Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
| ||
| Relator: | ALEXANDRA DE CASTRO ROCHA | ||
| Descritores: | PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO RELATÓRIO PERICIAL PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO MEDIDA CAUTELAR EXIGÊNCIAS DE FUNDAMENTAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 11/18/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | Sumário: I - A falta de notificação ao progenitor do conteúdo de relatório pericial constante dos autos, atento o carácter reservado do processo de promoção e protecção, não viola o princípio do contraditório, considerando que, previamente à manutenção da medida de promoção e protecção, o mesmo progenitor foi notificado de que poderia pronunciar-se no prazo de 10 dias e foi informado de que, tendo o processo carácter reservado, poderia ser consultado na secretaria, designadamente para análise do relatório entretanto junto. II - A nulidade a que alude o artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil pressupõe que haja ausência total de fundamentos de direito e de facto. III - Numa decisão cautelar, as exigências de fundamentação são menores do que se estivéssemos perante a aplicação de uma medida «definitiva», devendo a necessidade de uma ponderação mais profunda ser reservada para esta última e ceder perante a celeridade que impõem a remoção imediata do perigo para a criança e o rápido acautelamento do seu interesse. IV - A sujeição das crianças a comportamentos de desqualificação recíproca das figuras parentais, bem como o facto de presenciarem agressões físicas e verbais à mãe e de o progenitor se lhes dirigir aos gritos desde idades muito jovens, comprometem o seu integral e são desenvolvimento, sendo consabida a importância dos primeiros anos de vida na formação da personalidade, havendo mesmo o risco de «normalização» e reprodução das condutas violentas. Justifica-se, assim, a aplicação de uma medida cautelar de promoção e protecção. V - As características de personalidade do progenitor (com baixa capacidade de gestão de conflitos e impulsividade), aliadas às circunstâncias de haver um historial recente de conflitos, de as crianças serem muito jovens, de ser a mãe quem lhes tem prestado cuidados e assegurado integralmente as suas rotinas (sendo, assim, a sua figura de referência), e de se encontrarem já há algum tempo afastadas do pai, aconselham a que os contactos entre os filhos e o progenitor sejam supervisionados, no sentido de se assegurar a integridade emocional das crianças. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: RELATÓRIO: O Ministério Público intentou o processo principal, de promoção e protecção, a favor da criança E..., nascida em 5/1/2022, filha de C... e de D..., alegando que a menor se encontrava exposta à relação conflituosa entre os pais, pautada por violência doméstica. Em 6/1/2025, foi junta, pelo Núcleo de Infância e Juventude (doravante, NIJ) de …, informação referente à criança. Nesse ofício, foi solicitado que o processo passasse a abranger o irmão da E.... Por despacho de 9/1/2025, foi então decidido que «uma vez que a situação de perigo é a mesma e o alargamento do âmbito subjectivo do processo se justifica pelas relações familiares idênticas entre as crianças, determina-se que os presentes autos passem, também, a correr em benefício da criança F..., nascido a 23.01.2019». Em 15/1/2025, foi junto relatório social. Em 16/1/2025, foram ouvidos os progenitores e a técnica do NIJ, após o que foi declarada encerrada a instrução e foi realizada uma conferência, no decurso da qual se obteve acordo de promoção e protecção, nos seguintes termos: « 1º Às crianças F... e E... é aplicada a medida de Promoção e Protecção de Apoio Junto dos Pais, D... e C.... 2º Os pais comprometem-se a: a) Garantir a satisfação dos cuidados de alimentação, higiene, vestuário, saúde, conforto, educação, e afeição aos filhos; b) Manter o acompanhamento próximo e envolvido no percurso educativo dos filhos, colaborando com as orientações da equipa e os apoios que forem necessários, partilhando a informação entre si e gerindo, de forma equilibrada, a assunção de responsabilidades sobre os mesmos; c) Garantir a frequência dos filhos em atividades desportivas/extracurriculares que sejam positivas para os mesmos; d) Assegurar uma adequada vigilância em saúde física e psicológica, diligenciando pela inscrição da E... no Centro de Saúde, e comparecendo às consultas de saúde infantil dos filhos, bem como às de especialidade (ex. Psicologia, que forem consideradas necessárias), colaborando e cumprindo com as orientações clínicas; e) Proteger os filhos de qualquer confronto verbal e/ou físico com o outro progenitor, adotando estratégias mais ajustadas para diminuir o conflito, como o diálogo, e evitar denegrir/desqualificar o outro na relação com o filho; f) Diligenciar pelo início de acompanhamento psicológico individual, como recurso para gerir as suas vivências pessoais e conjugais e melhor exercer a sua parentalidade; g) Colaborar com os serviços intervenientes, nomeadamente com o NIJ … e/ou com o CAFAP, no apoio às competências parentais, cumprindo com as orientações que lhe forem sendo dadas. 3º A medida terá a duração de um ano, com revisão em seis meses». Em 28/2/2025, após comunicação do NIJ, foi proferida a seguinte decisão: «Por decisão consensual de 16.01.2025, foi aplicada em benefício das crianças F... e E..., nascidos, respectivamente, a 23.01.2029 e 05.01.2022, a medida de Promoção e Protecção de Apoio Junto dos Pais. A sinalização das crianças na CPCJ ocorreu na sequência de uma participação pela progenitora, na PSP, de uma situação de violência doméstica. No relatório social elaborado pelo NIJ a 15.01.2025, onde foi proposta a aplicação da medida actualmente em vigor e, nessa sequência, aplicada, já se podia ler, em sede de Parecer Técnico que “Da análise à informação recolhida, até ao momento, o NIJ apurou que o F..., de 5 anos e a E..., de 3 anos de idade, encontram-se a residir com os pais, e que mesmo sendo efetiva a rutura conjugal destes, ambos continuam a coabitar, expondo as crianças a uma dinâmica familiar caracterizada pela violência, a qual parece que surge recorrentemente sob a forma verbal, psicológica e emocional. Parecem estar numa relação parental marcada pela constante discórdia, hostilidade, desconfiança e desqualificação do outro na presença dos filhos. De salientar que este fator de perigo aparenta ser constante ao longo da vida das crianças.” A 27.02.2025, juntou o NIJ de … novo relatório, onde além do mais, se refere que, no dia 29.01.2025, o NIJ recebeu contacto telefónico da equipa educativa do JI … dando conta que, nessa semana, a mãe ainda não tinha ido levar nem buscar a E... e que nesse dia acompanhou a filha até ao JI de forma apressada e com um capuz que lhe cobria o rosto, no entanto, foi possível à educadora aperceber-se que a mãe tinha uma mancha compatível com hematoma, na cor já esverdeada. Quando abordada pela educadora, a mãe referiu que tinha sido esta a fazer esta marca a si própria. Já E..., em contexto educativo, quando questionada pela educadora I…, verbalizou “a mãe caiu e o pai deu-lhe pontapé (…) ela não caiu, ela estava no chão e o pai deu-lhe um pontapé, e mais nada” (sic). A equipa do JI, mediante a presença da psicóloga da instituição, G…, tentou abordar estas e outras questões com a mãe, ao que a mesma foi sendo evasiva, referindo apenas ter muita informação e que um dia “iria abrir o jogo” (sic), acabando por não o fazer, mas dando a entender no seu discurso que o pai não prestava adequadamente os cuidados aos filhos. (…) No dia 17.02.2025, destinada à assinatura do plano de intervenção e que decorreu no JI, a mãe informou a técnica que o F... havia sido agredido pelo pai, na zona esquerda do dorso, sendo visíveis marcas numa tonalidade avermelhada e que remetem para a forma de dedos. (…). Importa assinalar que em ambas as reuniões para assinatura do plano de intervenção, nos dias 06.02 e 17.02.2025, o pai continuou sem reconhecer os motivos para os quais foi necessária a aplicação de uma medida protetiva, insinuando que o NIJ o coloca numa posição inferior e de incapaz para exercer a sua parentalidade, rejeitando, inteiramente, que os filhos estão em sofrimento emocional pelas manifestações que têm vindo a apresentar nos equipamentos educativos, assim como nega a prática de punições físicas ou de retirada de afeto. (…) A mãe no dia 18.02.2025 procedeu à queixa-crime junto das autoridades policiais de …, tendo sido encaminhada para a Casa da Maria-PSP de … onde formalizou a denúncia (NPP …), tendo entregue outros elementos com vista a se constituírem de prova na investigação, como um desenho do seu filho F... no qual, segundo D..., a criança verbalizou e representou graficamente que o «o pai bate» e vídeos nos quais F... aparece com as referidas marcas nas costas, verbalizando ter sido o pai. (…) O NIJ esteve em entrevista com a mãe no dia 26.02.2025 tendo D... partilhado outros vídeos nos quais foi audível o elevado tom de voz com que C... fala com os filhos, os gritos que dá no momento do banho, sendo que esta rotina tem vindo a gerar progressivamente mais medo e angústia por parte das crianças que se recusam a tomar banho com este e que choram. D... mostrou vídeos ao NIJ, nos quais é possível observar que as crianças desfrutam desse momento do banho quando é a mãe quem assegura este cuidado, brincando com os seus brinquedos na água, mantendo-se satisfeitas e tranquilas. D... mostrou ainda um vídeo de um momento em que a E..., a qual ainda não completou o desfralde, fez xixi no chão da casa de banho, e o pai reagiu com gritos e imputando a culpa por esta ação, involuntária, à sua filha.”. Em sede de apreciação geral, consigna o NIJ no relatório em apreço que “De acordo com as informações recentemente recolhidas e que apontam para a existência de uma situação de grave perigo para as crianças, sendo suscetível de causar severos danos a nível físico, emocional, afetivo e psíquico, o NIJ considera que urge acautelar a segurança e proteção do F... e da E..., com 6 e 3 anos de idade. A mãe até ao momento não apresentava alternativa habitacional nem tampouco capacidade financeira para se autonomizar da casa que pertence ao pai. Atualmente indica como solução a casa de uma amiga, H..., com a qual mantém um relacionamento de longa data, referindo que a mesma tem uma boa relação com os seus filhos. Considera, ademais, este NIJ que a avó paterna não se constitui como elemento apoiante e protetor das crianças, capaz de diligentemente e sem ser permeável às ingerências do filho, cuidar dos netos de forma empática, adequada e responsiva, denotando-se no seu discurso e atitudes que tenta minimizar e legitimar as condutas de C... com os filhos.”, propondo, a final a substituição da medida vigente, de apoio junto dos pais, pela medida, a título cautelar, de apoio junto dos pais, na pessoa da mãe, com vista a salvaguardar o bem estar, segurança, e integridade física e psíquica das crianças, uma vez que a manutenção das crianças no agregado familiar em que residem tem vindo a contribuir para um agravamento da situação de perigo em que se encontram. Com vista nos autos, e pelos fundamentos que constam do parecer que antecede, promoveu o Ministério Público a aplicação, a título cautelar, em benefício das crianças F... e E..., da medida de apoio junto dos pais, na pessoa da mãe. Face a tudo o exposto, verifica-se que a formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral da E... e do F... não se encontram acauteladas com a medida actualmente em vigor, porquanto, os mesmos se encontra sujeitos a uma grave situação violência doméstica, resultando, agora, dos autos, que as crianças, designadamente, o F..., estará a ser vítima de agressões físicas por parte do progenitor. Ora, a medida de apoio junto da mãe, com a saída desta da residência do pai é a resposta que, no momento, melhor salvaguarda o superior interesse das crianças. Assim sendo, decide-se: - substituir, a título cautelar, a medida aplicada às crianças F... e E..., pela medida de apoio junto dos pais, na pessoa da mãe - arts. 3º n.ºs 1 e 2 alíneas b) e f), 35º alínea a), 37º e 39º, todos da Lei de Promoção e Protecção de Crianças e Jovens em Perigo; - que os convívios do pai com as crianças ocorram com supervisão e acompanhamento técnico por CAFAP, na modalidade de Ponto de Encontro Familiar. Notifique e comunique, devendo, o NIJ de Cascais, em 20 dias, juntar novo relatório de acompanhamento da execução da medida. * Determina-se a confidencialidade da nova morada da progenitora». Por requerimento de 11/3/2025, o progenitor veio pugnar pela substituição da medida aplicada pela de apoio junto dos avós paternos. Em 27/3/2025, foi determinado que «atentas as fragilidades económicas da progenitora», a medida aplicada fosse «acompanhada de apoio económico no valor de €250,00, por cada criança, no total de €500,00 (artº 13º do DL nº12/2008, de 17 de Janeiro)». Em 27/4/2025 foi decidido que, com referência ao requerimento do progenitor de 11/3/2025, deveria manter-se a medida aplicada em 28/2/2025. Este despacho foi objecto de recurso, que correu termos sob o apenso A e que foi julgado improcedente. Em 5/8/2025, foram juntos relatório de acompanhamento pelo NIJ e relatório de perícia médico-legal / psicologia forense à progenitora. Neste último conclui-se, além do mais, o seguinte: «D... demonstra possuir competências emocionais, cognitivas, comportamentais e parentais adequadas, com práticas educativas positivas e protetoras. Assim, recomenda-se a manutenção da guarda ou residência principal dos filhos consigo, assegurando um ambiente estruturado, afetivo e emocionalmente seguro. (…) Atendendo ao histórico de comportamento controlador, agressivo e desrespeitador do pai, recomenda-se que eventuais contactos entre os filhos e o progenitor paterno sejam supervisionados, ou apenas retomados mediante avaliação técnica da capacidade relacional do mesmo, no sentido de assegurar a integridade emocional das crianças». Por notificação electrónica elaborada em 5/8/2025, o progenitor, na pessoa da sua i. mandatária, foi convidado a, em 10 dias, dizer o que tivesse por conveniente, «nos termos do artº 85º da Lei nº147/99 sobre a aplicação de revisão ou cessação de medidas de promoção e proteção. Mais se informa que o processo tem carácter reservado, pelo que, nos termos do artigo 88º da LPCJP, o processo pode/deve ser consultado na secretaria a qualquer momento, designadamente para análise do relatório entretanto junto». Por carta registada, a progenitora foi notificada, na mesma data, para os mesmos efeitos. Em 6/8/2025, foi junto relatório de perícia médico-legal / psicologia forense ao progenitor. Nesse relatório conclui-se, além do mais, o seguinte: «Em síntese, a avaliação psicológica de C... evidencia uma pessoa funcional, investido na parentalidade, com recursos emocionais e relacionais relevantes para o exercício das suas funções parentais. Não obstante, manifesta fragilidades emocionais ligadas à experiência de perda e conflitualidade conjugal, as quais poderão interferir com a perceção da realidade relacional e institucional. A leitura integrada dos dados não aponta para indicadores de risco ao nível das práticas parentais ou do vínculo com os filhos, sendo recomendável o acompanhamento psicológico de suporte. A avaliação psicológica de C... revela fragilidades na gestão de conflitos, sobretudo no que respeita à comunicação com a progenitora e à negociação em contexto coparental. Embora C... apresente competências cognitivas e emocionais globalmente preservadas, verifica-se uma postura relacional defensiva e pouco flexível, marcada por desconfiança, sentimento de injustiça e polarização da narrativa. (…) O discurso do examinado evidencia dificuldade significativa em aceitar divergências e em reconhecer legitimidade nas posições da figura materna, o que compromete a qualidade do diálogo e a construção de consensos em torno das necessidades dos filhos. Esta rigidez tende a prolongar ou intensificar o conflito, podendo colocar os menores numa posição de lealdade dividida ou de exposição crónica a um ambiente parental hostil. (…) A ausência de estratégias construtivas de negociação e a desvalorização da figura materna contribuem para uma dinâmica coparental disfuncional, que poderá ter impacto negativo no desenvolvimento emocional e afetivo dos filhos, nomeadamente ao nível do sentimento de segurança, estabilidade relacional e coerência educativa. (…) Assim, conclui-se que a capacidade atual de gestão de conflitos é limitada, sendo recomendável a implementação de medidas de mediação familiar ou acompanhamento psicológico específico, com o objetivo de promover competências comunicacionais, gestão emocional em contextos de litígio e estratégias coparentais centradas nas necessidades das crianças. (…) Atendendo ao afastamento atual dos filhos e à história recente de conflito, poderá ser adequada a retoma gradual do contacto em contexto protegido, com supervisão técnica ou acompanhamento por profissional, favorecendo uma reintegração relacional segura». Em 19/8/2025, o progenitor veio, afirmando pronunciar-se nos termos do art. 85.º da L 147/99, requerer a alteração da medida aplicada pela de apoio junto dos pais, na pessoa do pai, e pedir que lhe fosse notificado o relatório pericial realizado à progenitora, quando dele o tribunal tomasse conhecimento. Referiu o progenitor, além do mais, que tem competências parentais positivas e todas as condições essenciais ao desenvolvimento dos filhos, que não existe perigo actual para as crianças (já que os pais deixaram de coabitar desde Março de 2025), que a mãe não evidencia interesse em assegurar condições dignas às crianças e não proporciona o contacto com o pai ou com a família paterna, contacto esse que também não tem sido diligenciado pelo NIJ, e que o F... manifesta vontade de estar com o pai. Em 1/9/2025, foi proferido o seguinte despacho: «Ponto 7. Do requerimento do progenitor de 19.98.2025 Indefere-se a requerida notificação, considerando o disposto no artº 88º, nºs 1 e 3 da LPCJP. Notifique. * (…) Da revisão da medida Por decisão de 28.02.2025, foi aplicada às crianças F... e E..., nascidos, respctivamente, a 23.01.2029 e 05.01.2022, a título cautelar, a medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais, na pessoa da mãe. Promove, agora, o Ministério Público, face ao teor do relatório social junto pelo NIJ de … a 05.08.2025, que se mantenha a medida aplicada. Assim, uma vez que se mantêm inalterados os pressupostos de facto e de direito em que se alicerçou a aplicação da anterior medida cautelar, e em conformidade com a promoção que antecede, procede-se à aplicação, a título cautelar e por mais seis meses, de nova medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais, na pessoa da mãe – artigo 3º, nºs 1 e 2, al. b) e f), 35º, al. a) e 37º e 39º, todos da LPCJP – com a atribuição de apoio económico no âmbito da medida em meio natural de vida (cfr. artigo 13.º do DL n.º12/2008, de 17/01), no valor de €250,00, por cada criança. Notifique, sendo, ainda, o progenitor para, em 5 dias, se pronunciar quanto à sua disponibilidade para realizar convívios supervisionados com os filhos nas instalações do NIJ de …. Comunique. * Mais se determina: - Se oficie ao CAFAP, ao EMDIIP e às Aldeias de Crianças SOS, solicitando que tais entidades informem, no prazo de 5 dias, da viabilidade de iniciar a supervisão de convívios entre as crianças e o pai com a maior brevidade possível; - Se remeta ao NIJ de … cópia dos relatórios de perícia médico-legal relativa aos progenitores; - Se solicite ao processo n.º 287/25.6PBOER informação sobre o estado dos autos». Não se conformando com o «despacho proferido em 02.09.2025, que decidiu manter a medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais, na pessoa da mãe, por mais seis meses, com convívios supervisionados do pai com os filhos», dele interpôs recurso o progenitor, formulando, no final das alegações, as seguintes conclusões: « I- O recurso é admissível e tempestivo (arts. 123.º e 124.º LPCJP; arts. 645.º e 646.º CPC), tendo por objeto o despacho de 02.09.2025 que manteve a título cautelar a medida de apoio junto dos pais, na pessoa da mãe, por seis meses, com convívios supervisionados do pai. II- É de concluir que a decisão recorrida erra no julgamento ao afirmar que “se mantêm inalterados os pressupostos de facto e de direito” que motivaram a alteração de 28.02.2025 ignorando a alteração superveniente: ora desde março de 2025 cessou a coabitação, afastando o contexto de conflito que justificou a medida; inexiste, pois, o alegado perigo atual que sustente a manutenção do afastamento do pai, eliminando o risco que justificou a medida. III- O pai foi objeto de avaliação psicológica com resultado favorável às suas competências parentais (idoneidade/ recursos emocionais), o que desautoriza a persistência de restrições intensas ao convívio. O que foi ignorado pela douta decisão que nenhuma referência faz aos mesmos. IV- O relatório pericial da progenitora mãe permanece oculto, violando o contraditório e a igualdade de armas. V- O relatório pericial da progenitora é referido no despacho, mas oculto ao Recorrente, enquanto o relatório pericial do pai está acessível por consulta — assimetria que viola o contraditório e a igualdade de armas, inquinando a decisão (art. 4.º, LPCJP; art. 20.º CRP). VI- O tribunal não notificou o Recorrente do relatório do NIJ, mas alicerça a sua decisão no mesmo, nem sequer o informou que este existia, para que Recorrente pudesse ir consultar os autos. VII- A notificação insuficiente da existência de elementos essenciais à pronúncia do Recorrente colocou em causa o bom exercício do seu legitimo direito de pronúncia sobre a eventual alteração da medida por não ser detentor de todos os elementos existentes do processo e que se apresentavam essenciais. VIII- A notificação ao Recorrente ocorreu em período de férias e omitiu a existência de novos elementos, dificultando o exercício do contraditório. IX- O Tribunal indeferiu a notificação de elementos técnicos essenciais com invocação automática do art. 88.º LPCJP, sem ponderar mecanismos menos restritivos de proteção da reserva (expurgo/consulta controlada/sumários). O art. 88.º LPCJP não legitima a negação total de acesso a elementos técnicos. X- A imposição de convívios supervisionados carece de fundamento atual e é contraditada pela perícia psicológica realizada pelo INML realizada ao pai e pela atualidade de total ausência de perigo. XI- A privação total de contactos das crianças com o pai há seis meses é desproporcional e contrária ao art. 8.º CEDH e aos princípios da LPCJP. E, na douta decisão recorrida constata-se que o Tribunal, fez mais do mesmo, não definindo nenhuma medida que permitisse restabelecer de imediato o contatos dos contatos e convívios com o pai. XII- Certo é que a privação total de contactos das crianças com o pai há seis meses, devida à combinação entre a exigência de supervisão e a inoperância na execução, é desproporcional e contrária ao art. 8.º CEDH e aos arts. 3.º e 4.º LPCJP (prevalência da família; intervenção mínima; atualidade). XIII- A imposição de convívios supervisionados carece de fundamento atual e não resulta de risco intrínseco do pai, antes se mostra contraditada pela perícia; logo, a supervisão é desnecessária e excessiva, devendo ser eliminada. XIV- O menor F... já manifestou vontade clara de conviver com o pai, a sua vontade e opinião deve ser atendida (art. 4.º LPCJP). tanto mais quando não existe risco que a contrarie. XV- A notificação ao Recorrente para se pronunciar sobre a eventual alteração/ manutenção/cessação da medida, ocorreu em pleno período de férias (agosto) e omitiu a existência de novos elementos (perícias/relatórios), o que dificultou objetivamente o exercício do contraditório informado, reforçando o vício processual. XVI- Como já é modus operandis deste tribunal, o Tribunal a quo limitou-se a aderir à promoção do MP e ao relatório do NIJ, sem fundamentação própria e sem qualquer análise apreciação crítica dos factos relevantes (cessação de coabitação; perícia favorável; vontade do menor), o que viola o art. 205.º CRP e o art. 154.º CPC (nulidade por falta de fundamentação). XVII- Foram omitidas diligências essenciais, como ouvir testemunhas e definir um plano de convívios calendarizado, o que impõe a reabertura da instrução e a passagem a Debate Judicial (arts. 114.º e 117.º LPCJP). XVIII- Verifica-se que à luz da proporcionalidade e intervenção mínima, a medida adequada é a de apoio junto de ambos os pais, com acompanhamento técnico e convívios regulares devidamente e previamente definidos. XIX- Por tudo o atrás exposto, conclui-se que à luz do princípio da proporcionalidade e do princípio da intervenção mínima, e tendo cessado o fundamento invocado, a medida adequada é a de apoio junto de ambos os pais, com acompanhamento técnico, reconduzindo os convívios a regime não supervisionado e calendarizado (com fins de semana alternados), como solução menos intrusiva e conforme ao interesse superior das crianças. XX- Conclui-se e Requer-se que a decisão ora recorrida seja substituída por outra que acautele o superior interesse dos Menores, garantindo convívios regulares com o pai e sem supervisão por inapropriada à situação atual, definindo uma medida de apoio junto de ambos os pais. XXI- Decorre da lei que a alteração/manutenção da medida exige perigo atual e fundamentação concreta. E não existe atualmente o alegado perigo que levou a que a medida de apoio ficasse apenas junto da mãe. XXII- Importa ainda salientar que se o Recorrente não foi previamente ouvido antes da alteração cautelar que ora foi mantida, XXIII- E os factos constante nos autos, também permitem concluir que agora, na revisão de setembro que deu origem ao douto despacho recorrido, foi-lhe negada a informação da existência de relatórios indispensáveis, e no caso do relatório pericial da progenitora foi também negado o acesso, cerceando o contraditório. XXIV- Conclui-se ainda que a decisão ora recorrida se limitou a aderir à promoção sem fundamentação própria, sem análise critica violando o art. 205.º CRP e artº154 CPC. XXV- De tudo o atrás exposto, importa ainda concluir que, tendo desde março de 2025, cessado a coabitação, foi eliminado a fonte do alegado risco; inexiste perigo atual. XXVI- Pelo que, na douta decisão ora recorrida se impunha-se adotar medida menos restritiva e normalizar os convívios. – Conclui-se assim que a decisão recorrida deve ser substituída por outra que acautele esta realidade. XXVII- A privação de contactos por seis meses é desproporcional e lesiva do interesse das crianças, sendo que tal se verificou por total inoperância das entidades envolvidas com a conivência do tribunal que foi por diversas vezes informado desta realidade e nenhuma medida tomou para alterar a situação. XXVIII- Por tudo o exposto supra, conclui-se que deve a Relação revogar o despacho, restabelecendo convívios imediatos, sem supervisão devidamente calendarizada, permitindo inclusive fins de semana alternados, XXIX- Ou sem conceder, mas por dever de patrocínio com supervisão transitória e curta no tempo, mas desde logo, devidamente calendarizada. XXX- Devem ser ordenadas as diligências probatórias e assegurado o contraditório efetivo. Só assim se garante a proteção do superior interesse das crianças e a reposição da normalidade familiar. XXXI- De tudo o atrás exposto, conclui-se ainda que a decisão recorrida padece de nulidade por falta de fundamentação própria (arts. 154.º CPC e 205.º CRP), limitando-se a aderir à promoção do Ministério Público e ao relatório do NIJ, sem apreciação crítica da prova, sem valoração dos factos relevantes trazidos pelo pai e sem indicar razões que justifiquem a manutenção de uma medida tão gravosa. XXXII- Conclui-se ainda que o tribunal não pode abdicar da sua função jurisdicional, transformando relatórios técnicos (cuja a sua existência é omitida ao Recorrente) em verdadeira decisão judicial, sob pena de denegar justiça. Pergunta-se: serão os relatórios do NIJ a decisão do tribunal? XXXIII- Em síntese conclusiva: a) Os pressupostos que determinaram a alteração cautelar da medida em 28.02.2025 deixaram de existir: cessou a coabitação dos progenitores desde março de 2025, eliminando a dinâmica conflituosa invocada como risco inicial b) O despacho recorrido manteve medida restritiva (apoio só junto da mãe + convívios supervisionados) sem atender à alteração superveniente dos pressupostos. c) Sabendo que cessou a coabitação dos progenitores desde março de 2025, desaparecendo o risco que justificara a medida cautelar. d) A perícia ao pai concluiu positivamente pela sua idoneidade parental; não existe prova de risco intrínseco que justifique a exclusão do pai da parentalidade. e) O relatório pericial da mãe permanece ocultado, violando o contraditório e a igualdade processual/ igualdade de armas, impedindo a comparação equilibrada das competências parentais de ambos os progenitores. f) Os menores estão até à presente data privados de convívio com o pai há seis meses, situação desproporcional e contrária ao art. 8.º CEDH. - Esta situação absolutamente desproporcional, contrária ao seu desenvolvimento emocional e violadora do art. 8.º da CEDH (direito à vida familiar), impondo-se a adoção imediata de medidas que restabeleçam esse vínculo. g) Aliás esta privação de contatos e convívios com o pai coloca os Menores ainda mais à mercê da alienação parental que é infligida pela progenitora. h) O tribunal não fundamentou adequadamente a sua decisão, limitando-se a aderir à promoção do MP e ao relatório do NIJ. i) A notificação para o Recorrente se pronunciar sobre a alteração ou não da medida foi notificada em período de férias judiciais e sem revelar a existência de elementos novos, impedindo um exercício informado e pleno do contraditório. j) A medida de apoio junto apenas da mãe é excessiva e contrária aos princípios da proporcionalidade, da atualidade e da prevalência da família. k) A exigência de supervisão de convívios carece de fundamento atual, devendo ser eliminada. A imposição de supervisão dos convívios não tem base factual atual nem encontra justificação em qualquer perigo concreto, configurando ingerência desnecessária e excessiva, em violação dos princípios da proporcionalidade, intervenção mínima e atualidade (arts. 3.º e 4.º LPCJP). l) Impõe-se a substituição por medida de apoio junto de ambos os pais, com acompanhamento técnico. m) Deve ser implementado um plano imediato de convívios regulares plano de convívios calendarizado e exequível, incluindo fins de semana alternados. n) Atenta a discordância total entre os progenitores e a gravidade das decisões em causa, impunha-se o prosseguimento para Debate Judicial (arts. 114.º e 117.º LPCJP), com produção de prova testemunhal e documental, o que o tribunal a quo indevidamente omitiu. o) O despacho recorrido viola, assim, princípios constitucionais e legais estruturantes: i. o direito de defesa e o contraditório (art. 20.º CRP e art. 4.º LPCJP) ii. o dever de fundamentação das decisões judiciais (art. 205.º CRP) iii. o princípio da proporcionalidade e da intervenção mínima e da atualidade (arts. 3.º e 4.º LPCJP) iv. o direito à vida familiar e ao convívio regular com ambos os progenitores (art. 8.º CEDH e art. 9.º, n.º 3 da Convenção sobre os Direitos da Criança). p) A decisão recorrida indeferiu expressamente o pedido de notificação de elementos técnicos “considerando o art. 88.º, n.os 1 e 3”, sem sopesar medidas menos restritivas; XXXIV- Em síntese: a decisão recorrida não pode manter-se por vícios de fundamentação, violação do contraditório, erro de julgamento quanto ao perigo atual e desproporcionalidade das restrições impostas, impondo-se a sua revogação e substituição. XXXV- A decisão recorrida é nula, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. b) CPC, aplicável ex vi art. 100.º LPCJP, por falta de fundamentação própria e violação do contraditório (por ausência de informação e acesso a relatórios técnicos determinantes) XXXVI- Sem prejuízo, e atenta a aplicação do art. 665.º CPC, requer-se que a V.Exa , dispondo de todos os elementos necessários, conheça do mérito e substitua a decisão recorrida: a) Aplicando a medida de apoio junto de ambos os pais, com acompanhamento técnico, b) Eliminando a exigência de supervisão, e c) Determinando a implementação imediata de convívios regulares e calendarizado e incluindo fins de semana alternados, em conformidade com o superior interesse dos menores. d) Estipule o legitimo direito de notificação e de acesso aos relatórios técnicos que influenciam a decisão do tribunal para que o Recorrente possa sempre em tempo exercer o contraditório. e) Ordenando as diligências instrutórias necessárias, designadamente a abertura da fase de Debate Judicial. XXXVII- Sem prejuízo, e atenta a aplicação do art. 665.º CPC, requer-se que a V.Exa , dispondo de todos os elementos necessários, conheça do mérito e substitua a decisão recorrida. XXXVIII- Assim, e sem prejuízo da nulidade arguida (art. 615.º CPC), requer-se que a V.Exas, nos termos do art. 665.º CPC, possa substituir a decisão recorrida, fixando medida adequada ao interesse superior dos menores, nomeadamente nos termos supra indicados e que à frente melhor se especificará. Nestes Termos e nos demais de Direito que V. Exas doutamente suprirão, Requer-se: 1- Que seja o presente recurso ser julgado procedente, e que sem prejuízo da nulidade arguida (art. 615.º CPC), requer-se que a Relação, nos termos do art. 665.º CPC, revogando-se o despacho recorrido em sua substituição ser decidido que: a) A aplicação da medida de apoio junto de ambos os pais, com acompanhamento técnico, por ser a solução menos intrusiva e adequada ao interesse superior das crianças; b) A eliminação da exigência de supervisão dos convívios, por inexistir perigo atual e face à idoneidade parental do pai evidenciada em perícia; sem conceder mas por dever de patrocínio, caso não seja esse o entendimento de V.Exas, subsidiariamente, com supervisão transitória de curta duração e calendarizada. c) A implementação imediata de um plano de convívios regular e calendarizado, incluindo fins de semE... alternados com o pai e comunicações livres (telefone/meios digitais), garantindo previsibilidade e continuidade do vínculo; d) A prática das diligências instrutórias indispensáveis, nomeadamente: i. Inquirição de educadoras/técnicos escolares. Audição do Menor F... e demais testemunhas. ii. Elaboração de plano técnico de acompanhamento e de convívios com revisões periódicas; e) A notificação da existência e o acesso proporcional do Recorrente a todos os elementos técnicos relevantes (relatórios do NIJ; perícias), com prazo de 10 dias para contraditório, determinando-se que não serão valorados contra si elementos por ele não conhecidos; f) O prosseguimento para Debate Judicial, nos termos dos arts. 114.º e 117.º LPCJP, com alegações e produção de prova em audiência, permitindo a formação de convicção jurisdicional própria e fundamentada. Certa que V. Exas, farão como sempre a acostumada Justiça». O Ministério Público contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso. QUESTÕES A DECIDIR Conforme resulta dos arts. 635.º n.º4 e 639.º n.º1 do Código de Processo Civil, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, as quais desempenham um papel análogo ao da causa de pedir e do pedido na petição inicial. Ou seja, este Tribunal apenas poderá conhecer da pretensão e das formuladas pelo recorrente nas conclusões, sem prejuízo da livre qualificação jurídica dos factos ou da apreciação das questões de conhecimento oficioso (garantido que seja o contraditório e desde que o processo contenha os elementos a tanto necessários – arts. 3.º n.º3 e 5.º n.º3 do Código de Processo Civil). Note-se que «as questões que integram o objecto do recurso e que devem ser objecto de apreciação por parte do tribunal ad quem não se confundem com meras considerações, argumentos, motivos ou juízos de valor. Ao tribunal ad quem cumpre apreciar as questões suscitadas, sob pena de omissão de pronúncia, mas não tem o dever de responder, ponto por ponto a cada argumento que seja apresentado para sua sustentação. Argumentos não são questões e é a estes que essencialmente se deve dirigir a actividade judicativa». E, por outro lado, não pode o tribunal de recurso conhecer de questões novas que sejam suscitadas apenas nas alegações / conclusões do recurso – estas apenas podem incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, salvo os já referidos casos de questões de conhecimento oficioso [cfr. António Santos Abrantes Geraldes, «Recursos em Processo Civil», Almedina, 2022 – 7.ª ed., págs. 134 a 142]. Nessa conformidade, são as seguintes as questões que cumpre apreciar: - a nulidade da decisão recorrida; - a impugnação da decisão sobre a matéria de facto constante daquela decisão; - o mérito da medida aplicada. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A decisão sob recurso não transcreveu os factos provados. Relevam para a decisão as ocorrências fáctico-processuais supra transcritas no relatório, bem como os factos considerados assentes no despacho de 28/2/2025 e que foram transcritos pela seguinte forma no acórdão proferido no apenso A: «1. Por decisão consensual de 16.01.2025, foi aplicada em benefício das crianças F... e E..., nascidos, respetivamente, a 23.01.2029 e 05.01.2022, a medida de Promoção e Proteção de Apoio Junto dos Pais. 2. A sinalização das crianças na CPCJ ocorreu na sequência de uma participação pela progenitora, na PSP, de uma situação de violência doméstica. 3. No relatório social elaborado pelo NIJ a 15.01.2025, consta o seguinte: “Da análise à informação recolhida, até ao momento, o NIJ apurou que o F..., de 5 anos e a E..., de 3 anos de idade, encontram-se a residir com os pais, e que mesmo sendo efetiva a rutura conjugal destes, ambos continuam a coabitar, expondo as crianças a uma dinâmica familiar caracterizada pela violência, a qual parece que surge recorrentemente sob a forma verbal, psicológica e emocional. Parecem estar numa relação parental marcada pela constante discórdia, hostilidade, desconfiança e desqualificação do outro na presença dos filhos. De salientar que este fator de perigo aparenta ser constante ao longo da vida das crianças.” 4. A 27.02.2025, em novo relatório do NIJ de …, refere-se que, “no dia 29.01.2025, o NIJ recebeu contacto telefónico da equipa educativa do JI … dando conta que, nessa semana, a mãe ainda não tinha ido levar nem buscar a E... e que nesse dia acompanhou a filha até ao JI de forma apressada e com um capuz que lhe cobria o rosto, no entanto, foi possível à educadora aperceber-se que a mãe tinha uma mancha compatível com hematoma, na cor já esverdeada. Quando abordada pela educadora, a mãe referiu que tinha sido esta a fazer esta marca a si própria. Já E..., em contexto educativo, quando questionada pela educadora I…, verbalizou “a mãe caiu e o pai deu-lhe pontapé (…) ela não caiu, ela estava no chão e o pai deu-lhe um pontapé, e mais nada” (sic). A equipa do JI, mediante a presença da psicóloga da instituição, G…, tentou abordar estas e outras questões com a mãe, ao que a mesma foi sendo evasiva, referindo apenas ter muita informação e que um dia “iria abrir o jogo” (sic), acabando por não o fazer, mas dando a entender no seu discurso que o pai não prestava adequadamente os cuidados aos filhos. (…) No dia 17.02.2025, destinada à assinatura do plano de intervenção e que decorreu no JI, a mãe informou a técnica que o F... havia sido agredido pelo pai, na zona esquerda do dorso, sendo visíveis marcas numa tonalidade avermelhada e que remetem para a forma de dedos. (…). Importa assinalar que em ambas as reuniões para assinatura do plano de intervenção, nos dias 06.02 e 17.02.2025, o pai continuou sem reconhecer os motivos para os quais foi necessária a aplicação de uma medida protetiva, insinuando que o NIJ o coloca numa posição inferior e de incapaz para exercer a sua parentalidade, rejeitando, inteiramente, que os filhos estão em sofrimento emocional pelas manifestações que têm vindo a apresentar nos equipamentos educativos, assim como nega a prática de punições físicas ou de retirada de afeto. (…) A mãe no dia 18.02.2025 procedeu à queixa-crime junto das autoridades policiais de …, tendo sido encaminhada para a Casa da Maria-PSP de … onde formalizou a denúncia (NPP …), tendo entregue outros elementos com vista a se constituírem de prova na investigação, como um desenho do seu filho F... no qual, segundo D..., a criança verbalizou e representou graficamente que o «o pai bate» e vídeos nos quais F... aparece com as referidas marcas nas costas, verbalizando ter sido o pai. (…) O NIJ esteve em entrevista com a mãe no dia 26.02.2025 tendo D... partilhado outros vídeos nos quais foi audível o elevado tom de voz com que C... fala com os filhos, os gritos que dá no momento do banho, sendo que esta rotina tem vindo a gerar progressivamente mais medo e angústia por parte das crianças que se recusam a tomar banho com este e que choram. D... mostrou vídeos ao NIJ, nos quais é possível observar que as crianças desfrutam desse momento do banho quando é a mãe quem assegura este cuidado, brincando com os seus brinquedos na água, mantendo-se satisfeitas e tranquilas. D... mostrou ainda um vídeo de um momento em que a E..., a qual ainda não completou o desfralde, fez xixi no chão da casa de banho, e o pai reagiu com gritos e imputando a culpa por esta ação, involuntária, à sua filha.”. 5. Em sede de apreciação geral, consigna o NIJ no relatório em apreço que “De acordo com as informações recentemente recolhidas e que apontam para a existência de uma situação de grave perigo para as crianças, sendo suscetível de causar severos danos a nível físico, emocional, afetivo e psíquico, o NIJ considera que urge acautelar a segurança e proteção do F... e da E..., com 6 e 3 anos de idade. A mãe até ao momento não apresentava alternativa habitacional nem tampouco capacidade financeira para se autonomizar da casa que pertence ao pai. Atualmente indica como solução a casa de uma amiga, H..., com a qual mantém um relacionamento de longa data, referindo que a mesma tem uma boa relação com os seus filhos. Considera, ademais, este NIJ que a avó paterna não se constitui como elemento apoiante e protetor das crianças, capaz de diligentemente e sem ser permeável às ingerências do filho, cuidar dos netos de forma empática, adequada e responsiva, denotando-se no seu discurso e atitudes que tenta minimizar e legitimar as condutas de C... com os filhos.” 6. Existem imputações mútuas de maus-tratos físicos às crianças pelos progenitores. 7. A progenitora é a figura de referência das crianças, com quem as mesmas sempre viveram (viveu sozinha na Argentina com as crianças desde o final do ano de 2021 até ao início de 2024).». O DIREITO - MÉRITO DO RECURSO Da invocada nulidade da decisão recorrida Pretende o recorrente que o despacho proferido pelo tribunal a quo é nulo, por violação do contraditório e do princípio da igualdade de armas a que aludem os arts. 4.º da Lei n.º 147/99 de 1-9 (Lei de Protecção de Crianças e Jovens e Perigo - LPCJP) e 20.º da Constituição da República Portuguesa, uma vez que lhe foi omitido o teor do relatório da perícia médico-legal efectuada à progenitora. Vejamos. Nos termos da alínea j) daquele art. 4.º, os pais têm direito a ser ouvidos e a participar nos actos e na definição da medida de promoção dos direitos e de protecção. Por outro lado, de acordo com o art. 85.º n.º1, do mesmo diploma, «os pais (…) são obrigatoriamente ouvidos sobre a situação que originou a intervenção e relativamente à aplicação, revisão ou cessação de medidas de promoção e protecção». Ainda com interesse, refere o art. 104.º n.º1 e 3, da Lei em referência, que os pais têm direito a requerer diligências e a oferecer meios de prova, devendo o contraditório quanto aos factos e à medida aplicável ser assegurado em todas as fases do processo. O princípio do contraditório consagrado naquelas normas é decorrência da necessidade de garantir um processo equitativo, em conformidade com os arts. 20.º n.º1 e 4 da Constituição da República Portuguesa Art. 20.º da Constituição da República Portuguesa: «(Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva) 1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos. 2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade. 3. A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça. 4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo. 5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos». e 6.º da CEDH Art. 6.º da CEDH: « Direito a um processo equitativo 1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a protecção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça. 2. Qualquer pessoa acusada de uma infracção presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada. 3. O acusado tem, como mínimo, os seguintes direitos: a) Ser informado no mais curto prazo, em língua que entenda e de forma minuciosa, da natureza e da causa da acusação contra ele formulada; b) Dispor do tempo e dos meios necessários para a preparação da sua defesa; c) Defender-se a si próprio ou ter a assistência de um defensor da sua escolha e, se não tiver meios para remunerar um defensor, poder ser assistido gratuitamente por um defensor oficioso, quando os interesses da justiça o exigirem; d) Interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e obter a convocação e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições que as testemunhas de acusação; e) Fazer-se assistir gratuitamente por intérprete, se não compreender ou não falar a língua usada no processo.»., e encontra-se também plasmado no art. 3.º n.º3 do Código de Processo Civil «O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem». , quer em geral, quer na vertente proibitiva de decisões-surpresa. «Não se trata já apenas de, formulado um pedido ou tomada uma posição por uma parte, ser dada à contraparte a oportunidade de se pronunciar antes de qualquer decisão e de, oferecida uma prova por uma parte, ter a parte contrária o direito de se pronunciar sobre a sua admissão ou de controlar a sua produção. Este direito à fiscalização recíproca das partes ao longo do processo é hoje entendido como corolário dum concepção mais geral da contraditoriedade, como garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, directa ou indirecta, com o objecto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão (…) No plano das questões de direito, é expressamente proibida (…) a decisão-surpresa, isto é, a decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes Cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, 4ª ed., págs. 29 a 32.». Ocorre que, como tem vindo a ser salientado pelo Tribunal Constitucional, se é certo que o art. 20.º da Constituição da República Portuguesa comporta a consagração do direito a uma tutela jurisdicional efectiva, que inclui o direito à produção de prova, em termos de dever ser possibilitado um correcto funcionamento das regras do contraditório, podendo cada uma das partes «deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultados de umas e outras» - é também certo que o direito à prova não implica a total postergação de determinadas limitações legais, desde que as mesmas «se mostrem materialmente justificadas e respeitadoras do princípio da proporcionalidade. (…) A questão essencial que se coloca (…) é, pois, a de saber se, na emissão de uma norma restritiva (…), o legislador respeitou, proporcionada e racionalmente, o direito de acesso à justiça na sua vertente de direito de o interessado produzir a demonstração dos factos que, na sua óptica, suportam o «direito» ou o «interesse» que visa defender pelo recurso aos tribunais. Uma resposta negativa a essa questão apenas pode perspectivar-se, neste contexto, quando se possa concluir que a norma em causa determina, para a generalidade de situações, que o interessado se veja constrito à impossibilidade de uma real defesa dos seus direitos ou interesses em conflito». Portanto, podem ser estabelecidas restrições, desde que exista «uma justificação material (…), i. é, a necessidade de (…) se salvaguardar outros direitos ou valores constitucionalmente protegidos, e a relação de proporcionalidade entre a medida legal restritiva e os fins por ela visados» Cfr. Ac. TC n.º 408/2010, disponível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20100408.html . . Significa isto que, como o direito à tutela jurisdicional efectiva não se garante apenas com o direito à prova (e ao contraditório sobre a prova), mas, no caso das crianças, também com o respeito pelo seu direito (bem como o da demais família) de proteger a sua intimidade e a sua vida privada (cfr. art. 16.º da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança), é lícito estabelecer limites ao exercício daquele referido direito ao contraditório, desde que a limitação seja proporcionada e tal direito não seja totalmente postergado. Ora, quanto ao processo de promoção e protecção, prevê o art. 88.º n.º1 da Lei n.º 147/99 de 1-9 (Lei de Protecção de Crianças e Jovens e Perigo - LPCJP) que os autos são de carácter reservado, regra que concretiza o princípio da privacidade previsto no art. 4.º b), do mesmo diploma: «a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem deve ser efectuada no respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada». Ocorre que tal preceito, embora o torne mais oneroso, não impede, de forma nenhuma, o exercício do contraditório previsto nos já citados arts. 4.º j), 85.º n.º1 e 104.º n.º1 e 3, nem, aliás, tal exercício foi impedido no processo sub judice. Efectivamente, embora não tenha, em conformidade com aquele art. 88.º n.º1, de ser notificado do teor dos relatórios juntos aos autos, caso o progenitor dele pretenda tomar conhecimento, basta-lhe exercer o seu direito à consulta, previsto no n.º3, do mesmo art. 88.º: «os pais (…) podem consultar o processo pessoalmente ou através de advogado». Ora, o recorrente, antes de proferido o despacho que manteve a medida de promoção e protecção, foi expressamente notificado para se pronunciar acerca da mesma, com indicação de que, tendo o processo carácter reservado, o mesmo poderia ser consultado na secretaria, designadamente para análise do relatório entretanto junto. Não vem alegado que o recorrente tenha tido qualquer impossibilidade ou dificuldade inultrapassável de se dirigir ao tribunal para efectuar aquela consulta, pelo que se, apesar de advertido para tal, não a efectuou, sibi imputet. E nem se diga que foi surpreendido por uma notificação efectuada em férias judiciais - não poderia sê-lo porque, conforme resulta do disposto no art. 102.º n.º1 da Lei n.º 147/99 de 1-9 (Lei de Protecção de Crianças e Jovens e Perigo - LPCJP), este processo tem natureza urgente, correndo nas férias judiciais. Portanto, com o regime estabelecido no mencionado art. 88.º n.º1 e 3 garante-se, quer o direito da criança à reserva da sua intimidade, quer o direito o direito do progenitor à prova, não existindo qualquer diminuição das garantias deste, que pode consultar os autos, assim ficando assegurada a tutela jurisdicional efectiva do ponto de vista do seu direito à prova e ao contraditório sobre a mesma. Aliás, o Tribunal Constitucional já decidiu, precisamente, que «a norma do artigo 104.º da LPCJP, na interpretação segundo a qual o contraditório se mostra cumprido com a possibilidade de consulta dos autos sem necessidade de notificação prévia e pessoal dos documentos que serviram de prova aos factos da decisão (…) não padece do invocado vício de inconstitucionalidade» - cfr. Ac. TC n.º 62/2017 Disponível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20170062.html .. Particularmente naquilo que diz respeito ao art. 6.º da CEDH, «como a própria denominação indica, o processo equitativo será aquele que possibilita a ambas as partes processuais idênticas condições ou mecanismos para tutelarem as suas posições jurídicas e interesses legalmente protegidos [Cfr. os Acórdãos do TEDH Dombo Beheer B. V.de 27.10.1993, par. 33, e Salov de 06.09.2005, par. 87, pesquisáveis em http://www.echr.coe.int.]. Neste domínio, assumem pois especial relevância: (i) o princípio da igualdade de armas; (ii) e o princípio do contraditório. Ambos os princípios estão mutuamente conexionados. Com efeito, de acordo com o princípio da égalité des armes, as partes deverão possuir iguais possibilidades de juntar testemunhas e peritos, e de acesso ao processo. Este princípio foi, pela primeira vez, mencionado no Acórdão Neumeister v. Áustria [Acórdão do TEDH de 20.11.1989, pesquisável em http://www.echr.coe.int.]. Por sua vez, o princípio do contraditório garante que cada uma das partes possa apresentar a sua prova e a sua argumentação jurídica, assim como lhe seja asseverada a possibilidade de refutar as razões de facto e de direito que tenham sido aduzidas pela outra parte processual [Cfr. n Ceron, An Introduction to the European Convention on Human Rights, 6.ª ed., Uppsala, 2011, p. 105; e Ireneu Cabral Barreto, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada, 5.ª ed., Coimbra, 2015, 166-167.] Cfr. Manuel Afonso Vaz e Catarina Santos Botelho, Algumas reflexões sobre o artigo 6.º da convenção europeia dos direitos do homem - Direito a um processo equitativo e a uma decisão num prazo razoável, in Revista Eletrónica de Direito Público, Vol. 3, n.º1, Abril 2016, págs. 234 e ss., artigo disponível em www.e-publica.pt. Conforme já vimos, ao progenitor foi garantido o direito ao acesso ao processo e à prova, sendo certo que ambos os progenitores dispuseram dos mesmos mecanismos processuais, em idênticas condições de acesso ao processo, sendo iguais os prazos legais para exposição das suas razões de facto e de direito. Conclui-se, assim, que aqueles arts. 20.º da Constituição da República Portuguesa e 6.º da CEDH não impõem interpretação diversa da adoptada pelo tribunal a quo relativamente aos arts. 4.º j) e 88.º da Lei n.º 147/99 de 1-9 (Lei de Protecção de Crianças e Jovens e Perigo - LPCJP), pelo que o despacho recorrido não enferma de nulidade por violação do contraditório. Improcede, pois, nesta vertente, a apelação. Pretende ainda o recorrente que a decisão em crise é nula, por falta de fundamentação, face à não transcrição dos factos e à inexistência de análise crítica dos mesmos. Nos termos do art. 205.º n.º1 da Constituição da República Portuguesa, «as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei». Na decorrência deste princípio, estabelece o art. 607.º n.º3 do Código de Processo Civil que, na fundamentação da sentença, deve «o juiz discriminar quais os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final». Na mesma linha, prevê o art. 62.º n.º4 da Lei n.º 147/99 de 1-9 (Lei de Protecção de Crianças e Jovens e Perigo - LPCJP) que «a decisão de revisão deve ser fundamentada de facto e de direito, em coerência com o projecto de vida da criança ou jovem». Em consonância, refere o art. 615.º n.º1 b), do mesmo diploma, que é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Como refere o Prof. Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, vol. V, Coimbra, 1984, págs. 139 a 141), «as partes precisam de ser elucidadas a respeito dos motivos da decisão. Sobretudo a parte vencida tem o direito de saber por que razão lhe foi desfavorável a sentença; e tem mesmo necessidade de o saber, quando a sentença admita recurso, para poder impugnar o fundamento ou fundamentos perante o tribunal superior. Este carece também de conhecer as razões determinantes da decisão, para as poder apreciar no julgamento do recurso. Não basta, pois, que o juiz decida a questão posta; é indispensável que produza as razões em que se apoia o seu veredicto». No entanto, «há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz a nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto No mesmo sentido, podem ver-se, a título de exemplo, os Ac. STJ de 20/11/2019 (proc. 62/09) e de 2/6/2016 (proc. 781/11), disponíveis em http://www.dgsi.pt.». Ora, o tribunal recorrido efectivamente não transcreveu os factos que considerou provados. No entanto, tratando-se de um despacho de manutenção de medida de promoção e protecção já aplicada, afirmou que «se mantêm inalterados os pressupostos de facto e de direito em que se alicerçou a aplicação da anterior medida cautelar». Portanto, é forçoso concluir que considerou como provados exactamente os mesmos factos já constantes do despacho proferido em 28/2/20025, os quais se transcreveram supra, sendo certo que desse mesmo despacho constam os meios de prova considerados (relatórios sociais elaborados pelo NIJ em 15/1/2025 e 27/2/2025) e também as normas aplicadas (que igualmente constam da decisão recorrida). Fundamentou, pois, o tribunal recorrido - embora sumariamente - a sua decisão quer de facto, quer de direito. Note-se que, atendendo a que nos encontramos perante uma situação cautelar, as exigências de fundamentação são menores do que se estivéssemos perante a aplicação de uma medida «definitiva», devendo a necessidade de uma ponderação mais profunda ser reservada para esta última e ceder perante a celeridade que impõem a remoção imediata do perigo para as crianças e o rápido acautelamento do seu interesse. Assim, não ocorre a invocada nulidade, nessa medida improcedendo o recurso [coisa diferente é concordar-se, ou não, com os factos considerados provados, com a interpretação das normas aplicáveis efectuada e com a solução adoptada, o que será apreciado infra]. Da impugnação da decisão acerca da matéria de facto: Nos termos do art. 662.º n.º1 do Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. «Sem embargo da correcção, mesmo a título oficioso, de determinadas patologias que afectam a decisão da matéria de facto (v.g. contradição) e também sem prejuízo do ónus de impugnação que recai sobre o recorrente e que está concretizado nos termos previstos no art. 640.º, quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência». A modificação deverá, ainda, ocorrer sempre que «o tribunal recorrido tenha desrespeitado a força plena de certo meio de prova» ou «quando for apresentado pelo recorrente documento superveniente que imponha decisão diversa» Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 333 e ss.),. Note-se, no entanto, que «quando a apreciação da impugnação deduzida contra a decisão de facto da 1.ª instância seja, de todo, irrelevante para a solução jurídica do pleito, ainda que a tal impugnação satisfaça os requisitos formais prescritos no art. 640.º n.º1 do Código de Processo Civil, não se justifica que a Relação tome conhecimento dela, à luz do disposto no art. 608.º n.º2 do Código de Processo Civil» (cfr. Ac. STJ de 23/1/2020, proc. 4172/16, disponível em https://jurisprudencia.csm.org.pt) A este respeito pode ver-se, ainda, o Ac. RC de 27/5/2014 (proc. 1024/12, disponível em http://www.dgsi.pt): “Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o (s) facto (s) concreto (s) objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente”.. Caso contrário, estaríamos a praticar um acto inútil, proibido à luz do art. 130.º, do mesmo diploma. Balizadas que estão as regras que nos orientarão, passemos à apreciação da pretensão do recorrente, que é a de que seja aditada a seguinte matéria aos factos provados: A) Desde Março, cessou a coabitação entre os progenitores; B) O progenitor apresenta competências parentais positivas; C) O F... manifesta vontade de conviver com o pai. Adiantamos, desde já, que assiste razão ao recorrente. Aliás, é incompreensível que o tribunal recorrido se tenha limitado a referir que se mantêm os pressupostos de facto que determinaram a medida aplicada, quando é certo que, entretanto, foram juntos aos autos elementos probatórios importantes (designadamente, relatórios de perícias médico-legais) que contêm factos relevantes para a decisão. Assim: O facto mencionado em A) resulta não só da própria medida aplicada em 28/2/2025 (onde se refere que tal aplicação implica a saída da mãe da residência do pai), como do relatório do NIJ junto em 5/8/2025, onde se diz que «Os irmãos, E... e F..., encontram-se a residir com a mãe, na sequência da medida aplicada, sendo D... quem tem prestado os cuidados aos filhos e assegurado integralmente as rotinas do seu dia a dia». Deve, pois, ser aditado este facto à matéria provada. O facto referido em B) resulta do relatório pericial junto aos autos em 6/8/2025. No entanto, não pode ser visto isoladamente, devendo igualmente ser aditados à matéria provada os restantes factos, que se entendem relevantes, e que constam do mesmo relatório, encontrando-se este profusamente fundamentado, pelo que merece credibilidade e força probatória acrescidas, sendo certo que não consta dos autos qualquer meio de prova que contrarie aquelas conclusões. O facto mencionado em C) consta do relatório do NIJ junto aos autos em 5/8/2025, onde se refere que «à semelhança do que havia sido transmitido por D..., foi possível observar durante a visita manifestações de vontade do F... de estar com o pai». Trata-se de facto que foi observado directamente na visita domiciliária efectuada pela equipa do NIJ, merecendo, pois, credibilidade, devendo ser aditado à matéria provada. Além disso, por ser igualmente relevante para a decisão, nos termos do art. 662.º n.º1 do Código de Processo Civil, deve ser também aditada à matéria provada a conclusão constante do relatório pericial junto em 5/8/2025, relativa às competências parentais da progenitora. O mencionado relatório encontra-se devidamente fundamentado, sendo a sua força probatória, decorrente da elaboração por perito, inegável e não sendo a mesma contrariada por qualquer outro meio de prova junto ao processo. Também relevante - e provada por documento autêntico, junto em 21/3/2025 - é a condenação do progenitor por crime de violência doméstica. Tudo visto, aditam-se os seguintes factos à matéria provada: «8. Por decisão proferida em 10/9/2020, transitada em julgado em 25/2/2021, no âmbito do processo n.º…, o progenitor foi condenado - conforme documento junto sob a ref.ª CITIUS 27568900, que aqui se dá por integralmente reproduzido -, por factos praticados sobre D... e ocorridos desde Fevereiro de 2018, até depois do nascimento do F..., pela seguinte forma: “Condeno o arguido C... pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo disposto no artigo 152º, nºs 1, als. b) e c), 2 e 4 do Código Penal na pena de 3 anos e 2 meses de prisão, que suspendo na execução por igual período, com regime de prova, sujeito, entre outras, às seguintes regras de conduta: • Não contactar, por qualquer meio, com a vítima, nem se aproximar da sua residência e do local de trabalho, com excepção dos contactos estritamente necessários para tratar de assuntos relacionados com o filho F.... • Frequentar um programa destinado a agressores de vítimas em contexto de violência doméstica. 4. Condeno o arguido C... na pena acessória de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção de violência doméstica (artigo 152º, nº 4 do Código Penal). 5. Condeno o arguido C... na pena acessória de proibição de contacto com a vítima pelo período de 3 anos e 2 meses – artigo 152º, nº 4 do Código Penal -, sem prejuízo dos contactos estritamente necessários para tratar de assuntos relacionados com o filho F...”. 9. Os irmãos E... e F... encontram-se a residir com a mãe desde Março de 2025, na sequência da medida aplicada, sendo D... quem tem prestado os cuidados aos filhos e assegurado integralmente as rotinas do seu dia-a-dia, e tendo, desde aquela altura, cessado a coabitação entre os progenitores. 10. O F... tem manifestado vontade de estar com o pai. 11. Do relatório de perícia médico-legal junto aos autos em 6/8/2025 consta que «C... evidencia uma pessoa funcional, investida na parentalidade, com recursos emocionais e relacionais relevantes para o exercício das suas funções parentais». 12. Do mesmo relatório consta que C... «revela fragilidades na gestão de conflitos, sobretudo no que respeita à comunicação com a progenitora e à negociação em contexto co-parental». 13. Consta ainda que o discurso de C... «evidencia dificuldade significativa em aceitar divergências e em reconhecer legitimidade nas posições da figura materna, o que compromete a qualidade do diálogo e a construção de consensos em torno das necessidades dos filhos. Esta rigidez tende a prolongar ou intensificar o conflito, podendo colocar os filhos numa posição de lealdade dividida ou de exposição crónica a um ambiente parental hostil». 14. Consta também que, relativamente a C..., «a ausência de estratégias construtivas de negociação e a desvalorização da figura materna contribuem para uma dinâmica co-parental disfuncional, que poderá ter impacto negativo no desenvolvimento emocional e afectivo dos filhos, nomeadamente ao nível do sentimento de segurança, estabilidade relacional e coerência educativa». 15. E ainda que o seu «perfil de personalidade revela um indivíduo com sinais de mal-estar emocional, defensividade interpessoal, impulsividade e desconfiança significativa, particularmente exacerbada em situações de conflito. Embora mantenha um funcionamento global adaptado, com preservação do contacto com a realidade, estas características poderão interferir na qualidade das interacções parentais, na gestão de conflitos familiares e na perceção da dinâmica relacional com os filhos e com a progenitora». 16. Do relatório de perícia médico-legal junto em 5/8/2025 consta que «D... reúne competências cognitivas, emocionais e comportamentais adequadas ao exercício parental, demonstrando capacidade para promover o bem-estar físico e emocional dos filhos, estruturar rotinas com coerência e responder às suas necessidades de forma segura e afetivamente disponível». Do mérito da decisão recorrida O tribunal a quo decidiu, em 1/9/2025, aplicar, «a título cautelar e por mais seis meses, (…) nova medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais, na pessoa da mãe – artigo 3º, nºs 1 e 2, al. b) e f), 35º, al. a) e 37º e 39º, todos da LPCJP – com a atribuição de apoio económico no âmbito da medida em meio natural de vida (cfr. artigo 13.º do DL n.º12/2008, de 17/01), no valor de €250,00, por cada criança». Mais determinou a notificação do progenitor para se pronunciar quanto à sua disponibilidade para realizar convívios supervisionados com os filhos nas instalações no NIJ de …, bem como que se oficiasse «ao CAFAP, ao EMDIIP e às Aldeias de Crianças SOS, solicitando que tais entidades informem, no prazo de 5 dias, da viabilidade de iniciar a supervisão de convívios entre as crianças e o pai com a maior brevidade possível». Já em 28/2/2025, havia sido aplicada, também a título cautelar, a mesma medida, determinando-se ainda que os convívios do pai com as crianças ocorressem com supervisão e acompanhamento técnico por CAFAP, na modalidade de Ponto de Encontro Familiar. O recorrente insurge-se contra a medida aplicada em 1/9/2025, entendendo que a mesma deve ser substituída pela de apoio junto de ambos os pais, com acompanhamento técnico, por ser a solução menos intrusiva e adequada ao interesse superior das crianças, devendo ser eliminada a exigência de supervisão dos convívios, ou, pelo menos, devendo essa supervisão ser transitória, de curta duração e calendarizada, estabelecendo-se um plano de convívio regular, incluindo fins-de-semana alternados com o pai e comunicações livres por telefone / meios digitais. Vejamos. O processo de promoção e protecção diz respeito ao estabelecimento de medidas que promovam os direitos das crianças e que as protejam e afastem dos perigos, garantindo o seu bem-estar, segurança, saúde, formação, educação e desenvolvimento integral (cfr. arts. 1.º e 34.º da LPCJP). Prevê o art. 3.º n.º1 e n.º2 b) e f), desta lei, que a intervenção para promoção dos direitos e protecção da criança em perigo tem lugar, além do mais, quando os pais ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, considerando-se que tal perigo existe, designadamente, quando a criança sofre maus tratos físicos ou psíquicos, ou quando está sujeita, de forma directa ou indirecta, a comportamentos que afectem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional. Por outro lado, de acordo com o art. 37.º, também da Lei n.º 147/99 de 1-9 (Lei de Protecção de Crianças e Jovens e Perigo - LPCJP), o tribunal pode aplicar medidas a título cautelar, enquanto se procede ao diagnóstico da situação da criança e à definição do seu encaminhamento subsequente. Como se refere no Ac. RC de 22/1/2013 Proc. 811/12, disponível em https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/f669d5a8cc31ac1580257b1d003e22cf?OpenDocument , «os pressupostos materiais de aplicação de medidas de promoção e protecção, com natureza provisória (artigo 35.º, n.º 2, da LPCJP), são (i) a existência duma situação de emergência; e (ii) a necessidade de ser efectuado um diagnóstico da situação da criança para encaminhamento subsequente. (…) A situação de emergência a que alude o preceito, para efeitos de aplicação de medida provisória, abarca as situações de urgência em que está em causa um perigo actual e iminente para a criança ou jovem». A intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança obedece aos seguintes princípios, em conformidade com o art. 4.º, do mesmo diploma: a) Interesse superior da criança e do jovem; b) Privacidade; c) Intervenção precoce; d) Intervenção mínima; e) Proporcionalidade e actualidade; f) Responsabilidade parental; g) Primado da continuidade das relações psicológicas profundas; h) Prevalência da família; i) Obrigatoriedade da informação; j) Audição obrigatória e participação; k) Subsidiariedade». O superior interesse da criança é um conceito indeterminado, a preencher, em cada caso concreto, através dos valores dominantes no momento da decisão, relativos ao projecto cultural da sociedade quanto às crianças, valores esses que, actualmente, dizem respeito ao estabelecimento de condições globais de natureza diferenciada - psicológica, social, cultural e moral -, adequadas ao desenvolvimento harmónico da criança e concretizadas na guarda, visitas e alimentos (cfr. Rui Epifânio e António Farinha, O.T.M., 2.ª ed., p. 326 ss.). Para tanto, torna-se indispensável avaliar quais as necessidades da criança, bem como a capacidade e disponibilidade de cada um dos pais para as satisfazer. No caso dos autos, entendeu o tribunal recorrido que se mantém a apreciação - já efectuada no despacho de 28/2/2025 - segundo a qual a formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral da E... e do F... não se encontram acauteladas, carecendo de intervenção, nos termos do art. 3.º n.º2 b) e f) da LPCJP. E, efectivamente, compulsada a matéria considerada relevante, temos de concordar com tal entendimento. Com efeito, dela se conclui que, antes da aplicação da medida, as crianças viviam com ambos os pais, numa dinâmica familiar caracterizada pela violência, que surgia recorrentemente, sob a forma verbal, psicológica e emocional, sendo a relação parental marcada pela constante discórdia, hostilidade, desconfiança e desqualificação do outro na presença dos filhos. Dos relatórios juntos aos autos e mencionados na matéria de facto consta que, em 29/1/2025, a E..., em contexto educativo, quando questionada pela educadora, verbalizou que a mãe estava no chão e o pai lhe deu um pontapé na cara. Em 17/2/2025, a mãe informou que o F... havia sido agredido pelo pai, na zona esquerda do dorso, sendo visíveis marcas numa tonalidade avermelhada e que remetem para a forma de dedos. Por seu turno, o pai não reconhecia os motivos de aplicação de uma medida protectora, rejeitando que os filhos estivessem em sofrimento emocional. Entretanto, a mãe, no dia 18/2/2025, entregou denúncia acompanhada de um desenho do seu filho F..., que terá verbalizado e representado graficamente que o «o pai bate», afirmando também a mãe que C... falava com os filhos aos gritos no momento do banho, sendo que esta rotina teria vindo a gerar progressivamente mais medo e angústia por parte das crianças, que se recusavam a tomar banho com este e que choravam. A mãe apresentou vídeos, nos quais seria possível observar que as crianças desfrutam desse momento do banho quando é a mãe quem assegura este cuidado, brincando com os seus brinquedos na água, mantendo-se satisfeitas e tranquilas. Finalmente, a mãe refere que E..., a qual ainda não completou o desfralde, fez xixi no chão da casa de banho, e o pai reagiu com gritos e imputando a culpa por esta acção, involuntária, à sua filha. Estes factos consubstanciam a clara sujeição das crianças a maus tratos físicos / psíquicos, bem como a comportamentos que afectam seriamente o seu equilíbrio emocional - desqualificação recíproca das figuras parentais, agressão física à mãe presenciada pelas crianças, marcas de uma palmada nas costas do F..., gritos que põem as crianças a chorar… A gravidade deste comprometimento do integral e são desenvolvimento das crianças é, além disso, potenciada pelo facto de as mesmas terem sido sujeitas a tais comportamentos em idades muito jovens, sendo consabida a importância dos primeiros anos de vida na formação da personalidade, havendo mesmo o risco de «normalização» e reprodução das condutas violentas. Configurada a situação de perigo iminente, há que removê-lo e, segundo o princípio da intervenção precoce («a intervenção deve ser efectuada logo que a situação de perigo seja conhecida»), aplicar uma medida cautelar enquanto se procede a diligências probatórias tendentes à decisão final (cfr. o citado art. 37.º). Claro que, como está provado, os pais, entretanto, deixaram de coabitar, o que implica que as crianças já não estarão sujeitas de forma tão imediata ao contexto de violência física e verbal anterior. No entanto, tal ocorre porque, precisamente, foi aplicada aquela medida cautelar, nada permitindo concluir que, cessando tal medida, não volte a ocorrer a situação de perigo que a justificou. É que, embora se tenha provado que consta do relatório pericial junto em 6/8/2025 que o progenitor evidencia uma personalidade funcional, investida na parentalidade, com recursos emocionais e relacionais relevantes para o exercício das suas funções parentais, também consta do relatório do NIJ junto em 27/2/2025 e do mesmo relatório pericial que o recorrente não interiorizou a necessidade de aplicação de medidas protectoras, mantendo-se alheio ao sofrimento emocional dos filhos e mantendo uma desvalorização da figura materna, uma baixa capacidade de gestão de conflitos e uma exacerbada impulsividade nessas situações. Justifica-se, pois, tendo em consideração o princípio de que deve ser dada prevalência às medidas que integrem as crianças na família e que a progenitora apresenta competências parentais adequadas [cfr. arts. 4.º h), 35.º n.º1 a), 39.º e 42.º da LPCJP], a medida de apoio junto dos pais, com entrega das crianças à mãe, seleccionada pelo tribunal de 1.ª instância, pelo que a mesma - sendo necessária e não violando qualquer dos princípios da actualidade, da proporcionalidade ou da intervenção mínima - deve manter-se. A factualidade provada não permite, de forma alguma, substituir aquela medida (como pretende o recorrente) pela de apoio junto de ambos os pais, nem o estabelecimento de um plano de convívio e comunicações livres com o pai. É que as características de personalidade do progenitor (repisa-se, do relatório pericial consta que tem baixa capacidade de gestão de conflitos e impulsividade), aliadas às circunstâncias de haver um historial recente de conflitos, de as crianças serem muito jovens, de ser a mãe quem lhes tem prestado cuidados e assegurado integralmente as suas rotinas (sendo, assim, a sua figura de referência), e de se encontrarem já há algum tempo afastadas do pai, aconselham - tal como, aliás, sugerido em ambos os relatórios periciais - a que os contactos entre os filhos e o progenitor «sejam supervisionados (…), no sentido de assegurar a integridade emocional das crianças», «favorecendo uma reintegração relacional segura». Claro que os contactos entre as crianças e o pai são desejáveis e devem ser incentivados e retomados o mais rapidamente possível, atendendo a que a presença de um progenitor com competências parentais é factor essencial para o desenvolvimento integral daquelas. No entanto, como se disse, pelo menos por ora, tais convívios têm de ser objecto de acompanhamento técnico, já que os convívios não são um fim em si e não são estabelecidos em benefício dos pais, mas sim em prol dos filhos, pelo que têm de realizar-se de forma gratificante para estes, em ambiente que os mesmos reconheçam como seguro. E, ao invés do que refere o apelante, a decisão proferida em 1.ª instância não impede esses contactos e, portanto, não viola qualquer direito à vida familiar ou ao convívio com ambos os progenitores - antes diligencia pela efectivação deste, determinando que o progenitor informe da sua disponibilidade para os convívios supervisionados nas instalações do NIJ de … e que seja solicitada a várias entidades a viabilidade de aí se iniciar a supervisão dos convívios (CAFAP, EMDIIP e Aldeias de Crianças SOS). Nada existe, assim, a censurar na decisão recorrida, que deve manter-se, também nesta vertente. Apenas duas últimas notas. A primeira, para dizer que o presente recurso incide sobre uma decisão meramente cautelar, pelo que o que está em causa é, apenas, determinar se a mesma deve manter-se, ou ser revogada. Como vimos, deve manter-se, não se justificando, nesta fase, a realização de quaisquer outras diligências, que implicariam necessariamente demoras e, portanto, impossibilidade de obtenção de uma decisão em tempo útil. Designadamente, como pretendia o recorrente, não se justifica a inquirição de testemunhas, pois mostram-se suficientes os factos já apurados e as provas produzidas - tudo sem prejuízo de, em 1.ª instância, se virem a realizar as diligências probatórias que se vierem a entender necessárias (cfr. art. 986.º n.º2 do Código de Processo Civil) à ulterior revisão da medida aplicada e, sobretudo, ao prosseguimento do processo com vista à decisão final, v.g., a audição das crianças, a qual, sendo obrigatória [cfr. art. 4.º j) da LPCJP], apenas não se determina em razão da fase cautelar em que nos encontramos. A segunda, para dizer que não olvidámos que, nos termos do art. 37.º n.º3 da Lei n.º 147/99 de 1-9 (Lei de Protecção de Crianças e Jovens e Perigo - LPCJP), as medidas cautelares aplicadas têm a duração máxima de seis meses, pelo que, em tese, tendo a medida em causa nos autos sido primitivamente aplicada em 28/2/2025, aquele prazo se encontra esgotado, o que implicaria a cessação dessa medida, por caducidade, como entende parte da jurisprudência e doutrina (cfr. Tomé d’Almeida Ramião, Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo Anotada e Comentada, 9.ª ed., em anotação ao art. 37.º). Porém, entendemos que aquele prazo é meramente indicativo e não pode, de forma nenhuma, prevalecer sobre o superior interesse das crianças, que deve, em qualquer caso (como é o presente), ser acautelado - cfr. Ac. STJ de 11/7/2019 Proc. 3404/16, disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/83cf3828e28b149a8025843500309fea?OpenDocument . Por tudo o exposto, improcede o recurso. DECISÃO Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação improcedente, mantendo-se a decisão recorrida. Custas pelo recorrente - art. 527.º do Código de Processo Civil. Lisboa, 18 de novembro de 2025 Alexandra de Castro Rocha Paulo Ramos de Faria Diogo Ravara _______________________________________________________ 1. Art. 20.º da Constituição da República Portuguesa: «(Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva) 1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos. 2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade. 3. A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça. 4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo. 5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos». 2. Art. 6.º da CEDH: « Direito a um processo equitativo 1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a protecção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça. 2. Qualquer pessoa acusada de uma infracção presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada. 3. O acusado tem, como mínimo, os seguintes direitos: a) Ser informado no mais curto prazo, em língua que entenda e de forma minuciosa, da natureza e da causa da acusação contra ele formulada; b) Dispor do tempo e dos meios necessários para a preparação da sua defesa; c) Defender-se a si próprio ou ter a assistência de um defensor da sua escolha e, se não tiver meios para remunerar um defensor, poder ser assistido gratuitamente por um defensor oficioso, quando os interesses da justiça o exigirem; d) Interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e obter a convocação e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições que as testemunhas de acusação; e) Fazer-se assistir gratuitamente por intérprete, se não compreender ou não falar a língua usada no processo.». 3. «O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem». 4. Cfr. NN e OO, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, 4ª ed., págs. 29 a 32. 5. Cfr. Ac. TC n.º 408/2010, disponível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20100408.html . 6. Disponível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20170062.html . 7. Cfr. PP e QQ, Algumas reflexões sobre o artigo 6.º da convenção europeia dos direitos do homem - Direito a um processo equitativo e a uma decisão num prazo razoável, in Revista Eletrónica de Direito Público, Vol. 3, n.º1, Abril 2016, págs. 234 e ss., artigo disponível em www.e-publica.pt 8. No mesmo sentido, podem ver-se, a título de exemplo, os Ac. STJ de .../.../2019 (proc. 62/09) e de .../.../2016 (proc. 781/11), disponíveis em http://www.dgsi.pt. 9. Cfr. CC, ob. cit., págs. 333 e ss.), 10. A este respeito pode ver-se, ainda, o Ac. RC de .../.../2014 (proc. 1024/12, disponível em http://www.dgsi.pt): “Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o (s) facto (s) concreto (s) objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente”. 11.Proc. 811/12, disponível em https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/f669d5a8cc31ac1580257b1d003e22cf?OpenDocument 12.Proc. 3404/16, disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/83cf3828e28b149a8025843500309fea?OpenDocument |