Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
| ||
| Relator: | INÊS MOURA | ||
| Descritores: | CONCORRÊNCIA DESLEAL SEGREDO INDUSTRIAL INFORMAÇÃO SECRETA INDEMNIZAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 11/20/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
| Sumário: | Sumário: (art.º 663.º n.º 7 do CPC) 1. Ao dar-nos a noção de concorrência desleal, o legislador opta, por um lado, por um conceito genérico, ao estabelecer corpo do n.º 1 do art.º 311.º do CPI que o ato de concorrência desleal é aquele que é contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de atividade económica e, por outro lado, vem nas suas diversas alíneas concretizar os comportamentos suscetíveis de serem assim qualificados. 2. Para que possa falar-se de concorrência desleal é necessário que as empresas se apresentem como concorrentes uma da outra, atuando no âmbito do mesmo ramo de atividade económica qualquer que ela seja, pois só assim pode verificar-se o desvio ou potencial desvio de clientela, determinada por um comportamento de um sujeito ou entidade, que se apresenta como desleal, por contrário às normas ou usos honestos da atividade desenvolvida pelas empresas concorrentes. 3. As informações e elementos a que o R. teve acesso enquanto exerceu funções na A. e de que os RR. se apropriaram e utilizaram mais tarde, no essencial a lista de clientes e potenciais clientes da A., bem como os seus contactos e minutas ou templates, estratégias comerciais e scrolls de apresentação das propostas aos clientes, não podem qualificar-se de informação secreta abrangida pelo conceito de segredo industrial previsto nos art.º 313.º e 314.º do CPI, faltando-lhes a particularidade e individualidade específica, suscetível de os tornar objeto daquela tutela da propriedade industrial ou dos direitos de autor. 4. Tratando-se de informação e elementos muito relevantes para a A., nos quais a mesma centra o exercício da sua atividade de consultoria, naturalmente facilitadores do trabalho para quem inicia uma nova empresa no mesmo ramo e com possível impacto na angariação de clientela futura, a sua apropriação por parte dos RR. enquanto empresa concorrente, pode ser qualificada de ato de concorrência desleal, nos termos previstos no art.º 311.º n.º 1 do CPI, por contrária aos usos honestos que devem estar subjacentes ao exercício deste ramo da atividade económica. 5. A conduta dos RR. pode ser qualificada de má fé, desleal e desonesta, ainda que os mesmos possam não ter tido em primeira linha a vontade, direta e deliberada de desorganizar e prejudicar a A., podendo ser a sua primeira intenção obter benefícios próprios, uma vez que não podiam deixar de saber o impacto negativo que a sua conduta poderia vir a ter na A., concretamente quanto ao resultado possível de desvio de clientela que manifestamente procuraram operar em seu benefício. 6. Não obstante estar em causa a prática pelos RR. de atos de concorrência desleal, por contrários às normas e usos honestos da atividade económica, na previsão do art.º 311.º do CPI e não propriamente a violação de direitos da propriedade industrial, designadamente a proteção de segredos comerciais contemplada nos art.º 313.º e 314.º do CPI, pode recorrer-se ao art.º 347.º do CPI para se fixar a indemnização devida por perdas e danos. 7. A regulamentação do art.º 347.º do CPI não representa um regime mais favorável para o lesado do que o regime geral da obrigação de indemnizar, apenas aponta para elementos ou critérios específicos que podem/devem ser tidos em conta na determinação do quantum indemnizatório, não dispensando o lesado de fazer prova da existência efetiva dos danos que sofreu, em consequência da conduta do infrator, enquanto requisito constitutivo da obrigação de indemnizar. 8. Não logrando a A. provar que tenha existido desvio de clientela de si para os RR., seja através de clientes que perdeu e que passaram a ser clientes da R., seja com potenciais clientes que tinha identificados nos seus arquivos, que tenham sido angariados pelos RR. e com um alto grau de probabilidade ela angariaria se assim não fosse, não se apurando ainda qualquer quebra de faturação após condutas desleais identificadas, não temos apurados danos patrimoniais suscetíveis de ser indemnizados. 9. Não revelando os factos provados a existência de perdas e danos para a A., suscetíveis de ser indemnizados nos termos gerais ou na previsão do art.º 347.º n.º 1 a 5 do CPI, não há que fixar uma indemnização de acordo com a equidade, pois esta não prescinde da prova da existência do danos, apenas a ela havendo de recorrer quando ao tribunal não seja possível fixar-se o valor exato dos danos, de acordo com os critérios legais. 10. A quantia de € 3.075,00 que a A. pagou pela realização de uma auditoria com vista ao apuramento do âmbito e contornos da intervenção do R. no seu sistema informático, cujos resultados confirmaram a deslealdade da mesma, deve ser ressarcida pelos RR. nos termos do art.º 347.º n.º 7 do CPI, tratando-se de uma despesa que não fora o comportamento ilícito dos RR. a mesma não teria tido necessidade de fazer, tratando-se de um custo suportado com a investigação da conduta lesiva. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa I. Relatório Vem a VOLTARION- Unipessoal, Ld.ª, intentar a presente ação declarativa com forma de processo comum, contra DD e ENGINWYSE, Ld.ª pedindo a condenação dos Réus nos seguintes termos: “- Cessar definitivamente a utilização ou divulgação de qualquer informação comercial, know-how e informação reservada pertencente à Autora, designadamente, listas de potenciais clientes; listas de potenciais clientes em processo de angariação; lista de clientes; atas de reuniões com clientes e potenciais clientes; estratégias comerciais de abordagem a clientes; histórico datado de contactos, modelos (templates) de correspondência e de contratos; estratégias de abordagem (point of views); ilustrativos de abordagens; case studies; contratos celebrados entre a Autora e terceiros (colaboradores, clientes e fornecedores); propostas a enviar e enviadas a clientes; relatórios internos; roll-ups (rolos de papel) (ou scrolls) de apresentação e de definição de estratégia para cada cliente e/ou histórico de projetos passados e Papers, - Cessar definitivamente quaisquer condutas desleais no que diz respeito ao acesso, utilização, por qualquer meio, de qualquer informação comercial, know-how e informação reservada da Autora, nomeadamente, no que diz respeito ao material referido no pedido anterior; - Remoção, supressão ou eliminação de qualquer informação comercial, know-how e informação reservada da Autora, nomeadamente, no que diz respeito ao material referido nos pedidos anteriores; - Condenar a pagar à Autora a título de “lucro obtido pelo infrator e aos danos emergentes e lucros cessantes sofridos pela parte lesada lucros cessantes”, devendo “atender-se à importância da receita resultante da conduta ilícita do infrator” pelos encargos suportados com a proteção, a investigação e a cessação da conduta lesiva do seu direito, o montante de 103.381,00 €. - Condenar a pagar à Autora, a título de danos morais (ou não patrimoniais), o montante de 120.000,00 €. - De forma subsidiária, se a final o Tribunal entender que não é possível fixar o montante do prejuízo efetivamente sofrido, condenar a pagar a autora um montante com recurso à equidade, tal como previsto no n.º 5 do artigo 347.º do CPI. - Condenar cada um dos Réus a pagar à Autora uma sanção pecuniária compulsória, no valor de € 5000,00 (cinco mil euros) por cada dia, posterior ao trânsito em julgado da decisão da presente ação condenatória, em que não cumprir alguma das decisões das alíneas anteriores. - Publicar a sentença condenatória, a expensas dos Réus, em jornal diário de ampla divulgação nacional, removendo ou ocultando-se, todavia, qualquer informação comercial, know-how ou informação reservada, em concreto, pertencente à Autora.”. Alega, em síntese, para fundamentar os seus pedidos, que no âmbito da sua atividade de consultoria empresarial e tecnológica especializada que exerce, a A. conta com diversos colaboradores, tendo celebrado com o 1.º R. um contrato de prestação de serviços que vigorou de 1 de setembro de 2014 e de 30 de outubro de 2020, em regime de dedicação exclusiva, tendo este passado a assumir funções de elevada responsabilidade e confiança, com acesso a todos os dados, informação comercial, know how e informação reservada da A. Em 30.10.2010 as partes assinaram uma declaração de cessação de contrato de prestação de serviços. Acontece que antes da sua saída, o R. exportou toda os dados em bruto do “SalesForce” da A., juntando aos que já tinha do “OneDrive”; manipulou tarefas que não lhe pertenciam, que diziam respeito a leads que teriam todo o interesse para a sua nova empresa que seria, entretanto, criada; importa todos os dados que havia exportado para o seu sistema; contrata um colaborador da A. e tenta contratar outros; desenvolve e tem desenvolvido todo o seu negócio com base na informação comercial, know-how e informação reservada da A., nomeadamente, apresentando material da A., utilizando os seus templates, bem como a lista de clientes, provocando-lhe, com tal conduta desleal e incumpridora dos deveres acessórios contratualmente assumidos, prejuízos patrimoniais e não patrimoniais, cujo ressarcimento reclama. Procedeu-se à citação dos RR. que após requererem a prorrogação do prazo para o efeito vieram apresentar contestação, invocando a incompetência absoluta do Tribunal em razão da matéria, e sempre concluindo pela improcedência da ação e sua absolvição do pedido. Alegam, em suma, que o R. acedeu licitamente a toda a informação, ao serviço da A. e no exercício das funções contratadas, fez cópias autorizadas, atuando em conformidade com as práticas comerciais honestas, não tendo havido qualquer aproveitamento das informações da A., nem tendo feito uso de qualquer informação reservada, mais referindo que alguns dos materiais que a A. reclama como seus, são criação intelectual do R. Concluem dizendo que a A. não reclama de forma concretizada quaisquer danos que tenha sofrido em razão da sua conduta. Foi dada à A. a possibilidade de se pronunciar sobre a exceção invocada, tendo a mesma concluído no sentido da sua improcedência. Foi realizada audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador, onde se julgou improcedente a exceção de incompetência absoluta do Tribunal, mais se afirmando a regularidade da lide, tendo sido identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova. Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância do formalismo legal. Foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo os RR. dos pedidos contra ele formulados. É com esta sentença que a A. não se conforma e dela vem interpor recurso pedindo a sua revogação e substituição por outra que condene os RR. nos pedidos, apresentando para o efeito as seguintes conclusões, que se reproduzem: 1. O presente recurso tem por objeto a reapreciação da matéria factual, incluindo a prova gravada, bem como a matéria de Direito. 2. Com o presente recurso pretende-se demonstrar desde logo, que, relativamente à ora Recorrente, por um lado, não foi produzida prova donde se possa concluir a absolvição das Recorridas, mas sim o seu contrário, id est, a condenação da Recorrida pela violação de direitos de autor do Recorrente. 3. Os Factos provados n.ºs 46 e 67 da matéria de facto dada como provada na sentença, salvo o devido respeito, não refletem com rigor e isenção o que, na realidade, resultou provado do conjunto da prova produzida no processo sub judice. 4. Desde logo, quanto ao Facto provado n.º 46, face ao teor inequívoco do depoimento do Recorrido - prestado em audiência de julgamento e constante da gravação junta aos autos - e à prova documental (Docs. 16 a 18 da Petição Inicial), resulta clara a necessidade da sua reformulação. 5. Com efeito, ficou demonstrado que o Recorrido: (i) enviou mais de 100 cartas de apresentação após cessar funções na Recorrente, com base em contactos trabalhados pela Recorrente; (ii) utilizou materiais pertencentes à Recorrente, armazenados no repositório “OneDrive”; e, em particular, (iii) remeteu comunicações, entre outras, à empresa Recheio, cujos contactos se encontravam a ser explorados comercialmente pela Recorrente e que, conforme dado como provado, foi uma das entidades cujas tarefas foram alteradas pelo Recorrido nos sistemas informáticos da Recorrente, sem autorização e poucos dias antes da sua saída. 6. Estes elementos impõem uma reformulação da matéria de facto, nos termos do artigo 662.º, n.º 1 do CPC, devendo o facto provado n.º 46 ser reformulado com o seguinte teor: “O Réu, em nome da Ré, enviou cartas de apresentação com conteúdo idêntico/semelhante aos templates mantidos no sistema de repositório eletrónico ‘OneDrive’ da Autora para mais de 100 contactos que estavam nos sistemas informáticos da Autora [ora Recorrente], incluindo para a empresa Recheio, cujas tarefas de gestão foram alteradas pelo Réu [ora Recorrido], sem autorização da Autora.” 7. Relativamente ao facto provado n.º 67, importa salientar que o depoimento prestado pelo legal representante da Recorrente, AA, em sede de audiência de julgamento, demonstra de forma inequívoca que a apresentação do scroll da empresa Fresnillo, foi realizada com a autorização expressa da entidade que colaborou na sua elaboração e que é parceira da Recorrente. 8. Ao contrário da conduta imputada ao Recorrido, dada como provada nos factos n.ºs 42 a 44 - onde se refere a utilização não autorizada de materiais pertencentes à Recorrente, -, a atuação da Recorrente respeitou os princípios da lealdade concorrencial e ocorreu com o consentimento do legítimo titular da informação. 9. A interpretação do Tribunal a quo, ao omitir esse dado essencial, gera uma falsa equivalência entre comportamentos de natureza jurídica distinta, desvalorizando a gravidade do comportamento imputado ao Recorrido e afastando-se do conteúdo probatório produzido. 10. Com efeito, nos termos do artigo 662.º, n.º 1 do CPC, deve o facto provado n.º 67 ser reformulado pelo Tribunal ad quem, passando a ter a seguinte redação: “A Autora apresentou um scroll da ‘Fresnillo’, numa reunião com outra empresa (‘Almina’), tendo-o feito com a autorização da primeira.” 11. Outrossim, a decisão do tribunal a quo ao considerar não provados os factos a) e b) enferma de erro na apreciação da prova documental constante dos autos, nomeadamente dos Docs. 21 e 22 juntos com a Petição Inicial. 12. Contrariamente ao juízo expendido, da análise comparativa entre o scroll apresentado pela Ré ao Grupo RAR e o scroll elaborado pela Recorrente para o projeto “My Way” da ANA Aeroportos em 2017, resulta evidente a existência de elementos estruturais e textuais coincidentes, designadamente: a estrutura introdutória (“Objetivos, Abordagem e Fontes de Pesquisa”); os mesmos títulos e expressões (“Discovery & Knowledge”, “Tollbox”, “Contexto Positivo”); a formatação gráfica e tipográfica dos cabeçalhos; e diversos parágrafos com reprodução literal do conteúdo produzido pela Recorrente. 13. O argumento exposto pelo tribunal a quo, no sentido de que tais semelhanças seriam meramente formais ou não configurariam cópia, desconsidera o essencial: no âmbito da concorrência desleal, a reprodução parcial e substancial de material comercial e estratégico de um concorrente, obtido mediante acesso privilegiado, é juridicamente relevante e eticamente censurável, sendo imaterial que não se trate de uma cópia integral. 14. Mais ainda, não pode ignorar-se que o scroll da Recorrente foi acedido pelo Recorrido através do sistema interno “OneDrive” daquela, na qualidade de ex-colaborador, facto que reforça o nexo de causalidade entre o acesso indevido e a posterior utilização do conteúdo em benefício próprio ou de terceiro. 15. Neste contexto, impõe-se a alteração da decisão quanto à matéria de facto, devendo os pontos a) e b) ser dados como provados, com a seguinte redação: a) “O scroll utilizado pela Ré [ora Recorrida] na apresentação realizada à empresa ‘RAR’ foi baseado num scroll que estava dentro do sistema de repositório informático ‘OneDrive’ da Autora, que havia sido elaborado e apresentado num projeto na empresa ‘ANA Aeroportos’ (‘My Way’) em 2017.” b) “O scroll apresentado pela Ré [ora Recorrida] à empresa ‘Grupo RAR’ copia parcialmente a primeira parte: ‘Objetivos, Abordagem e Fontes de Pesquisa’, bem como os dizeres: ‘Discovery & Knowledge’, ‘Tollbox’, ‘Contexto Positivo’, gráficos, e a mesma fonte de letra dos cabeçalhos, sendo que alguns parágrafos reproduzem ipsis verbis o conteúdo do scroll apresentado à ‘ANA Aeroportos’.” 16. No que respeita ao facto não provado f), a formulação adotada pelo Tribunal a quo - “O Réu agiu com a intenção de desorganizar a Autora, impossibilitando-a de continuar os contactos comerciais com determinados clientes” - não descreve um facto em sentido técnico-jurídico, mas sim um juízo conclusivo sobre a motivação dos Recorridos, que apenas pode ser validamente extraído a partir da factualidade objetiva dada como provada. 17. Com efeito, os elementos constantes dos autos permitem concluir que os Recorridos: acederam e manipularam dados e tarefas comerciais sensíveis da Recorrente nos seus sistemas informáticos, sem autorização; alteraram registos de contactos comerciais em curso, causando perda de informação estratégica relativa a potenciais clientes; e remeteram comunicações comerciais para esses mesmos contactos, em nome da nova empresa concorrente (Recorrida). 18. Estas condutas, consideradas no seu conjunto, evidenciam uma atuação desleal e perturbadora da atividade empresarial da Recorrente, cujas consequências foram expressamente reconhecidas pelo próprio tribunal a quo, que referiu a perda de dados essenciais e a afetação da continuidade das negociações em curso. 19. Nestes termos, impõe-se a remoção do ponto f) da matéria de facto não provada, por constituir um elemento conclusivo e não uma alegação factual, devendo o juízo sobre a intencionalidade da conduta ser extraído pelo Tribunal ad quem no momento da qualificação jurídica dos factos provados. 20. Outrossim, a sentença recorrida incorre em vários erros de julgamento. 21. Desde logo, ao não reconhecer a natureza de segredo comercial da informação empresarial da Recorrente, violando o disposto no artigo 313.º, n.º 1, do CPI, bem como a orientação vinculativa da Diretiva sobre segredos comerciais, transposta por este preceito. 22. Contrariamente ao entendimento do tribunal a quo, os elementos fáticos dados como provados revelam inequivocamente que a Recorrente detinha e mantinha sob reserva um conjunto estruturado de informação comercial - como listas de clientes e leads, estratégias de abordagem, modelos de comunicação, atas de reuniões, scrolls, case studies e relatórios internos - que preenchiam cumulativamente os três requisitos legais do conceito de segredo comercial: caráter secreto, nos termos do artigo 313.º, n.º 1, a), do CPI, por não serem informações geralmente conhecidas nem facilmente acessíveis aos operadores do setor; valor comercial pela sua confidencialidade (b)), resultante do seu papel estratégico na angariação de clientes e diferenciação da atuação da empresa no mercado; diligências razoáveis para preservar o secretismo (c)), materializadas tanto por medidas técnicas de restrição de acesso como por cláusulas contratuais expressas de confidencialidade (factos provados n.ºs 11, 26 e 27). 23. Ao afastar esta qualificação, com base em juízos genéricos sobre a experiência do Recorrido e sobre a inexistência de uma cláusula contratual suficientemente precisa quanto ao objeto da confidencialidade, o tribunal a quo incorre em manifesto erro de subsunção jurídica, ao ignorar que a proteção conferida ao segredo comercial é determinada não por declarações contratuais, mas pela verificação objetiva dos requisitos legais, que têm natureza imperativa. 24. Mais grave ainda, o tribunal a quo desvaloriza, sem fundamento, o conjunto de informação provada como confidencial, reduzindo-o, de forma infundada, a simples modelos ou conhecimento “em bruto”, quando a prova constante dos autos demonstra tratar-se de ativos intangíveis estratégicos, desenvolvidos de forma acumulada e metódica, com base em investimento empresarial e cuja apropriação indevida permite reduzir significativamente os custos de entrada de qualquer concorrente no mercado. 25. Acresce que, ao considerar que listas de clientes são “de livre acesso”, o tribunal desconsidera o facto, dado como provado, de que os contactos recolhidos incluíam interlocutores privilegiados e decisores, não acessíveis ao público em geral (Factos n.ºs 31 e 32), sendo o resultado de um processo estruturado e confidencial de prospeção e qualificação. 26. Conforme estabelece o Considerando 14 da Diretiva sobre segredos comerciais, a proteção legal abrange todas as informações que, ainda que não inovadoras, tenham valor estratégico e sejam mantidas sob reserva por legítimo interesse concorrencial, o que é manifestamente o caso. 27. Em suma, a sentença recorrida incorre em violação do artigo 313.º, n.º 1, do CPI, ao não reconhecer a proteção jurídica das informações em causa como segredo comercial, pese embora se encontrem verificados, de forma inequívoca, todos os requisitos legais para o efeito. 28. Impõe-se, por isso, a revogação do decidido nesta parte, com o reconhecimento da natureza de segredo comercial da informação detida pela Recorrente e a consequente tutela jurídica reforçada nos termos legais aplicáveis. 29. Adicionalmente, a sentença recorrida incorre em erro de julgamento ao desconsiderar a circunstância de o primeiro Recorrido ter acedido e exportado, sem qualquer autorização da Recorrente, um conjunto substancial de informação confidencial e economicamente valiosa, protegida nos termos dos artigos 313.º e 314.º do CPI. 30. Com efeito, resulta da matéria de facto dada como provada (cf. Factos n.ºs 23, 29 e 33) que o Recorrido acedeu, com privilégios de administrador, a dois sistemas informáticos da Recorrente – Sales Force e OneDrive – e, sete dias antes de cessar a sua colaboração, procedeu à exportação integral da base de dados do sistema “Sales Force”, contendo informação crítica relativa a clientes, leads, estratégias de abordagem e registos históricos da atividade comercial da Recorrente. 31. Esta exportação, como esclarecido em juízo, corresponde a uma operação técnica de backup ou migração de dados, e não a um uso corrente ou funcional para a execução das suas tarefas. 32. A este respeito, não foi dado como provado que tal exportação tenha sido autorizada pela Recorrente - antes pelo contrário, as alegações dos Recorridos nesse sentido foram expressamente rejeitadas (cf. Factos não provados m) e n)). 33. Nos termos do artigo 314.º, n.º 1, a), do CPI, constitui ato ilícito a obtenção de um segredo comercial sem o consentimento do respetivo titular, nomeadamente por via de acesso, apropriação ou cópia não autorizada de ficheiros eletrónicos contendo tal segredo, sob controlo legítimo do respetivo titular. 34. Além disso, conforme estabelece o n.º 2 do mesmo preceito, a utilização posterior da informação exportada (ainda que parcial ou adaptada), constitui igualmente um ilícito se resultar da violação de deveres contratuais ou de confidencialidade – o que também se verifica nos autos. 35. Importa sublinhar que o regime jurídico dos segredos comerciais, em conformidade com o modelo europeu e os princípios da Diretiva respetiva, não exige a demonstração de uso efetivo da informação para se verificar uma infração; o mero acesso ou cópia não autorizada, por si só, rompe a esfera de controlo e confiança do titular da informação, constituindo facto ilícito que justifica a tutela legal. 36. Trata-se de uma abordagem coerente com outros ramos do ordenamento jurídico (v.g., direito penal informático ou direito da proteção de dados), nos quais o acesso indevido é suficiente para acionar a responsabilidade jurídica, independentemente de haver ou não uso efetivo ou dano material já consumado. 37. No caso concreto, a exportação massiva e global de dados presentes nos sistemas informáticos da Recorrente, poucos dias antes do término da colaboração, sem qualquer justificação funcional e sem autorização expressa desta, não pode ser tida como conduta legítima ou neutra; trata-se, isso sim, de um comportamento abusivo, em flagrante violação dos deveres legais de confidencialidade e lealdade comercial, o que exige reparação. 38. Deste modo, impõe-se concluir que a conduta do Recorrido constitui um ato ilícito nos termos do artigo 314.º, n.º 1, a), do CPI, porquanto se verificou acesso e cópia não autorizada de ficheiros eletrónicos com informação protegida por segredo comercial, sendo irrelevante saber se apenas alguma dela foi utilizada. 39. Consequentemente, a decisão do tribunal a quo deve ser revogada nesta parte, com a qualificação da conduta do primeiro Recorrido como violadora de segredos comerciais, com todos os efeitos legais daí decorrentes, designadamente em sede cessação de uso e destruição dos ficheiros e respetiva responsabilidade civil. Como se não bastasse, 40. A sentença recorrida incorre ainda em erro de julgamento ao desconsiderar que, no caso sub judice, não está apenas em causa o acesso ilegítimo a informação protegida da Recorrente, mas também a sua efetiva utilização e divulgação não autorizadas, consubstanciando múltiplas infrações ao disposto no artigo 314.º, n.ºs 1 e 2, do CPI. 41. Com efeito, da matéria de facto dada como provada resulta que: o Recorrido enviou correspondência a diversas empresas constantes da lista de potenciais clientes da Recorrente (Facto n.º 30); tal lista integra contactos personalizados de elevado valor estratégico – como CEOs, administradores, secretárias de direção e outros decisores – que não são de acesso público, tendo sido obtidos através de trabalho intensivo de prospeção e investimento por parte da Recorrente (Factos n.ºs 31 e 32); os Recorridos utilizaram materiais desenvolvidos pela Recorrente e mantidos nos seus sistemas informáticos (scrolls, templates, minutas e estratégias comerciais) em reuniões com potenciais clientes como a Lisnave (Factos n.ºs 42 e 43), sendo que as únicas alterações introduzidas foram de ordem meramente superficial, como a remoção do logótipo da Recorrente – tendo inclusive mantido fotografias de colaboradores da empresa; o conteúdo das cartas de apresentação enviadas pelo Recorrido em nome da Recorrida reproduzia, com adaptações mínimas, os modelos internos da Recorrente armazenados no OneDrive, conforme os Factos provados n.ºs 46 e 47. 42. A sentença reconhece ainda, com base em prova testemunhal (BB), que a utilização desses materiais causou desconforto a esse colaborador da Recorrida, precisamente por saber que os mesmos não lhe pertenciam, o que confirma o seu caráter sensível e a sua apropriação indevida. 43. Não obstante, o tribunal a quo afasta a ilicitude dessa conduta com fundamento a ausência de risco de confusão com a marca da Recorrente, o que revela uma inadequada transposição dos critérios próprios do direito de marcas para o regime de proteção dos segredos comerciais. 44. É crucial reafirmar que, nos termos do artigo 314.º do CPI, constitui ato ilícito: o acesso ou a apropriação não autorizada da informação (n.º 1); a utilização ou divulgação não autorizada da mesma por quem a tenha obtido ilicitamente ou viole deveres contratuais de confidencialidade (n.º 2); e, ainda, a utilização por quem, nas circunstâncias específicas, sabia ou devia saber da origem ilícita da informação (n.º 3). 45. Em nenhum momento o regime legal exige a demonstração de risco de confusão junto do público ou de terceiros; tal exigência pertence ao domínio do direito das marcas ou da concorrência desleal por imitação, sendo manifestamente inadequada neste contexto. 46. Neste sentido, a invocação pelo tribunal de que “não ficou demonstrada a confusão entre os clientes” é juridicamente irrelevante para efeitos de aferição da ilicitude prevista nos artigos 313.º e seguintes do CPI. 47. Pelo contrário, os Factos provados demonstram inequivocamente que os Recorridos: tiveram acesso não autorizado à totalidade dos dados da Recorrente; fizeram uso comercial de informação comercial estratégica e personalizada, sem qualquer consentimento; aproveitaram modelos e materiais internos da Recorrente (scrolls, cartas, templates) como instrumentos diretos de angariação de novos clientes, num claro aproveitamento ilícito de ativos intangíveis alheios. 48. Note-se que os Recorridos poderiam, legitimamente, referir a sua experiência profissional anterior, mas não estavam autorizados a utilizar materiais empresariais protegidos, cuja criação, estrutura e conteúdo são fruto do investimento e know-how da Recorrente. 49. A utilização dos referidos materiais não se limita a uma função curricular ou referencial, como sugerido pelos Recorridos na Contestação. 50. Não estamos perante um portefólio ou um “CV”, mas sim diante de uma atuação concorrencial direta, com utilização instrumental de documentos empresariais alheios, com o objetivo de obter vantagem competitiva imediata. 51. A natureza ilícita da conduta é tanto mais evidente quanto os próprios Recorridos assumiram, na Contestação, a utilização do material (scroll), tentando justificar-se com base na sua participação anterior na empresa. 52. Tal circunstância, porém, não confere qualquer autorização de uso posterior, sobretudo quando foram assinadas cláusulas contratuais expressas de confidencialidade, aplicáveis durante e após a cessação do vínculo contratual. 53. Deste modo, impõe-se reconhecer que a conduta dos Recorridos preenche todos os pressupostos da utilização ilícita de segredo comercial, nos termos do artigo 314.º, n.º 2, a) a c), do CPI. 54. A sentença incorre, por isso, em erro de direito ao aplicar um regime jurídico inadequado e em erro de julgamento ao desvalorizar os factos provados. 55. Em consequência, a decisão do tribunal a quo deve ser revogada nesta parte, com o reconhecimento de que os Recorridos utilizaram e divulgaram ilicitamente segredos comerciais da Recorrente, sendo tal atuação subsumível ao disposto no artigo 314.º, n.ºs 1 e 2, do CPI, com os efeitos legais daí emergentes, nomeadamente em sede de indemnização. 56. Outrossim, a sentença recorrida incorre, uma vez mais, em erro de julgamento ao não retirar consequências jurídicas adequadas da factualidade provada, nomeadamente no que respeita à prática de atos de concorrência desleal pelos Recorridos. 57. Nos termos do artigo 311.º do CPI, constitui concorrência desleal “todo o ato de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de atividade económica”. 58. Trata-se de uma cláusula geral de ilicitude concorrencial, que é depois complementada por um elenco exemplificativo de condutas típicas, sem prejuízo da sua aplicação a situações não expressamente previstas. 59. Diferentemente dos direitos absolutos (como patentes ou marcas), a concorrência desleal consubstancia um dever geral de lealdade e boa-fé aplicável a todos os operadores económicos. 60. A tutela conferida por este regime é autónoma e complementar à proteção conferida aos segredos comerciais, não se exigindo que o bem jurídico afetado preencha os requisitos do artigo 313.º do CPI. 61. No caso concreto, ainda que, em tese meramente académica, se afastasse a qualificação das informações utilizadas pelos Recorridos como segredo comercial, os atos por si praticados seriam, ainda assim, ilícitos à luz do artigo 311.º do CPI. 62. Com efeito, dos factos dados como provados resulta que: o primeiro Recorrido exportou toda a informação comercial da Recorrente armazenada no sistema “Sales Force” sem autorização, a poucos dias da sua saída (Facto n.º 33); os Recorridos utilizaram ativos intangíveis da Recorrente (scrolls, minutas, modelos de propostas, estratégias e listas de contactos privilegiados) em contexto concorrencial direto, com vista à angariação de novos clientes para a estrutura criada por si (Factos n.ºs 30, 31, 32, 42, 43 e 46); o primeiro Recorrido alterou nos sistemas informáticos o estado de cinco tarefas atribuídas a outra colaboradora, relativas a potenciais clientes, originando a perda da informação acumulada com esses contactos (Factos n.ºs 34, 35 e 36); os Recorridos aliciaram colaboradores da Recorrente e recrutaram os mesmos fornecedores externos (gráfica e marketing), replicando a estrutura de funcionamento da empresa anterior (Factos n.ºs 38, 39, 40, 48 e 49). 63. Estas condutas não são isoladas nem inocentes. 64. Ao invés, elas integram uma atuação concertada e sistemática, orientada para aproveitamento parasitário da estrutura da Recorrente, com vista a reduzir os custos de entrada da nova entidade concorrente no mercado, em claro atropelo das normas e usos honestos da atividade económica em questão. 65. O tribunal a quo, embora tenha reconhecido parcialmente a ilicitude concorrencial apenas quanto à alteração de tarefas da colaboradora da Recorrente CC, desconsiderou atos ainda mais gravosos, como a exportação de dados e a utilização de materiais confidenciais. 66. Essa decisão é juridicamente incompreensível, porquanto o legislador não restringiu a concorrência desleal a condutas tipificadas. 67. O próprio artigo 311.º consagra uma cláusula valorativa aberta, que permite a adequação normativa a novas realidades e formas de atuação lesivas da lealdade concorrencial. 68. Com efeito, mesmo que a contratação de antigos colaboradores ou a celebração de contratos com os mesmos fornecedores, isoladamente consideradas, não fossem suficientes para configurar deslealdade, a sua apreciação em conjunto com os demais atos – nomeadamente, a exportação, manipulação de dados e uso de materiais alheios - permite afirmar, sem hesitação, a existência de uma atuação desleal, reiterada e consciente, com o objetivo de desorganizar a atividade da Recorrente e facilitar a implantação da nova entidade concorrente. 69. Assim, os comportamentos em análise preenchem todos os requisitos da cláusula geral de concorrência desleal, tal como prevista no artigo 311.º do CPI, pois foram praticados em contexto de concorrência real; são contrários às normas e usos honestos do setor de atividade; e ocorreram no âmbito de uma atividade económica organizada e profissional. 70. Por conseguinte, impõe-se reconhecer que os Recorridos violaram os deveres legais de lealdade comercial, devendo a decisão recorrida ser revogada nesta parte e substituída por outra que declare a existência de atos de concorrência desleal, com as devidas consequências indemnizatórias e sancionatórias. 71. Demonstradas as incorreções de facto e de direito que inquinam a sentença proferida pelo tribunal a quo, impõe-se reconhecer a existência de danos patrimoniais e não patrimoniais causados à Recorrente pelas condutas ilícitas dos Recorridos. 72. Com efeito, da factualidade dada como provada resulta inequívoco que os Recorridos violaram direitos protegidos da Recorrente, designadamente através do acesso não autorizado, apropriação e utilização de informação comercial confidencial, bem como da prática reiterada de atos desleais de concorrência, com manifesta intenção de aproveitamento parasitário e com total consciência da ilicitude da sua conduta. 73. Por conseguinte, é também incontornável o dever de indemnizar, nos termos do artigo 347.º do CPI, o qual consagra critérios especiais de quantificação do prejuízo em sede de violação de direitos imateriais, aplicáveis, como se demonstrará, também aos atos de concorrência desleal. 74. O artigo 347.º do CPI estabelece, no seu n.º 2, que, na determinação do montante indemnizatório, devem ser ponderados, nomeadamente: os danos emergentes e lucros cessantes; o lucro obtido pelo infrator; os encargos suportados pela parte lesada com a proteção, investigação e cessação da conduta lesiva. 75. De forma complementar, o n.º 3 manda atender à receita resultante da conduta ilícita do infrator, e o n.º 7 impõe a fixação de uma quantia razoável destinada a cobrir os custos comprovados com a investigação e cessação da infração. 76. Ora, nos presentes autos, ficou provado que os Recorridos: utilizaram scrolls, minutas, listas de clientes, contactos privilegiados, entre outros conteúdos comerciais protegidos da Recorrente, com os quais faturaram €15.000,00 em 2020 e €137.592,00 em 2021 (cf. Doc. 7 da Petição Inicial); 77. Bem como que causaram à Recorrente encargos específicos com a proteção dos seus direitos, nomeadamente através da auditoria forense informática realizada pela empresa Kompetenza, cujo custo ascendeu a €3.075,00 (cf. Docs. 18 e 26); 78. A Recorrente suportou ainda custas judiciais no valor de €306,00 referentes ao procedimento cautelar necessário para obstar à continuação da infração (cf. Doc. 27). 79. Tais despesas resultam diretamente da conduta dos Recorridos, que, como provado, exportaram ilicitamente dados do sistema Sales Force e adulteraram tarefas informáticas, conduzindo à imediata necessidade de reação por parte da Recorrente. 80. A tentativa do tribunal a quo de desconsiderar essas despesas, por alegadamente estarem já cobertas pela condenação em custas de parte, não procede. 81. O RCP regula a repartição interna dos encargos processuais, mas não afastam a possibilidade de indemnização autónoma dos custos suportados com a investigação e cessação da infração, como expressamente consagrado no n.º 7 do artigo 347.º do CPI, que é norma especial. 82. Outrossim, nos termos do n.º 6 do artigo 347.º do CPI, quando a conduta do infrator se revele reiterada ou especialmente gravosa, o tribunal pode cumular todos os critérios indemnizatórios previstos nos números anteriores. 83. Ora, no caso concreto, a conduta dos Recorridos não apenas é reiterada, como reveste-se de especial gravidade, na medida em que: foi praticada por pessoa em posição de confiança dentro da empresa; envolveu ações ativamente ocultadas, como a alteração de tarefas sem autorização; resultou em apropriação e instrumentalização de informação confidencial, com efeitos diretos na reputação e credibilidade da Recorrente junto de grandes grupos económicos nacionais. 84. A utilização não autorizada de know-how, conteúdos comerciais e ativos imateriais em nome próprio e da nova empresa afetou profundamente o prestígio, a imagem e a exclusividade da Recorrente, colocando-a numa posição de desvantagem reputacional e concorrencial. 85. Outrossim, na eventualidade de se reconhecer a dificuldade em quantificar o prejuízo exato (por se tratar de bens imateriais de difícil mensuração), o n.º 5 do artigo 347.º, do CPI permite, subsidiariamente, a fixação de uma quantia indemnizatória por equidade, considerando: as remunerações que teriam sido auferidas pela Recorrente caso tivesse sido solicitada autorização; os encargos com a proteção do segredo e com a cessação da conduta lesiva. 86. Esta norma confere ao tribunal margem de atuação justa e proporcional, garantindo uma resposta efetiva à violação de direitos imateriais, independentemente da dificuldade probatória do quantum. 87. No mais, ainda que este Tribunal venha a entender – apenas por dever de raciocínio – que não se provou a violação de segredo comercial, nada obsta à aplicação dos critérios do artigo 347.º do CPI às condutas de concorrência desleal. 88. Com efeito, ambas as situações tutelam bens jurídicos imateriais e estratégicos; ambas se fundam na proteção da lealdade e da ética concorrencial; e ambas envolvem prejuízos de difícil quantificação direta. 89. De resto, o Considerando 22 da Diretiva 2004/48/CE (Diretiva Enforcement) permite que os Estados-membros estendam mecanismos de reparação idênticos a infrações análogas, reforçando a lógica da coerência e da eficácia na tutela de direitos imateriais. 90. Em face do exposto, deve o tribunal ad quem reconhecer a existência de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pela Recorrente, aplicando os critérios indemnizatórios previstos no artigo 347.º do CPI. 91. Só assim se concretizará uma tutela jurisdicional efetiva e se evita que a violação de direitos imateriais compense economicamente os infratores, em manifesta subversão dos princípios estruturantes do sistema de justiça concorrencial. 92. Nesta conformidade, e em face de tudo quanto se expôs, a sentença recorrida é ilegal, devendo por isso ser revogada na totalidade, e ser substituída por Acórdão que condene a Recorrida em todos os pedidos efetuados pela Recorrente na petição inicial. Os RR. vêm responder ao recurso, pugnando pela sua improcedência e consequente manutenção da sentença proferida. II. Questões a decidir São as seguintes as questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelos Recorrente nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do CPC - salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608.º n.º 2 in fine: - da impugnação da decisão da matéria de facto; - da prática pelos RR. de atos de concorrência desleal; - do direito da A. a ser indemnizada pelos danos causados. III. Fundamentos de Facto São os seguintes os factos considerados provados e não provados com interesse para a decisão da causa, na sequência da parcial procedência da impugnação da matéria de facto, apenas quanto à eliminação da al. f) dos factos não provados, que se assinala: 1. A Autora é uma sociedade comercial portuguesa, fundada em 2010, que tem como objeto social a prestação de serviços de “consultoria e gestão de projetos”. 2. O sócio-gerente da Autora é AA. 3. A Autora apresenta-se na Internet como tendo sido criada “para ajudar as empresas e aumentar o seu desempenho operacional e rentabilidade de uma forma sustentável, através da implementação de programas complexos de transformação que possibilitam o desenvolvimento das capacidades de gestão e liderança (…) implementando projetos ao longo da cadeia de valor, com o objetivo de aumentar o desempenho operacional, atuando ao nível dos processos, pessoas, ativos e tecnologia”. A metodologia de trabalho “compreende etapas para análise do negócio e trabalho no terreno, alinhadas com princípios de sucesso comprovado para a entrega de projetos sustentáveis, bem como ferramentas que permitem um governo e controlo rigoroso na fase de execução”. 4. A Autora possui uma equipa de profissionais qualificados. 5. A atividade da Autora dirige-se a empresas de maior dimensão. 6. Ao longo dos anos a Autora tem trabalhado com grandes grupos económicos. 7. Os dados recolhidos, a estratégia de abordagem comercial e de implementação têm um papel central na sua atividade. 8. A Autora desenvolve, mantém e utiliza um conjunto de informação comercial, nomeadamente: (i) “listas de potenciais clientes”; (ii) “listas de potenciais clientes em processo de angariação (leads)”; (iii) “lista de clientes”; (iv) “atas de reuniões com clientes e potenciais clientes”; (v) “estratégias comerciais de abordagem a clientes”; e, (vi) “histórico datado de contactos”. 9. Esta informação é guardada em bases de dados e é composta por variada documentação e material, tais como: (i) modelos (templates) de correspondência e de contratos; (ii) estratégias de abordagem (point of views); (iii) ilustrativos de abordagens; (iv) case studies; (v) contratos celebrados entre a Autora e terceiros (colaboradores, clientes e fornecedores); (vi) propostas a enviar e enviadas a clientes; (vii) relatórios internos; (viii) roll-ups (rolos de papel) (ou scrolls) de apresentação e de definição de estratégia para cada cliente e/ou histórico de projetos passados; 10. Para uma empresa de consultoria toda a informação desempenha um papel central na sua atividade. 11. A maioria dos colaboradores tem acesso, unicamente, à informação do projeto em que estão a trabalhar, sendo que apenas aqueles que têm “privilégios informáticos de administrador” têm acesso a toda a informação. 12. A Autora é titular do direito da marca “VOLTARION”, registo n.º 017457763. 13. A Autora investe ainda em marketing e publicidade. 14. O Réu DD é consultor e sócio fundador da Ré Enginwyse, Lda.” 15. A Ré - Engynwise, Lda. – é uma sociedade comercial portuguesa, fundada em 9 de dezembro de 2020, que tem como objeto social a prestação de serviços de consultoria de gestão e de sistemas de informação. 16. Constitui uma sociedade por quotas composta por dois sócios-gerentes, cada um com uma quota de 50%, nomeadamente DD, ora Réu, e EE. 17. A Ré faturou em 2020 € 15.000,00, tendo, em 2021, faturado € 137.592,00. 18. Entre 1 de setembro de 2014 e de 30 de outubro de 2020, o Réu prestou serviços para a Autora, mediante a celebração de um contrato de prestação de serviços, assinado por ambas as partes, que tinha como objeto a prestação de serviços de “desenvolvimento e controle da actividade da Voltarion em Portugal e nos países de língua oficial portuguesa situados no continente africano”. 19. No âmbito do contrato celebrado, o Réu assumiu, entre outras, a responsabilidade de (i) desenvolver a atividade da VOLTARION como Country Manager e responsável de Desenvolvimento de Negócios em Portugal e nos países de língua oficial portuguesa situados no continente africano; (ii) estabelecer a unidade de negócios em conjunto com o Diretor-Geral da VOLTARION; (iii) gerir e participar no desenvolvimento de negócios regionais; e (iv) coordenar, com o Diretor-Geral da VOLTARION, o desenvolvimento da equipa de operações regional. 20. O Réu assumia as suas funções em regime de dedicação exclusiva, obrigando-se, com exceção de eventuais situações a acordar entre as partes, a não exercer ou coordenar total ou parcialmente, por si ou por intermédio de interposta pessoa ou entidade, atividade comercial que fosse concorrente à da Autora. 21. As tarefas prestadas pelo Réu à Autora consubstanciavam funções de elevado grau de confiança e responsabilidade. 22. No âmbito da relação contratual estabelecida, a Autora assinou uma procuração, datada de 27/04/2017, em nome do Réu, conferindo-lhe os poderes de (i) celebrar todos os contratos necessários à atividade da Autora, designadamente contrato de compra e venda de bens móveis, prestação de serviços de consultoria e respetivos termos de compromisso bem como modificações, rescisões ou revogações destes mesmos contratos; (ii) celebrar contratos de trabalho, bem como as suas renovações e rescisões; e (iii) celebrar acordos de confidencialidade, bem como formular e apresentar propostas de prestação de serviços no âmbito da atividade desenvolvida pela mandante. 23. O Réu tinha acesso a todos os dados da Autora, guardados, eletronicamente, em dois repositórios informáticos: - alguma informação, nomeadamente as estratégias comerciais de abordagem a clientes, contratos celebrados internamente e externamente (colaboradores, clientes e fornecedores), relatórios internos e atas de reuniões com clientes e leads, minutas, guardada no serviço de armazenamento em nuvem da Microsoft «One Drive», que permitia ao Réu tanto o acesso online quanto offline (por via do computador pessoal ou profissional); - a restante informação, designadamente a lista de potenciais clientes, listas de potenciais clientes em processo de angariação, lista de clientes angariados, no passado e em curso, e histórico datado de contactos, guardada na ferramenta Gestão de relacionamento com o cliente “Sales Force”. 24. No dia 28/10/2020 o Réu comunicou ao sócio administrador da Autora, AA, o desejo de sair da Autora. 25. O término da relação contratual deu-se a 30/10/2020, tendo sido formalizado com a assinatura de uma declaração de cessação do contrato de prestação de serviços assinada por ambas as partes. 26. Nos termos da referida “declaração”, as partes declararam que a partir da data de 31 de outubro de 2020 cessam “todos os deveres e responsabilidades ao abrigo do contrato de prestação de serviços celebrado em 1 de setembro de 2014, excetuando-se (…) as obrigações e direitos resultantes da cláusula Quinta e Sexta do mesmo”. 27. Nos termos da Cláusula Quinta, o ora Réu obrigou-se a não divulgar, durante o período de vigência do contrato bem como após a sua cessação, “quaisquer informações de natureza confidencial” relativas à ora Autora, “designadamente informações relativas à sua organização, métodos de produção ou negócios, clientela, propriedade industrial e direitos de autor ou de que tenha conhecimento no decurso da sua atividade ao serviço” da ora Autora. 28. Na Cláusula Sexta é prevista a aplicação das disposições do Código Civil relativamente à responsabilidade por factos ilícitos, pelos atos ou omissões do ora Réu relacionados com o Contrato. 29. A informação que estava guardada no “OneDrive” pôde ser mantida no computador utilizado pelo Réu, uma vez que por via da sincronização a mesma pode ser acedida offline. 30. A 16/11/2020, o Réu enviou correspondência a várias empresas que faziam parte da lista de potenciais clientes da Autora, comunicando, entre outras coisas, que nos próximos meses se iria dedicar “à criação de um novo projeto, sustentado nos programas de melhoria de produtividade e crescimento, mas com apostas específicas para ajudar empresas a ultrapassar os novos desafios da transformação digital, da globalização, da descarbonização e da adaptação das organizações e suas lideranças ao modo de vida das novas gerações”. 31. Os contactos de correio eletrónico utilizados pelo Réu estavam guardados nas plataformas da Autora, constituindo contactos diretos de administradores executivos, secretárias/assistentes de direção ou outro tipo de pessoas com poder decisório ou de influência dentro da empresa em causa. 32. A obtenção deste tipo de contactos implica um trabalho de pesquisa. 33. Em novembro de 2020, a Autora pediu uma auditoria aos seus sistemas informáticos internos, por via da qual foi detetado que toda a informação presente no sistema “Sales Force” havia sido exportada pelo Réu no dia 21/10/2020. 34. Foi ainda identificado que, no dia 25/10/2020, o Réu havia alterando o estado de cinco tarefas que estavam atribuídas à colaboradora CC para o estado “concluídas”. 35. As tarefas alteradas eram de potenciais clientes, ainda não angariados. 36. Esta circunstância fez perder informação sobre os contactos já desenvolvidos com esses potenciais clientes. 37. A empresa “Sogenave” começou a trabalhar com a Ré em meados do ano de 2021. 38. Após a sua saída, o Réu contactou colaboradores da Autora, convidando-os a integrarem o seu “novo projeto” de consultoria: a Dra. CC, o Dr. FF e o Dr. BB. 39. O Dr. BB informou que iria sair da Voltarion no final do ano de 2021. Os outros rejeitaram o convite. 40. O Dr. BB passou a integrar a Ré, como “responsável de operações” a partir de janeiro de 2022. 41. Reconhecendo-lhe qualidades profissionais e humanas, a Autora decidiu contratar novamente o Dr. BB. 42. No âmbito da atividade comercial da Ré, Engiwyse, Lda., é utilizada informação relativa a contactos de clientes, minutas, estratégias comerciais e scrolls. 43. Numa reunião mantida com a empresa “Lisnave”, a Ré Enginwyse apresentou um scroll que havia sido idealizado e criado na Autora para a empresa “OGMA”, em 2017. 44. O scroll apresentado à empresa “Lisnave” surge com referências ao “setor aeronáutico”. Os únicos elementos que foram retirados foi o logotipo da “Voltarion”, a assinatura de marca desta, que constavam do canto superior direito do scroll, bem como a informação presente na parte final. 45. Os scrolls foram elaborados por equipas dirigidas pelo Réu, quando trabalhava para a Autora. 46. O Réu, em nome da Ré, enviou cartas de apresentação com conteúdo idêntico/semelhante aos templates mantidos no sistema de repositório eletrónico “OneDrive” da Autora. 47. As diferenças existentes derivam do facto de as minutas serem, em cada momento, adaptadas às características de cada cliente individual. 48. A Ré contratou os mesmos fornecedores de gráfica (empresa Ink Limit) e de marketing (GG) que trabalhavam para a Autora. 49. GG constituiu um site para a Ré, estruturalmente semelhante ao da Autora, bem como tratou da comunicação desta. 50. A gráfica imprimia regularmente os scrolls preparados pela Autora. 51. O relatório de auditoria emitido pela Kompetenza teve o custo total de € 3.075,00. 52. O Réu DD, em virtude do seu percurso profissional, desenvolveu uma vasta rede de contactos, tendo adquirido experiência significativa e muito variada em consultoria, no desenvolvimento e gestão de projetos, no desenvolvimento de equipas e na montagem de unidades de negócio. 53. Em 2014, quando trabalhava na “Capgemini”, o sócio e gerente da Autora, AA, convidou-o a vir trabalhar com ele. 54. Nessa data, não havia qualquer organização empresarial, meios próprios ou atividade comercial relevante. 55. As funções atribuídas eram de “country-manager em Portugal e nos PALOP” tendo ficado incumbido de estabelecer a unidade de negócio e implementar todos os processos de gestão da Autora. 56. Para o efeito tomava decisões quotidianamente relativamente a fornecedores, colaboradores (incluindo contratações) e clientes. 57. Foi nessa qualidade que escolheu e geriu a implementação do sistema informático, incluindo o sistema de gestão de clientes “Sales Force” e o repositório de ficheiros “One Drive”. 58. E era também nessa qualidade que fazia uma gestão dos sistemas com privilégios de administrador, como era do conhecimento de todos, recorrendo frequentemente à exportação dos dados para posterior manipulação e análise noutros programas como o Microsoft Excel. 59. CC era “Assistente executiva”, trabalhando diariamente em conjunto com o Réu. 60. O sistema CRM utilizado pela Ré Enginwyse é agora outro: o Zoho (https://www.zoho.com/crm/) (e não o Sales Force). 61. O Réu, a 19 de novembro de 2020, enviou ao gerente da Autora “notas em falta” sobre reuniões com vários clientes que geria, na sequência de um pedido feito por aquele em 03/11/2020. 62. A lista de alvos comerciais é constituída por dados públicos - as maiores empresas portuguesas e os seus administradores -, informação que tende a ir mudando. 63. O outro sócio e gerente da Ré Enginwyse – EE – tem anos de experiência em consultoria e, tal como o Réu, construiu uma lista de contactos ampla. 64. A apresentação de posters (scrolls), nos mais variados contextos, é habitual e precede a existência da Autora. 65. Há várias empresas no contexto da consultoria que o fazem. 66. O Réu apresentou o scroll referido em 43. como uma referência de trabalho anterior, parte do seu portefólio profissional. 67. A Autora também apresentou um scroll da “Fresnillo”, “sanitizado”, numa reunião com outra empresa (“Almina”). 68. As propostas da Autora foram elaboradas pelo Réu, assim como as da Ré Enginwyse, cujo texto redigiu. 69. Na escolha dos fornecedores, a Ré recorreu a quem tinha boas referências. Factos não provados: a) o scroll utilizado pela Ré na apresentação realizada à empresa “RAR” foi baseado num scroll que estava dentro do sistema de repositório informático “OneDrive” da Autora, que havia sido elaborado e apresentado num projeto na empresa “Ana Aeroportos” (“My Way”) em 2017; b) o scroll apresentado pela Ré à empresa “Grupo RAR” copia a primeira parte: “Objetivos, Abordagem e Fontes de pesquisa”, copia os dizeres: “Discovery & Knowledge”, “Tollbox”, “Contexto Positivo”, gráficos, e a mesma fonte de letra dos cabeçalhos, sendo que alguns parágrafos copiam, ipsis verbis, o conteúdo do scroll apresentado à “Ana Aeroportos”; c) em média, nos últimos três anos, cada projeto ronda os € 100.000,00; d) o Réu nunca obtivera, durante toda a duração do contrato, qualquer autorização ou consentimento por parte da Autora para realizar exportação de dados do “Sales Force”; e) as tarefas “concluídas” correspondiam a potenciais clientes que passaram a trabalhar para a Ré; g) a utilização de um scroll em apresentações e análises comerciais é, em Portugal, uma inovação trazida pela Autora no âmbito da atividade de consultoria; h) esta forma de apresentação estratégica dos seus serviços visa causar impacto no potencial cliente, diferenciando-se dos seus concorrentes, que utilizam, por regra, o formato de apresentação por slides, por meio de software como o Microsoft PowerPoint; i) a situação (envio de cartas de apresentação com conteúdo idêntico ou muito semelhante) chegou ao conhecimento da Autora por via de clientes e potenciais clientes, que afirmaram ter reconhecido nas cartas a abordagem e o conteúdo já anteriormente transmitido pela Voltarion, pelo que estranharam a situação; j) a utilização de materiais e informação comercial tem vindo a afetar “significativamente” o bom nome, crédito e reputação da Autora, pois corre o risco de os potenciais clientes pensarem que ela está a copiar e a praticar atos desleais; l) a presente situação tem trazido e continua a trazer à Autora grande angústia, tristeza, inquietação e revolta; m) a exportação referida na P.I. teve lugar na sequência de uma reunião tida no dia 16 de outubro em que lhe foram atribuídas responsabilidades por um novo grupo de clientes do top 250 a 500; n) por isso, o Réu procurou fazer análises dos dados referentes aos novos clientes então atribuídos; o) como parte das suas funções, o Réu administrava as tarefas que constavam do “Sales Force” sendo frequente fechar tarefas que, na sua opinião profissional, não faria sentido manterem-se em aberto; p) isto incluía “tarefas que não eram suas”; q) especialmente as da colaboradora CC; r) constitui uma rotina que na gíria da indústria é designada por manutenção da higiene do Salesforce – “Salesforce Hygiene”; s) os dados da Autora a que o Réu teve acesso no exercício das suas funções nunca foram carregados para o novo sistema da Ré Enginwyse (Zoho); t) o sistema One Drive do Réu foi desligado no seu último dia de trabalho: 30 de outubro de 2020; - da impugnação da decisão da matéria de facto Por ter sido dado cumprimento pela Recorrente aos requisitos previstos no art.º 640.º n.º 1 al. a), b) e c) e n.º 2 do CPC ao impugnar a decisão da matéria de facto, procede-se à sua apreciação. A Recorrente vem impugnar a decisão de facto quanto aos pontos 46 e 67 dos factos provados e al. a), b) e f) dos factos não provados. - o ponto 46 dos factos provados tem a seguinte redação: 46. O Réu, em nome da Ré, enviou cartas de apresentação com conteúdo idêntico/semelhante aos templates mantidos no sistema de repositório eletrónico “OneDrive” da Autora. Requer a Recorrente a alteração/aditamento deste facto, de forma a seja dado como provado que: “O Réu, em nome da Ré, enviou cartas de apresentação com conteúdo idêntico/semelhante aos templates mantidos no sistema de repositório eletrónico “OneDrive” da Autora” para mais de 100 contactos que estavam nos sistemas informáticos da Autora, incluindo para a empresa Recheio, cujas tarefas de gestão foram alteradas pelo Réu, sem autorização da Autora.” Invoca para o efeito as declarações do R. nos excertos de gravação que indica e transcreve, bem como os doc. 16 a 18 juntos com a p.i. As Recorridas vêm opor-se à alteração pretendida, afirmando que as 100 cartas a que o R. alude nas suas declarações correspondem a uma mensagem escrita por si, como consta do doc. 12 junto com a p.i. O R. nas suas declarações refere que quando saiu da empresa enviou uma mensagem aos clientes com quem tinha tido mais contacto recentemente a informar que ia sair da empresa, o que diz ser normal fazer-se, esclarecendo que enviou a cerca de 100, e questionado diretamente sobre se o tinha feito para a empresa Recheio, disse “Sim, sou capaz de ter enviado”. Os doc. 16 e 17 juntos com a p.i. constituem um print de um task de CC que indicam respetivamente como assunto “marcar reunião com HH” datado de 04.02.2020 (doc. 16) e “voltar ao contacto com HH em 3 meses”, datado de 11.02.2020 (doc. 17) O doc. 18 constitui o relatório de auditoria a que alude o ponto 33 dos factos provados, salientando-se que a Recorrente não indica que excerto de tal documento composto por 15 páginas que tem como relevante para a alteração do facto que impugna. Avaliando o mesmo, dele decorre que os tasks em questão foram analisados, ali se concluindo que houve uma exportação de informação não se conseguindo saber qual e/ou a quantidade da mesma. A Recorrente não questiona o teor deste facto provado, antes pretende o seu aditamento, nos termos que refere. Constata-se que os elementos probatórios indicados não permitem identificar a empresa Recheio como um dos clientes da A. relativamente ao qual o R. alterou as tarefas de gestão, já que os doc. 16 e 17 se reportam a HH; além do mais, esta questão da alteração das tarefas de gestão feita pelo R. é matéria que extravasa o teor deste ponto de facto, que apenas se reporta ao envio de cartas pelo R. em nome da R., para além de que a ela já aludem os factos provados 34, 35 e 36. Por outro lado, as declarações de parte do R., que admite que enviou para cerca de 100 clientes da A. uma carta ou informação a dizer vai sair da empresa, não permitem por si só concluir que está aludir às as cartas de apresentação enviadas em nome da R., com conteúdo semelhante aos templates mantidos pela A. no One Drive, a que se reporta este facto impugnado. É que o R. quando estava para sair da A. enviou a clientes emails, do que são exemplo os que foram juntos com a p.i como doc. 12 e 13, que parecem ser a informação que nas suas declarações refere ter enviado a cerca de 100 clientes a comunicar a sua saída, não constituindo nenhuma carta de apresentação enviada pelo R. em nome da R. Os elementos probatórios indicados pela Recorrente não determinam a alteração deste facto provado, improcedendo a impugnação nesta parte. - o ponto 67 dos factos provados tem a seguinte redação: 67. A Autora também apresentou um scroll da “Fresnillo”, “sanitizado”, numa reunião com outra empresa (“Almina”). Pretende a Recorrente que este facto seja alterado, de modo a passar a ter a seguinte redação: “A Autora apresentou um scroll da “Fresnillo”, numa reunião com outra empresa (“Almina”), porém, fê-lo com a autorização da primeira” Invoca como meio de prova as declarações de parte do legal representante da A. nos excertos de gravação que indica, justificando a alteração pretendida pela necessidade de distinguir o uso autorizado de material de terceiro, no sentido desse elemento ser relevante para a avaliação do comportamento de quem pratica o ato. A Recorrida diz apenas que não foi feita prova da autorização. Este facto dado como provado foi invocado pelas RR. na sua contestação, certamente com o propósito de equipararem esta conduta da A. àquelas que lhes estavam a ser por ela imputadas. O legal representante da A. AA, confirmou este facto que o tribunal deu como provado, esclarecendo que “Fresnillo” foi uma análise em que participou para uma empresa parceira da A., referindo que foi material usado com autorização desta e que também a A. tem dado autorização para aquela usar alguns dos seus “recursos”. O art.º 466.º do CPC refere-se às declarações de parte, enquanto meio probatório, estabelecendo no seu n.º 3 que “o tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão.” Como nos diz, a respeito da valoração deste meio prova, o Acórdão do TRP de 18-05-2017 no proc. 3456/16.6T8VNG.P1 em que a relatora teve intervenção como adjunta: “A norma não fornece, contudo, qualquer pista sobre o modo como essa apreciação deverá ser feita, designadamente se as declarações da parte apenas devem ser aceites como prova complementar ou supletiva dos demais meios de prova, se devem ser aceites como mero princípio de prova ou se podem ser suficientes para permitir ao tribunal julgar provados factos favoráveis é apenas demonstrados através das suas declarações. Não tendo o legislador tomado posição sobre esse aspecto parece que o intérprete não deve assumir aí uma atitude dogmática, de puro princípio, seja ela qual for. Se não basta à parte alegar um facto para que o tribunal o tenha de aceitar e se o direito ao contraditório implica que tendo um facto sido impugnado pela parte contrária ele deve ser objecto de produção de prova que o demonstre, parece adequado entender que, em condições normais, para fazer a prova de um facto favorável a uma das partes não será suficiente que esse facto seja afirmado pela própria parte no decurso das suas declarações de parte.” As declarações das partes, enquanto meio de prova, têm de ser ponderadas com todas as cautelas pelo tribunal, não podendo olvidar-se que as partes estão diretamente interessadas no desfecho da ação e que, por isso, não raras vezes prestam declarações de forma não isenta e comprometida. Na medida em que incidem muitas vezes sobre factos controvertidos que lhes são favoráveis, as declarações da parte não podem, em regra, ser consideradas como suficientes para determinar a verificação desses mesmos factos, a menos que a sua conjugação com outros elementos de prova permita conclui-lo. Acontece que, no caso, não obstante a plausibilidade das declarações de parte do legal representante da A. sobre esta matéria, não há qualquer outro elemento probatório que o ateste, nem tem de haver, já que o aditamento pretendido pela Recorrente a este ponto que impugna, não corresponde a qualquer facto que a A. tenha alegado ou de que lhe competisse fazer prova em razão dos pedidos que formula nos autos. O aditamento pretendido apresenta-se como inútil ou irrelevante para o desfecho da ação, já que é a conduta das RR. e não a da A. que se impõe avaliar. Assim, improcede também nesta parte a impugnação apresentada. - as al. a) e b) dos factos não provados têm o seguinte teor: a) o scroll utilizado pela Ré na apresentação realizada à empresa “RAR” foi baseado num scroll que estava dentro do sistema de repositório informático “OneDrive” da Autora, que havia sido elaborado e apresentado num projeto na empresa “Ana Aeroportos” (“My Way”) em 2017; b) o scroll apresentado pela Ré à empresa “Grupo RAR” copia a primeira parte: “Objetivos, Abordagem e Fontes de pesquisa”, copia os dizeres: “Discovery & Knowledge”, “Tollbox”, “Contexto Positivo”, gráficos, e a mesma fonte de letra dos cabeçalhos, sendo que alguns parágrafos copiam, ipsis verbis, o conteúdo do scroll apresentado à “Ana Aeroportos”; Pretende a Recorrente que estes factos sejam tidos como provados, propondo a reformulação da redação da al. b), nos seguintes termos: - “o scroll apresentado pela Ré à empresa “Grupo RAR” copia parcialmente a primeira parte: “Objetivos, Abordagem e Fontes de pesquisa”, copia os dizeres: “Discovery & Knowledge”, “Tollbox”, “Contexto Positivo”, gráficos, e a mesma fonte de letra dos cabeçalhos, sendo que alguns parágrafos copiam, ipsis verbis, o conteúdo do scroll apresentado à “Ana Aeroportos”. Invoca para o efeito os doc. 21 e 22 juntos com a p.i., afirmando as semelhanças de tais documentos, que no seu entender mostram que houve uma cópia parcial feita pelo R. de materiais aos quais teve acesso ao serviço da A. Em resposta as Recorridas defendem a improcedência da impugnação, sem invocar qualquer elemento probatório, limitando-se a referir que, como sublinhou o tribunal, o que coincide entre ambos são elementos banais, dizeres comuns e nenhuma criação original, sendo que muitos dos materiais reutilizados foram elaborados pelo R. Sobre esta questão o tribunal a quo motivou a sua resposta da seguinte forma: “Da análise comparativa dos scrolls juntos aos autos (docs. 19, 20, 21 e 22 da PI) resulta provado o alegado relativamente à “Lisnave” e “OGMA” mas já não resulta provado o alegado relativamente à “RAR” e “My Way”. Da observação dos dois “scroll”, tirando o tipo de letra dos cabeçalhos e alguns dizeres “típicos” não se verifica a invocada correspondência. Olhando para um e para outro não se vê, de forma alguma, que tenha sido uma “cópia”.” Os doc. 19 a 22 apresentados com a p.i. encontram-se juntos ao processo apenas em suporte físico, atenta a sua dimensão e formato, tendo havido necessidade de solicitar ao Tribunal de 1ª instância o envio dos mesmos para este Tribunal da Relação, para onde havia sido remetido o processo apenas em formato eletrónico. São os doc. 20 e 21 que se referem respetivamente aos scrolls de apresentação relativos aos clientes “RAR” e “My Way”. Procedendo-se à avaliação comparativa destes dois documentos, não pode deixar de concordar-se com a análise feita e enunciada pelo tribunal de 1ª instância, registando-se, desde logo, à primeira vista, que são mais as diferenças existentes entre tais documentos do que as semelhanças. Não obstante, os dois documentos apresentarem semelhanças em alguns aspetos formais, que se procurará especificar em razão da matéria em discussão, que o tribunal a quo na sua motivação salientou apenas quanto ao tipo de letra dos cabeçalhos e alguns dizeres típicos, o que teve como insuficiente para poder qualificar-se um scroll (doc. 20) como cópia do outro (doc. 21) concluindo-se que aquele foi baseado neste. Verifica-se que: i. os dizeres “Discovery & Knowledge” constam de ambos os documentos, expressão inserida na lateral dos documentos, ainda que com um estilo de letra, tamanho e côr diferentes; ii. o início do scroll da My Way tem o título “Objetivos, Abordagem e Fontes de Pesquisa”, sendo que no início do scroll da RAR consta “Objetivos, Abordagem e Fontes”; iii. os dizeres “Tolbox e “Contexto Positivo” encontram-se em ambos os documentos na sequência daquele título, mas no scroll da My Way encontram-se outro subtítulo com a designação “Informação base”, que está ausente no scroll da RAR; iv. os gráficos apresentados em cada um dos documentos, contrariamente ao que refere a Recorrente, são diferentes, sendo que pelo elevado número de gráficos que consta de cada documento não sabemos a quais se refere a Recorrente quando alega a sua semelhança, ficando inviabilizada a avaliação comparativa de gráficos em concreto; v. a invocada cópia de alguns parágrafos ipsis verbis do conteúdo do scroll apresentado à “Ana Aeroportos”, constitui uma alegação genérica e não concretizada da Recorrente relativamente aos documentos apresentados, que não se constatou sem mais. Em face do exposto, não pode deixar de concordar-se com a avaliação feita pelo tribunal de 1ª instância quanto a esta matéria impugnada, considerando-se que os elementos probatórios que constituem os dois documentos indicados pela Recorrente, não determinam a alteração da decisão no sentido de se ter como provada a matéria que consta das alíneas a) e b) dos factos não provados, improcedendo a impugnação apresentada nesta parte. - a al. f) dos factos não provados tem a seguinte redação: f) o Réu agiu com a intenção de desorganizar a Autora, impossibilitando-a de continuar os contactos comerciais com determinados clientes. Alega a Recorrente que a referência à intenção não corresponde a um facto, mas antes a um elemento conclusivo, que deve ser aferido à luz dos factos concretos, devendo ser eliminado do elenco dos factos não provados. Os Recorridos respondem que não foi dado cumprimento ao ónus do art.º 640.º n.º 1 al. c) do CPC, sendo fantasioso dizer-se que a prova revela uma intenção dos RR. em desorganizar a A. Começando por ter em conta esta objeção dos RR., não é certo que a Recorrente não tenha cumprido o disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC, norma que lhe impõe que especifique a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. A Recorrente fá-lo efetivamente quando diz que tal ponto deve ser eliminado do elenco dos factos não provados, por ser uma conclusão e não um facto a que deva ser dada resposta nesta sede, sendo que por ela não é peticionado, como parecem entender os Recorridos, que se dê como provada a intenção dos RR. em desorganizar a A. A decisão sobre a matéria de facto só pode ser integrada por factos, o que decorre do art.º 607.º n.º 4 do CPC, devendo assim ficar afastados da mesma os juízos meramente conclusivos ou os conceitos de direito. Nem sempre é fácil distinguir um facto de uma conclusão ou distinguir matéria de facto de matéria de direito. Diz-nos o Acórdão do TRP de 07-10-2013 no proc. 488/08.1TBVPA.P1 in www.dgsi.pt: “Pode afirmar-se, em sentido muito simplificador, que uma conclusão implica um juízo sobre factos e estes, quando em si mesmos considerados, revelam uma realidade, compreensível e detetável sem necessidade de qualquer acréscimo dedutivo.” A jurisprudência tem vindo a considerar, do que é exemplo o Acórdão do STJ de 07-05-2014 no proc. 39/12.3T4AGD.C1.S1 in www.dgsi.pt que: “são de afastar expressões de conteúdo puramente valorativo ou conclusivo, destituídas de qualquer suporte factual, que sejam suscetíveis de influenciar o sentido da solução do litígio, ou seja, na expressão do Ac. de 09-12-2010 deste Supremo Tribunal, que invadam o domínio de uma questão de direito essencial.” À luz destas considerações e revertendo para o caso em presença, sem grande dificuldade se percebe que a expressão “intenção de desvalorizar a A.” tem natureza conclusiva e valorativa, apenas podendo dizer-se que assim foi ou não, com recurso à avaliação de outros factos concretos que o revelem, já que a intenção se traduz num elemento pessoal subjetivo, não constituindo uma realidade que possa ser atestada por um concreto meio de prova. A expressão que consta da al. f) dos factos não provados implica uma avaliação jurídica e conclusiva sobre factos e não um facto em si por não ser suscetível de ser apreendido por qualquer meio de prova enquanto realidade objetiva, antes contem matéria puramente conclusiva a avaliar precisamente em função dos factos que venham a resultar provados. Deve por isso o ponto em questão ser eliminado do elenco dos factos não provados, procedendo nesta parte a impugnação apresentada pela Recorrente. * Em conclusão, procede apenas parcialmente a impugnação da decisão da matéria de facto apresentada, que se altera apenas quanto à eliminação da al. f) dos factos não provados, improcedendo quanto aos demais. IV. Razões de Direito - da prática pelos RR. de atos de concorrência desleal Alega a Recorrente, em síntese, que os RR. fizeram uso, sem a sua autorização, de informação confidencial sua que tem a natureza de segredo comercial, violando o art.º 313.º n.º 1 e 314.º do CPI, apropriando-se de dados do seu sistema informático que utilizaram, praticando ilícitos à luz do art.º 311.º do CPI com o objetivo de desorganizar a A. e facilitar a implantação da sua nova entidade concorrente. A sentença sob recurso concluiu que não estão em causa segredos comerciais no sentido do art.º 313.º do CPI, nem a prática de atos ilícitos por violação de regras de concorrência desleal, defendendo os Recorridos este mesmo entendimento. O DL 110/2018 de 10 de dezembro veio aprovar o novo Código da Propriedade Industrial, transpondo para o nosso ordenamento jurídico as Diretivas (UE) 2015/2436 e (UE) 2016/943. É do art.º 311.º n.º 1 deste diploma que decorre a noção de concorrência desleal, nos mesmos termos já previstos no art.º 317.º do anterior CPI, exemplificando nas suas diversas alíneas os comportamentos que a constituem, regendo da seguinte forma: “1 - Constitui concorrência desleal todo o ato de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de atividade económica, nomeadamente: a. Os atos suscetíveis de criar confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue; b. As falsas afirmações feitas no exercício de uma atividade económica, com o fim de desacreditar os concorrentes; c. As invocações ou referências não autorizadas feitas com o fim de beneficiar do crédito ou da reputação de um nome, estabelecimento ou marca alheios; d. As falsas indicações de crédito ou reputação próprios, respeitantes ao capital ou situação financeira da empresa ou estabelecimento, à natureza ou âmbito das suas atividades e negócios e à qualidade ou quantidade da clientela; e. As falsas descrições ou indicações sobre a natureza, qualidade ou utilidade dos produtos ou serviços, bem como as falsas indicações de proveniência, de localidade, região ou território, de fábrica, oficina, propriedade ou estabelecimento, seja qual for o modo adotado; f. A supressão, ocultação ou alteração, por parte do vendedor ou de qualquer intermediário, da denominação de origem ou indicação geográfica dos produtos ou da marca registada do produtor ou fabricante em produtos destinados à venda e que não tenham sofrido modificação no seu acondicionamento.” Ao dar-nos a noção de concorrência desleal, o legislador opta por um lado, por um conceito genérico, ao estabelecer corpo do n.º 1 do art.º 311.º do CPI que o ato de concorrência desleal é aquele que é contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de atividade económica, aqui fazendo apelo a conceitos genéricos ou cláusulas gerais que têm de ser preenchidas em cada caso e, por outro lado, vem nas suas diversas alíneas concretizar os comportamentos suscetíveis de serem assim qualificados. Com se diz de forma esclarecedora no Acórdão do STJ de 26-02-2015 no proc. 1288/05.6TYLSB.L1.S1 in www.dgsi.pt : “A noção de concorrência desleal é dada através de uma definição geral, seguida de uma enumeração exemplificativa de actos desleais: a cláusula geral, de carácter valorativo, e não taxativa, torna a apreciação da deslealdade do acto dependente da sensibilidade do julgador, propiciando a criação de algumas zonas nebulosas, mas tem vantagens, pela maleabilidade que permite e a consequente possibilidade de adequar o conceito de concorrência desleal às várias situações que, em cada momento e sector de actividade, se considerem contrárias às normas e usos honestos. De acordo com essa noção constituem pressupostos da concorrência desleal: (i) a prática de um acto de concorrência; (ii) contrário às normas e usos honestos; (iii) de qualquer ramo de actividade económica. Detalhemos, sumariamente, estes três pressupostos: (i) A concorrência é um tipo de comportamento: diferentes agentes económicos competem pela realização de planos e interesses individuais que, nalguma medida, não são compatíveis. O acto de concorrência é aquele que é idóneo a atribuir, em termos de clientela, posições vantajosas no mercado; em sentido económico, pressupõe a existência de regras de livre iniciativa económica, bem como a existência de uma pluralidade de agentes económicos e de um público consumidor com liberdade de escolha. O que interessa saber é se a actividade de um agente económico atinge ou não a actividade de outro, através da disputa da mesma clientela: inequivocamente, há um acto de concorrência, na sua máxima expressão, quando dois concorrentes, de modo actual e efectivo, produzem ou comercializam um produto ou prestam serviços idênticos, com simultaneidade e no mesmo domínio territorial relevante. (ii) A deslealdade afere-se pela violação autónoma de normas sociais de conduta e não por violação de normas legais (ainda que possa haver actos desleais que também sejam ilegais). As normas de comportamento são regras constantes dos códigos de boa conduta, elaborados, com crescente frequência, por diversas associações profissionais. Por sua vez, os usos honestos são padrões sociais de conduta de carácter extra-jurídico, correspondentes a práticas sociais, nem sempre uniformes, pois podem variar consoante o sector de actividade considerado. (iii) De qualquer ramo de actividade económica. É defensável a aplicabilidade do regime da concorrência desleal às profissões liberais, não só pelo manifesto carácter económico dessas actividades, como porque, não o fazendo, se isentariam, injustificadamente, alguns desses profissionais de responsabilidades a que estão sujeitos os demais agentes económicos. A concorrência desleal traduz, em síntese, os actos repudiados pela consciência normal dos comerciantes, por contrários aos usos honestos do comércio, que sejam susceptíveis de causar prejuízo à empresa de um competidor pela usurpação, ainda que parcial, da sua clientela, com vista à criação e expansão, directa ou indirecta, de uma clientela própria.” Para que possa falar-se de concorrência desleal é assim necessário que as empresas se apresentem como concorrentes uma da outra, atuando no âmbito do mesmo ramo de atividade económica qualquer que ela seja, pois só assim pode verificar-se o desvio ou potencialidade de desvio de clientela, determinada por um comportamento de um sujeito ou entidade, que se apresenta como desleal, por contrário às normas ou usos honestos da atividade desenvolvida pelas empresas concorrentes. Importa ter em conta que a livre concorrência é de salutar no âmbito da atividade económica e protegida pelo legislador, mesmo ao nível constitucional, bastando atentar nas normas previstas no Título dos Direitos e Deveres Económicos, Sociais e Culturais, designadamente no art.º 61.º da CRP que vem estabelecer o direito de iniciativa privada, ou no art.º 80.º ao definir os princípios fundamentais da organização económica. O que é censurado é tão só a atividade concorrencial desleal ou desonesta, pelo que, como diz Pedro Sousa e Silva, in Direito Industrial - Noções Fundamentais, pág. 316: “a proibição da concorrência desleal tem de ser aplicada com muito discernimento, como se fosse um tempero. Ela existe só para travar os excessos da luta concorrencial.” Na concretização deste conceito genérico, de normas ou usos honestos da atividade das empresas concorrentes e na mesma linha, salienta o Acórdão do STJ de 05-06-2018 no proc. 143/16.9YHLSB.L1.S1 in www.dgsi.pt: “Exige-se ainda que o ato de concorrência colida com normas e usos honestos de determinado ramo de atividade económica. Faz-se, portanto, apelo a um controlo ético geral de padrões sociais de conduta próprios do ramo de atividade em questão e que permita traçar a linha divisória entre o que é leal e desleal. Desta forma, se o ato praticado tiver por finalidade atrair/desviar a clientela mas não for contrário a normas ou usos aceites no seio da respectiva atividade não haverá, evidentemente, concorrência desleal, ainda que, como consequência da sua realização, a empresa consiga obter clientela à custa da clientela alheia.” Com interesse para a situação que se discute nos autos, importa ainda levar em conta o disposto no art.º 313.º do CPI que sobre o objeto da informação protegida, dispõe: “1. Entende-se por segredo comercial e são como tais protegidas as informações que reúnem cumulativamente os seguintes requisitos: a) Sejam secretas, no sentido de não serem geralmente conhecidas ou facilmente acessíveis, na sua globalidade ou na configuração e ligação exatas dos seus elementos constitutivos, para pessoas dos círculos que lidam normalmente com o tipo de informações em questão; b) Tenham valor comercial pelo facto de serem secretas; c) Tenham sido objeto de diligências razoáveis, atendendo às circunstâncias, por parte da pessoa que detém legalmente o controlo das informações, no sentido de as manter secretas. 2 - A proteção é extensiva aos produtos cuja conceção, características, funcionamento, processo de produção ou comercialização beneficia significativamente de segredos comerciais obtidos, utilizados ou divulgados ilicitamente. 3 - Entende-se por titular do segredo comercial a pessoa singular ou coletiva que exerce legalmente o controlo de um segredo comercial. Também o art.º 314.º com a epígrafe “atos ilícitos, estabelece: “1 - Constitui ato ilícito a obtenção de um segredo comercial, sem o consentimento do respetivo titular, sempre que esse ato resulte: a) Do acesso, da apropriação ou da cópia não autorizada de documentos, objetos, materiais, substâncias ou ficheiros eletrónicos, que estejam legalmente sob o controlo do titular do segredo comercial e que contenham este segredo ou a partir dos quais o mesmo seja dedutível; b) De outra conduta que, nas circunstâncias específicas em que ocorre, seja considerada contrária às práticas comerciais honestas. 2 - Constitui ainda ato ilícito a utilização ou divulgação de um segredo comercial, sem o consentimento do respetivo titular, por pessoa que preencha uma das seguintes condições: a) Tenha obtido o segredo comercial ilegalmente; b) Viole um acordo de confidencialidade ou qualquer outro dever de não divulgar o segredo comercial; c) Viole um dever contratual ou qualquer outro dever de limitar a utilização do segredo comercial. 3 - Constitui ainda ato ilícito a obtenção, utilização ou divulgação de um segredo comercial sempre que uma pessoa, no momento da obtenção, utilização ou divulgação, tivesse ou devesse ter tido conhecimento, nas circunstâncias específicas em que se encontrava, que o segredo comercial tinha sido obtido direta ou indiretamente de outra pessoa que o estava a utilizar ou divulgar ilegalmente nos termos do número anterior. 4 - É também considerada utilização ilícita de um segredo comercial a produção, oferta ou colocação no mercado de mercadorias em infração, ou a importação, exportação ou armazenamento de mercadorias em infração para aqueles fins, sempre que a pessoa que realize estas atividades tivesse ou devesse ter tido conhecimento, nas circunstâncias específicas em que se encontrava, que o segredo comercial tinha sido utilizado nas condições previstas no n.º 2.” Como refere Pedro Sousa e Silva, in ob. cit., pág. 324: “O acto de concorrência pode ser definido, genericamente, como um acto susceptível de conferir posições vantajosas no mercado, face à clientela. A obtenção de clientela é sempre a sua finalidade, imediata ou mediata.” O exercício de uma atividade empresarial que tem como finalidade a obtenção de lucro, tem de ser orientada por cada entidade para o objetivo de angariar a maior clientela possível para os seus produtos ou serviços, pelo que o comportamento dirigido nesse sentido, não é só por si censurável, no âmbito de um contexto económico de livre concorrência, ainda que possa vir a determinar a transferência de clientela, apenas pode ser considerado censurável se se apresentar como contrária às normas e aos usos honestos desse ramo de atividade. Tal como se diz a dada altura na sentença sob recurso, em asserção com a qual se concorda: “Assim, se o ato praticado tiver por finalidade atrair a clientela mas não for contrário a essas normas não haverá concorrência desleal, ainda que, como consequência, a empresa consiga obter maior clientela à custa da clientela alheia. O que caracteriza a concorrência desleal não é o resultado final obtido mas os meios utilizados para o alcançar.” Importa finalmente salientar que a violação de direitos de propriedade industrial, não se confunde com a concorrência desleal. Como se refere no Acórdão do STJ de 26-09-2013 no proc. 6742/1999.L1.S2 in www.dgsi.pt: “Os direitos privativos da propriedade industrial e a repressão da concorrência desleal são institutos distintos na medida em que através daqueles se procura proteger uma utilização exclusiva de determinados bens imateriais, enquanto através da repressão da concorrência desleal se pretende estabelecer deveres recíprocos entre os vários agentes económicos. Assim, pode haver violação de um direito privativo sem que haja concorrência desleal nos casos em que o ato não cause prejuízo a outra pessoa através da subtração de sua clientela refetiva ou potencial. Aquilo que se censura ao agente económico são os meios de que ele se serve para atuar no mercado, não os concretos resultados que derivam dessa atuação.” No caso em presença, a controvérsia centra-se em saber se os atos praticados pelos RR. podem ser qualificados de desleais ou desonestos, apresentando-se como social ou eticamente reprováveis, ou não, avaliando se aqueles ao concretizarem a implementação da sua empresa e o desenvolvimento da sua estratégia comercial, procuraram impor-se por si através de características próprias e com individualidade, ou antes orientar-se para a associação ou colagem à atividade desenvolvida pela A., enquanto empresa concorrente, fazendo indevido uso de elementos secretos a que o R. teve acesso enquanto trabalhou para aquela, com o objetivo de angariar clientela para si, desviando-a da A. Sobre a densificação do conceito de usos honestos de uma atividade económica, vale a pena ter em conta o Acórdão do TRP 13-06-2018 no proc. 1839/13.2TBPVZ.P2 in www.dgsi.pt em que a aqui relatora teve intervenção como adjunta, que a este propósito refere, em termos que nos revemos: “Segundo o Parecer da PGR atrás citado, in Boletim do Ministério da Justiça nº 69, pág. 453, a expressão usos honestos remete «para um conceito móvel e contingente da honestidade profissional. Não devemos procurar saber se existem verdadeiros costumes comerciais que legitimem determinada conduta, e menos ainda se tais costumes reúnem requisitos que permitam erigi-los em fonte de direito mediata, mas deverá ver-se no preceito em análise uma referência directa à consciência ética do comerciante médio, sendo intérprete o julgador». Cumpre assinalar que a nossa ordem jurídica já fornece uma cláusula geral com aptidão e aspiração a regular comportamentos com base em critérios éticos de comportamento globalmente aceites pela comunidade, a qual permite controlar e reduzir a incerteza associada à determinação daquilo que é considerado honesto num sector em particular pelos próprios agentes desse sector. Trata-se da cláusula da boa fé. Ana Clara Amorim, loc. cit, pág. 19, chama, muito bem, à atenção para o conceito de diligência profissional constante do artigo 3.º do regime jurídico aplicável às práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de Março, que remete esse dever de diligência para o «o padrão de competência especializada e de cuidado que se pode razoavelmente esperar de um profissional nas suas relações com os consumidores, avaliado de acordo com a prática honesta de mercado e ou com o princípio geral de boa fé no âmbito da actividade profissional». A critica que Menezes Cordeiro, in Da boa fé no Direito Civil, págs. 1212-1213, fez à opção do legislador português de não recorrer à boa-fé ou aos bons costumes para efeitos de qualificação da concorrência desleal, o que resultaria «num quadro dogmático menos claro», pode assim ser superada com recurso ao desenvolvimento dos conceitos normativos por força da interpretação conjugada com disposições de institutos próximos ou concebidos para protecção de interesses aproximados ou similares no âmbito da actuação das empresas no mercado. Com essa composição, a concorrência desleal visa obstar a actos contrários aos usos honestos do comércio, repudiados pela boa consciência dos agentes do mercado e capazes de causar prejuízos a concorrentes que assomam como ilegítimos, injustificados, resultantes não das competências próprias mas do aproveitamento, usurpação ou clonagem de competências alheias (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.02.2015, proc. n.º 1288/05.6TYLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt). O que se censura ao agente económico são os meios de que ele se serve para actuar no mercado, não os concretos resultados que derivam dessa actuação (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.09.2013, proc. n.º 6742/1999.L1.S2, e Acórdão da Relação do Porto de 09.02.2006, proc. n.º 0536911, in www.dgsi.pt). O que se pretende tutelar é a confiança legítima de todos os agentes do mercado de que as actuações concorrenciais se pautarão pela boa fé.” É à luz do que se expôs sumariamente e em razão dos factos que resultaram provados que importa avaliar se o comportamento dos RR. pode ser qualificado de concorrência desleal, registando-se desde já, por pacífico, que estamos efetivamente perante atos de concorrência, movendo-se a A. e os RR. no âmbito da mesmo ramo de atividade económica, propondo-se prestar serviços afins, tendo como alvo o mesmo setor de mercado. Relembra-se os factos provados que mais relevam para a apreciação desta questão: - A Autora é uma sociedade comercial portuguesa, fundada em 2010, que tem como objeto social a prestação de serviços de “consultoria e gestão de projetos”. - A Autora possui uma equipa de profissionais qualificados. - A atividade da Autora dirige-se a empresas de maior dimensão. - Ao longo dos anos a Autora tem trabalhado com grandes grupos económicos. - Os dados recolhidos, a estratégia de abordagem comercial e de implementação têm um papel central na sua atividade. - A Autora desenvolve, mantém e utiliza um conjunto de informação comercial, nomeadamente: (i) “listas de potenciais clientes”; (ii) “listas de potenciais clientes em processo de angariação (leads)”; (iii) “lista de clientes”; (iv) “atas de reuniões com clientes e potenciais clientes”; (v) “estratégias comerciais de abordagem a clientes”; e, (vi) “histórico datado de contactos”. - Esta informação é guardada em bases de dados e é composta por variada documentação e material, tais como: (i) modelos (templates) de correspondência e de contratos; (ii) estratégias de abordagem (point of views); (iii) ilustrativos de abordagens; (iv) case studies; (v) contratos celebrados entre a Autora e terceiros (colaboradores, clientes e fornecedores); (vi) propostas a enviar e enviadas a clientes; (vii) relatórios internos; (viii) roll-ups (rolos de papel) (ou scrolls) de apresentação e de definição de estratégia para cada cliente e/ou histórico de projetos passados; - Para uma empresa de consultoria toda a informação desempenha um papel central na sua atividade. - A maioria dos colaboradores tem acesso, unicamente, à informação do projeto em que estão a trabalhar, sendo que apenas aqueles que têm “privilégios informáticos de administrador” têm acesso a toda a informação. - O Réu DD é consultor e sócio fundador da Ré Enginwyse, Lda.” - A Ré - Engynwise, Lda. – é uma sociedade comercial portuguesa, fundada em 9 de dezembro de 2020, que tem como objeto social a prestação de serviços de consultoria de gestão e de sistemas de informação. - Entre 1 de setembro de 2014 e de 30 de outubro de 2020, o Réu prestou serviços para a Autora, mediante a celebração de um contrato de prestação de serviços, assinado por ambas as partes, que tinha como objeto a prestação de serviços de “desenvolvimento e controle da actividade da Voltarion em Portugal e nos países de língua oficial portuguesa situados no continente africano”. - O Réu assumia as suas funções em regime de dedicação exclusiva, obrigando-se, com exceção de eventuais situações a acordar entre as partes, a não exercer ou coordenar total ou parcialmente, por si ou por intermédio de interposta pessoa ou entidade, atividade comercial que fosse concorrente à da Autora. - As tarefas prestadas pelo Réu à Autora consubstanciavam funções de elevado grau de confiança e responsabilidade. - O Réu tinha acesso a todos os dados da Autora, guardados, eletronicamente, em dois repositórios informáticos: alguma informação, nomeadamente as estratégias comerciais de abordagem a clientes, contratos celebrados internamente e externamente (colaboradores, clientes e fornecedores), relatórios internos e atas de reuniões com clientes e leads, minutas, guardada no serviço de armazenamento em nuvem da Microsoft «One Drive», que permitia ao Réu tanto o acesso online quanto offline (por via do computador pessoal ou profissional); a restante informação, designadamente a lista de potenciais clientes, listas de potenciais clientes em processo de angariação, lista de clientes angariados, no passado e em curso, e histórico datado de contactos, guardada na ferramenta Gestão de relacionamento com o cliente “Sales Force”. - No dia 28/10/2020 o Réu comunicou ao sócio administrador da Autora, AA, o desejo de sair da Autora. - O término da relação contratual deu-se a 30/10/2020, tendo sido formalizado com a assinatura de uma declaração de cessação do contrato de prestação de serviços assinada por ambas as partes. - Nos termos da referida “declaração”, as partes declararam que a partir da data de 31 de outubro de 2020 cessam “todos os deveres e responsabilidades ao abrigo do contrato de prestação de serviços celebrado em 1 de setembro de 2014, excetuando-se (…) as obrigações e direitos resultantes da cláusula Quinta e Sexta do mesmo”. - Nos termos da Cláusula Quinta, o ora Réu obrigou-se a não divulgar, durante o período de vigência do contrato bem como após a sua cessação, “quaisquer informações de natureza confidencial” relativas à ora Autora, “designadamente informações relativas à sua organização, métodos de produção ou negócios, clientela, propriedade industrial e direitos de autor ou de que tenha conhecimento no decurso da sua atividade ao serviço” da ora Autora. - A informação que estava guardada no “OneDrive” pôde ser mantida no computador utilizado pelo Réu, uma vez que por via da sincronização a mesma pode ser acedida offline. - A 16/11/2020, o Réu enviou correspondência a várias empresas que faziam parte da lista de potenciais clientes da Autora, comunicando, entre outras coisas, que nos próximos meses se iria dedicar “à criação de um novo projeto, sustentado nos programas de melhoria de produtividade e crescimento, mas com apostas específicas para ajudar empresas a ultrapassar os novos desafios da transformação digital, da globalização, da descarbonização e da adaptação das organizações e suas lideranças ao modo de vida das novas gerações”. - Os contactos de correio eletrónico utilizados pelo Réu estavam guardados nas plataformas da Autora, constituindo contactos diretos de administradores executivos, secretárias/assistentes de direção ou outro tipo de pessoas com poder decisório ou de influência dentro da empresa em causa. - A obtenção deste tipo de contactos implica um trabalho de pesquisa. - Em novembro de 2020, a Autora pediu uma auditoria aos seus sistemas informáticos internos, por via da qual foi detetado que toda a informação presente no sistema “Sales Force” havia sido exportada pelo Réu no dia 21/10/2020. - Foi ainda identificado que, no dia 25/10/2020, o Réu havia alterando o estado de cinco tarefas que estavam atribuídas à colaboradora CC para o estado “concluídas”. - As tarefas alteradas eram de potenciais clientes, ainda não angariados. - Esta circunstância fez perder informação sobre os contactos já desenvolvidos com esses potenciais clientes. - Após a sua saída, o Réu contactou colaboradores da Autora, convidando-os a integrarem o seu “novo projeto” de consultoria: a Dra. CC, o Dr. FF e o Dr. BB. - O Dr. BB informou que iria sair da Voltarion no final do ano de 2021. Os outros rejeitaram o convite. - O Dr. BB passou a integrar a Ré, como “responsável de operações” a partir de janeiro de 2022. - Numa reunião mantida com a empresa “Lisnave”, a Ré Enginwyse apresentou um scroll que havia sido idealizado e criado na Autora para a empresa “OGMA”, em 2017. - Os scrolls foram elaborados por equipas dirigidas pelo Réu, quando trabalhava para a Autora. - O Réu, em nome da Ré, enviou cartas de apresentação com conteúdo idêntico/semelhante aos templates mantidos no sistema de repositório eletrónico “OneDrive” da Autora. - A Ré contratou os mesmos fornecedores de gráfica (empresa Ink Limit) e de marketing (GG) que trabalhavam para a Autora. - GG constituiu um site para a Ré, estruturalmente semelhante ao da Autora, bem como tratou da comunicação desta. - O Réu DD, em virtude do seu percurso profissional, desenvolveu uma vasta rede de contactos, tendo adquirido experiência significativa e muito variada em consultoria, no desenvolvimento e gestão de projetos, no desenvolvimento de equipas e na montagem de unidades de negócio. - Foi o R. que geriu a implementação do sistema informático, incluindo o sistema de gestão de clientes “Sales Force” e o repositório de ficheiros “One Drive”. - A lista de alvos comerciais é constituída por dados públicos - as maiores empresas portuguesas e os seus administradores -, informação que tende a ir mudando. - A apresentação de posters (scrolls), nos mais variados contextos, é habitual e precede a existência da Autora. - Há várias empresas no contexto da consultoria que o fazem. - O Réu apresentou o scroll referido em 43. como uma referência de trabalho anterior, parte do seu portefólio profissional. Como entendeu a sentença sob recurso, temos dificuldade em integrar a condutas dos RR. no âmbito dos art.º 313.º e 314.º do CPC normas relativas à proteção dos segredos industriais, por se afigurar que, atento o conceito ali enunciado, não podem ser qualificadas de secretas, os elementos e as informações a que o R. teve acesso enquanto exerceu funções na A. e que os RR. utilizaram mais tarde. Está aqui em causa, no essencial, o acesso pelo R. à lista de clientes e potenciais clientes da A., bem como aos seus contactos e o seu uso pelos RR. bem como de minutas ou templates, estratégias comerciais e scrolls de apresentação das propostas aos clientes. Dificilmente pode qualificar-se de secreta a informação relativa a uma lista de clientes e potenciais clientes da A., que o R. não podia deixar de conhecer enquanto seu trabalhador e a que tinha acesso, na medida em que se trata de entidades que podem ser encaradas como alvo de uma qualquer empresa que inicia uma atividade no mesmo ramo, a cuja identificação e contactos qualquer pessoa pode chegar. Ficou aliás provado que “a lista de alvos comerciais é constituída por dados públicos - as maiores empresas portuguesas e os seus administradores -, informação que tende a ir mudando” e “a obtenção deste tipo de contactos implica um trabalho de pesquisa”, o que é desde logo revelador de que não se tratam de elementos ou de informação que possa ser qualificada de privada ou secreta, não obstante seja informação que tem valor comercial para a empresa. Do mesmo modo, também não se apurou que as minutas, estratégias comerciais e scrolls de apresentação aos clientes que a A. usava na sua empresa tivessem particularidades específicas suscetíveis de os tornar especiais, ou de alguma forma apresentassem elementos diferenciadores capazes de os associar à A., em confronto com os de outras empresas do mesmo ramo, tendo também ficado apurado que “a apresentação de posters (scrolls), nos mais variados contextos, é habitual e precede a existência da Autora”, que “há várias empresas no contexto da consultoria que o fazem” e ainda que “o Réu apresentou o scroll referido em 43. como uma referência de trabalho anterior, parte do seu portefólio profissional”. Dá-se por isso razão nesta parte à sentença sob recurso, designadamente quando a este respeito refere a dada altura: “Não se vê que a factualidade provada seja reveladora de ter o Réu incorrido na violação de informações de natureza “confidencial”. Não ficou demonstrado que o Réu se apropriou e utilizou informação sigilosa, sem prejuízo dos conhecimentos que foram sendo adquiridos através do exercício das suas funções, nomeadamente ao serviço da Autora, indissociáveis da pessoa e naturalmente utilizados agora em proveito da empresa Ré, concorrente da Autora. Trata-se de uma área técnica, onde operam profissionais com os necessários conhecimentos para o efeito, conhecimentos esses que a própria Autora reconhece no Réu e que a levou a contratá-lo. Sendo “comercializado” o conhecimento, sendo este o principal ativo empresarial, o qual está necessariamente associado a quem exerce as funções de consultoria, as informações confidenciais não podem respeitar a esse conhecimento “em bruto”, devendo antes traduzir-se numa aplicação prática, privada, desse conhecimento - em termos de não se querer dar a conhecer os concretos termos dos negócios da Autora - para que possam ser classificadas como “segredo comercial”. A listagem de grandes empresas é de livre acesso, sendo certo que o próprio Réu tinha já conhecimento pessoal das mesmas. As cartas de apresentação são “modelos”, tendo, de resto, sido subscritas pelo próprio Réu. Os “scroll” traduzem um trabalho de aplicação de conhecimentos à situação concreta de cada empresa, tendo sido apresentado um, com a eliminação das referências à Autora e respetivo cliente, como exemplo de trabalho, que não deixou de ser desenvolvido com a contribuição do Réu, não advindo o seu valor comercial do seu “secretismo”. Por outras palavras, os conhecimentos, experiência e habilidade demonstrados pelo Réu, de que legitimamente se serve no desenvolvimento da sua atividade profissional, não foram obtidos através da execução do contrato de prestação de serviços celebrado com a Autora. (…) Relativamente à utilização dos “scroll” de apresentação e dos modelos de correspondência semelhantes aos utilizados pela Autora não resultou demonstrado que tivesse gerado “confusão” entre os clientes. A distinção da marca “Voltarion” não deixou de existir em função daquele uso. Na verdade, ficou provado que aqueles modelos de apresentação são normalmente usados na atividade de consultoria e outras, não sendo suscetíveis de apropriação exclusiva pela Autora, designadamente não se provou que sejam produzidos de forma “secreta”. E, conforme reconhecido pela Autora, “as diferenças derivam da circunstância de as empresas abordadas serem distintas”, pelo que, não haverá “confusão” porquanto o seu teor está necessariamente dirigido à realidade da empresa a que se destina.” Não havendo dúvidas de que estamos perante informação e elementos importantes para a A., nos quais a mesma centra o exercício da sua atividade de consultoria, tal não significa que aquelas informações e modelos de trabalho a que o R. teve acesso e que usou tenham um caracter de tal forma particular e individualizado que os torna objeto da tutela específica da propriedade industrial ou dos direitos de autor, por insuscetíveis de poder ser utilizadas por terceiro, caindo, designadamente, no âmbito da previsão dos art.º 313 e 314.º do CPI. Tal não significa, porém, que a conduta dos RR. a respeito da obtenção e uso de todas estas informações, tenha sido a correta, pelo contrário, antes se afigura, conforme se explicitará, que os factos provados evidenciam comportamentos dos RR. que podem ser qualificados como de concorrência desleal, nos termos previstos no art.º 311.º n.º 1 do CPI, por contrária aos usos honestos que devem estar subjacentes ao exercício deste ramo da atividade económica. Como já se referiu, no âmbito da propriedade industrial a tutela do legislador é dirigida a diversos fins, designadamente, como se diz no Acórdão do TRP de 25-10-2018 no proc. 364/12.3TVPRT.P1 in www.dgsi.pt relatado pela aqui também relatora: “A proteção dos direitos de autor e a concorrência desleal constituem institutos autónomos e distintos e têm funções ou finalidades diferentes, podendo verificar-se uma das situações sem que se verifique a outra. Pode assim haver violação de direitos de autor sem haver um ato de concorrência desleal, tal como pode existir concorrência desleal sem violação de direitos de autor. O regime dos direitos de autor visa em primeira linha a proteger a utilização exclusiva de determinados bens pelo seu autor, de alguma forma assim também garantindo a lealdade da concorrência. Já a concorrência desleal apresenta-se inserida numa regulação que tem como objetivo a subordinação dos diversos agentes económicos a um conjunto de regras ou deveres de atuação pautados pela honestidade e pela lealdade.” A conduta da R. ao contratar os mesmos fornecedores de gráfica e marketing que trabalhavam para a A, bem como o facto do R. ter contactado e contratado um trabalhador da A. para integrar o seu novo projeto, não podem só por si considerar-se contrária aos usos honestos da atividade. Tal correspondeu a uma iniciativa dos RR. que teve em vista as boas referências de que dispunham relativamente às empresas e colaboradores que visaram contratar, não se vendo que só por si constituam atos censuráveis, não se apurando sequer que tal pudesse de alguma forma vir a destabilizar a atividade da A., salientando-se até que esta voltou a contratar o trabalhador que dela havia saído para ir trabalhar para a R., o que mostra que estamos perante comportamentos usuais que se inserem no âmbito da livre concorrência em que se move a atividade empresarial, numa circunstância em que o mercado alvo é o mesmo. Afigura-se, no entanto, que os comportamentos dos RR. devem ser avaliados numa perspetiva conjunta ou global e não individualizada. Na verdade, o conjunto dos factos apurados aponta para que o R., quando decidiu sair da A. e criar a sua própria empresa concorrente, delineou previamente uma estratégia prévia, que facilitasse a implementação e atividade da sociedade R., adotando os seguintes comportamentos: i. contrata os mesmos fornecedores de gráfica e de marketing que já conhecia; ii. socorre-se da informação e elementos com os quais trabalhava na A., sejam as minutas, templates ou scrolls, seja a lista e contactos de clientes ou potenciais clientes angariados pela A. que a R. passou a uitlizar; iii. contacta três trabalhadores da A. a quem convidou para integrar o seu novo projeto, contratando um que aceitou esse convite; iv. envia cartas de apresentação do seu novo projeto aos clientes e potenciais clientes da A. com o teor a que alude o ponto 30 dos factos provados; v. exporta informação do sistema Sales Force ferramenta de gestão informática da A. de gestão de relacionamento com o cliente, a pouco mais de uma semana antes de sair da A., onde constava designadamente a informação de potenciais clientes, potenciais clientes em processo de angariação, lista de clientes angariados no passado e em curso e histórico datado de contactos; vi. a cerca de uma semana de sair da A., altera o estado de cinco tarefas que estavam atribuídas à colaboradora CC, relativas a potenciais clientes ainda não angariados, para o estado de concluídas, o que determinou a perda de informação por parte da A. sobre os contactos desenvolvidos com esses potenciais clientes. Em face destes comportamentos, o R. apropriou-se de uma séria de elementos que faziam parte da organização da A., conseguiu transferir para a R., sociedade de consultoria que criou após sair da A. e dela concorrente, um rol significativo de informação pertença da A., extremamente relevante para as empresas que atuam nesta área de negócio de consultoria, não só facilitadora do trabalho para quem inicia uma nova empresa, mas ainda com possível impacto na angariação de clientela futura. Tal revela uma apropriação por parte dos RR. de informação e elementos da A. enquanto empresa concorrente, em lugar de trabalharem elas próprias a obtenção de informação e a realização de elementos de trabalhos específicos, que naturalmente podiam fazer, mas que sempre demandaria um investimento de tempo e dinheiro. Como bem se refere no já citado acórdão do TRP de 13-06-2018: “À luz dos valores éticos que devem caracterizar a normal e sã concorrência num mercado disputado com respeito pelos demais agentes do mercado, onde cada agente tem o direito mas também a obrigação de desenvolver, potenciar e afirmar as suas próprias competências em vez de explorar, aproveitar e copiar de forma oportunista as competências dos outros, tal actuação não pode ser considerada honesta, recta, aceitável, tolerável.” Esta conduta dos RR., no entanto, não se refletiu apenas num benefício próprio, como também num necessário prejuízo para a A. destacando-se o comportamento do R. enunciado em (iv) que determinou que a A. perdesse a informação que trabalhou relativa a potenciais clientes, que o R. não se limitou a adquirir para si, não podendo deixar de saber que prejudicava a A. quando altera o estado de tarefas atribuídas a outro colaborador, relativas a potenciais clientes ainda não angariados, que certamente pretendeu ser ele a trabalhá-los e angariá-los para a sua nova empresa. Também a tentativa de contratação de três trabalhadores qualificados da A. não pode deixar de ser vista numa perspetiva em que os RR. não podiam deixar de saber o impacto negativo que tal teria na organização da A. É verdade que só veio a concretizar-se a saída de um deles, mas se o resultado pretendido pelo R. se tivesse verificado a A. ficaria de um dia para o outro sem três trabalhadores qualificados, para além do R. o que não deixaria certamente de causar uma desestabilização na sua organização empresarial. Mais se adianta, que os comportamentos enunciados, pela sua dimensão e características, não se apresentam como comportamentos com os quais a A. pudesse razoavelmente contar numa perspetiva de livre e sã concorrência, não podendo deixar de ter sido surpreendida pelos mesmos. Salienta-se ainda, como ficou provado, que no contrato de prestação de serviços celebrado entre a A. e o R. ficou previsto, na sua cláusula 5ª a obrigação do R. não divulgar, quer no período de vigência do contrato, quer após a sua cessão “quaisquer informações de natureza confidencial” relativas à ora Autora, “designadamente informações relativas à sua organização, métodos de produção ou negócios, clientela, propriedade industrial e direitos de autor ou de que tenha conhecimento no decurso da sua atividade ao serviço” da ora Autora. Contrariamente ao entendimento seguido pelo tribunal a quo, que considerou que por não poder falar-se de informação confidencial não podia apontar-se ao R. um comportamento censurável, afigura-se que uma coisa não é pressuposto da outra. Não obstante a avaliação anteriormente feita, no sentido de não qualificar como segredo a informação e elementos a que o R. acedeu e os RR. usaram, designadamente a lista de clientes e potenciais clientes, não pode deixar de ver-se um incumprimento do contrato por parte do R. quando, após cessar a prestação de serviços para a A., faz uso de tal informação, nos termos já enunciados, de forma que não pode deixar de considerar-se abusiva. A conduta dos RR. pode ser qualificada de má fé, desleal e desonesta. E não se diga, numa conclusão simplista, que a sua intenção não foi desorganizar ou prejudicar a A., uma vez que o teor dos factos provados revela que ainda que os mesmos possam não ter tido essa vontade primeira, direta e deliberada, podendo ser a sua primeira intenção a obtenção de benefícios para si, os mesmos não podiam deixar de saber o impacto negativo que a mesma poderia ter na A., concretamente quanto ao resultado possível de desvio de clientela que manifestamente procuraram operar. Sobre o conceito de má fé orientado para a consciência do prejuízo causado, ainda que no âmbito de um instituto diferente como é o da impugnação pauliana diz-nos com toda a propriedade João Cura Mariano, in Impugnação Pauliana, pág. 199: “A consciência do prejuízo é um processo psicológico pertencente ao domínio da representação ou ideação, assumindo uma natureza intelectiva. (…) É suficiente para que os autores do acto tenham consciência das suas consequências danosas que as prevejam como possíveis, tendo-as presente no seu espírito.” Qualquer cidadão médio não podia deixar de representar a existência de um prejuízo para esta concreta empresa, quando perde o trabalho desenvolvido e em aberto com potenciais clientes não angariados, cuja informação é toda ela transferida para outra empresa concorrente, necessariamente com o objetivo de ser ela a angariá-los, do que resulta a necessária consciência do dano que tal conduta causa àquela empresa. Em razão de tudo o que fica exposto, conclui-se que estamos efetivamente perante atos de concorrência desleal praticados pelos RR., violadores dos deveres de lealdade e das normas sociais de boa conduta e usos honestos da atividade económica, suscetíveis de se integrarem no conceito geral de ato de concorrência desleal previsto no art.º 311.º n.º 1 do CPC. - do direito da A. a ser indemnizada pelos danos causados Alega a Recorrente, que tendo os RR. violado ilicitamente os seus direitos e interesses, agindo de forma deliberada e consciente ou pelo menos com culpa grave, estão obrigados a ressarcir os danos que provocaram, invocando o art.º 347.º do CPI que entende dever ser aplicado por analogia, se se entender que não está em causa a violação de segredo, concluindo que não sendo possível apurar o montante exato do prejuízo, deve ser fixada uma indemnização com recurso à equidade. A sentença sob recurso considerou que: “Não estando em causa a violação de segredos comerciais mas uma conduta desleal, na determinação dos prejuízos a ressarcir não tem aplicação o disposto no art. 347º do CPI. Cabia à Autora o ónus da prova da verificação de perda de clientela em consequência da atuação do Réu e dos concretos prejuízos patrimoniais inerentes, assim como dos prejuízos não patrimoniais, ónus que não cumpriu.”. O princípio geral da responsabilidade civil por factos ilícitos prevê no art.º 483.º do CPC, que a violação ilícita e culposa de um direito de outrem ou interesse legalmente protegido, faz incorrer o seu agente na obrigação de indemnizar pelos danos resultantes dessa violação. É nos art.º 562.º ss. do C.Civil, que vem previsto o regime geral da obrigação de indemnizar, seja qual for a sua fonte. Começa o art.º 562.º do C.Civil por estabelecer o princípio geral de que “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existira, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.” Acrescenta o art.º 563.º que: “A obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.”. Este art.º 563.º do C.Civil vem consagrar o princípio da causalidade adequada, ao estabelecer que a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. É assim necessário que o evento causador do dano, ação ou omissão do agente tenha, não só determinado a ocorrência do dano, mas também surja como causa provável ou adequada do mesmo. Já o art.º 566.º do C.Civil prevê no seu n.º 1 a fixação da indemnização em dinheiro, designadamente quando a restituição natural não seja possível, indemnização que, nos termos do n.º 2, tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem os danos, estabelecendo o n.º 3 que se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados. O legislador prevê aqui a possibilidade do juiz recorrer à equidade para fixar uma indemnização, apenas quando não seja possível apurar o exato valor dos danos sofridos, de acordo com a chamada teoria da diferença, que tem por baliza a situação que existe e aquela que existiria se não houvesse o dano. Para o caso que nos ocupa, importa ainda ter em conta que o Código da Propriedade Industrial contém, no seu art.º 347.º um regime próprio para a indemnização por perdas e danos. Coloca-se, assim, em primeiro lugar, a questão de saber se estando em causa a prática pelos RR. de atos de concorrência desleal, por contrários às normas e usos honestos da atividade económica, na previsão do art.º 311.º do CPI e não propriamente a violação de direitos da propriedade industrial, designadamente a proteção de segredos comerciais contemplada nos art.º 313.º e 314.º do CPI, se ao caso é aplicável aquele art.º 347.º do CPI, como defendem os Recorrentes, o que foi excluído pelo tribunal a quo. O art.º 347.º do CPI com a epígrafe “indemnização por perdas e danos”, estabelece: “1 - Quem, com dolo ou mera culpa, viole ilicitamente o direito de propriedade industrial ou segredo comercial de outrem, fica obrigado a indemnizar a parte lesada pelos danos resultantes da violação. 2 - Na determinação do montante da indemnização por perdas e danos, o tribunal deve atender nomeadamente ao lucro obtido pelo infrator e aos danos emergentes e lucros cessantes sofridos pela parte lesada e deverá ter em consideração os encargos suportados com a proteção, a investigação e a cessação da conduta lesiva do seu direito. 3 - Para o cálculo da indemnização devida à parte lesada, deve atender-se à importância da receita resultante da conduta ilícita do infrator. 4 - O tribunal deve atender ainda aos danos não patrimoniais causados pela conduta do infrator. 5 - Na impossibilidade de se fixar, nos termos dos números anteriores, o montante do prejuízo efetivamente sofrido pela parte lesada, e desde que esta não se oponha, pode o tribunal, em alternativa, estabelecer uma quantia fixa com recurso à equidade, que tenha por base, no mínimo, as remunerações que teriam sido auferidas pela parte lesada caso o infrator tivesse solicitado autorização para utilizar os direitos de propriedade industrial ou os segredos comerciais em questão e os encargos suportados com a proteção do direito de propriedade industrial ou do segredo comercial, bem como com a investigação e cessação da conduta lesiva. 6 - Quando, em relação à parte lesada, a conduta do infrator constitua prática reiterada ou se revele especialmente gravosa, pode o tribunal determinar a indemnização que lhe é devida com recurso à cumulação de todos ou de alguns dos aspetos previstos nos n.os 2 a 5. 7 - Em qualquer caso, o tribunal deve fixar uma quantia razoável destinada a cobrir os custos, devidamente comprovados, suportados pela parte lesada com a investigação e a cessação da conduta lesiva. Para responder àquela questão e por nos revermos na resposta e fundamentação que a ela é dada, ainda que no âmbito da vigência do art.º 338.º-L do anterior CPI, norma idêntica ao atual art.º 347.º do CPI, socorremo-nos do já citado Acórdão do TRP de 13-06-2018 in www.dgsi.pt que a aqui relatora subscreveu como adjunta que a este propósito refere: “A primeira questão que se coloca consiste em saber se esta norma é aplicável ao caso concreto cuja causa de pedir não é constituída por direitos de propriedade intelectual ou industrial mas sim pelo instituto da concorrência desleal, sendo certo que embora a localização sistemática deste instituto seja no Código da Propriedade Industrial não se podem confundir os direitos de propriedade intelectual (v.g. direitos de autor) ou industrial (v.g. patentes, modelos, marcas, logótipos, símbolos) com a concorrência desleal. Pedro Sousa e Silva, loc. cit., pág. 341, responde afirmativamente a essa questão, afirmando que no respeitante «às indemnizações por perdas e danos (reguladas no art. 338.º-L do CPI) e às denominadas sanções acessórias (enunciadas pelo art. 338.º-M), não vejo qualquer obstáculo à sua aplicação em matéria de concorrência desleal - no respeito do princípio do dispositivo -, constituindo meras explicitações ou concretizações do regime geral da tutela civil, que sempre bastaria para fundar a respectiva concessão. Já o mesmo não se diga quanto às medidas inibitórias previstas no n.os 2 e 3 do art. 338.º-N do CPI, que revestem um carácter inovador e excepcional, no domínio do nosso direito processual civil - o que impede, a meu ver, a sua aplicação analógica em casos de concorrência desleal. Em contrapartida, nada obstará à fixação de sanções pecuniárias compulsórias e à publicitação das decisões judiciais, previstas no n.º 4 do citado art. 338.º-N e no art. 338.º-O do CPI.» Tendemos a concordar com esta interpretação. Para o efeito levamos em consideração que os referidos dispositivos foram introduzidos no Código da Propriedade Industrial pela Lei n.º 16/2008, de 1 de Abril, que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2004/48/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual. Ora no Considerando 13 desta Directiva afirma-se que ser «necessário definir o âmbito de aplicação da presente directiva de uma forma tão ampla quanto possível, de modo a nele incluir a totalidade dos direitos de propriedade intelectual abrangidos pelas disposições comunitárias na matéria e/ou pelo direito interno do Estado-Membro em causa. Contudo, no caso dos Estados-Membros que assim o desejem, esta exigência não constituirá um obstáculo à possibilidade de alargar, devido a necessidades internas, as disposições da presente directiva a actos de concorrência desleal, incluindo cópias parasitas, ou a actividades similares.» Ao fazer essa transposição inserindo as novas disposições do direito nacional num capítulo do Código da Propriedade Industrial, o legislador deverá ter tido em conta essa possibilidade de alargar o objectivo da Directiva a outros institutos previstos nesse diploma legal, mais concretamente o instituto da concorrência desleal. Os n.os 2 e 3 do artigo 338.º-L do Código da Propriedade Industrial não determinam que a indemnização deva corresponder à soma dos lucros perdidos pelo lesado com os lucros obtidos pelo lesante. Determinam somente que na determinação da indemnização se deverão levar em conta os valores de ambos os lucros, isto é, impõem que o julgador compare os respectivos valores e fixe a indemnização pelo valor mais elevado de ambos, de forma que o montante da indemnização ao mesmo tempo que compensa o lesado contribui para fazer o infractor sentir a necessidade de respeitar os deveres de conduta e/ou os direitos de outrem e que não tira qualquer proveito da sua infracção. A esse propósito a Directiva antes mencionada refere no seu Considerando 26 o seguinte: «Para reparar o prejuízo sofrido … o montante das indemnizações por perdas e danos a conceder ao titular deverá ter em conta todos os aspectos adequados, como os lucros cessantes para o titular, ou os lucros indevidamente obtidos pelo infractor, bem como, se for caso disso, os eventuais danos morais causados ao titular. Em alternativa, por exemplo, quando seja difícil determinar o montante do prejuízo realmente sofrido, o montante dos danos poderá ser determinado a partir de elementos como as remunerações ou direitos que teriam sido auferidos se o infractor tivesse solicitado autorização para utilizar o direito de propriedade intelectual em questão; trata-se, não de introduzir a obrigação de prever indemnizações punitivas, mas de permitir um ressarcimento fundado num critério objectivo que tenha em conta os encargos, tais como os de investigação e de identificação, suportados pelo titular.» Em conformidade com essa intenção, o artigo 13.º da Directiva fala em «indemnização por perdas e danos adequada ao prejuízo … efectivamente sofrido devido à violação» e determina que na sua fixação as autoridades judiciais «devem ter em conta todos os aspectos relevantes, como as consequências económicas negativas, nomeadamente os lucros cessantes, sofridas pela parte lesada, quaisquer lucros indevidos obtidos pelo infractor». Como quer que seja, não parece que o disposto no artigo 338.º-L constitua um regime diferente ou mais generoso que o disposto no regime comum da obrigação de indemnização nos artigos 562.º e seguintes do Código Civil. O que se pode entender é que se trata de uma norma mais detalhada, que fornece mais critérios para concretizar a chamada teoria da diferença, com o objectivo de atalhar a indemnização que não sejam satisfatórias e que não contribuam para uma efectiva defesa dos direitos de propriedade intelectual e industrial. Paulo Mota Pinto, in Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, Vol. I, Coimbra Editora, 2008, pág. 540 refere que a doutrina confere um conceito de dano “como a lesão ou prejuízo real, sob a forma de destruição, subtracção ou deterioração de um certo bem, lesão de bens juridicamente protegidos do lesado, patrimoniais ou não, ou simplesmente uma desvantagem de uma pessoa que é juridicamente relevante, por ser tutelado pelo Direito».” Aderindo a esta fundamentação, pode concluir-se que o art.º 347.º do CPI não é privativo do instituto da propriedade intelectual, podendo aplicar-se também ao instituto da concorrência desleal, quando verificados os pressupostos da obrigação de indemnizar, salientando-se porém que tal regulamentação não representa um qualquer regime mais favorável para o lesado, apenas aponta para elementos ou critérios específicos que podem/devem ser tidos em conta na determinação do valor a indemnizar, mas em qualquer circunstância, o lesado não dispensa o lesado de fazer prova da existência dos danos que sofreu em consequência da conduta do infrator, enquanto requisito constitutivo da obrigação de indemnizar, como previsto no art.º 342.º n.º 1 do C.Civil. O tribunal a quo entendeu não haver lugar à condenação dos RR. no pagamento de qualquer indemnização, por a A. não ter feito prova de ter sofrido concretos prejuízos, designadamente com desvio de clientela, em resultado da conduta dos RR. Constata-se que a alegação da Recorrente a este propósito, com vista à alteração da decisão, se fundamenta no essencial na violação de bens intelectuais e de segredos comerciais por parte dos RR., que se considerou não existir no caso, não obstante o comportamento desleal por eles desenvolvido, suscetível de integrar o art.º 313.º n.º 1 do CPI, pelo que é apenas neste pressuposto que terá de avaliar-se a existência de danos indemnizáveis. Distintamente do que acontece relativamente aos bens intelectuais e aos segredos comerciais cuja proteção se centra no próprio bem, no âmbito da concorrência desleal o que está essencialmente em causa é a proteção da clientela. Com interesse para esta questão, veja-se o Acórdão do STJ de 26-09-2013 no proc. 6742/1999.L1.S2 in www.dgsi.pt que sintetiza no seu sumário: “1 - Ato de concorrência é aquele ato suscetível de, no desenvolvimento de uma dada atividade económica, prejudicar um outro agente económico que, por sua vez, exerce também uma atividade económica determinada, prejuízo esse que se consubstancia num desvio de clientela própria em benefício de um concorrente. 2 - O ato de concorrência assenta em duas ideias fundamentais: a criação e expansão de uma clientela própria e a idoneidade para reduzir ou mesmo suprimir a clientela alheia, real ou possível. 3 - Quando tal se verificar em termos contrários às normas e usos honestos de qualquer ramo de atividade, dá-se um ato de concorrência desleal, que é ilícita na medida em que constitui um abuso da liberdade de concorrência. 4 - A repressão da concorrência desleal condena o meio (a deslealdade) não o fim (desvios da clientela), pelo que a ilicitude radica na deslealdade e não em qualquer direito específico. 5 - A ilicitude tanto pode decorrer da violação de um direito de outrem como da violação da lei que protege interesses alheios. 6 - Os direitos privativos da propriedade industrial e a repressão da concorrência desleal são institutos distintos na medida em que através daqueles se procura proteger uma utilização exclusiva de determinados bens imateriais, enquanto através da repressão da concorrência desleal se pretende estabelecer deveres recíprocos entre os vários agentes económicos. 7 - Aquilo que se censura ao agente económico são os meios de que ele se serve para atuar no mercado, não os concretos resultados que derivam dessa atuação. 8 - O dano típico da concorrência desleal traduz-se, em última instância, num desvio da procura, ou seja, num desvio de clientela. 9 - Do desvio resultará uma afetação patrimonial do lesado, traduzida numa diminuição do volume potencial de negócios. 10 - Mas se o desvio da clientela pode ser entendido como o resultado desejável para todos os concorrentes, este desvio só será valorado como dano para efeitos de atribuição do direito de indemnização se for causado por uma conduta contrária às normas e usos honestos.” Se nos detivermos nos factos que resultaram provados quanto a danos sofridos pela A. em resultado dos atos de concorrência desleal levados a cabo pelos RR. de forma censurável, anteriormente enunciados, verificamos que quase nada de concreto se apurou, pelo contrário, resultaram não provados diversos factos relevantes para este efeito, designadamente os que constam das al. e), i), j) e l). Constata-se que a A. não logrou provar que tenha existido um qualquer desvio de clientela de si para os RR., seja através de clientes seus que perdeu e que passaram a ser clientes da R., seja com a existência de potenciais clientes que tinha identificados como tal nos seus arquivos, que tenham sido efetivamente angariados pelos RR. A A. também não invocou qualquer quebra de faturação, suscetível de fundamentar danos económicos efetivamente sofridos, nem tão pouco provou que com um alto grau de probabilidade angariaria os potenciais clientes que tinha na sua lista, o que só não aconteceu por terem sido angariados pelos RR. capaz de sustentar um dano por lucros cessantes. Não pode de forma alguma concluir-se por si só e na falta de outros elementos, que a faturação da R. de € 15.000,00 em 2020 e € 137.492,00 tenha sido feita através de serviços prestados a clientes ou potenciais clientes constantes da lista da A. que os RR. usaram, nem tão pouco que se tratassem de potenciais clientes que a A. angariaria com um alto grau de probabilidade. Veja-se ainda que resultou provado que o outro sócio da R. tem anos de experiência em consultoria e construiu uma lista ampla de contactos. Não obstante as RR. possam ter beneficiado, designadamente em termos organizacionais dos elementos de trabalho da A. a que acederam e usaram, a verdade é que não se apurou que tal tenha causado um dano patrimonial real à A., podendo estar quando muito em causa um dano hipotético, o que não é o bastante para fundamentar a obrigação de indemnizar, não estando o lesado dispensado de alegar e provar os factos necessários que possam levar o tribunal a concluir que não fora a conduta desleal dos RR. a A. teria conseguido angariar os clientes hipotéticos que tinha na sua lista, obtendo um benefício que assim deixou de obter. Não está indiciada a existência de qualquer impacto económico ou financeiro, resultante da conduta censurável dos RR. de concorrência desleal, na atividade da A., verificando-se até que a mesma veio mais tarde a contratar novamente o Dr. BB que anteriormente havia sido “angariado” pelos RR. e saiu da A., o que revela a necessidade da mesma reforçar a sua equipa. Não resultou igualmente provado que a utilização dos materiais, elementos e informação comercial a que o R. acedeu e os RR. usaram, que se entendeu não poder ser qualificada como segredo comercial, tenha afetado significativamente o bom nome, crédito e reputação da A., ou que tal situação lhe tenha causado uma grande angústia, tristeza, inquietação e revolta. Os factos provados não revelam a existência de perdas e danos para a A., suscetíveis de ser indemnizados nos termos gerais ou na previsão do art.º 347.º n.º 1 a 5 do CPI, sendo que determinação da indemnização de acordo com a equidade não prescinde da prova da existência do danos, apenas a ela havendo de recorrer quando ao tribunal não seja possível fixar-se o valor exato dos danos, de acordo com os critérios legais. No caso, não resulta apurado que a situação da A. seria diferente se não tivesse existido a violação dos seus direitos e interesses pelos RR. com o âmbito que se provou. Importa apenas saber se pode proceder o pedido indemnizatório apresentado pela A. ao abrigo do n.º 7 do art.º 347.º do CPI com vista ao ressarcimento do valor da auditoria que pagou, no valor de € 3.075,00 a uma empresa especializada, quando descobriu pelas suas diligências internas que havia sido extraída informação pelo R., da sua plataforma informática, bem como com a taxa de justiça de € 306,00 que pagou no âmbito do procedimento cautelar prévio que intentou com vista à cessação pelas RR. da sua conduta ilícita e que veio a cessar por transação das partes. O n.º 7 do art.º 347.º do CPI estabelece: “Em qualquer caso, o tribunal deve fixar uma quantia razoável, destinada a cobrir os custos, devidamente comprovados, com a investigação e a cessação da conduta lesiva.” O tribunal a quo entendeu não ser aplicável ao caso a norma em questão, decidindo a este respeito: “Refira-se que a decisão de pedir uma auditoria não pode ser considerada “resultado direto da conduta do Réu”. Nesta parte, dá-se razão à Recorrente, na medida em que se afigura que a decisão da A. pedir uma auditoria aos seus sistemas informáticos com vista a averiguar da “manipulação de dados”, é que lhe permitiu certificar-se e perceber a dimensão do comportamento do R. a esse nível, designadamente imputando-lhe a responsabilidade na alteração de tarefas não concluídas, que estavam atribuídas a uma outra colaboradora, relativas a potenciais clientes e que a A. perdeu, como decorre dos factos provados. Se não tivesse sido a conduta do R. a A. não teria tido necessidade de pedir a realização de tal auditoria, cujos resultados revelaram precisamente aquela intervenção desleal na plataforma informática da A., considerando-se que não fora o comportamento do R. a A. não teria tido necessidade de recorrer a uma auditoria e de pagar o seu valor como pagou. Considera-se por isso que a quantia de € 3.075,00 que a A. pagou, representa um custo com a investigação que a mesma realizou, devido e com vista a averiguar a dimensão e contornos da conduta ilícita desenvolvida pelo R., que se integra na previsão do art.º 347.º n.º 7 do CPC, tendo a mesma o direito a ver ressarcido tal custo pelos RR. Já quanto ao invocado pagamento da taxa de justiça pela A., no âmbito do procedimento cautelar que intentou, dá-se razão à sentença recorrida, aderindo-se na íntegra à sua fundamentação por ela apresentada, que se transcreve: “Refira-se ainda que as despesas com honorários de advogado e taxas judiciais (incorridas em providência cautelar ou qualquer outro processo) são considerados em sede da condenação em custas de parte (artigos 527º, nº 1 e 529º, nºs 1 e 4, do Cód. Proc. Civil, e 26º, nºs 1, 2 e 3 al. c), do Regulamento das Custas Processuais), não devendo ser autonomamente contabilizadas na indemnização a título de “encargos suportados com a proteção, a investigação e a cessação da conduta lesiva do seu direito”, sob pena de duplicação contrária ao princípio ne bis in idem.” Na verdade, o pagamento prévio da taxa de justiça devido pela A./Requerente ao intentar uma ação, pode ser revertido no caso da mesma vir a obter vencimento com essa mesma ação, como decorre das normas legais citadas, não se verificando nessa situação qualquer dano a ressarcir, pelo que quanto à taxa de justiça paga pela parte não se aplica o disposto no art.º 347.º n.º 7 do CPI regendo as normas próprias das custas judiciais. Em conclusão, a apelação é parcialmente procedente, revogando-se a decisão recorrida na parte em que absolve as RR. da totalidade dos pedidos relativos às pretensões indemnizatórias formuladas pela A. e em substituição condenam-se as RR. a pagar à A. a quantia de € 3.075,00. V. Decisão: Em face do exposto, julga-se o presente recurso interposto pela A. parcialmente procedente, revogando-se a decisão recorrida na parte em que absolve as RR. do pagamento de qualquer valor indemnizatório à A., condenando-se as mesmas a pagar-lhe a quantia de € 3.075,00 (três mil e setenta e cinco euros) e mantendo-se no demais a sentença proferida. Custas por ambas as partes na proporção do decaimento – art.º 527.º n.º 1 e 2 do CPC. Notifique. * Lisboa, 20 de novembro de 2025 Inês Moura Pedro Martins Laurinda Gemas |