Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10227/24.4T8SNT.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: CONTRATO DE CRÉDITO
PERSI
EXECUÇÃO
CAUSA DE PEDIR
ALTERAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/20/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Sumário:
I - Um banco não pode requerer uma execução contra um seu cliente, relativamente a um contrato de crédito, garantido por hipoteca, para aquisição de habitação própria permanente, para obter dele o pagamento do ou a restituição do empréstimo, sem que prove documentalmente, entre o mais, a integração do cliente no PERSI e a extinção do PERSI (art. 18/1-b do DL 227/2012, 25/10).
II - Para que o banco possa provocar a perda do benefício do prazo ou resolver o contrato – note-se que são duas coisas diferentes e alternativas –, depois do incumprimento de 3 prestações de amortização de um empréstimo ao consumidor para compra da habitação, tem, primeiro, de conceder ao devedor um prazo suplementar mínimo de 30 dias, com a expressa advertência dos efeitos (i) da perda do benefício do prazo ou (ii) da resolução do contrato, se o consumidor não proceder ao pagamento das prestações em atraso e, depois desse prazo suplementar, tem de haver uma comunicação ou (i) da perda do benefício do prazo, com o vencimento da obrigação do pagamento do empréstimo, ou (ii) da resolução do contrato com o vencimento da obrigação de restituição do empréstimo (art. 27 do DL 74-A/2017, de 23/06).
III – O banco não pode invocar no requerimento executivo a perda do benefício do prazo, com o vencimento antecipado da divida, e depois, na resposta à oposição por requerimento, invocar a resolução do contrato, com o vencimento da obrigação de restituição. São duas causas de pedir diferentes e a causa de pedir não pode ser modificada numa resposta.
IV – Para requerer uma execução sumária relativamente a título extrajudicial de obrigação pecuniária garantida por hipoteca, o banco tem de provar documentalmente que ela está vencida (art. 550/2-c do CPC).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados

Em 22/06/2024, o Banco BIC Português S.A., requereu uma execução sumária (art. 550/2-c do CPC) para obter de EE 151.454,77€, tendo por base um escrito particular autenticado por advogado contendo um contrato celebrado em 18/10/2022 entre o BIC e o executado, mediante o qual o BIC concedeu ao executado um empréstimo de 143.820€ de que este se confessou devedor.
Alega que aquela quantia foi creditada, na data de celebração do contrato [celebrado ao abrigo do registo do crédito a consumidores relativo a imóveis, regulado pelo DL 74-A/2017, e ainda o regime do crédito à habitação do DL 349/98, de 11/11], na conta de que o executado é titular junto do BIC; o contrato foi celebrado pelo prazo de 408 meses; para garantia do pagamento e liquidação da quantia financiada, dos juros e outros acessórios do crédito e das despesas judiciais e extrajudiciais, o executado constituiu a favor do BIC hipoteca sobre uma fracção autónoma que o BIC identifica e indica como bem a ser penhorado, hipoteca que se encontra devidamente registada a favor do BIC, conforme informação certificada de descrição predial que junta; o executado não procedeu ao pagamento da prestação do empréstimo vencida em 11/01/2024, nem das que posteriormente se venceram, não obstante interpelado para o efeito e, face ao incumprimento verificado, o BIC considerou antecipadamente vencido o capital do empréstimo a partir dessa data, ao abrigo do disposto nas cláusulas contratuais. Assim, o executado é devedor ao BIC, à data de 19/06/2023 [sic - TRL], dos seguintes valores: capital: 144.623,46€; juros à taxa de 5,410%, acrescidos de 3% referente à mora: 914,23€; imposto de selo: 36,57€; comissões devidas nos termos do contrato: 127,71€; despesas judiciais e extrajudiciais garantidas pela hipoteca: 5.752,80€. Diz ainda que ao montante global de 151.454,77€ acrescem juros de mora vincendos, impostos legais, custas e demais despesas de execução, tudo até integral pagamento.
No contrato em causa, celebrado em conjunto com a compra e venda da fracção hipotecada, consta que o imóvel é destinado a habitação própria permanente do executado e a fracção é a do 3.º andar direito do edifício sito na Praça X, Amadora. O executado, ao celebrar o contrato, é dado como residente na Rua E, Lisboa,
O BIC não faz qualquer referência ao PERSI e os dois únicos documentos que junta são o escrito autenticado e a certidão predial (para além da procuração e comprovativo do pagamento da taxa de justiça).
Do contrato não consta qualquer cláusula de convenção do domicílio.
Depois de um auto de penhora editável de 04/07/2024, consta uma nota da mesma data de citação do executado através de carta registada com a/r que não consta devolvido assinado no processo electrónico; o que consta é um a/r assinado, a 06/08/2024, de uma nova carta enviada a 26/07/2024, para citação no local de trabalho, que não é em nenhuma das moradas do contrato.
Não foi penhorado qualquer outro bem.
O executado não deduziu embargos.
Entretanto foi promovida a venda judicial da fracção hipotecada/penhorada e foi activado o leilão electrónico para 14/05/2025.
A 14/05/2025, o executado fez o seguinte requerimento junto à execução, em síntese:
i\ O BIC invoca que o executado entrou em incumprimento e mora no pagamento das prestações vencidas desde 11/01/2024 até à presente data. O regime do PERSI aplica-se ao contrato de mútuo objecto dos autos. O BIC estava obrigado a integrar o executado no regime imperativo do PERSI, instituído pelo DL 227/2012, de 25/10, por força do seu art. 14/1: “Mantendo-se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, o cliente bancário é obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31.º dia e o 60.º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa.” Cabia ao BIC o ónus de provar, ao instaurar a execução, que previamente dera cumprimento ao regime legal imperativo do PERSI. Inexiste qualquer alusão a tal regime ou documento junto para o efeito anexo ao requerimento executivo. Não o fazendo, implica que deverá a acção ser extinta, pois que nos termos do disposto no artigo 18/1-a-b daquele regime estava impedido de intentar acções judiciais: “Garantias do cliente bancário - No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de: […] (b) Intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito;” tal consubstancia a verificação de excepção dilatória inominada de conhecimento oficioso do tribunal. Tratando-se de condição de admissibilidade da acção, devendo ser indeferido liminarmente o requerimento executivo e rejeitada a execução, deve o processo executivo ser extinto, o executado absolvido da instância, cancelada a penhora existente sobre o imóvel, dando-se sem efeito a venda executiva. O ac. do TRP de 21/11/2024, proc. 2003/17.7T8PRT-D.P1, 3ª secção, aplicável ao caso sub judice, diz o seguinte: “Argúem agora os reclamantes questões diversas das que invocaram na reclamação original, como sejam o facto de a “falta ou insuficiência do título executivo” e a “inexigibilidade da obrigação exequenda” serem de conhecimento oficioso. E, efectivamente, são-no, impondo ao juiz o respectivo conhecimento, ainda que não suscitadas pelas partes, designadamente em sede de embargos ou oposição à execução.” [o executado diz juntar cópia do acórdão proferido pelo TRP, mas não o juntou; só o fez mais tarde; o ac. não está publicado na base de dados da DGSI – TRL].
ii\ É aplicável ao caso o disposto no artigo 27 do DL 74-A/2017, de 23/06, regime dos contratos de crédito relativos a imóveis, no qual se dispõe o seguinte: “Incumprimento do contrato de crédito: 1\ Em caso de incumprimento do contrato de crédito pelo consumidor, o mutuante só pode invocar a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato se cumulativamente ocorrerem as circunstâncias seguintes: (a) A falta de pagamento de três prestações sucessivas; (b) A concessão, pelo mutuante, de um prazo suplementar mínimo de 30 dias para que o consumidor proceda ao pagamento das prestações em atraso, com a expressa advertência dos efeitos da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato, sem que este o faça.” Tais normas são de natureza imperativa, tendo o exequente o ónus da prova relativamente ao seu cumprimento; o executado nunca foi interpelado extrajudicialmente para realizar qualquer pagamento, relativo à putativa dívida em incumprimento; não lhe sendo comunicado o vencimento antecipado da dívida ou de que o contrato fora resolvido. Neste sentido veja-se o ac. do TRL de 02/12/2021, proc. 3741/20.2T8OER.L1-6: “1\ A interpelação admonitória, através da qual o credor concede ao devedor um prazo adicional para cumprir a obrigação permite converter a simples mora em incumprimento definitivo do contrato; 2\ A interpelação admonitória, findo o prazo adicional concedido ao devedor sem que tenha sido cumprida a obrigação, não isenta o credor da comunicação da intenção de resolução do contrato; 3\ Só após a comunicação ao devedor da resolução do contrato definitivamente incumprido promovida pelo credor este pode beneficiar dos efeitos inerentes à resolução do contrato.”
iii\ Segundo o ac. do TRE de 05/12/2019, proc. 734/18.3T8MMN-A.E1: “IV\ Quando se pretenda dar à execução contrato de mútuo garantido por hipoteca, abrangido pelo artigo 550/2-c do CPC, e o vencimento da obrigação exequenda dependa apenas da sua resolução, é necessária a junção, para além do contrato, do documento comprovativo da efectivação da resolução, ou seja, do documento comprovativo da comunicação à contraparte da declaração resolutória, bem como da sua recepção por esta – ou de que a carta de resolução foi enviada para o domicílio ou sede do devedor (art. 224/2 do CC). V\ Assim, ainda que tal incumprimento do clausulado contratual esteja demonstrado, não tendo a exequente, previamente à instauração da acção executiva, exercido o direito potestativo à sua resolução, não estão verificados os requisitos de exigibilidade da quantia exequenda, pelo que, aquando da entrada da presente execução em juízo, a exequente não possuía título executivo válido contra os embargantes.” Neste sentido também o ac. do STJ [o executado está a referir-se ao ac. do STJ de 05/09/2023, proc. 3541/19.2T8ALM-A.L1.S1 – a identificação do acórdão foi feita por este TRL]: “O tribunal podia rejeitar oficiosamente a execução até ao primeiro acto de transmissão de bens, com base na falta de título suficiente para a execução que foi requerida ou no erro na forma de processo, com requerimento inaproveitável (arts. 193/1, 196, 550/2-c, 726/2-a-b e 734 do CPC), e esta questão também podia ser colocada no recurso de apelação dos embargos (arts. 573/2, in fine, e 578 do CPC, por aplicação analógica), desde que aquele momento ainda não tivesse chegado, como não chegou no caso em apreço (uma vez que ainda não se procedeu à venda dos bens).” O BIC não cumpriu com tal regime legal imperativo, o que deve levar à aplicação dos dois acórdãos acabados de referir: não tendo realizado tal interpelação prévia, a dívida exequenda não é exigível ou se torna vencida antecipadamente. Correndo o processo a forma sumária, para que a dívida seja antecipadamente exigível e se torne vencida, teria de fazer a prova da prévia interpelação antes de interpor a execução. Mas não o fez, não juntando qualquer documento anexo ao requerimento executivo que prove a interpelação admonitória e resolução contratual, condição sine qua non para o efeito. O vencimento da obrigação é uma condição de admissibilidade da execução, de conhecimento oficioso do tribunal, devendo e podendo tomar conhecimento, porquanto não foi concretizada a venda executiva do imóvel e emitido o respectivo título de transmissão. A interpelação/citação nos presentes autos sob a forma sumária, não tem a virtualidade de tornar vencida antecipadamente a dívida e ser exigível. Razão pela qual devem os presentes autos ser extintos, ocorrendo manifesta falta ou insuficiência de título executivo e a inexigibilidade da obrigação exequenda.
A 15/05/2025, o agente de execução anuncia que há uma melhor proposta em condições para que se adjudique o bem ao proponente, logo que este deposito o preço e demonstre a liquidação do imposto de selo e IMT.
Não há notícia de que tenha sido feito qualquer depósito, nem qualquer pagamento nem foi emitido pelo AE qualquer título de transmissão do bem.
A 26/05/2025 a exequente contrapôs o seguinte:
Da inadmissibilidade processual do requerimento
3\ O requerimento apresentado padece de manifesta inadmissibilidade processual.
4\ Os fundamentos invocados pelo executado deveriam ter sido deduzidos em sede de embargos de executado, meio processual próprio para contestar a exequibilidade do título, a exigibilidade da obrigação e eventuais nulidades da execução, conforme o disposto no CPC.
5\ Não tendo sido apresentados embargos no prazo legal, o direito do executado encontra-se precludido, sendo inadmissível a utilização de requerimentos avulsos para contornar esse regime preclusivo.
I\ O termo do prazo para a dedução de oposição à execução, mediante embargos de executado, e a necessidade de concentração da defesa, faz precludir o direito de invocar factos, impugnações e excepções que não sejam supervenientes, sendo inadmissível a posterior dedução de nova oposição à execução por parte dos herdeiros do executado falecido, que foram habilitados para os termos da execução após o decurso do referido prazo e a aceitaram no estado em que se encontrava; ac. do TRL de 25/05/2023 [proc. 3216/14.9T8LRS-C.L1-8 – a identificação do n.º do processo foi feita por este TRL]
I\ A consideração da existência de um ónus de concentração da defesa na oposição à execução conduz à inadmissibilidade de invocação, dentro ou fora do processo executivo em causa, das excepções extintivas da obrigação exequenda que poderiam ter sido invocadas na dita oposição e o não foram, pois só assim se cumprirá verdadeiramente a função de estabilização reconhecida à preclusão; ac. do TRG de 25/06/2020 [proc. 5381/15.9T8VNF-D.G1 – também aqui teve que ser este TRL a identificar o acórdão com o número do processo]
6. Não tendo sido apresentados embargos no prazo legal, o direito do executado encontra-se precludido, sendo inadmissível a utilização de requerimentos avulsos para contornar esse regime preclusivo. Isto é corroborado pela jurisprudência que afirma que o termo do prazo para a dedução de oposição à execução, mediante embargos de executado, faz precludir o direito de invocar factos, impugnações e excepções que não sejam supervenientes, tornando inadmissível a dedução posterior de oposição à execução.
Da integração no regime PERSI
7\ Ao contrário do que é alegado, o executado foi integrado no regime PERSI de forma regular e nos termos legais (cf. docs. 1 e 2).
8\ O BIC enviou comunicação para integração no PERSI em 12/02/2024, recebida pelo executado em 14/02/2024. Por ausência de colaboração do devedor, foi remetida nova comunicação em 22/03/2024, declarando a extinção do procedimento, nos termos do artigo 17 do DL 227/2012.
9\ O regime do PERSI, ainda que imperativo, não impede a execução se o procedimento tiver sido seguido e regularmente extinto, como foi o caso.
10\ O executado foi também notificado da resolução do contrato de crédito hipotecário, com os requisitos formais e prazos contratualmente previstos.
11\ Tendo sido interpelado mais que uma vez para regularizar a situação devedora, bem como da intenção de resolução do contrato (cf. docs. 3 a 8).
12\ Acresce referir que todas as comunicações remetidas pelo exequente – incluindo a integração no PERSI, a extinção do mesmo por falta de colaboração e a resolução contratual – foram enviadas para as moradas contratualmente estipuladas pelas partes e constantes do sistema bancário, nos termos previstos no contrato de mútuo.
13\ Caso o executado tenha, entretanto, mudado de domicílio e não tenha diligenciado pela actualização da sua morada junto do exequente, tal omissão apenas a si é imputável, não podendo agora invocar o eventual desconhecimento das comunicações para ilidir os seus efeitos. Agiu, pois, por sua conta e risco, não podendo beneficiar de eventual irregularidade por si criada.
Da exigibilidade da dívida e interpelação
11 [sic] O Executado alega inexistência de interpelação admonitória, mas omite os seguintes factos: (i) Foi interpelado extrajudicialmente para regularização das prestações vencidas; (ii) Foi informado da intenção de resolução contratual; (iii) A resolução foi formalmente comunicada antes da instauração da execução.
12\ Nos termos legais é exigida a verificação cumulativa de mora superior a três prestações e concessão de prazo suplementar de 30 dias com expressa advertência, o que foi observado.
13\ Todos os documentos agora juntos são prova concreta do alegado.
Dizendo juntou 8 documentos, o que juntou foram 9 cartas, 12 registos, 8 a/r [nenhum assinado], 1 resultado de pesquisa no sítio dos CTT e 2 envelopes [ou seja 31 documentos, não numerados; não arrolou qualquer prova pessoal]
A 30/05/2025, o executado impugna os factos agora alegados pelo BIC e os documentos por ele juntos, dizendo que eles são extemporâneos e repete, no essencial, ou desenvolve, o que já tinha dito a 14/05/2025, lembrando ainda o ac. do STJ de 14/11/2024, proc. 451/14.3TBMTA-C.L2.S1: “V. Trata-se [a omissão da informação ou a falta de integração do devedor no PERSI] de uma excepção de conhecimento oficioso, e, como tal, a sua invocação não está sujeita à preclusão decorrente do decurso integral do prazo para deduzir embargos de executado (tal como resulta da ressalva prevista no art. 573/2, in fine do CPC), para além do que o conhecimento de excepções dilatórias pode sempre ter lugar até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados – ut artigos 726/2-b e 734 do CPC.”.
A 05/06/2025 foi proferido o seguinte despacho, em que, depois de uma síntese do que antecede, se disse:
Considerando que o executado não deduziu oposição à execução por embargos no prazo que dispunha para o efeito, importa referir que as questões suscitadas, designadamente quanto à integração no PERSI e da não recepção da comunicação da resolução constituem questões de conhecimento oficioso, pelo que podem assim ser apreciadas pelo tribunal, sem violar o princípio da preclusão.
Neste sentido, veja-se o ac. do TRC de 13/05/2025, proc. 862/22.40T8ANS-A.C1: “A omissão da informação ou a falta de integração do devedor no PERSI, pela instituição de crédito, constitui violação de normas de carácter imperativo, que configura, também, excepção dilatória atípica ou inominada, conducente à absolvição do executado da instância executiva - trata-se de uma excepção de conhecimento oficioso, e, como tal, a sua invocação não está sujeita à preclusão decorrente do decurso integral do prazo para deduzir embargos de executado - tal como resulta da ressalva prevista no art. 573/2, in fine, do CPC -, para além do que o conhecimento de excepções dilatórias pode sempre ter lugar até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados – artigos 726/2-b e 734 do CPC.”
Por sua vez, no que concerne à recepção da declaração de resolução, importa considerar o seguinte:
Nos termos do artigo 713 do CPC “a execução principia pelas diligências, a requerer pelo exequente, destinadas a tornar a obrigação certa, exigível e líquida, se o não for em face do título executivo”.
Tendo por base os supra-referidos requisitos da obrigação,
“quando se pretenda dar à execução contrato de mútuo garantido por hipoteca [como é o caso dos presentes autos], abrangido pelo artigo 550/2-c do CPC, e o vencimento da obrigação exequenda dependa apenas da sua resolução, é necessária a junção, para além do contrato, do documento comprovativo da efectivação da resolução, ou seja, do documento comprovativo da comunicação à contraparte da declaração resolutória, bem como da sua recepção por esta – ou de que a carta de resolução foi enviada para o domicílio ou sede do devedor (artigo 224/2 do Código Civil).”
Sendo que “é igualmente necessária a junção aos autos do documento comprovativo da interpelação para o cumprimento, em todos os casos em que não se esteja perante uma obrigação com prazo certo, sob pena de faltar um dos requisitos da obrigação exequenda (art. 713 do CPC).” (ac. do STJ de 11/07/2019, proc. 6496/16.1T8GMR-A.G1.S1).
Com efeito, a resolução configura uma declaração receptícia (ou recipienda), isto é, uma declaração negocial que deve ser dirigida a um destinatário e por este conhecida, para que produza efeitos.
Nos termos do artigo 224 do CC, a sua eficácia verifica-se nas seguintes situações: (i) quando a declaração chega ao poder do destinatário ou é por este conhecida (n.º 1); (ii) quando, tendo sido devidamente enviada, a sua não recepção em tempo útil se deve unicamente a culpa do destinatário (n.º 2).
Ora, compulsados os autos, constata-se, desde logo que a exequente juntou – após o requerimento do executado – um conjunto de documentos, sem fazer corresponder os talões de envio e de recepção às missivas enviadas.
Adicionalmente, importa sublinhar que, não constando do contrato junto aos autos qualquer cláusula que fixe domicílio convencionado para efeitos de comunicação, recai sobre a exequente o ónus de demonstrar que as declarações de resolução foram efectivamente comunicadas ao executado ou que este delas teve conhecimento.
Por conseguinte, convida-se a exequente a proceder à junção aos autos – de forma organizada – da documentação que permita, assim, aferir se as missivas endereçadas ao executado foram efectivamente recepcionadas e/ou que o executado delas teve conhecimento, sob pena de se considerar que não estão preenchidos os requisitos do artigo 713 do CPC.
A 20/06/2025, o BIC juntou [nos termos organizados por ele] o seguinte:
1\ Doc.1 carta de interpelação para regularização de prestações datada de 08/03/2024 e registo postal;
2\ Doc.2 carta de integração em PERSI datada de 12/02/2024 e comprovativo do recebimento do registo postal;
3\ Doc. 3 carta de extinção de PERSI datada de 22/03/2024
4\ Doc. 3-A registo postal da carta referida em 3 deste requerimento;
5\ Doc. 4 carta de interpelação para regularização de situação devedora datada de 18/04/2024;
6\ Doc. 4-A registo postal da carta referida em 5 deste requerimento;
7\ Doc. 5 carta de resolução do crédito imobiliário datada de 20/05/2024;
8\ Doc.5-A registo postal da carta referida em 7 deste requerimento.
A 24/06/2025 foi proferido o seguinte despacho:
Convidado o BIC a proceder à junção aos autos da documentação que permitisse aferir se as missivas endereçadas ao executado foram efectivamente recepcionadas e/ou que o executado delas teve conhecimento, a propósito da sua integração em PERSI, o mesmo veio juntar, além do mais e para o que aqui releva:
i\ Doc. 2 carta de integração em PERSI datada de 12/02/2024 e comprovativo do recebimento do registo postal;
ii\ Doc.3 carta de extinção de PERSI datada de 22/03/2024;
iii\ Doc.3-A registo postal da carta referida em ii\;
Em relação a (i), o doc.2, que aqui se dá por integralmente reproduzido, não vem acompanhado de documento que permita fazer a correspondência da carta com o envio e aviso de recepção alegadamente enviado ao executado.
Em relação a (ii) e (iii), os documentos do registo não se encontram devidamente preenchidos pelos CTT, não estão assinados, nem tão-pouco as referências correspondem aos avisos de recepção com as respectivas vinhetas.
Assim, da documentação junta aos autos pelo exequente não é possível concluir que as missivas endereçadas ao executado foram efectivamente enviadas/recepcionadas e/ou que o executado delas teve conhecimento, a propósito da sua integração em PERSI.
Face ao exposto, e nos moldes do despacho que antecede (05/06/2025), não demonstrada o envio/recepção da comunicação de integração do executado no PERSI, procede uma excepção dilatória (cf. 576/1-2, 577 e 578 CPC) que implica a sua absolvição da instância (576/2 CPC), o que assim se decide.
Custas pelo Exequente – 527.º, n.º 1 e 2 CPC.
Registe, notifique e comunique ao AE.
Comunique ao Banco de Portugal (37.º Decreto-Lei n.º 227/2012).
A 07/07/2025, o BIC interpôs recurso desta sentença – para que fosse revogada – terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1\ A decisão recorrida apreciou, numa fase avançada do processo executivo e depois de marcada a venda do imóvel penhorado, uma questão que deveria ter sido suscitada, se fosse caso disso, pelo executado dentro do prazo legal de oposição à execução.
2\ O regime do PERSI não constitui matéria de conhecimento oficioso, dependendo a sua invocação da alegação e prova de factos concretos que incumbiam exclusivamente ao executado.
3\ O executado foi regularmente citado e nada alegou no prazo próprio, operando-se a preclusão dos meios de defesa e consolidando-se a instância executiva.
4\ O recurso a requerimentos avulsos, após o decurso do prazo de oposição, sem fundamento superveniente, configura um expediente dilatório e é manifestamente inadmissível.
5\ A decisão recorrida subverteu o princípio da preclusão, da estabilidade processual e da segurança jurídica, prejudicando o direito do exequente ao normal prosseguimento da execução.
6\ Mesmo que assim se não entendesse, a prova documental junta aos autos demonstra de forma suficiente que o BIC cumpriu todos os deveres legais e contratuais de informação e interpelação do executado.
7\ A carta de integração no regime do PERSI foi efectivamente recebida pelo executado, conforme comprovativo de rastreio dos CTT e as demais comunicações foram regularmente expedidas para a morada contratual.
8\ A integração do executado no regime do PERSI foi devidamente comprovada mediante documentação completa, incluindo a carta de integração efectivamente recebida e os comprovativos de expedição das restantes comunicações, cuja devolução por não levantamento não retira eficácia jurídica.
9\ A prova junta aos autos demonstra de forma inequívoca que o BIC cumpriu todos os deveres legais de informação, acompanhamento e interpelação, não podendo o executado invocar qualquer desconhecimento ou falta de diligência que lhe seja imputável.
10\ O envio das cartas registadas, a confirmação de recepção de pelo menos uma comunicação e a devolução das demais por inércia do destinatário constituem prova bastante e plena do cumprimento integral do procedimento extrajudicial, impondo-se o reconhecimento da sua validade e eficácia.
11\ A devolução das cartas não levantadas constitui, nos termos legais, presunção de recepção, não podendo o devedor invocar a sua própria inércia para se furtar aos efeitos das comunicações.
12\ A decisão recorrida desconsiderou a eficácia probatória dos documentos juntos, limitando-se a proferir um juízo conclusivo sem valorar criticamente os elementos de prova apresentados.
13\ O tribunal não concedeu ao BIC qualquer oportunidade de prestar esclarecimentos adicionais ou de requerer a produção de prova testemunhal que confirmasse a tramitação das comunicações.
14\ Todo o processo executivo decorreu regularmente, tendo culminado na venda do imóvel dado de garantia, envolvendo terceiros de boa-fé e gerando legítimas expectativas jurídicas que não podem ser ignoradas.
15\ A absolvição da instância nesta fase final, sem prévia produção de prova nem contraditório, representa uma violação grave dos princípios da segurança jurídica, da boa-fé processual e da tutela jurisdicional efectiva.
16\ Por todas estas razões, deve o recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida e determinando-se o prosseguimento da execução.
17\ Subsidiariamente, deverá a decisão ser anulada, ordenando-se a baixa dos autos à primeira instância para produção da prova necessária ao completo esclarecimento da matéria controvertida.
18\ A prolação de uma decisão que absolve o executado da instância num momento em que a execução se encontrava praticamente concluída, com o bem penhorado vendido e com actos relevantes praticados, representa uma solução manifestamente desproporcionada e incompatível com os princípios basilares da estabilidade processual e da protecção da confiança legítima.
19\ Esta actuação jurisdicional ignora que o credor, os proponentes do imóvel e todos os intervenientes processuais estruturaram a sua posição com base na legalidade dos actos já praticados e na certeza de que a execução estava consolidada e prestes a produzir os efeitos finais da satisfação do crédito.
20\ Permitir que um processo seja paralisado ou extinto nesta fase terminal, por um fundamento que não foi tempestivamente invocado nem apreciado durante toda a tramitação, é admitir que a execução possa ser frustrada por expedientes dilatórios, com grave prejuízo para a efectividade da justiça e a boa-fé processual.
21\ Uma decisão desta natureza compromete irremediavelmente a credibilidade do processo executivo e viola o dever de respeito pela estabilização dos actos processuais válidos, sendo imperioso que o tribunal da relação restabeleça a ordem jurídica e processe os autos até final.
O executado não contra-alegou.
*
Questão que importa decidir: se o executado não podia ter apresentado o requerimento de 14/05/2024; e, no caso de se entender que podia, fica por saber se a condição de admissibilidade relacionada com o PERSI está ou não preenchida.
*
Apreciação
Da falta de verificação da condição de admissibilidade da execução
O BIC não pode deixar de saber que está errado quanto à possibilidade de o executado levantar a questão da falta de verificação da condição de admissibilidade relacionada com o PERSI (art. 18/1-b do PERSI, já transcrito acima) através de requerimento feito para efeitos do art. 734 do CPC e quanto ao facto de tal condição ser de conhecimento oficioso, pois que o executado e o despacho recorrido invocaram nesse sentido vários acórdãos e ele não invoca qualquer acórdão ou doutrina que diga o contrário e não o faz porque eles não existem.
Qualquer condição de admissibilidade de uma acção é, por natureza, uma questão de conhecimento oficioso: o juiz não deve dar seguimento a uma acção que a lei diz que não deve ser admitida sem que se verifique uma dada condição.
Ainda neste sentido, para além dos acórdãos invocados pelo executado e pelo despacho recorrido, dezenas de outros são referidos nos acórdãos do TRL de 20/04/2023, proc. 7817/20.8T8SNT.L1, e de 08/05/2025, proc. 15025/16.6T8SNT-E.L1-2, sendo que depois destes muitas outras dezenas foram publicados, todos no mesmo sentido, pelo que se remete a melhor fundamentação para aqueles dois.
*
Aliás, não é verdade, ao contrário do que o BIC diz, que os acórdãos por ele invocados (na peça de 26/05/2025) defendam que “não tendo apresentados embargos no prazo legal, o direito do executado encontra-se precludido, sendo inadmissível a utilização de requerimentos avulsos para contornar esse regime preclusivo.”
O ac. do TRL de 25/05/2023, proc. 3216/14.9T8LRS-C.L1-8, diz, no próprio sumário, ponto V não transcrito pelo BIC, o contrário do que é dito pelo BIC; veja-se: Tal decisão de absolvição da instância não preclude, contudo, a possibilidade de o juiz, até ao momento da transmissão dos bens penhorados, conhecer de questões que, nos termos dos artigos 726/2 e 734/1 do CPC, são de conhecimento oficioso, nada obstando a que a parte, por requerimento apresentado nos autos de execução, despolete essa apreciação.
Quanto ao ac. do TRG de 25/06/2020, proc. 5381/15.9T8VNF-D.G1, ele não diz que, para efeitos do art. 734/1 do CPC, o executado não possa, apesar de ter ou não deduzido oposição por embargos, suscitar, por requerimento, questões de conhecimento oficioso, desde que a questão suscitada não tenha sido já levantada na oposição por embargos e aí decidida, ou não tenha sido objecto específico do despacho liminar.
*
O art. 734/1 do CPC dispõe: O juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo.
O 1.º acto de transmissão de um imóvel penhorado ocorre com o termo da venda e esta ocorre com o depósito do preço e adjudicação do bem (art. 827 do CPC – Lebre de Freitas, A acção executiva, 8.ª edição, 2024, Gestlegal, n.º 18, págs. 391 a 399, especialmente pág. 397 e nota 6C).
No caso dos autos, o único bem penhorado foi o imóvel, o preço da melhor proposta para a compra do imóvel não foi depositado, nem houve adjudicação do bem.
Pelo que o requerimento do executado estava em tempo, sendo com isto afastadas todas – e são inúmeras e despropositadas e sem qualquer tipo de suporte -, as referências em sentido contrário que constam do recurso, sendo de salientar que não é verdade aquilo que o exequente diz, isto é, que o imóvel já tenha sido vendido (não houve depósito de preço, nem entrega ou adjudicação de bens).
*
Da suposta prova da integração no e da extinção do PERSI
Para prova do envio da carta de integração do executado no PERSI, a requerente, depois de ter enviado, em molho, 29 documentos (a 26/05/2025), acaba (a 20/06/2025) por reduzir a dois (ou melhor, duas partes de um) os que têm a ver com o assunto, embora no recurso se volte a referir à questão em termos genéricos. Ou seja, não tenta demonstrar como é que o doc.2 em causa prova aquilo que afirma, apesar de a questão ter sido analisada com pormenor pelo despacho recorrido.
A primeira parte do doc.2 é uma via de uma carta, supostamente enviada para a morada identificada como residência do executado à data da celebração do contrato, processada por computador que pode ter sido tirada no próprio dia da junção do documento aos autos. Dela não consta qualquer sinal que tenha sido aposto pelos CTT. A manuscrito aparece um n.º de registo …1PT dos CTT que pode ter sido colocado no próprio momento da junção do documento aos autos. A 2.ª parte do documento é uma pesquisa feita no sítio dos CTT. Nessa pesquisa como elementos específicos consta o nº. do registo dos CTT que é o mesmo que o que está manuscrito na via de carta junta, e a menção de que a carta foi entregue a BB às 14h de 14/02/2024.
Ora, para além de a carta a que se refere a pesquisa não ter sido entregue ao executado, não se sabe se é a carta correspondente à via de carta junta aos autos, nem se sabe onde é que ela foi entregue, pois que a requerente não juntou o registo com o n.º de registo em causa.
Para prova do envio e recepção da carta de extinção do PERSI, o BIC invoca a 20/06/2025 os documentos 3 e 3-A.
As duas 1.ªs folhas do doc. 3 são uma via de carta, supostamente enviada para a morada da residência do executado à data do contrato, processada por computador que pode ter sido impressa no próprio dia da apresentação do documento aos autos. Dela nem sequer consta a anotação manuscrita com um n.º de registo dos CTT.
A 3.ª folha do doc. 3 é um registo dos CTT com o n.º …3PT e um a/r dos CTT, sem autocolante com o nº. de registo ou qualquer preenchimento pelos CTT, não havendo pois qualquer prova de que corresponda ao registo. E, como é evidente, não está assinado.
O doc. 3-A são dois registos dos CTT com os n.ºs …2PT um e outro …5PT. Cada um deles tem um carimbo dos CTT com data parcialmente ilegível, sendo possível saber apenas que são de 2024. A morada do executado, num caso, é a da residência do executado à data do contrato, e no outro caso a da fracção adquirida. Ora, se o anterior registo, 3.ª folha do doc.3 (…3PT), dizia respeito à carta de extinção, não faz qualquer sentido serem invocado mais estes dois registos. Nenhuma carta é enviada com três registos.
De tudo isto não se pode concluir que qualquer destas cartas (de integração ou de extinção) tenham de facto sido emitidas na altura própria, nem enviadas pelo BIC, nem muito menos recebidas pelo executado.
Assim, o BIC não provou minimamente aquilo que dizia a propósito da emissão, do envio e da recepção das cartas de integração do executado no PERSI e de extinção do PERSI.
Note-se entretanto que nunca o BIC esclareceu ter enviado cartas para moradas diferentes e porquê, nunca explicou quais eram essas moradas e o que é que elas tinham a ver com o executado. Teve que ser este TRL a procurar essa justificação nos elementos que constam dos autos.
Em suma: estão erradas todas as conclusões referentes a tal questão, feitas em diversas variantes, e de forma genérica, de modo a englobar coisas que nem sequer dizem respeito a tais cartas, por exemplo, a devolução de cartas, pois que os documentos 2, 3 e 3-A não contém quaisquer devoluções.
*
A integração no e a extinção do PERSI são condição de admissibilidade de uma acção contra o devedor.
Assim, cabia ao BIC, no próprio momento em que requereu a execução, alegar os factos que preenchiam a condição em causa.
Não o fez nesse momento.
Nem o fez, de forma adequada, também na resposta de 26/05/2025 ao requerimento de 14/05/2025, onde, designadamente, não arrolou prova testemunhal.
E também não o fez no requerimento de 20/06/2025 que entendeu como um convite do tribunal para o fazer.
É, por isso, inaceitável que o BIC venha dizer (na conclusão 13) que o tribunal não lhe concedeu qualquer oportunidade de prestar esclarecimentos adicionais ou de requerer a produção de prova testemunhal que confirmasse a tramitação das comunicações, e que conclua em 17 nesse sentido.
Ou seja, no entender do BIC o tribunal, para além de lhe dar mais do que duas oportunidades para além da legal inicial, ainda lhe tem de lhe dar uma quarta oportunidade, e tem de lhe dizer o que fazer (arrolar prova testemunhal).
Nada disto tem qualquer suporte legal.
Para além disso, a prova testemunhal, no caso, nem sequer teria valor. Lembre-se, por sintetizar uma orientação jurisprudencial estabilizada, o acórdão do TRC de 15/12/2021, proc. 930/20.3T8ACB-A.C1: […] IV – O incumprimento do regime legal da integração obrigatória do cliente bancário no PERSI traduz-se numa falta de condição objectiva de procedibilidade que é enquadrada, com as necessárias adaptações, no regime jurídico das excepções dilatórias (atípicas ou inominadas). V – As comunicações de integração dos executados no PERSI e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail) – arts. 14/4 e 17/3 do dito DL 227/2012 – e não se podem provar com recurso a prova testemunhal (arts. 364/2 e 393/1, ambos do CC) excepto se houver um início de prova por escrito (que não seja a própria alegada comunicação). VI – Acresce que é critério legal, acautelado no art. 607/5 do CPC, que também é vedado ao juiz declarar provados determinados factos para os quais a lei exija determinada formalidade especial ou por documentos sem que essa exigência legal se mostre satisfeita.
*
Não é verdade, ainda, que o processo executivo tenha decorrido regularmente – não decorreu, porque o BIC requereu uma execução sem provar o preenchimento de uma condição de admissibilidade da execução -, nem é verdade que tenha culminado na venda do imóvel (como o BIC diz em 14 e insiste em 18) – já que a venda não chegou a ocorrer, pois que só ocorreria com o depósito do preço e a adjudicação, actos que não ocorreram.
*
É manifestamente errado tudo o mais que o BIC diz em várias outras conclusões, com afirmações que têm pressupostos errados já demonstrados, sendo que o que causa grave prejuízo para a efectividade da justiça e a boa-fé processual não é a decisão do tribunal nem o comportamento do executado, que está em tempo no requerimento que fez, mas sim o comportamento do BIC, ao requerer uma execução sem preencher as condições de admissibilidade dela, ao invocar acórdãos que dizem o contrário do que ele pretende, ao alegar factos que não são verdade (não houve venda do bem, porque não houve depósito nem adjudicação) e ao insistir em factos apesar de saber que não fez prova deles (a comunicação da integração no e da extinção do PERSI) e de o tribunal demonstrar que está errado.
*
Tanto basta para a demonstração de que o despacho recorrido está certo e que o recurso deve ser julgado improcedente.
De qualquer modo, acrescente-se, o despacho a julgar extinta a execução ainda se podia fundamentar nas outras questões levantadas pelo executado:
Da falta de resolução do contrato
Para além da falta da condição de admissibilidade relativa ao PERSI, ainda se verifica que o BIC não prova ter resolvido o contrato de mútuo que celebrou com o executado.
Veja-se:
O art. 27 do DL 74-A/2017, de 23/06, dispõe sobre o incumprimento do contrato de crédito, o seguinte:
1 - Em caso de incumprimento do contrato de crédito pelo consumidor, o mutuante só pode invocar a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato se cumulativamente ocorrerem as circunstâncias seguintes:
a) A falta de pagamento de três prestações sucessivas;
b) A concessão, pelo mutuante, de um prazo suplementar mínimo de 30 dias para que o consumidor proceda ao pagamento das prestações em atraso, com a expressa advertência dos efeitos da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato, sem que este o faça.
2 - O incumprimento parcial da prestação não é considerado para os efeitos previstos no número anterior, desde que o consumidor proceda ao pagamento do montante em falta e dos juros de mora eventualmente devidos até ao momento da prestação seguinte.
Por força destas normas e do disposto nos arts. 801, 808 e 436 do CC, conclui-se que depois do incumprimento de 3 prestações, para que o credor possa provocar a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato – note que são duas coisas diferentes e alternativas – tem, primeiro, de conceder ao devedor um prazo suplementar de 30 dias, com a expressa advertência dos efeitos (i) da perda do benefício do prazo ou (ii) da resolução do contrato, se o consumidor não proceder ao pagamento das prestações em atraso e, depois desse prazo suplementar, tem de haver uma comunicação ou (i) da perda do benefício do prazo, com o vencimento da obrigação do pagamento do empréstimo, da resolução do contrato com o vencimento da obrigação de restituição do empréstimo.
Neste sentido, que não levanta quaisquer dúvidas, veja-se o ac. do TRL de 02/12/2021, proc. 3741/20.2T8OER.L1-6, citado pelo executado, embora tal acórdão aplique o regime anterior, no essencial idêntico ao actual; e também o estudo de Carlos Filipe Fernandes de Andrade Costa, Incumprimento de contratos de crédito pelos consumidores, publicado nos Estudos de Direito do Consumidor, Centro de Direito do Consumo, Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, n.º 18 – 2022, págs. 338-346).
No caso dos autos, o BIC invoca o seguinte:
Doc.1 carta de interpelação para regularização de prestações datada de 08/03/2024 e registo postal;
Doc. 4 carta de interpelação para regularização de situação devedora datada de 18/04/2024;
Doc. 4-A registo postal da carta referida no doc. 4;
Doc. 5 carta de resolução do crédito imobiliário datada de 20/05/2024;
Doc.5-A registo postal da carta de resolução.
O doc.1 tem duas folhas: a 1.ª folha é uma simples via de uma carta processado por computador, que pode ter sido impressa para junção a estes autos, sem qualquer referência a qualquer registo dos CTT nem mesmo a manuscrito, e dela apenas consta a menção do valor em dívida e um convite à regularização da dívida. A 2.ª folha contém (i) um registo dos CTT com o n.º …0PT e não contém qualquer carimbo dos CTT; e (ii) um a/r dos CTT, sem qualquer nº. de registo dos CTT nem qualquer assinatura no a/r.
Não há prova, por isso, sequer, que esta carta tenha sido emitida, nem remitida, nem recebida pelo executado.
O doc.4 é uma simples via de uma carta, supostamente dirigida para a morada do contrato, de 18/04/2024, carta processada por computador, que pode ter sido impressa para junção a estes autos, sem qualquer referência a qualquer registo dos CTT nem mesmo a manuscrito, na qual se invoca a falta do pagamento de 4 prestações e se interpela o executado para pagar o valor em dívida no prazo de 30 dias, sob pena de resolução do contrato, isto é, “até ao próximo 18/05/2024, data a partir da qual, mantendo-se o incumprimento, procederemos à resolução do contrato […]”.
O doc. 4-A tem 5 folhas. A 1.ª é um registo dos CTT com o n.º …6PT, os dados do executado com a morada da fracção comprada e um carimbo dos CTT de 18/04/2024. A 2.ª folha é um a/r dos CTT, com o autocolante com o nº. de registo igual ao acabado de referir, sem assinatura do executado. A 3.ª tem um envelope com um autocolante correspondente ao registo em causa e foi devolvido por o destinatário não ter atendido / não reclamado. A 4.ª folha é um envelope com o registo …1PT, dirigido para a morada do contrato, constando como não reclamado. A 5.ª folha tem um registo dos CTT com o n.º …1PT com os dados do executado, morada do contrato e um carimbo dos CTT com a data de 18/04/2024, e um a/r dos CTT com um autocolante com o n.º de registo igual ao acabado de referir, não assinado.
Em suma: no caso, pode-se aceitar que a carta da concessão do prazo suplementar de 30 dias, enviada para a morada do contrato, corresponde ao envelope da 4.ª folha do doc. 4-A com o registo da 5.ª folha do doc.4-A e com o a/r com o mesmo nº. de registo da mesma folha. Mas essa carta veio devolvida, não tendo sido recebida pelo executado. Assim, no caso, há prova do envio da carta com o prazo suplementar para a morada do executado à data da celebração do contrato. Mas, como consta do despacho do tribunal de 05/06/2025, não há convenção de domicílio, sem que tal tenha sido posto em causa pelo BIC e sendo certo que, do contrato, não consta, realmente, qualquer convenção de domicílio. Assim, como diz o tribunal recorrido, naquele despacho de 05/06/2025: “adicionalmente, importa sublinhar que, não constando do contrato junto aos autos qualquer cláusula que fixe domicílio convencionado para efeitos de comunicação, recai sobre a exequente o ónus de demonstrar que as declarações de resolução foram efectivamente comunicadas ao executado ou que este delas teve conhecimento.” Ora, não consta qualquer facto que permita essa demonstração. Pelo que não há razões para, ao abrigo do art. 224 do CC, considerar que o envio da carta para interpelação para essa morada, tenha chegado ao seu poder, tenha sido conhecida por ele, ou só por culpa dele não tenha sido oportunamente recebida.
O doc.5 tem 4 folhas; uma 1.ª folha com uma simples via de uma carta, dirigida para a morada à data do contrato, datada de 20/05/2024, carta processada por computador, que pode ter sido impressa para junção a estes autos, sem qualquer referência a qualquer registo dos CTT nem mesmo a manuscrito, que contém a resolução do contrato, com a menção das consequências. Tem depois uma 2.ª folha com um registo dos CTT com o n.º …69PT, com os dados do executado, sem qualquer carimbo dos CTT, e com um a/r dos CTT sem qualquer autocolante com n.º de registo dos CTT. A 3.ª folha é a mesma carta da 1.ª folha, mas para a morada da fracção adquirida. A 4.ª folha tem um registo dos CTT com o n.º …41PT, com os dados do executado (morada da fracção), sem nenhum carimbo dos CTT, e um a/r dos CTT, sem nenhum autocolante com n.º de registo dos CTT e não está assinado.
O doc.5-A tem, na 1.ª folha, dois a/r, um com um autocolante com o n.º de registo …69PT e a data de 21/05/2024, não assinado; e o outro com um autocolante com o n.º de registo …41PT e a data de 21/05/2024, não assinado. A 2.ª folha tem dois envelopes, um com o autocolante do registo …69PT de 21/05/2024, que tornou devolvida ao BIC com a menção avisado e não reclamado; e outra com o autocolante do registo …41PT de 21/05/2024, que tornou devolvida ao BIC com a menção não reclamado.
Ou seja, embora o BIC não se tenha dado ao cuidado de esclarecer o que antecede, nem de o explicitar, pode-se concluir, dos “dois” documentos 5 e 5-A, vista a devolução dos dois envelopes, que o BIC enviou duas cartas de resolução do contrato ao executado, uma para a morada do contrato, outra para a morada da fracção adquirida. Ambas vieram devolvidas sem terem sido recebidas pelo executado.
Ora, já se sabe que não há convenção de domicílio, pelo que nenhuma das duas moradas se pode ter como sendo o domicílio do executado. Assim, não se sabendo se alguma dessas moradas era a do domicílio do executado, não se pode dizer que elas tenham chegado ao seu poder, tenham sido dele conhecidas, ou só por culpa dele não tenham sido oportunamente recebidas.
De tudo o que antecede resulta que não há prova de que ao executado tenha sido comunicada a concessão de um prazo suplementar para pagar as 3 prestações em falta, nem há prova de que lhe tenha sido comunicada a resolução do contrato com a obrigação de restituição do empréstimo, vencendo assim essa obrigação.
*
Mas, para além disso, na execução o BIC invocou, no requerimento executivo, ter considerado antecipadamente vencido o capital do empréstimo a partir dessa data, o que tem a ver com a perda do benefício do prazo, e não com a resolução do contrato. Ou seja, a causa de pedir era um contrato de mútuo a ser amortizado em prestações, o incumprimento do contrato e a perda do benefício do prazo. Ora, o BIC não pode, numa resposta a uma oposição por requerimento, sem o acordo do executado, que não existe, alterar a causa de pedir para que ela passe a ser integrada pela resolução do contrato (sobre a impossibilidade da alteração da causa de pedir, ver, por exemplo, Lebre de Freitas, A acção executiva, citada, na 8.ª edição, págs. 82 (parte final de 3.5.3) e 100-101 (ponto 3.7.3)).
*
Da forma sumária da obrigação e do vencimento da obrigação
Como decorre do que antecede, o BIC não provou que a obrigação de restituição do empréstimo estivesse vencida, porque não provou a resolução do contrato de que dependia o vencimento da obrigação.
Logo não podia ter requerido a execução sob forma sumária.
Veja-se:
O art 550/2-c do CPC só permite a execução sumária de título extrajudicial de obrigação pecuniária garantida por hipoteca ou penhor, se ela estiver vencida, pelo que não é possível requerer uma execução sumária sem que do título conste a prova documental do acto que provocou o vencimento da obrigação, ou seja, sem prova da resolução.
E como a execução sumária prossegue sem citação, não é possível considerar que a citação serve de comunicação da resolução. E como é esta que provoca o vencimento da dívida, a dívida não está nem fica vencida.
Ora, deixar seguir a execução sumária, sem prova da comunicação da resolução (que no caso nem sequer foi invocada), é o mesmo que deixar seguir uma execução sumária relativamente a uma obrigação não vencida, o que a lei não permite.
Por isso, nestas situações, Lebre de Freitas, A acção executiva, 7ª edição, 2017, Gestlegal, págs. 175-176, nota 3 = 8.ª edição, 2024, pág. 182, nota 3, põe a solução em alternativa: ou o credor faz a interpelação antes da execução e a execução segue os termos do processo sumário, ou ele move logo a execução – caso em que a citação valerá como interpelação – e esta tem de seguir os termos do processo ordinário (o que, dito de outra forma, quer dizer que o credor no primeiro caso requererá uma execução sumária e no segundo caso uma execução ordinária).
O exequente requereu logo a execução como sumária, sem alegar nem demonstrar a comunicação da resolução, isto é, o facto que provoca o vencimento da obrigação de restituição. Logo, a execução tinha de ser rejeitada mal o juiz se apercebesse disso (artigos 734, 726/2-a-b-c e 577/-b, todos do CPC), porque não a podia aproveitar como execução ordinária – art. 193/2 do CPC - porque a execução sumária se iniciou com a penhora dos bens do devedor, em prejuízo das garantias do devedor. Ou seja, a convolação aproveitaria actos praticados em prejuízo das garantias do devedor.
Deixar seguir uma execução sumária nestes termos, sem outras consequências para além da questão dos juros, é dizer, contra lei expressa (art. 550/2-c do CPC), que afinal os credores podem requerer execução sumária de título extrajudicial de obrigação pecuniária não vencida.
Sendo assim, este é outro motivo para que a oposição por requerimento devesse ter sido julgada procedente (artigos 726/2-a-b-c, 729/-a-c e 731, ambos do CPC), com a consequente extinção da execução (art. 732/4 do CPC).
Neste sentido (dado por Lebre de Freitas) vejam-se também, para além dos acórdãos citados pelo executado - ac. do TRE de 05/12/2019, proc. 734/18.3T8MMN-A.E1 e ac. do STJ de 05/09/2023, proc. 3541/19.2T8ALM-A.L1.S1 – e do acórdão invocado pelo despacho de 05/06/2025 - ac. do STJ de 11/07/2019, 6496/16.1T8GMR-A.G1.S1), o acórdão do TRG de 14/03/2019, proc. 6496/16.1T8GMR-A.G1 (confirmado pelo citado acórdão do STJ de Set2023), e o ac. do TRE de 24/09/2020, proc. 1377/18.7T8STB-A.E1; no mesmo sentido, para um caso paralelo, veja-se o ac. do STJ de 05/05/2020, proc. 734/18.3T8MMN-A.E1.S1 que confirmou o ac. do TRE de 05/12/2019, e o ac. do TRL de 08/05/2025, proc. 15025/16.6T8SNT-E.L1-2 (do relator deste): VI – A execução sumária (sem citação prévia à penhora) não pode ser usada para executar o alegado vencimento antecipado de um crédito garantido por uma hipoteca quando não se alega a interpelação do devedor (art. 550/1-2c do CPC), pois que a citação posterior à penhora não pode servir de interpelação, o que, no caso seria, só por si, uma causa de extinção da execução e mais um indício da má fé da exequente inicial e não do executado habilitado embargante.
É certo que existe jurisprudência no sentido do aproveitamento, nestes casos, dos actos praticados numa execução sumária, mas ela não responde às questões levantadas (actos praticados em prejuízo das garantias do devedor; penhora de bens sem vencimento da dívida; utilização de uma forma processual sem verificação dos respectivos pressupostos).
*
Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.
O BIC perde as suas custas de parte.

Lisboa, 20/11/2025
Pedro Martins
Fernando Alberto Caetano Besteiro
Teresa Bravo