem da Fazenda Nacional, razão pela qual o Recorrente reclamou créditos na correspondente execução fiscal e a execução aqui em causa foi sustada nos termos do artigo 794.º, n.º 1 do CPC.
4. Previamente à sustação da execução, o Sr. Agente de Execução enviou e-mail ao Serviço de Finanças respetivo, tendo obtido, em suma, a seguinte resposta:
“1 – Não ocorreu a venda do bem e o PEF não se encontra extinto.”
2 - A venda judicial ainda não se encontra marcada, nem existe previsão para a mesma, uma vez que o processo executivo se encontra em análise. Se a venda vier a ser marcada, da mesma serão citados os credores.
3 - O processo executivo principal nº …943 e apensos que fazem parte da ordem de penhora nº …685, em que é executado o contribuinte AA, NIF ........., encontram-se em dívida pelo valor total de €1.981,85.”
5. A penhora da Fazenda Nacional data do ano de 2016, pelo que, podemos concluir que este Serviço de Finanças não irá diligenciar pela venda do imóvel, encontrando-se o processo sem qualquer impulso.
6. Ademais, a inércia do Serviço de Finanças de Cascais – 2, quanto à venda do imóvel em apreço, é lesiva dos interesses do Exequente, pois a penhora da Fazenda Nacional mantém-se apenas como mera garantia do crédito fiscal, sem quaisquer outras consequências processuais, pois a venda, salvo melhor entendimento, não se irá realizar.
7. Da documentação junta aos autos, resulta que o prédio penhorado constitui habitação própria permanente do Executado, para efeitos do n.º 2 do art.º 244.º do CPPT, no entanto, o Serviço de Finanças ainda não apurou tal informação “uma vez que o processo executivo se encontra em análise”.
8. Ou seja, o processo fiscal encontra-se em análise desde o ano de 2016!
9. Como é unanimemente reconhecido pela Jurisprudência dos nossos Tribunais, a sustação só faz sentido quando a execução para a qual o Exequente é remetido, está em andamento e em termos normais, permitindo-lhe o reconhecimento do crédito e seu pagamento em tempo razoável.
10. Tal não está nem vai suceder, o que implica inclusivamente uma negação da cobrança do crédito exequendo pela impossibilidade de satisfação do credor atingido pela sustação.
11. Perante o atrás exposto, o ora Recorrente, requereu que o Tribunal, face à total inércia do Serviço de Finanças, levantasse a sustação e ordenasse o prosseguimento da execução, por não se verificar o circunstancialismo do artigo 794.º, n.º 1, do CPC (pendência de duas ou mais execuções dinâmicas sobre o mesmo bem).
12. Argumentando ainda que, tendo em conta que a Autoridade Tributária será sempre citada para reclamar créditos, os direitos desta não são prejudicados pelo prosseguimento da execução.
13. Não se concorda com esta base de sustentação defendida no despacho proferido, pois o Recorrente encontra-se numa situação de impasse, não podendo obter nem pela via dos
presentes autos, nem pela via dos autos em que reclamou créditos, o pagamento da dívida
hipotecária.
14. Pela resposta remetida pelo Serviço de Finanças, não existe qualquer intenção de agendar a venda, até porque, o imóvel penhorado corresponde à habitação própria e permanente dos Executados, sendo que a Lei em vigor estabelece um impedimento legal à venda dos imóveis que se encontrem nesta circunstância.
15. Refira-se novamente, que o processo de execução fiscal está em análise desde 2016.
16. Salvo melhor opinião, se o Tribunal tinha dúvidas acerca da situação de suspensão da execução quanto ao imóvel, deveria ter, em nome do princípio da cooperação e à semelhança do que vem sendo levado a cabo noutros Tribunais, oficiado o Serviço de Finanças para virem dizer se as diligências de venda estavam suspensas quanto ao imóvel em causa ou não. Não podia era simplesmente atender à letra da lei, o que, como já se viu, gera uma situação de impasse para o Recorrente que se vê impedido de satisfazer o seu crédito.
17. Na verdade, esta lei aniquila a vantagem que a hipoteca pretende conceder ao credor
hipotecário.
18. O Credor Reclamante está impedido de prosseguir com a execução fiscal, pois, nos termos do artigo 265.º do CPPT, o apenso de verificação e graduação de créditos só prosseguirá se houver venda dos bens penhorados.
19. Assim, não sendo ordenada a venda do imóvel sobre o qual o Recorrente/Exequente tem hipoteca, o mesmo não pode obter a cobrança coerciva dos seus créditos, o que significa, na prática, uma clara denegação de Justiça, insustentável num Estado de Direito.
20. De acordo com o artigo 794.º do CPC, sustada a execução por existência de penhora anterior, o Exequente deve reclamar os seus créditos na execução à ordem da qual está registada a penhora mais antiga.
21. Contrariamente ao Código de Processo Civil, o Código de Procedimento e de Processo Tributário no seu artigo 218.º estabelece que “podem ser penhorados pelo órgão de execução fiscal os bens apreendidos por qualquer tribunal, não sendo a execução, por esse motivo, sustada nem apensada”; esta norma tem origem no artigo 300.º do anterior Código de Processo Tributário que estabelecia a impenhorabilidade dos bens penhorados em execução fiscal (“penhorados quaisquer bens pelas repartições de finanças, não poderão os mesmos bens ser apreendidos, penhorados ou requisitados por quaisquer tribunais”), que acabou por vir a ser julgado inconstitucional com força obrigatória geral, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 451/95, de 3 de Agosto.
22. Daí que muitos tribunais tenham, nessa altura, feito letra morta do antigo artigo 871.º do CPC (atual artigo 794.º) e ordenassem o prosseguimento dos autos, apesar da existência de penhora anterior.
23. Analisando o artigo 218.º do atual Código de Procedimento e Processo Tributário, vemos que, em termos práticos, apesar de o Recorrente/Exequente poder reclamar o seu crédito na execução fiscal, a verdade é que o seu direito enquanto credor está praticamente anulado.
24. É que, mesmo reclamando o seu crédito, se a execução fiscal se mantiver parada ou suspensa o Estado mantém a sua garantia, sem que o credor (que até tem hipoteca) possa, de algum modo, impulsionar o andamento daquela mesma execução.
25. Fica, assim, perante uma situação de impasse, pois o Código de Procedimento e Processo Tributário não prevê a possibilidade de a execução prosseguir por impulso do Reclamante em situação deste tipo.
26. E nem se diga que, não existindo previsão legal, se aplicariam subsidiariamente as regras do Código de Processo Civil, porquanto, não estando prevista na lei tributária a possibilidade de prosseguimento a requerimento de um qualquer Credor Reclamante, nunca as Finanças irão prosseguir com a execução fiscal.
27. Estando os referidos autos de execução fiscal em análise desde 2016, ou seja, suspensos, não se verifica, neste caso concreto, o circunstancialismo do artigo 794.º, n.º 1, do CPC - pendência de duas ou mais execuções dinâmicas sobre o mesmo bem.
28. E, se os presentes autos prosseguirem, é citada a Fazenda Nacional, como credor e como titular inscrito de um ónus registado sobre o imóvel em questão, para reclamar os seus créditos.
29. A ratio legis deste artigo 794.° do CPC, está na necessidade de evitar que sobre o mesmo bem recaiam duas vendas ou adjudicações, pretendendo-se que a liquidação seja uma só, por razões de certeza jurídica e de proteção do credor exequente e do executado.
30. Para que este preceito tenha efeito útil, a primeira execução deve estar em movimento; no caso de a execução à ordem da qual foi registada a primeira penhora ficar “parada” por qualquer razão, deve a “segunda” execução prosseguir.
31. Neste sentido, a título de exemplo, veja-se o Acórdão da Relação de Coimbra, de 09/01/2024 (processo n.º 1883/16.8T8CTB-B.C1), da Relação de Lisboa, de 26/05/2025
(processo n.º 7765/18.1T8LRS-A.L1-7), disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
32. Pelo exposto, impunha-se que a presente execução prosseguisse os seus termos, relativamente ao imóvel penhorado, porquanto não se justifica a sustação da execução no caso concreto.
33. Quando não se atende ao caso em concreto surgem situações de denegação da justiça - o que aqui se verifica: a não se admitir o prosseguimento da execução nestes casos, em
que há um impedimento legal à venda do imóvel nas execuções fiscais, são postos em crise os princípios constitucionais da proporcionalidade e da garantia do direito à propriedade privada, previstos nos artigos 18.º, n.º 2 e 62.º, n.º 1 da Constituição, isto na medida em que o Recorrente fica sujeito a uma intolerável compressão do exercício dos seus direitos, nomeadamente do direito à satisfação do seu crédito, indelevelmente ligado ao direito à propriedade privada, sendo que, por outro lado, sempre ficaria sujeito às vicissitudes próprias da suspensão da execução fiscal, determinada pelo impedimento legal à venda do imóvel, sem que, quanto a essas, tenha a possibilidade de, por via dos competentes mecanismos legais, promover ou requerer o prosseguimento.
No termo da peça processual em referência, defende-se a revogação da decisão recorrida.
*
Não foi apresentada resposta.
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A 15-09-2025, o recurso foi admitido, com subida em separado e com meramente devolutivo, o que não foi alterado por este Tribunal.
*
II.
1.
As conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo da ampliação deste a requerimento do recorrido (arts. 635º, n.º4, 636º e 639º, n.º1 e 2, do CPC). Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas, salvo se forem do conhecimento oficioso (art. 608º, n.º2, parte final, ex vi do art. 663º, n.º2, parte final, ambos do CPC).
Também não é possível conhecer de questões novas – isto é, de questões que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida –, uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação.
Tendo isto presente, no caso, atendendo às conclusões transcritas, a intervenção deste Tribunal é circunscrita à seguinte questão:
- Saber se ocorre erro na decisão recorrida ao indeferir o pedido de levantamento da suspensão do processo e de retomada da sua tramitação tendo em vista a venda do imóvel penhorado.
*
2.
- Recurso da decisão proferida a 04-12-2023.
A factualidade a ponderar na presente decisão é a que resulta da marcha do processo, acima descrita, que aqui se dá por reproduzida.
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3.
Apreciando a questão acima identificada.
No caso em apreço, por força de penhora anterior realizada no âmbito de processo de execução fiscal, promovida pela Fazenda Nacional, tendo por objecto o imóvel penhorado nos presentes autos, o Agente de Execução, por decisão de 08-04-2025, sustou a execução, com fundamento no art. 794º, n.º1, do CPC.
Por requerimento junto a 07-05-2025, a exequente requereu o prosseguimento da presente execução, tendo em vista a venda do imóvel penhorado.
Para sustento do pretendido, a exequente invoca, por um lado, que só se verifica utilidade no regime do citado artigo 794.º, n.º 1, se ambas as execuções se encontram a correr termos, pois só assim é que o exequente/reclamante pode obter o pagamento dos seus créditos por via executiva e, por outro lado, que encontrando-se a execução fiscal “parada” (designadamente, por o bem penhorado constituir a residência dos executados), está a Autoridade Tributária impedida de promover a venda, nesse processo, de tal bem, e a exequente de ver satisfeito o seu crédito em tal processo.
O Tribunal recorrido, apreciando tal pretensão, indeferiu-a por se entender que não ocorria motivo para afastar a norma contida no art. 794º, n.º1, do CPC, e desconhecer-se a tramitação do processo de execução fiscal onde a penhora anterior à dos presentes autos foi realizada e registada.
A exequente, no recurso, manifesta discordância de tal decisão.
O art. 794.º do CPC – com a epígrafe “Pluralidade de execuções sobre os mesmos bens” –, dispõe que:
“1- Pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respetivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga.
2 – Se o exequente ainda não tiver sido citado no processo em que a penhora seja mais antiga, pode reclamar o seu crédito no prazo de 15 dias a contar da notificação de sustação; a reclamação suspende os efeitos da graduação de créditos já fixada e, se for atendida, provoca nova sentença de graduação, na qual se inclui o crédito do reclamante.
3 – Na execução sustada, pode o exequente desistir da penhora relativa aos bens apreendidos no outro processo e indicar outros em sua substituição.
4 – A sustação integral determina a extinção da execução, sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 850.º”.
Importa reter que, com o regime constante do art. 794.º do CPC, se pretende evitar que os mesmos bens do executado possam ser vendidos em processos executivos distintos, gerando interesses conflituantes e insegurança jurídica, garantindo-se, desta forma, a realização de uma única venda ou adjudicação, “a ser efectuada no processo onde os bens foram penhorados em primeiro lugar” (Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, 4.ª ed., Almedina, p. 534; no mesmo sentido, vejam-se: Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, CPC Anotado, vol. II, 2ª edição, Almedina, p. 211; acórdãos do STJ de 02-06-2021, processo n.º 5729/19.7T8LRS-A.L1.S1, acessível em jurisprudencia.csm.org.pt/ecli, do TRG de 12-04-2018, processo n.º 65/14.8T8VLN-D.G1, do TRE de 24-09-2020, processo n.º 3165/19.4T8STB-B.E1, e do TRC de 05-04-2025, processo n.º 154/05, acessíveis em dgsi.pt).
A sustação da execução é feita mediante informação enviada ao processo pelo agente de execução, nos 10 dias subsequentes à realização da penhora posterior ou do conhecimento da penhora anterior (cf. artigo 720.º, n.º 7, do CPC).
Notificado da sustação, o exequente optará entre a manutenção da penhora relativamente ao bem apreendido noutro processo ou desistirá de tal penhora. Na primeira hipótese, o exequente tem o ónus de reclamar o seu crédito no processo cuja penhora tenha prioridade, no prazo de dez dias a contar da notificação da sustação (cfr. artigos 794.º, n.º 2, 788.º, n.º 3 e 240.º, n.º 4, do CPPT).
Do art. 794º, n.º 3, do CPC, resulta que o exequente ou mantém a penhora no bem que já foi penhorado no outro processo, ficando a sua execução sustada e reclamando no processo em que foi efectuada a penhora em primeiro lugar o seu crédito, ou desiste da penhora relativamente ao bem penhorado no outro processo e indica outros bens em sua substituição.
A exequente alega que, não obstante o referido, a Jurisprudência tem vindo a entender, na situação em referência, que a sustação da execução apenas se deve manter quando os autos onde a penhora registada em momento anterior ocorreu prossigam, com a realização das diligências tendentes à venda do imóvel, devendo proceder-se à citação das Finanças para reclamar créditos.
Para a apreciação da alegação acabada de mencionar, cumpre referir que, a 23-05-2016, foi publicada a Lei n.º 13/2016, cujo objeto é definido no seu art.1º nos seguintes termos:
“A presente lei protege a casa de morada de família no âmbito de processos de execução fiscal, estabelecendo restrições à venda executiva de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado.”
A Lei mencionada alterou, além o mais, o Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), cujos artigos 219.º e 244.º passaram a ter a seguinte redação:
“Artigo 219.º (Bens prioritariamente a penhorar)
1 - Sem prejuízo do disposto nos n.º 4 e 5, a penhora começa pelos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostre adequado ao montante do crédito do exequente.
2 - Tratando-se de dívida com privilégio, e na falta de bens a que se refere o número anterior, a penhora começa pelos bens a que este respeitar, se ainda pertencerem ao executado e sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 157.º.
3 - (Revogado.)
4 - Caso a dívida tenha garantia real onerando bens do devedor por estes começará a penhora que só prosseguirá noutros bens quando se reconheça a insuficiência dos primeiros para conseguir os fins da execução.
5 - A penhora sobre o bem imóvel com finalidade de habitação própria e permanente está sujeita às condições previstas no artigo 244.º.
6 - Quando exista plano de pagamento em prestações devidamente autorizado, e a execução fiscal deva prosseguir os seus termos normais, pode a penhora iniciar-se por bens distintos daqueles cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização, quando indicados pelo executado e desde que o pagamento em prestações se encontre a ser pontualmente cumprido.
Artigo 244.º (Realização da venda)
1 - A venda realiza-se após o termo do prazo de reclamação de créditos.
2 - Não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efectivamente afecto a esse fim.
3 - O disposto no número anterior não é aplicável aos imóveis cujo valor tributável se enquadre, no momento da penhora, na taxa máxima prevista para a aquisição de prédio urbano ou de fração autónoma de prédio urbano destinado exclusivamente a habitação própria e permanente, em sede de imposto sobre as transmissões onerosas de imóveis.
4 - Nos casos previstos no número anterior, a venda só pode ocorrer um ano após o termo do prazo de pagamento voluntário da dívida mais antiga.
5 - A penhora do bem imóvel referido no n.º 2 não releva para efeitos do disposto no artigo 217.º, enquanto se mantiver o impedimento à realização da venda previsto no número anterior, e não impede a prossecução da penhora e venda dos demais bens do executado.
6 - O impedimento legal à realização da venda de imóvel afecto a habitação própria e permanente previsto no n.º 2 pode cessar a qualquer momento, a requerimento do executado.”.
Considerando o normativo acima enunciado, pode-se afirmar que, após a entrada em vigor da Lei n.º 13/2016, de 26 de Maio, por força do disposto no art. 244º, n.º2, do CPPT, passou a ficar impossibilitada a venda, a impulso da Autoridade Tributária, dos imóveis destinados exclusivamente a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar, com a excepção prevista no nº 3 do mesmo artigo.
Porém, a impossibilidade referida diz respeito, apenas, à venda a impulso da Administração Fiscal e destinada ao pagamento coercivo de dívidas fiscais do devedor (cf., a propósito, o acórdão desta Relação de 15-09-2022, processo n.º 4628/14.0T2SNT-D.L1-2, acessível em dgsi.pt). Tal impossibilidade de venda não se aplica às dívidas do devedor de outra natureza.
Por outro lado, ainda que não seja possível a venda do imóvel do devedor por impulso da Autoridade Tributária, a penhora efectuada no âmbito da execução fiscal mantém-se, pois o CPPT não prevê, para tal situação (proibição de venda do bem para pagamento coercivo de dívidas fiscais), o seu levantamento ou a suspensão da execução fiscal.
Como se refere no acórdão desta Relação de 22-06-2023, processo n.º 6038/15.6T8OER.L1 (acessível em dgsi.pt), a questão que se coloca, atendendo à situação dos autos e ao regime mencionado, é “a de saber em que execução o credor que viu a execução civil por si proposta sustada, nos termos do artigo 794.º do CPC, devido à existência de penhora anterior do prédio em execução fiscal poderá obter a venda? Se na execução civil ou comum? Ou se, na execução fiscal?”
Como se refere no aresto aludido (que aqui se segue de perto), a questão não tem merecido uniformidade nas decisões dos nossos tribunais superiores, podendo dizer-se que há duas posições contrárias, a este propósito:
- Uma, que defende que o artigo 244.º, n.º 2, do CPPT, deve ser interpretado restritivamente, considerando que a impossibilidade legal da venda do imóvel penhorado só ocorre nos casos em que a Autoridade Tributária seja o único interveniente no processo fiscal, nada obstando a que se proceda à venda na execução fiscal por impulso do credor comum (cf. os acórdãos mencionados no aresto acima aludido);
- Outra, maioritária, que considera que o credor reclamante não pode prosseguir com a execução fiscal sustada, por estar legalmente impedido no âmbito desse processo, pelo artigo 244.º, n.º 2, do CPPT de, designadamente requerer a prossecução desta para a realização da venda, devendo prosseguir a execução comum, com a citação da Fazenda Nacional para reclamar os seus créditos (cf., além dos acórdãos mencionados no aresto acima aludido, os acórdãos do TRC de 25-10-2024, processo n.º 137/11.0TBVZL-B.C1, TRP de 10-09-2024, processo n.º 693/08.0TBILH-A.P1, desta Relação de 26-05-2025, processo n.º 7765/18.1T8LRS-A.L1-7, acessíveis em dgsi.pt. No mesmo sentido, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2ª edição, Almedina, 2024, p. 213).
Na esteira do aludido acórdão desta Relação de 22-06-2023, processo n.º 6038/15.6T8OER.L1, entende-se que a segunda posição referida é a que “melhor corresponde à conjugação interpretativa dos aludidos preceitos legais, à sua ratio e à dos regimes jurídicos que, na matéria, disciplinam o processo civil e o processo tributário.
De facto, considerando a previsão do mencionado artigo 244.º, n.º 2, do CPPT, afigura-se que o legislador visou impedir a venda de imóvel que constitua casa de morada de família do executado “…no âmbito de processos de execução fiscal” (conforme decorre do preâmbulo da Lei n.º 13/2016, de 26 de maio).
Tal impedimento de venda “não é meramente subjectivo, porque não é estabelecido em função do exequente (a Autoridade Tributária), mas, antes, um impedimento objectivo processual, estabelecido em função do processo: não pode ter lugar a venda de imóvel que seja casa de morada de família no âmbito de processo de execução fiscal, salvo no caso de o próprio executado/penhorado requerer a cessação do impedimento da venda na execução fiscal (artº 244º nº 6 do CPPT) ou se o valor tributável do imóvel se enquadrar na “taxa máxima prevista para aquisição de prédio urbano ou fracção de prédio urbano destinado exclusivamente a habitação própria permanente em sede de imposto sobre transmissões onerosas de imóveis.” (artº 244º nº 3 do CPPT) (…)
Assim, o credor cível que tenha ido reclamar créditos no âmbito da execução fiscal, não pode requerer nessa execução fiscal, a venda do imóvel penhorado que seja casa de morada de família, sendo certo que, inexiste no Processo de Execução Fiscal norma semelhante ao artº 850º nº 2 do CPC” (…). A única situação em que no processo de execução fiscal se admite que a execução fiscal prossiga por iniciativa de credor particular é o caso de sub-rogação, isto é, quando terceiro paga a dívida exequenda (cfr. art.º 92.º n.º 2 do CPPT), a qual não se verifica na situação em apreço.
Ressalvado o aludido caso da sub-rogação, a tramitação no processo de execução fiscal deve ser promovida pelo órgão da execução fiscal durante a “fase administrativa” (artigos 10.º n.º 1, al. f) e 152.º n.º 1 do CPPT) e pelo representante da Fazenda Pública na “fase judicial” (art.º 15.º n.º 1 al. a) e n.º 2, do CPPT).
Se o executado pagar voluntariamente a dívida fiscal exequenda, a execução extingue-se, só prosseguindo para satisfação dos interesses dos credores reclamantes no caso de o pagamento ter ocorrido após a venda do bem penhorado (artigos 264.º n.º 1 e 265.º n.º 3 do CPPT).
Ora, conforme se sublinhou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-10-2020 (Pº 5729/19.7T8LRS-A.L1-2, rel. JORGE LEAL): “se o credor comum considerar, como a nós nos parece, que não tem jus à prossecução da execução fiscal nos termos já acima referidos, não faz sentido compeli-lo a reivindicá-la perante o órgão de execução fiscal e, depois, perante a autoridade jurisdicional (da 1.ª instância e, eventualmente, depois em sede de recurso para o TCA competente e/ou para o STA)”.
Ou seja, conforme se referiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-10-2022 (Pº 639/21.0T8SRE-A.C1.S1, rel. VIEIRA E CUNHA), “não faz sentido aplicar a previsão do art.º 794.º n.º1 do CPCiv a uma execução anterior que não pode prosseguir. Tanto como é desrazoável ter que afirmar que o credor comum, numa simples situação de potencial concorrência de execuções, não encontra protecção na legislação ordinária, havendo que recorrer à norma constitucional.
A verdade é que execução pendente, para efeitos do disposto no art.º 794.º n.º1 do CPCiv, é aquela que se encontra em movimento, isto é, a correr os seus termos normais.
Execução pendente opõe-se a execução simplesmente parada, que não chegou ao seu fim normal de pagamento da quantia exequenda, nem se perspectiva que o possa ser, na vigência da lei que lhe é aplicável – designadamente, a execução fiscal parada, por impossibilidade de venda do bem, enquanto habitação própria e permanente do devedor”.
Considerando o referido, entende-se que a prossecução da execução cível, suspensa por força do art. 794º, n.º 1, do CPC, para concretização da venda do bem também nela penhorado, demanda que se esteja perante uma situação de “paralisação” da execução fiscal, que legitime o levantamento da sustação anteriormente decidida.
Nessa perspectiva, o Tribunal deverá averiguar, junto do processo executivo fiscal, os pressupostos de facto que poderão determinar o levantamento da sustação da execução determinada no fundamento no art. 794.º, n.º 1, do CPC.
A averiguação mencionada abrange, por um lado, saber se o imóvel penhorado está destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado família (cf. art. 244.º, nº 2, do CPPT, na redacção dada pela Lei n.º 13/2016, de 26 de Maio) e se não se trata de imóvel cujo valor tributável se enquadre, no momento da penhora, na taxa máxima prevista para a aquisição de prédio urbano ou de fração autónoma de prédio urbano destinado exclusivamente a habitação própria e permanente, em sede de imposto sobre as transmissões onerosas de imóveis” (cf. artigo 244.º, n.º 3, do CPPT, pois se for esta a situação, a impossibilidade de realização de venda do imóvel prevista no n.º 2 do art.º 244º do CPPT não se aplica) e, por outro lado, aferir se a penhora efectuada no processo de execução fiscal se vai manter e o bem penhorado aí vai ser vendido.
Compulsados os autos, deles não se evidencia a realização de qualquer diligência no sentido de se apurar em que estado se encontra, presentemente, a execução fiscal, sendo que a decisão recorrida assume o seu desconhecimento.
Por outro lado, o documento junto pela exequente com o requerimento de 07-05-2025, que a mesma invoca, afigura-se-nos insuficiente para evidenciar a ocorrência de uma situação que justifique o levantamento da sustação da execução, nos termos do regime acima enunciado,
Na verdade, o aludido documento é omisso em relação à causa da pendência do processo executivo desde, pelo menos, a data da penhora nele realizada, 27-10-2016, designadamente, se a mesma se reconduz ao circunstancialismo previsto no art. 244º, n.º2, do CPPT (o imóvel penhorado estar destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado família) e se o imóvel penhorado aí vai ser vendido.
Apenas depois da informação referida passar a constar dos autos é que poderá ser decidido o peticionado pela exequente / recorrente, seja no sentido do prosseguimento dos mesmo, seja no sentido do seu indeferimento.
Cabe ao Tribunal, ao abrigo do dever de gestão processual, consagrado no art. 6º, nº 1, do CPC, averiguar se o imóvel em causa se mantém penhorado no âmbito da execução fiscal, se assim se vai manter, se vai ou não ser vendido nesses autos e se se pretende que os credores venham a ser pagos com o produto dessa venda.
Se a informação aludida não for prestada aos autos, caberá à parte interessada diligenciar junto da exequente fiscal, mantendo-se os autos suspensos até que algo se demonstre que pode fazer cessar a mesma suspensão (cf., no mesmo sentido, acórdão do TRL de 22-06-2023, processo n.º 6038/15.6T8OER.L1, acima mencionado).
Face ao exposto, entende-se que a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que, sem prejuízo de informação que possa entretanto advir aos presentes autos, que determine que se averigue junto do processo de execução fiscal n.º …943 – Serviço de Finanças de Cascais - 2, se a penhora aí efetuada se mantém e se, mantendo-se, o bem vai ser vendido (com indicação da sua finalidade e valor), para depois, consoante o que se apurar, se decidir o requerido pela exequente / recorrente a 07-05-2025, quanto à manutenção ou não da suspensão da execução, nos termos do artigo 794.º, n.º 1, do CPC.
Responde-se, assim, positivamente à questão acima enunciada.
Conclui-se, face ao exposto, pela procedência do recurso.
*
4.
Entende-se que não há lugar ao pagamento de custas, posto que nenhuma das partes teve decaimento no recurso nem dele obteve proveito (critérios que regem a responsabilidade pelo pagamento das custas, atento o disposto no art. 527º, n.º1 e 2, do CPC), atento o decidido.
*
III.
Em face do exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o Colectivo desta 2ª Secção em julgar o recurso procedente e, em consequência:
a. Revogam a decisão recorrida, proferida a 04-06-2025;
b. Em substituição da decisão recorrida, determinam que, sem prejuízo de outra informação que possa entretanto advir aos presentes autos, o Tribunal Recorrido averigue junto do processo de execução fiscal n.º …943 – Serviço de Finanças de Cascais - 2, se a penhora aí efetuada se mantém e se, mantendo-se, o bem vai ser vendido (com indicação da sua finalidade e valor), para depois, consoante o que se apurar, se decidir o requerido pela exequente / recorrente a 07-05-2025, quanto à manutenção ou não da suspensão da execução, nos termos do artigo 794.º, n.º 1, do CPC.
Sem custas.
Notifique.
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Lisboa, 20 de Novembro de 2025.
Fernando Caetano Besteiro
Rute Sobral
António Moreira