Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8211/19.9T8LSB.L1-2
Relator: JOÃO PAULO VASCONCELOS RAPOSO
Descritores: PRESTAÇÃO DE FACTO
PEDIDO
LIMITE
ABUSO DE DIREITO
CONDÓMINO
COMPROPRIETÁRIO
VIZINHANÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/20/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Sumário (da responsabilidade do relator):
I. O valor da causa indicado pelo autor relativo a um pedido de prestação de facto não constitui um limite do pedido e a condenação que não fixe esse quantitativo como limite não enferma de nulidade, por não ser ultra petitum;
II. O instituto do abuso de direito é uma cláusula de salvaguarda da ordem jurídica, que deve ser iluminado pelo princípio da confiança;
III. Por regra, quem tem um direito deve ter a inerente possibilidade de o exercer, apenas não lhe sendo permitido fazê-lo, excecionalmente, quando a sua atuação ofenda a confiança criada na contraparte e seja intolerável para a ordem jurídica;
IV. A situação de condomínio, com a inerente compropriedade de partes comuns entre condóminos, não impede que, nos termos gerais, um condomínio possa ser também comproprietário de paredes ou muros, nas suas relações de vizinhança com prédios com que confronte.
V. O terceiro lesado em virtude de falta de conservação de uma parede comum pode exigir de qualquer dos consortes a realização de obras necessárias, cabendo depois a estes, nas respetivas relações internas, proceder à divisão dos encargos com os respetivos trabalhos.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Decisão:
I. Caracterização do recurso:
I.I. Elementos objetivos:
- Apelação – 1 (uma), nos autos;
- Tribunal recorrido – Juízo Central Cível de Lisboa - Juiz 15;
- Processo em que foi proferida a decisão recorrida – Ação de processo comum;
- Decisão recorrida – Sentença.
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I.II. Elementos subjetivos:
- Recorrente (ré): - Condomínio do Prédio urbano sito na ---, Lisboa;
- Recorrida (autora): - -----
- Corré (não recorrente): - Condomínio do ---, Lisboa
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I.III. Síntese dos autos:
- Instaurou a autora ação contra:
- Condomínio do Prédio sito na --- e
- Condomínio do Prédio sito na ---(ora recorrente).
- Pediu:
- Condenação dos réus a repararem os danos existentes nas suas frações autónomas, identificadas pelas letras “I” (---) e “G” (---), decorrentes de infiltrações de água provenientes das partes comuns, suportando os custos respetivos, pagando o equivalente aos danos que descreve e que avalia num valor mínimo de 80.000,00€ (oitenta mil euros);
- Condenação dos réus a executarem obras que eliminem definitivamente tais infiltrações de águas nas partes comuns dos prédios em causa, de forma adequada pelas leges artis e suportando os inerentes custos.
- Sustentou tais pedidos, em síntese, alegando:
- Que é proprietária de duas frações autónomas localizadas em cada um dos edifícios cujos condomínios são réus;
- Que se verificaram nas suas frações, ao longos dos anos, diversos estragos ocasionados por infiltrações de água provenientes da parede da fachada norte, que é comum, que decorrem da sua deficiente impermeabilização;
- Que tal falta de impermeabilização decorre da falta de realização de obras de conservação nessa parede comum e, portanto, os trabalhos são da responsabilidade do condomínio;
- Que as infiltrações verificadas causaram danos nas suas frações, cujo valor de reparação, estimado, ascende a € 80.000.
- O primeiro réu (---) deduziu contestação, impugnando e concluindo pela improcedência total da ação.
- Também deduziu pretensão reconvencional, pedindo:
- Condenação da autora/reconvinda no pagamento de uma indemnização, sob a forma de quotização extraordinária, destinada ao pagamento dos danos ocorridos no pilar interior, comum às frações do piso –2 e nos tetos dos pisos -3, -4 e -5, na sequência de descargas das instalações sanitárias das frações da reconvinda, a liquidar em execução de sentença.
- Motivou a sua contestação dizendo:
- Que existe um vão que separa a parede norte da escarpa calcária que com ela confronta;
- Que a impermeabilização da soleira se mostra em boas condições;
- Que, no interior das frações da autora, existem meros fenómenos de condensação.
- Sustentou a sua reconvenção alegando:
- Que o arrendatário de fração situada imediatamente abaixo de uma das frações da autora verificou escorrências no seu locado;
- Que tal situação foi provocada por uma rutura no sistema de canalização interna da fração, sistema este construído pela reconvinda, razão pela qual recai sobre si a respetiva responsabilidade.
- Contestou o segundo réu (---), de forma motivada, concluindo pela improcedência total da ação.
- Motivou a sua impugnação dizendo:
- Que existe uma caixa de ar entre a rocha e a barreira do prédio, que se estende por quatro andares;
- Que se deveram a falta de manutenção das varandas as infiltrações na fração da autora;
- Que foram realizadas obras, que descreve, que podem ter contribuído para os danos invocados;
- Que a autora é devedora ao condomínio de uma quota extraordinária para a realização de obras de conservação de uma empena do prédio, aprovadas em assembleia de condóminos;
- Que o pedido de realização de obras representa, por isso, um abuso de direito.
- Replicou a autora, concluindo pela inadmissibilidade da reconvenção, pela ilegitimidade ativa da reconvinte e pela sua improcedência total, de facto e direito.
- O primeiro Réu apresentou articulado de resposta à exceção;
- Foi designada data para audiência prévia, cujo decurso veio a ser suspenso com vista à realização de prova pericial para determinação da situação física de infiltrações de água e determinação da(s) respetiva(s) causa(s), diligência determinada para promover uma solução consensual do litígio;
- Foi determinada realização de perícia colegial, que se realizou;
- Apresentado relatório, foi objeto de reclamação e pedidos de esclarecimento, tendo a reclamação sido decidida e prestados esclarecimentos adicionais pelos peritos;
- Manifestando-se os peritos sobre a eventual realização de diligências periciais adicionais, de tipo destrutivo (i.e., impondo demolições parcelares do edificado com vista a observação direta de espaços a avaliar), tendo indicado custos previsíveis para tais diligências, suscitou o tribunal pronúncia das partes sobre a realização dessas diligências complementares;
- Todas as partes se pronunciaram na negativa, mencionando os custos de tais diligências, que os peritos quantificaram previsivelmente em dezenas de milhares de euros;
- Foi designada nova data para audiência prévia, que se realizou, tendo sido admitida a reconvenção, estabelecido o valor da causa, indicado o objeto do litígio e selecionados tema da prova;
- Foi realizada audiência final, na sequência da qual foi produzida sentença, cujo dispositivo tem o seguinte teor:
Pelo exposto:
a) julgo improcedente a excepção peremptória impeditiva aduzida pelo Réu “Condomínio do Prédio sito na ---”;
b) julgo a acção parcialmente procedente por provada e, em consequência: o condeno os Réus “Condomínio do Prédio sito na ---” e “Condomínio do Prédio sito na ---” a realizarem as obras referidas nos pontos n.os 10 e 11 do elenco factual; o absolvo os Réus “Condomínio do Prédio sito na ---” e “Condomínio do Prédio sito na ---” do demais peticionado pela Autora “---”;
c) julgo o pedido reconvencional improcedente por não provado e, em consequência, absolvo a Reconvinda “---” do pedido contra ela formulado pelo Reconvinte “Condomínio do Prédio sito na ---”.
- Desta decisão, não se conformando, apelou o réu condomínio do ---, pelo presente recurso.
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II. Objeto do recurso:
II.I. Conclusões apresentadas pela recorrente nas suas alegações (sem atualização de grafia e assinalando a negrito as questões suscitadas):
I. Primeiramente, o aqui Recorrente não pode deixar de manifestar, nos termos e para os efeitos do art. 640.º, n.º 1, do CPC, a sua discordância, por incompletude, relativamente ao ponto 14 da matéria de facto dada como provada.
II. Ancorado na sentença proferida pelo Julgado de Paz de Lisboa no âmbito do Proc. n.º 1125/2018, bem como na decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa que a confirmou (juntas aos autos a 06/03/2024, através de requerimento com a referência 38702515 e não impugnadas pela Recorrida), o Tribunal a quo deu como provado que “A Autora não pagou ao Réu “Condomínio do Prédio sito na ---” a quantia de € 3.243,49 (correspondente a uma permilagem de 200/1000) por conta de quotização extraordinária para a realização de obras de conservação e reparação da empena desse edifício”
III. Porém, resulta de forma clara daquelas decisões que, por um lado, aquela quotização extraordinária foi lançada em 2017 e tinha como data de vencimento 31/05/2017, e, por outro, que a Recorrida também não efetuou o pagamento da quotização anual respeitante ao fundo de reserva do condomínio de 2018, vencida em 08/01/2018.
IV. Deste modo, deveria ter sido dado como provado, isso sim, que “A Autora não pagou ao Réu “Condomínio do Prédio sito na ---” a quantia de € 3.243,49 (correspondente a uma permilagem de 200/1000) por conta de quotização extraordinária para a realização de obras de conservação e reparação da empena desse edifício, vencida em 31/05/2017, bem como a quantia de € 205,05 por conta da quotização anual respeitante ao fundo de reserva do condomínio relativa ao ano de 2018, vencida em 08/01/2018”.
V. Assim, não pode o Recorrente concordar com o Tribunal a quo quanto à improcedência da exceção perentória invocada.
VI. Com o devido respeito, que é muito, não pode o Recorrente partilhar do entendimento propugnado pelo Tribunal a quo de que, para estarmos perante uma situação de abuso de direito, a quotização extraordinária não liquidada em 2017 pela Recorrida teria de respeitar especificamente a obras na “parede de onde provêm as infiltrações que afetam as respetivas fracções”.
VII. Salvo melhor opinião, para além da pré-existência da dívida por parte do condómino, o fator decisivo é outro: a verificação de um impacto na vida do Condomínio decorrente do incumprimento do condómino, independentemente da natureza das quotizações devidas, o que, in casu, é absolutamente inegável.
VIII. Ora, como resulta, e muito bem, do ponto 15 da matéria de facto dada como provada, em virtude do não pagamento da quotização extraordinária vencida em 2017, e porque a fração da Recorrida tem uma permilagem de 200/1000, o Recorrente nunca teve possibilidade de realizar as obras a que a mesma respeitava.
IX. Por outro lado, face ao não pagamento da quotização anual respeitante ao fundo de reserva do condomínio de 2018, e relembrando que a fração da Recorrida tem uma permilagem de 200/1000, o Recorrente viu-se impedido de constituir o fundo de reserva do Condomínio nos termos e pelos valores legalmente previstos.
X. Salvo algum lapso da parte do Recorrente, também não resulta do Douto Acordão invocado neste âmbito pelo Tribunal a quo que tenha de existir a propugnada conexão direta e absoluta entre o destino ou propósito das quotizações não pagas pelo condómino e as obras em concreto reclamadas ao Condomínio.
XI. Com efeito, do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 13/06/2019, proferido no âmbito do Proc. n.º 1189/15.0T8PVZ.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt é possível extrair que o que relevou naquele caso foi o facto de “o Autor ter deixado de pagar quotas a partir de data não especificada de 2013”.
XII. Ou seja, naquele caso não só não foi apurado e especificado que tipo de quotizações ficaram em dívida, como nem sequer foi apurado e especificado o período a que respeitavam, o que não impediu, quer o Venerando Tribunal da Relação do Porto, quer o Venerando Supremo Tribunal de Justiça, de considerarem que estávamos efetivamente perante uma situação de abuso de direito.
XIII. Em boa verdade, o que foi determinante naquele caso foi o facto de se tratar de uma dívida já existente em momento anterior à ocorrência dos danos (naquele caso, outubro de 2013) e à interpelação do Condomínio (naquele caso, fevereiro de 2014) e de a mesma contribuir de forma clara para a falta de liquidez financeira do Condomínio.
XIV. Destarte, salvo melhor opinião, o Douto Acórdão invocado pelo Tribunal a quo vem, em bom rigor, sustentar a posição defendida pelo Recorrente, e não o contrário.
XV. Observando a factualidade sub judice e a Jurisprudência aplicável, é, portanto, indubitável que atua ilicitamente a aqui Recorrida ao solicitar a realização de obras junto do Recorrente quando:
A. ela própria se encontrava já em dívida para com o Condomínio, conforme decisão judicial transitada em julgado, relativamente a quotização extraordinária para a realização de obras de conservação e reparação do edifício e relativamente a quotização anual para constituição do fundo de reserva legalmente previsto para a realização de obras de conservação, e
B. o incumprimento da Recorrida, até pelo facto de ser proprietária de fração com uma permilagem de 200/1000, impediu a realização das obras de conservação e reparação do edifício aprovadas (com o voto favorável da Recorrida!!!) em Assembleia-Geral de Condóminos e impediu a constituição do fundo de reserva para a realização de obras de conservação nos termos legalmente previstos.
XVI. Como tal, é entendimento do Recorrente que estamos efetivamente perante uma manifestação clara de abuso de direito, conforme disposto no art. 334.º do Código Civil.
XVII. Sem prejuízo do supra exposto, o Recorrente não pode também deixar de manifestar, nos termos e para os efeitos do art. 640.º, n.º 1, do CPC, a sua discordância relativamente aos pontos 5, 6 e 7 da matéria de facto dada como provada.
XVIII. Nunca a Recorrida, em data anterior à data de entrada dos presentes autos, interpelou o Recorrente para a realização das obras que aqui reputa como necessárias e muito menos apresentou qualquer evidência de que os danos que alega decorreriam de deficiência existente em partes comuns do prédio respeitante ao ---.
XIX. O próprio Tribunal a quo não deu como provada qualquer reclamação ou interpelação por parte da Recorrida junto do aqui Recorrente.
XX. Assim sendo, nunca poderia o aqui Recorrente promover a realização de obras que a aqui Recorrida nunca lhe transmitiu, nem tão pouco comprovou, que fossem necessárias.
XXI. O ponto 6 da matéria de facto fica, portanto, automaticamente desprovido de qualquer sentido, não devendo, por conseguinte, constar do elenco da matéria de facto dada como provada.
XXII. Já quanto aos pontos 5 e 7 da matéria de facto dada como provada, entende o Recorrente que, à luz do relatório pericial junto aos autos a 10/03/2021 com a referência 28664522 e dos esclarecimentos adicionais prestados pelos Senhores Peritos através de requerimento datado de 23/06/2021 com a referência 29613713, os factos em questão não poderão ter-se como provados.
XXIII. Na verdade, entende o Recorrente que não ficou, de todo, demonstrada a origem dos alegados danos e, por conseguinte, a responsabilidade do Recorrente a respeito das mesmas.
XXIV. Com o devido respeito, que é muito, entende o Recorrente que o Tribunal a quo cometeu um equívoco extremamente sensível e com enorme impacto na decisão proferida: o que havia que demonstrar, e não foi demonstrado, não era a existência de uma acumulação de águas ou a proveniência dessas águas.
XXV. O que havia que demonstrar, e não foi demonstrado, era que falha ou deficiência existiria naquela fachada que pudesse dar azo a infiltrações, ou seja, qual a origem das alegadas infiltrações.
XXVI. Um sintoma notório deste equívoco é a afirmação do Tribunal a quo de que “a falha do isolamento aventada pela Autora é apenas um dos mecanismos que pode explicar a acumulação de água que dá causa às infiltrações”.
XXVII. Salvo melhor opinião, uma falha de isolamento na fachada do prédio poderia eventualmente constituir uma explicação para a ocorrência de infiltrações na fração autónoma, e não para uma acumulação de água junto à fachada.
XXVIII. E aqui, face à sua extrema pertinência, importa atentar nos esclarecimentos adicionais prestados pelos Senhores Peritos através do seu requerimento datado de 23/06/2021 com a referência 29613713, os quais, a nosso ver de forma errada, o Tribunal a quo desconsiderou em absoluto.
XXIX. Resulta com assinalável clareza dos esclarecimentos adicionais prestados pelos Senhores Peritos que estes apenas efetuaram uma avaliação indirecta, que não lhes permitiu tomar conhecimento quanto a elementos essenciais, nem eliminou sérias e fundadas dúvidas e que, em bom rigor, apenas lhes permitiu aventar possibilidades quanto à origem dos alegados danos (algumas que lograram entretanto excluir, mas outras tantas não).
XXX. Da leitura dos esclarecimentos prestados pelos Senhores Peritos não há como não concluir que se desconhece por completo:
a) a constituição da fachada poente;
b) o estado daquela fachada;
c) se a mesma padece de alguma falha ou deficiência e, em caso afirmativo, qual a falha ou deficiência e qual a sua localização;
d) se dessa eventual falha ou deficiência decorreram infiltrações na(s) fração(ões) autónoma(s) da Recorrida.
XXXI. Mesmo no relatório pericial, no início da resposta ao quesito 9.º, depois replicada na resposta ao quesito 48.º, os Senhores Peritos já alertavam: “… apesar de se ter analisado as circunstâncias existentes exaustivamente, e não obstante apontar-se até causa provável dos danos, não é absolutamente clara a sua origem
XXXII. Daí os Senhores Peritos repetirem à exaustão ao longo do relatório pericial a necessidade de se proceder a exames técnicos/pesquisas destrutivas para apurar com a devida precisão a origem dos danos.
XXXIII. Ora bem, perante a impossibilidade de dar respostas concretas, os Senhores Peritos acabam, como reforçam nos esclarecimentos prestados, a enumerar um leque alargado de possibilidades.
XXXIV. A adensar ainda mais todas as dúvidas já existentes, está também o facto de os Senhores Peritos afirmarem na resposta ao quesito 54.º que “É extremamente usual que partes das paredes dos edifícios confinem com os solos circundantes. Não deveria daí advir qualquer tipo de impacto positivo ou negativo.”
XXXV. Isto porque não é possível compreender como é que, neste caso concreto em que a fachada inclusivamente não confina diretamente com os solos circundantes, os Senhores Peritos formulam uma série de possibilidades tendo por base pressupostos completamente antagónicos ao que os Senhores Peritos afirmam na resposta ao quesito 54.º.
XXXVI. O mesmo se diga quanto às afirmações constantes das respostas aos quesitos 5.º (“não há sinais de focos de infiltração ativos”), 7.º (“as infiltrações não estarão ativas pelo menos há cerca de um ano”) e 46.º (“estavam inativos” e “as infiltrações não estarão ativas pelo menos há cerca de um ano”).
XXXVII. O carácter isolado das alegadas infiltrações também não se coaduna, a nosso ver, com qualquer das possibilidades aventadas pelos Senhores Peritos.
XXXVIII. Posto isto, não se pode aceitar, com todo o respeito, que sejam atribuídas responsabilidades com base em meras possibilidades, em meras hipóteses, em meras suposições.
XXXIX. E não se diga que do art. 493.º, n.º 1, do Código Civil, emerge, sem mais, uma presunção de culpa para o aqui Recorrente.
XL. Como decorre da Jurisprudência aplicável, para operar tal presunção, teria de, in casu, estar efetivamente demonstrado que os danos em apreço têm origem na parte da fachada poente integrada no seu prédio, o que não se verifica.
XLI. Sem prejuízo do supra exposto, sempre se diga que, à luz do art. 640.º, n.º 1, do CPC, não pode o Recorrente concordar também com o ponto 10 da matéria de facto dada como provada.
XLII. Também aqui entende o Recorrente que, observando o relatório pericial junto aos autos a 10/03/2021 com a referência 28664522 e os esclarecimentos adicionais prestados pelos Senhores Peritos através de requerimento datado de 23/06/2021 com a referência 29613713, não foi efetivamente demonstrada a necessidade e a adequação da intervenção ali descrita, pelo que a factualidade a que respeita o ponto 10 não poderá ter-se como provada.
XLIII. Só perante a existência de uma falha, uma deficiência, um problema concreto na fachada poente, que não se demonstrou nos presentes autos, é que se poderia determinar a necessidade e a adequação de qualquer intervenção a realizar na mesma.
XLIV. Quer no âmbito do relatório pericial (vejam-se desde logo a resposta ao quesito 26.º, depois replicada na resposta ao quesito 65.º, e a resposta ao quesito 9.º, depois replicada na resposta ao quesito 48.º), quer nos esclarecimentos adicionais, os Senhores Peritos manifestam em várias ocasiões a impossibilidade de indicar alguma(s) intervenção(ões) a levar a cabo na fachada poente por desconhecimento relativamente ao estado em que a mesma se encontra.
XLV. O que significa que, em abono da verdade, o Tribunal a quo vem determinar a realização de uma intervenção concreta e específica sem se saber se a mesma é necessária e adequada.
XLVI. O Tribunal a quo fundamenta a sua decisão a este respeito com as respostas dos Senhores Peritos aos quesitos 10.º e 49.º do relatório pericial.
XLVII. Ora, o que os Senhores Peritos ali descrevem e propõem é que, antes de mais, seja efetuada a “aferição” do estado da fachada poente e das juntas de dilatação dos prédios.
XLVIII. Daqui resulta, salvo melhor opinião, que só após essa “aferição” seria possível discernir acerca da necessidade e da tipologia de qualquer intervenção.
XLIX. O que se coaduna perfeitamente com o proposto pelos Senhores Peritos na alínea k), o “Isolamento do lado exterior do muro de suporte, se necessário”.
L. A única exceção está na alínea l), que, com o máximo respeito, não se percebe minimamente.
LI. Perceber-se-ia se a mesma estivesse, à imagem do que sucede na alínea anterior, acompanhada pelas palavras “se necessário”.
LII. Mas, de qualquer modo, não esqueçamos que os Senhores Peritos que nesta alínea l) dos quesitos 10.º e 49.º do relatório pericial relatam a necessidade de “criação de infra-estruturas (…) para que não restem no espaço interior do vazado, quaisquer zonas de acumulação de águas”, são os mesmos que mais à frente, nos esclarecimentos adicionais, declararam desconhecer “se existe acumulação de água no interior desse espaço (por condensação ou de outra origem)
LIII. Uma vez mais com o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo não poderia ter desconsiderado em absoluto, como fez, os esclarecimentos adicionais prestados pelos Senhores Peritos.
LIV. Sem prejuízo do supra exposto, constata-se também que o Recorrente foi condenado, conjuntamente com o Co-Réu Condomínio do Prédio Urbano sito na ---, ---, a realizar as obras referidas nos pontos 10 e 11 da matéria de facto dada como provada.
LV. Neste contexto, o Recorrente não pode concordar, de todo, com a atribuição de responsabilidade promovida por parte do Tribunal a quo.
LVI. Como já se evidenciou, não foi possível determinar a origem dos danos nas frações autónomas das quais a Recorrida é proprietária, desconhecendo-se também se existe alguma falha ou deficiência na fachada poente.
LVII. Assim, como também já vimos, é desprovida de qualquer fundamento, salvo melhor opinião, a atribuição de qualquer responsabilidade ao Recorrente, seja numa qualquer intervenção a realizar nas partes comuns, seja na reparação de danos na(s) fração(ões) autónoma(s) da Recorrida.
LVIII. Sucede que, nos termos da sentença proferida, o aqui Recorrente não é apenas chamado a promover intervenções em partes comuns do seu prédio e na fração autónoma da aqui Recorrida situada no seu prédio, como também em partes comuns do prédio correspondente ao --- e na fração autónoma da aqui Recorrida situada no ---.
LIX. Na sua petição inicial, a aqui Recorrida alega a existência de danos na sala de reuniões, no hall de entrada, na secretaria e na biblioteca do seu imóvel, e indica, e muito bem, que a sala de reuniões, o hall de entrada e a secretaria se situam na fração autónoma da qual a Recorrida é proprietária no ---, e que apenas a biblioteca se situa na fração autónoma da qual a Recorrida é proprietária no ---.
LX. E a verdade é que a grande maioria dos danos alegados pela Recorrida se situam na parte da fração autónoma da qual mesma é proprietária no ---, como o relatório pericial também corrobora nas respostas aos quesitos 3.º e 8.º e nas respostas aos quesitos 42.º e 47.º.
LXI. Ora, não obstante tudo quanto se expôs anteriormente, não se compreende de modo algum como o Tribunal a quo decidiu pela condenação do aqui Recorrente, mesmo que a título solidário, a efetuar uma intervenção em parte comum do prédio do ---, assim como a efetuar a reparação de danos na fração autónoma da aqui Recorrida situada no ---.
LXII. Partindo o Tribunal a quo, aparentemente, de uma presunção de que toda a fachada poente padece uniformemente da(s) mesma(s) falha(s) ou deficiência(s) (a nosso ver erradamente), tal deveria conduzir, de toda a maneira, a que cada Condomínio fosse responsabilizado pela competente intervenção na parte comum do seu prédio, assim como pela reparação de danos na parte da fração autónoma da aqui Recorrida situada no seu prédio.
LXIII. É que, ainda que os prédios sejam contíguos, o aqui Recorrente não tem qualquer responsabilidade relativamente à parte da fachada poente integrada no prédio do ---, assim como o Co-Réu Condomínio do Prédio Urbano sito na ---, ---, também não tem qualquer responsabilidade relativamente à parte da fachada poente integrada no prédio do aqui Recorrente
LXIV. Consequentemente, nunca poderia ser assacada a qualquer dos RR. a responsabilidade por quaisquer danos com origem na parte da fachada poente integrada no prédio vizinho.
LXV. Concluindo, à luz do exposto nos Pontos I, II, III e IV das presentes alegações, é entendimento do Recorrente que a sentença proferida pelo Tribunal a quo violou, por má interpretação, o disposto nos arts. 5.º, n.º 2, alínea a), e 607.º, n.º 4, ambos do CPC.
LXVI. Por último, e novamente sem prejuízo do supra exposto, sempre se diga que a sentença aqui em análise padece de nulidade, nos termos do disposto no art. 615.º, n.º 1, alínea e), do CPC.
LXVII. Com efeito, a Recorrida deu à ação o valor de € 80.000,00.
LXVIII. Assim, a sentença proferida pelo Tribunal a quo, concluindo pela necessidade de realização de quaisquer obras, não poderia deixar de contemplar a impossibilidade de as mesmas terem um valor superior ao valor dado à ação pela Recorrida, mesmo que o pressuposto tenha sido o de que, à luz dos dados disponíveis, as obras em questão pudessem implicar, na verdade, o dispêndio de um valor tremendamente inferior aos € 80.000,00 em causa.
Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença proferida e absolvendo-se o Recorrente do pedido, ou, em alternativa, declarando-se a nulidade da sentença proferida, com os legais efeitos, assim se fazendo a costumada
Justiça.
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A autora, notificada, contra-alegou pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
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II.II. Questões a apreciar:
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso que, no caso, não se prefiguram.
Assim sendo, cumpre apreciar, em primeiro lugar, da invocada nulidade da sentença, por violação do dispositivo, i.e., por invocação que a condenação excede os limites do pedido.
Estabelecida tal decisão, caso se verifique que a sentença não enferma do apontado vício, cumprirá apreciar da admissibilidade da impugnação da decisão de facto. Firmada esta, cumprirá proceder à respetiva apreciação e, em conformidade, avaliar da sustentação factual da decisão condenatória da ré-recorrente.
Estabelecido, por sua vez, que existe sustentação factual para a condenação, cumprirá avaliar se o pedido constitui um exercício abusivo do direito a requerer realização de obras, como suscitado neste recurso.
Caso se entenda que esse exercício do direito de requerer a realização de obras não é abusivo, cumpre decidir, a final, se procede a invocação relativa ao seu objeto. Neste ponto invoca a recorrente que a sentença exorbita o que podia declarar, não podendo ser compelido a realizar obras numa parede da propriedade de condomínio corréu.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. –
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II.III. Apreciação do recurso:
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II.III.I. Da nulidade da sentença.
Como derradeiro argumento recursório sustenta a recorrente que a sentença enferma de nulidade, questão que deve ser apreciada a título prévio.
Repescando as conclusões pertinentes, diz a recorrente que a sentença padece de nulidade, nos termos do disposto no art. 615.º, n.º 1, alínea e), do CPC, porque deu à ação o valor de € 80.000,00 e a sentença, concluindo pela necessidade de realização de quaisquer obras, não poderia deixar de contemplar a impossibilidade de as mesmas terem um valor superior ao valor dado à ação.
Quer isto dizer que a recorrente pretende fazer uma associação direta entre o valor atribuído à ação pela autora, na sua petição inicial, e o limite do pedido de condenação em prestação de facto (realização de obras) que foi por esta deduzido e funda a decisão condenatória.
Não lhe assiste razão.
Cumpre referir, antes de mais, que em sede de audiência prévia foi o valor da causa fixado pelo tribunal de forma diferente da indicação da autora, em €140.000,02 (cento e quarenta mil euros e dois cêntimos), o que, só por si, retira consistência a tal argumentação.
Se se considerar que o pedido deduzido, na parte que refere um valor líquido, indica-o como valor mínimo, também daí decorre diretamente a falta de sustentação deste argumento.
É certo que, nos termos do art.º 296.º e 297.º do Código de Processo Civil (CPC), o valor da causa é fixado pelo autor na petição inicial, devendo corresponder ao conteúdo económico do pedido.
Tal implica que se faça, nos casos em que o pedido não seja líquido, uma quantificação estimativa, como a que foi feita nos autos.
Essa quantificação inicial, todavia, é meramente provisória, cabendo ao juiz a fixação definitiva do valor da causa (sobre carater provisório da indicação do valor a causa, cf., designadamente, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7/3/2019 - Abrantes Geraldes1 e sobre a irrelevância da vontade das partes na indicação do valor da causa, que deverá ser estabelecido pelo juiz, cf. acórdão da Relação de Coimbra de 20/2/2024 – António Fernando Silva2).
Só por essa razão, não poderia uma tal associação entre indicação do valor da causa e limitação da condenação pelo pedido ser sustentada.
Mais que esta consideração inicial, nunca poderia ser sustentada uma limitação da condenação, como a propugnada, à estrita luz do princípio do dispositivo.
É nula a sentença cível que condene ultra petitum, i.e. além do pedido.
Como se disse em acórdão do STJ de 8/2/2018 (Graça Trigo)3 a nulidade deriva, assim, da conformidade com o princípio da coincidência entre o teor da sentença e o objecto do litígio (...), o qual, por sua vez, constitui um corolário do princípio do dispositivo (art. 3º, nº 1, do CPC).
Sendo este o caso, basta considerar o simples teor literal do pedido e do dispositivo da sentença, para verificar a sua quase completa correspondência (limitando-se a diferença a uma concretização da situação de facto por remissão a pontos da fundamentação de facto).
Se se passar à busca do sentido, a identificação entre pedido e decisão é mesmo completa – realização de obras necessárias a eliminar infiltrações de água em fração autónoma da autora, provenientes de parte comum.
Quer isto dizer, concluindo a apreciação desta questão, que não existe qualquer limitação pecuniária passível de ser imposta a um pedido de condenação na reparação de danos apurados.
Deve existir uma correspondência económica de valores, por forma a que a tributação da causa reflita a sua importância económica. É nesse contexto que se compreende o ónus da parte na indicação de um valor e a decisão do juiz sobre o mesmo.
Essa quantificação não constitui, todavia, qualquer limitação ao dispositivo, tendo uma mera função referencial, orientada para a tributação da causa.
Não assiste, em síntese, razão ao recorrente neste argumento de recurso.
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II.III.II. Recurso da decisão de facto:
II.III.II.I. Admissibilidade:
De acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 640.º do Código de Processo Civil (CPC), para admissão da impugnação de facto o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (al. a); os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão de facto diversa (al. b) e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto em causa (al. c).
A interpretação destas exigências legais tem sido trabalhada jurisprudencialmente, procurando afastar o que se poderia qualificar de formalismo excessivo e fazendo relevar critérios de proporcionalidade e razoabilidade.
De acordo com esta doutrina, há dois ónus que a parte deve cumprir, um primário, traduzido no cumprimento das exigências do art.º 640.º n.º 1, e um secundário, traduzido na indicação das passagens relevantes da prova gravada, estabelecido pelo n.º 2.
Assim iluminando os ónus estabelecidos ao recorrente, comummente segmentados em primários e secundário, considerando também que a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem-se mostrado aberta no que concerne à consideração do corpo das alegações para colmatar alguma insuficiência que possa existir nas conclusões – cfr. acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 12/2023, cujo segmento uniformizador estabeleceu que, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa4.
Considerando este quadro normativo, deve concluir-se que o recorrente cumpriu os ónus impugnatórios que sobre si recaiam.
A matéria de facto está identificada, podendo ser referida genericamente como relativa à determinação das causas de infiltração de água nas frações da autora.
Os meios de prova em que assenta a impugnação também o estão, sendo estritamente relativos ao teor do relatório pericial e informação complementar prestada pelos peritos.
Por fim, a decisão alternativa também se mostra identificada e, em termos simples, traduz a passagem dos factos relativos à determinação da causa das infiltrações dos provados para os não provados.
Não existe, portanto, obstáculo à admissibilidade do recurso, o que se decide.
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II.III.II.II. Apreciação do recurso de facto:
Síntese das questões apresentadas:
A primeira das questões refere-se a uma simples imprecisão, ou omissão de referência, no facto provado n.º 14.
Neste, foi dado como provado que a Autora não pagou ao Réu “Condomínio do Prédio sito na ---” a quantia de € 3.243,49 (correspondente a uma permilagem de 200/1000) por conta de quotização extraordinária para a realização de obras de conservação e reparação da empena desse edifício.
A recorrente pretende que seja mantido o facto, na sua exata redação, sendo apenas acrescentada, no final da frase, a seguinte expressão - "vencida em 31/05/2017, bem como a quantia de € 205,05 por conta da quotização anual respeitante ao fundo de reserva do condomínio relativa ao ano de 2018, vencida em 08/01/2018”.
A segunda questão de facto suscitada não traduz também, em sentido próprio, uma verdadeira impugnação do decidido, sendo antes um simples assinalar de uma incongruência ou contradição na decisão.
Tal vício resultaria do teor do facto provado n.º 6: - "As administrações dos Réus não realizaram obras na parede referida no ponto n.º 4".
Diz a recorrente que, uma vez que não foi dada como provada qualquer reclamação ou interpelação por parte da recorrida, nunca poderia o aqui recorrente promover a realização de obras que não lhe foram transmitidas ou informadas como necessárias.
Quanto a este ponto 6 pretende a recorrente a sua eliminação dos factos provados, por via da apontada contradição.
Por fim, quanto aos pontos da fundamentação de facto n.º 5 e 7, o recurso traduz uma verdadeira impugnação da decisão de facto, assente na invocação de erro na avaliação da prova pericial, com indicação de trechos relevantes do relatório dos peritos e da informação complementar por estes prestada.
O ponto 5 tem o seguinte teor:
- A parede que acompanha a sala de reuniões existente no ponto n.º 1, bem como o hall de entrada, a secretaria e a biblioteca - esta já na fracção autónoma referida no ponto n.º 2 - têm infiltrações de água que provém da parede referida no ponto n.º 4.
E o ponto 7 o seguinte:
- Em virtude dos factos referidos no ponto n.º 5, apareceram manchas e escorrências nos revestimentos das paredes das fracções autónomas referidas nos pontos n.os 1 e 2, na parte que acompanha e confronta com a parede/muro da fachada referida no ponto n.º 4, no revestimento do chão da fracção, na zona do hall de entrada e na zona contígua à sala de reuniões.
A origem das infiltrações e os danos causados pelas mesmas no interior das frações da autora são a matéria objeto de impugnação, analisando-se à frente em que exatos termos.
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b) Matéria de facto dada por provada na sentença:
É a seguinte a matéria dada por provada e não provada na sentença recorrida (sem atualização de grafia):
1. A Autora tem registada a seu favor a fracção autónoma identificada pela letra “I”, sita no piso -2, com entrada pela --- do prédio constituído em propriedade horizontal, sito na Rua --- e ---, --- Lisboa, freguesia da ---, concelho de Lisboa.
2. A Autora tem registada a seu favor a fracção autónoma identificada pela letra “G”, sita no piso -2, com entrada pela --- do prédio constituído em propriedade horizontal, sito na Rua --- e ---, --- Lisboa, freguesia da ---, concelho de Lisboa.
3. As fracções autónomas referidas no ponto n.os 1 e 2 são revestidas por uma parede interior de gesso cartonado hidrófugo, com forro em placas de aglomerado folheado.
4. Os prédios referidos nos pontos n.os 1 e 2 fazem parte de um só edifício e têm a mesma parede.
5. A parede que acompanha a sala de reuniões existente no ponto n.º 1, bem como o hall de entrada, a secretaria e a biblioteca - esta já na fracção autónoma referida no ponto n.º 2 - têm infiltrações de água que provém da parede referida no ponto n.º 4.
6. As administrações dos Réus não realizaram obras na parede referida no ponto n.º 4.
7. Em virtude dos factos referidos no ponto n.º 5, apareceram manchas e escorrências nos revestimentos das paredes das fracções autónomas referidas nos pontos n.os 1 e 2, na parte que acompanha e confronta com a parede/muro da fachada referida no ponto n.º 4, no revestimento do chão da fracção, na zona do hall de entrada e na zona contígua à sala de reuniões.
8. Os painéis de madeira empenaram, o gesso cartonado do revestimento ficou encharcado, foram criados bolores e o mármore que reveste o pavimento apresenta manchas de cor escura.
9. Junto ao pilar da junta de dilatação entre os edifícios referidos nos pontos n.os 1 e 2, existem manchas escuras de humidade e escorrências contínuas.
10. A resolução da situação referida no ponto n.º 5 implica a colocação de um dreno para recolha de toda a água que se encontre acumulada e a colocação de telas para protecção e encaminhamento das águas.
11. A reparação dos estragos referidos nos pontos n.os 7 a 9 importa a remoção dos painéis referidos no ponto n.º 3 e a remoção da parede em gesso cartonado e respectiva estrutura de suporte, a remoção das estantes, a limpeza de bolores, a execução de nova parede em placas de gesso cartonado, a aplicação de novos painéis em aglomerado de madeira folheada que sejam idênticos aos existentes e a substituição do pavimento ou o seu polimento.
12. Ocorreram, junto ao pilar interior que as separa, escorrências provenientes de descargas sanitárias na fracção autónoma do prédio referido no ponto n.º 1 que se situa no piso - 3.
13. A notificação da reconvenção à Reconvinda foi expedida em 28 de Maio de 2019.
14. A Autora não pagou ao Réu “Condomínio do Prédio sito na ---” a quantia de € 3.243,49 (correspondente a uma permilagem de 200/1000) por conta de quotização extraordinária para a realização de obras de conservação e reparação da empena desse edifício.
15. Em virtude do facto referido no ponto n.º 14, o Réu “Condomínio do Prédio sito na ---” não realizou as obras aí referidas.
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Factos não provados:
- O folheado referido no ponto n.º 3 é em mogno;
- Ao longo de toda a parede referida no ponto n.º 4, existe contacto directo com o terreno envolvente, sendo a mesma constituída por um muro, com caixa-de-ar.
- Os factos referidos no ponto n.º 5 ocorrem em virtude de uma descontinuidade/ruptura do sistema de impermeabilização da parede referida no ponto n.º 4.
- Ao nível do piso -1, ocorrem fugas no sistema de abastecimento e/ou drenagem de água dos edifícios referidos nos pontos n.os 1 e 2 que levam a que ocorram e persistam infiltrações.
- As infiltrações referidas no ponto n.º 5 ocorrem sobretudo no período de Inverno, quando se verifica o aumento da precipitação e a acumulação de águas pluviais que entram pelo terreno.
- Na sequência das chuvas do último trimestre de 2016 e dos primeiros e dos últimos trimestres de 2017 e de 2018 e em virtude dos factos referidos antepenúltimo ponto verificaram-se infiltrações de água nas fracções autónomas referidas nos pontos n.os 1 e 2.
- Em virtude do facto referido no ponto precedente, os níveis de humidade existentes são superiores a 35%, aumentando progressivamente à medida que se aproxima da parede referida no ponto n.º 4.
- Os factos contidos no ponto n.º 8 e o empenamento de estantes ocorreram em virtude da referida descontinuidade/ruptura do sistema de impermeabilização da parede referida no ponto n.º 4.
- Em virtude do encharcamento do gesso cartonado, ocorreu corrosão da estrutura metálica em aço leve do forro interior das paredes interiores.
- Existe água entre parede/muro do prédio e a placa de gesso cartonado que faz o revestimento interior das fracções autónomas referidas nos pontos n.os 1 e 2.
- A água referida no ponto precedente infiltra-se pela laje que sustenta o piso e leva a que o mármore que reveste o pavimento apresente manchas de cor escura.
- Os bolores referidos no ponto n.º 8 são persistentes e estão a ser criados.
- Os bolores e os estragos no reboco e pintura do revestimento ocorreram em virtude do facto vertido no penúltimo ponto;
- A persistência da situação referida no antepenúltimo ponto levou a que, no piso -4 dos prédios referidos nos pontos n.os 1 e 2, existam manchas de humidade na laje que serve de tecto, com formação de estalactites.
- No Inverno do ano de 2019, a água continuava a entrar pela parede da fachada norte dos prédios referidos nos pontos n.os 1 e 2, propiciando a acumulação de água na parede e na laje dos mesmos.
- A resolução das situações referidas no ponto n.º 5 implica também a impermeabilização da fachada norte dos edifícios, ao nível do piso -2 (com abertura de uma vala), o envolvimento do dreno em camada de gravilha calibrada em vala na cota inferior ao piso -2 do prédio, a aplicação de primário betuminoso em pontos de aderência, com reforço perimetral com banda de betume elastómetro e armadura de poliestes, com 30 cm de largura e a aplicação de tela de betume polímero elastómero, com armadura em fibra de vidro e a colocação de tela do tipo “Ecodrain”, para protecção e encaminhamento das águas.
- Para o efeito referido no ponto n.º 11, é ainda necessário proceder à remoção dos armários encastrados na parede, à reparação e a reaplicação dos armários e à pintura.
- Os trabalhos referidos no ponto n.º 11 e no ponto anterior implicam um custo não inferior a € 80.000,00.
- Os factos referidos no ponto n.º 12 ocorreram em virtude de ruptura no sistema de canalização e de esgotos das fracções autónomas referidas nos pontos n.os 1 e 2.
- Os factos referidos no ponto n.º 12 ocorreram no ano de 2014.
- A instalação e construção da rede de águas e do sistema de canalização e de esgotos das fracções autónomas referidas nos pontos n.os 1 e 2 foi feita pela Autora.
- O Réu/Reconvinte “Condomínio do Prédio sito na ---” irá reparar os estragos ocasionados na fracção autónoma e no pilar referidos no ponto n.º 12, no que despenderá uma quantia
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c) Apreciação do recurso relativo à decisão de facto:
i) O ponto 14 dos factos provados:
Como acima referido, quanto a este ponto o recorrente pretende apenas uma precisão, ou melhor, um acrescento final no texto do facto, como apresentado na sentença.
Diz que a decisão se sustentou, nesta parte, numa anterior, proferida por Julgado de Paz, posteriormente confirmada ao nível da Comarca, por uma decisão do Juízo Local.
Veja-se, em primeiro lugar, o que se diz motivação da sentença a este respeito.
Diz-se aí o seguinte:
A convicção quanto ao facto vertido no ponto n.º 14 firmou-se com base na valoração conjugada dos testemunhos de ---, ---e ---. Em suma, estas referiram a falta de pagamento da quotização extraordinária e explicaram que a não realização das obras que a mesma se destinava a financiar se deveu a esse facto, o que se revelou plausível, atenta a permilagem em causa e o que deflui da experiência corrente acerca da relevância desse facto no contexto das relações condominiais.
Quer isto dizer que, ao contrário do que sustenta o recorrente, o tribunal não assentou no teor de decisões anteriores, seja da ordem dos tribunais comuns ou de Julgado de Paz, antes na própria valoração de prova testemunhal produzida em audiência.
Recorde-se que, nos termos da síntese supra apresentada, o recorrente pretende que seja aditada à parte final a seguinte expressão "vencida em 31/05/2017, bem como a quantia de € 205,05 por conta da quotização anual respeitante ao fundo de reserva do condomínio relativa ao ano de 2018, vencida em 08/01/2018”.
Recorde-se ainda que o facto provado tem o seguinte teor:
"A Autora não pagou ao Réu “Condomínio do Prédio sito na ---” a quantia de € 3.243,49 (correspondente a uma permilagem de 200/1000) por conta de quotização extraordinária para a realização de obras de conservação e reparação da empena desse edifício."
Porque o recorrente não se sustenta em qualquer prova que possa completar ou infirmar o declarado pelas testemunhas em que a decisão se baseou, não deve ser dada sustentação a esta parte do recurso, o que se decide.
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ii) O ponto 6 dos factos provados:
Quanto a este ponto, a decisão que se impõe é ainda mais linear.
O facto em causa tem o seguinte teor: - "As administrações dos Réus não realizaram obras na parede referida no ponto n.º 4".
Pretende a recorrente que se declare que tal é incongruente, ou mesmo contraditório, com a ausência de alguma reclamação ou interpelação por parte da recorrida, que a própria decisão reconhece, pelo que nunca poderia o aqui recorrente promover a realização de obras que não lhe foram transmitidas.
O que se trata, neste ponto, é apenas de um erro na interpretação do sentido do facto provado.
O recorrente, aparentemente, interpreta-o inferindo uma declaração jurídica que do mesmo não consta, nem poderia constar, uma vez que se trata apenas de matéria factual.
O facto não declara qualquer falta a uma obrigação, ou desrespeito a uma solicitação de realização de obras. O facto refere-se apenas a não ter sido a parede em causa, (que é comum) objeto de qualquer obra, algo que, diga-se, o próprio recorrente reconhece.
Em termos factuais a parede não beneficiou de obras e é isso que o ponto 6 declara e o próprio recorrente não infirma.
Nada há, portanto, também a alterar neste ponto, o que se decide. –
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iii) Os pontos 5 e 7:
Estes são, como referido, os verdadeiros pontos em que existe uma divergência materialmente sustentada face à decisão de facto.
Avançando para a sua apreciação, deve começar-se por assinalar que, a despeito de se apresentarem associados, a divergência refere-se estritamente à matéria de facto relativa à causa das infiltrações, correspondente a parte do ponto 5, sendo o ponto 7 uma mera tradução das mesmas no interior das frações da autora.
Quer isto dizer que o recorrente não põe em causa, especificamente, o decidido quanto a danos, seja neste ponto 7 ("apareceram manchas e escorrências nos revestimentos das paredes das fracções autónomas referidas nos pontos n.os 1 e 2, na parte que acompanha e confronta com a parede/muro da fachada referida no ponto n.º 4, no revestimento do chão da fracção, na zona do hall de entrada e na zona contígua à sala de reuniões"), seja nos pontos seguintes, que nem sequer refere (pontos 8 e 9 – "Os painéis de madeira empenaram, o gesso cartonado do revestimento ficou encharcado, foram criados bolores e o mármore que reveste o pavimento apresenta manchas de cor escura" e "junto ao pilar da junta de dilatação entre os edifícios referidos nos pontos n.os 1 e 2, existem manchas escuras de humidade e escorrências contínuas.").
Quanto ao ponto 7, o que o recorrente põe em causa é apenas o inciso inicial – " Em virtude dos factos referidos no ponto n.º 5...".
Quer isto dizer, sintetizando e como acima se disse, o que está em causa é apenas a prova da origem das infiltrações de água, não as consequências da mesma no interior das frações.
Apreciando, impõe-se fazer ab initio duas referências gerais de contexto:
a. O recorrente assenta a sua pretensão de alteração da decisão apenas na prova pericial, indicando diversos trechos do relatório e da informação complementar, prestada na sequência de pedidos de esclarecimento;
b. Como referido supra, a perícia não realizou todas as diligências que entendeu adequadas à determinação completa da origem das infiltrações de água, tendo-se pronunciado pela necessidade de realização de diligência de tipo destrutivo, i.e., com abertura de orifícios ou aberturas em pontos da parede em causa, por forma a observar diretamente o que se encontra por trás desta.
Esta diligência, disseram também os peritos, deveria ser feita em dois períodos diferentes do ano, com um intervalo aproximado de seis meses entre si, fazendo coincidir com fases mais e menos chuvosas.
De acordo com a posição das partes, também considerando os custos estimados para estas intervenções (que poderiam exceder até o valor das obras peticionadas na ação) tais diligências complementares não foram realizadas, tendo-se pronunciado unanimemente pela sua não realização.
Quer isto dizer que os próprios autos atestam que a perícia não pode ser vista como tendo estabelecido, com uma certeza absoluta, a causa das infiltrações.
Assim sendo, a decisão de facto deve ser entendida, nesta parte, como relativa ao estabelecimento de um grau de certeza adequado e suficiente para a conclusão dada por provada, sendo certo que, neste caso, como em qualquer outro (ainda que neste se tenha tornado mais patente), a certeza na decisão deve sempre vista cum granum salis.
É, aliás, essa a razão de existir no regime processual um recurso da decisão de facto.
Dito isto, o que cumpre decidir será saber se existe algum erro de avaliação do tribunal a quo na determinação da origem das infiltrações de água.
Essa é a questão de facto.
Para proceder a esta reavaliação deve começar-se por tomar em consideração o juízo feito pelo tribunal recorrido.
Disse-se aí, com relevo para esta questão (ainda que tocando outros pontos da decisão de facto) o seguinte:
No que concerne aos factos inscritos no ponto n.º 5, foram conjugadamente tidos em consideração o laudo maioritário contido no relatório pericial (tanto em relação aos estragos ocasionados nas fracções autónomas da Autora como em relação à proveniência das infiltrações que as afectam), as declarações de parte do legal representante da Autora e os referidos testemunhos. Neste conspecto, assumiu particular preponderância o juízo técnico-científico dos peritos designados pelo tribunal e pela Autora, os quais formam o laudo pericial maioritário.
Quer isto dizer, em primeiro lugar, que o tribunal a quo assentou o seu juízo no relatório pericial, mas considerou também outros meios de prova.
Quer isto dizer também que o tribunal tomou como base de decisão dois critérios de avaliação do laudo pericial, que se mostram relevantes, a saber:
a. assentou sobretudo nas conclusões do relatório, não tanto na sua fundamentação;
b. Tomou em conta o facto de o relatório assentar num entendimento maioritário dos peritos, maioria estabelecida pelo perito indicado pela autora e pelo indicado pelo tribunal.
Desta última referência ganha consistência a afirmação de algumas passagens menos assertivas no relatório, passagens estas nas quais o recorrente estriba o seu recurso.
Especificamente quanto à avaliação técnica do relatório, diz-se na motivação:
Comparativamente com o juízo técnico prestado pelo perito indicado pelos Réus, a motivação expressa naqueloutro laudo revela maior proficiência e, sobretudo, coaduna-se com os dados da experiência corrente e com o que é observável nos fotogramas contidos nesse relatório.
Vejamos mais detalhe.
A explicação aventada pelo juízo técnico que se tem como mais avalizado filiou-se, em suma, na existência de um espaço vazio entre a escarpa e a parede em questão e na existência, na parte superior da escarpa, de um canteiro em coberto herbáceo, na zona de talude. Partindo dessa constatação e, bem assim, da dúvida acerca da existência de uma parede em alvenaria no interior das fracções autónomas da Autora e da existência de escorridos nas escadas descendentes (o que é congruente com o facto dessa parede estar virada para o Pátio de ---, encontrando-se, desse modo, a uma cota mais alta do que a Rua ---), concluíram aqueles Exmos. Srs. Peritos, plausivelmente, que os estragos verificados apenas poderiam ser atribuíveis a acumulação de água na fachada poente que é partilhada pelos dois edifícios.
É, a esse respeito, assaz elucidativo o facto de os estragos em questão terem sido predominantemente observados na parede poente das fracções da Autora.
Paralela e convincentemente, o laudo pericial maioritário excluiu outras possíveis causas desses estragos, como seja a ocorrência de fenómenos de condensação por falta de arejamento (o que, embora em termos não peremptórios, foi indicado pelo “Condomínio do Prédio sito na ---” como explicação possível para os fenómenos registados no interior das fracções autónomas da Autora), não tendo sido detectada qualquer sintomatologia que fosse compatível com essa explicação.
Quer isto dizer, acompanhando a motivação apresentada, esta faz uma avaliação da consistência interna dos juízos técnicos apresentados, concluindo pela sua plausibilidade e probabilidade, como faz uma avaliação conjugada com meios de prova que a sustentam.
Não deixa também, todavia, de a confrontar com meios de prova de sentido diferente.
Assim, diz-se ainda nesse local o seguinte:
Não se olvida que ---(administrador do Réu “Condomínio do Prédio sito na ---”) referiu que os problemas datavam do ano de 2006 e de, segundo se depreende das declarações de parte que prestou, as queixas da Autora coincidirem com períodos em que as fracções em causa estão fechadas e não são arejadas, o que, segundo aquele, ocorreu nesse ano e nos anos de 2008 a 2012. Porém, a acrescer ao exposto pelo peritos indicados pelo tribunal e pela Autora, o facto de não se ter deslocado recentemente às fracções (referiu, aliás, que só o fez episodicamente) e de não as ter visitado integralmente desmerece a credibilidade que poderia ser atribuída a essa versão.
De igual modo, foi arredada, como explicação plausível, a ocorrência de ruptura no sistema de instalações sanitárias das fracções da Autora ou das infra-estruturas das redes de águas ou de drenagem de águas residuais domésticas, e/ou pluviais.
É de salientar que, pertinentemente, os peritos indicados pelo tribunal e pela Autora precisaram que os estragos descritos poderiam existir sem que se verificassem danos nos pisos inferiores. É essa explicação que torna plausível que tanto ---(antigo arrendatário e actual proprietário de um armazém que fica por debaixo das fracções autónoma da Autora), como ---, ---e --- (condóminas do “Condomínio do Prédio sito na ---”) e ---jamais hajam dado conta de que, respectivamente, nesse espaço e nas arrecadações das respectivas fracções autónomas (localizadas, igualmente, na parede poente), ocorreram infiltrações.
Quer isto dizer que a avaliação tomou em consideração os meios de prova dissonantes, ajuizando-os e concluindo, de forma pertinente, pelo sentido afirmado.
O ponto nevrálgico da fundamentação da decisão de facto, e que, de algum modo, sustenta a posição do recorrente, situa-se nas referências finais feitas a este ponto.
Diz-se aí o seguinte:
Assim, embora não tenha sido possível indicar concretamente a proveniência das águas acumuladas junto à parede e/ou o concreto facto que propicia ou determina esse fenómeno (v. o que abaixo se expôs acerca da indemonstração da causa identificada pela Autora), foi, com a necessária segurança, possível concluir que, nas fracções autónomas da Autora, ocorreram estragos causados por água que provém da mencionada parede poente.
No que se refere à existência das infiltrações, foram conjugadamente tidos em consideração o laudo pericial maioritário (no segmento em que ali se documentaram as evidências de infiltrações e os consequentes estragos causados nos revestimentos das paredes e do pavimento), das declarações de parte - no segmento em que, em suma, o legal representante da Autora confirmou a ocorrência de “inundações”, os respectivos sinais e a localização relativa - e dos testemunhos de ---(no segmento em que, em suma, referiu a existência de infiltrações no hall, na sala de reuniões, na zona de porta e na secretaria) e de ---(no trecho em que, em suma, referiu a existência de infiltração, detectando as paredes abauladas nas zonas da sala, do hall e da biblioteca). No que se refere aos factos vertidos no ponto n.º 6, a convicção exposta firmou-se com base na valoração das declarações de parte de ---- nos segmentos em que referiu que os problemas datam de 2006 e que o administrador da Autora sempre os imputou à parede “cega” e à zona enterrada - e nos testemunhos de ---, ---e ---, nos segmentos em que, em suma, referiram que o administrador da Autora foi relatando os problemas que existiam nas fracções desta. Pese embora a subjectividade inerente ao interesse no desfecho da causa, logrou o administrador do “Condomínio do Prédio sito na ---”, pelo modo como prestou as declarações, evidenciar algum distanciamento perante a situação, o que, conjugado com os ditos critérios, permitiu considerar como credíveis, neste e noutros segmentos, as respectivas declarações.
Os citados testemunhos foram prestados com convicção, suficiente distanciamento, espontaneidade e clareza. Foram, por isso, tidos como suficientemente persuasivos e, nessa medida, credíveis, tanto mais que não foram contraditados por outros meios de prova.
Não foi, outrossim, alegada e/ou comprovada a realização de obras, pelos Réus, na referida fachada poente. De resto, ---também deu nota de que não “houve desenvolvimentos” das conversas com a administração dos Réus.
Em síntese, o tribunal a quo expressou concretamente que não foi possível indicar a proveniência das águas acumuladas ou o facto que propicia ou determina esse fenómeno, mas apenas que a água que provém da mencionada parede poente.
Fê-lo, coerentemente, suportando-se no relatório pericial, convergente com as suas conclusões, a despeito de algumas referências que contém e da circunstância de ter ficado patente entendimento diverso do perito indicado pelas rés.
Conjugou essa prova técnica com declarações proferidas em juízo e perspetivou-a também por juízos naturais de prova, relacionados com a adequação e a relação entre o local das infiltrações e de entrada de água.
É um juízo que, em reavaliação recursória, não merece censura.
A certeza decisória estabelece-se, num caso como este, pela avaliação dos diferentes meios de prova, sendo a perícia apenas um deles.
A despeito do seu valor técnico, o julgador não se pode eximir do seu poder-dever de avaliar e decidir, o que, como referido, foi feito de forma que se apresenta adequada e não merecedora de censura.
Acresce neste caso que a prova da verdade judicial será sempre resultado de um compromisso entre a verdade material e os meios de prova que a possam trazer à luz do dia.
Esta mediação, que ocorre em todas as decisões, além das normais limitações de qualquer mediação, seja pelo tempo decorrido, seja pela simples falta de observação direta do facto objeto de prova, que terá sempre que ser reconstruído em tribunal, de forma indireta, tem neste caso a especialidade de terem sido as próprias partes que, à luz de critérios de adequação e proporcionalidade, renunciaram a uma observação direta das causas das infiltrações – as referidas diligências periciais complementares de carater destrutivo.
Essa manifestação de vontade das partes, assente em juízos de adequação e proporcionalidade e, nessa medida, poderia até ter sido diretamente determinada pelo tribunal, leva a concluir que assumiram, pelo menos implicitamente, que o juízo do tribunal teria que assentar apenas nos meios de prova existentes.
Com esses meios, foi estabelecido um nível de certeza que se deve considerar adequado, e, portanto, mantido nesta sede.
Também neste ponto, em conclusão, improcede o recurso, o que se decide.
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II.IV. Recurso de direito:
Estabelecida a matéria de facto nos autos, cumpre apreciar das questões subsistentes a nível jurídico.
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II.IV.I. O invocado abuso de direito:
Está provado nos autos que a autora, que exige do condomínio a realização de obras, não pagou uma quota extraordinária relativa a outras obras.
O tribunal a quo sustentou a decisão convocando, como argumento decisivo, que se trata de obras distintas – aquela cuja participação a autora está obrigada e incumpriu refere-se a trabalhos numa empena, as solicitas a obras solicitadas numa outra parede, causadoras de infiltrações de água em frações da autora.
Disse-se na decisão recorrida que as obras da responsabilidade da autora são destinadas a custear a realização de obras numa empena desse edifício, não vindo alegado ou demonstrado que esta corresponde à parede de onde provêm as infiltrações que afectam as respectivas fracções. Não se alegou, concomitantemente, que a falta de pagamento dessa quotização constituía a única razão pela qual não haviam sido realizadas as necessárias obras naqueloutra parede.
É um juízo que se deve acolher.
O instituto do abuso de direito deve ser convocado a título excecional, ainda que o cumprimento das obrigações deva ser enformado, em termos gerais, pelo princípio da boa-fé, que é também a base em que assenta esta figura (cf. art.º 334.º o 762,º do Código Civil – CC).
O advérbio "manifestamente" que consta do art.º 334.º do Código Civil é claro neste sentido - é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito.
A este propósito, em síntese do pensamento de Menezes Cordeiro, disse este autor que a operacionalidade do instituto em Portugal tem sido conseguida por via do princípio da confiança (António Menezes Cordeiro - Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas – Revista da Ordem dos Advogados, Ano 65, 2005, vol. II)5
Diz-se aí que o princípio da confiança surge como uma mediação entre a boa fé e o caso concreto. Ele exige que as pessoas sejam protegidas quando, em termos justificados, tenham sido levadas a acreditar na manutenção de um certo estado de coisas.
Assim, a despeito de não se poder dizer que a atuação da autora respeite os melhores padrões da boa-fé, na medida em que reclama um direito contra o condomínio quando incumpre uma obrigação que tem para com este, isso não significa que tal traduza necessariamente um abuso de direito ou, seguindo o caminho interpretativo proposto, não se pode dizer que o condomínio tenha sido levado a acreditar, pelo facto de existir uma dívida de um condómino, que lhe não seria exigida a realização de obras em parte comum para corrigir infiltrações de água no interior de frações.
Importa considerar que o princípio cardial da ordem jurídica é de permissão de exercício de direitos. Quem tem um direito, por princípio, deve ter a faculdade de o exercer.
Importa considerar, por outro lado, que em qualquer situação jurídica, seja emergente de condomínio, de qualquer relação real, societária, ou outra, é absolutamente natural que existam direitos e pretensões cruzadas, figurando as mesmas pessoas, consoante a posição jurídica concreta em que se encontrem, como titulares passivos ou ativos, i.e., como titulares de direitos e faculdades ou como titulares de deveres e obrigações.
Essa circunstância, perfeitamente normal, não exime as obrigações nem impede o exercício de direitos, exceto quando estes ultrapassem manifestamente os mais elementares critérios de boa-fé, que podem ser iluminados pela referida tutela da confiança.
Neste sentido, não atinge os limites do intolerável para a ordem jurídica o exercício do direito pelo condómino recorrido (a propósito desta intolerabilidade como critério axiológico-normativo do abuso de direito, cf. acórdão desta Relação de 12/1/2023 – Eduardo Petersen da Silva)6
O juízo feito a quo a este propósito mostra-se pertinente e deve ser mantido.
Não é por estar em falta com uma obrigação que a proprietária e condómina está impedida de exigir realização de obras em parte comum, como, pelo contrário, não é pelo facto de o condomínio se propor realizar obras numa empena que fica eximido de reparar danos numa fração com proveniência em parte comum.
Como se disse, apropriadamente, na sentença, cabe ao condomínio exigir à autora o pagamento omitido.
Também se acompanha o juízo feito a quo no sentido que a conclusão poderia ser diversa, e tendencialmente sê-lo-ia, se o valor das obras que autora não pagou fosse relativo aos trabalhos objeto desta ação.
Aí poder-se-ia fundamentar uma lesão intolerável da confiança, na medida que aquele que impede ou gravemente dificulta a realização de obras viria, simultaneamente, exigir a sua realização.
Não sendo esse o caso, não se vê que, a despeito do referido desalinhamento com as melhores regras da boa-fé, que exista um exercício abusivo de um direito.
É o que se decide, improcedendo este fundamento recursório. –
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II.IV.II. O objeto das obras:
Sustenta a recorrente que não pode ser obrigada a realizar obras na parede de outro condomínio.
Recorde-se que são réus na ação dois condomínios contíguos - condomínio dos prédios sitos na ---, Lotes --- e ---, ambos sitos na ---, em Lisboa.
Sustenta a recorrente que a imposição da realização de obras na parede que fica contígua ao muro calcário, na medida em que se estende pelos dois prédios, implica que se refira a dois prédios distintos. Daqui retira a conclusão que não lhe pode ser imposta a realização de obras na parede alheia, i.e., na parede que diz pertencer ao condomínio corréu e não recorrente.
Diga-se que a sentença não se debruça sobre este ponto e a matéria de facto é algo escassa para apreciação desta questão.
Numa análise prima facie dir-se-ia que pode, de facto, haver alguma confusão (hoc sensu) na obrigação imposta aos dois réus, sendo imposta indistintamente a obrigação de realização de obras numa parede que atravessa os dois condomínios contíguos.
Em termos factuais, de relevante para esta questão, o que se pode considerar estabelecido é que existe uma parede única, que se prolonga ao longo dos dois edifícios dos condomínios réus, parede esta que confronta com uma estrutura natural em pedra calcária.
Estabelecido que as infiltrações de água nas frações provêm dessa parede, condenou a sentença, de forma indistinta, ambos os condomínios à realização de obras.
Diz a recorrente, no seu recurso, que isso implica uma condenação à realização de obras no condomínio vizinho.
Como antes referido, é um argumento que, à primeira vista, se apresenta pertinente, mas que não resiste a uma avaliação mais detida.
O facto de a situação jurídica de condomínio implicar uma conjugação da propriedade individual das frações e da compropriedade das partes comuns não impede que, nos termos gerais de direito, designadamente ao nível da relação dos dois condomínios entre si, como prédios vizinhos, que existam outras situações de compropriedade a regular a a respetiva situação real em apreço.
É neste quadro que deve ser entendida parede em causa. Esta será, pelo menos nos limites de confrontação, verdadeiramente comum a ambos os condomínios, como o poderia ser, de forma análoga, um muro divisório entre condomínios.
O facto de os vizinhos serem condomínios é, neste sentido, puramente circunstancial e não tem relevo jurídico.
Regula, a propósito, o art.º 1371.º n.º 1 do CC, estabelecendo uma presunção de compropriedade das paredes e muros comuns.
Esta característica comum a ambos os condomínios de tal parede, até porque não foi apurado nenhum limite físico exatamente determinável de separação, deve levar à conclusão de existência de uma verdadeira situação de compropriedade de parte dessa parte comum (passe a repetição), entre os dois condomínios vizinhos e aqui corréus.
Para regular a situação pode convocar-se a aplicação do disposto no art.º 1375.º n.º 1 do CC - a reparação ou reconstrução da parede ou muro comum é feita por conta dos consortes, em proporção das suas partes, regra que será convocável na sua relação com terceiro.
A solução sustentada na sentença, que poderia apresentar-se, à primeira vista, como artificial, devidamente entendida à luz deste critério, torna artificiosa a solução inversa.
De facto, seria deslocado exigir a um condómino lesado que separasse o pedido de realização de obras causadoras de infiltrações numa parede que atravessa e sustenta os dois prédios, quando são indetermináveis os limites exatos de cada prédio e o local, ou locais, dos trabalhos a realizar (isto é, o ponto ou pontos da parede onde se situam as causas das infiltrações de água nas frações).
Curial será, pelo contrário, permitir-se que o lesado exija indistintamente a ambos os comproprietários da parede comum (ou parcialmente comum) a realização de obras, deixando a estes, nas suas relações internas, o encargo de procederem a repartição dos respetivos custos.
É a solução que se impõe.
Quer isto dizer que, também neste ponto improcede o recurso, devendo manter-se a decisão recorrida.
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Quer isto dizer, em resumo, que não se mostra sustentado, no seu todo, o recurso interposto, mantendo-se integralmente a decisão recorrida.
É o que se decide.
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III. Decisão:
Face ao exposto, nega-se a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, sem dispensa de taxa remanescente.
Notifique-se e registe-se. –
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Lisboa, 20 de novembro 2025
João Paulo Vasconcelos Raposo
Fernando Caetano Besteiro
Rute Sobral
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1. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
2. Valor da causa. Fixação pelo juiz. Critérios de valoração – Tribunal da Relação de Coimbra
3. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
4. 0004400065.pdf
5. António Menezes Cordeiro - Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas * - Ordem dos Advogados
6. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa