Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | ANA PAULA OLIVENÇA | ||
| Descritores: | PROCEDIMENTO CAUTELAR REPETIÇÃO DE PROVIDÊNCIA FACTOS SUPERVENIENTES | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 11/06/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | RECLAMAÇÃO | ||
| Decisão: | PROCEDENTE | ||
| Sumário: | Sumário: (elaborado pela relatora - art. 663°, n° 7, do Código de Processo Civil): No âmbito do disposto no art.362º, nº4, do CPCivil, embora haja alguma similitude com a figura do caso julgado, não se exige a tripla identidade prevista do artigo 581.º do CPCivil, bastando que, em ambos os procedimentos cautelares, a finalidade ou o objecto seja o mesmo, medida pela caracterização do direito a garantir; Para se aferir do enquadramento da situação no preceituado no art. 362º, nº4, do CPCivil, importará verificar, para além do mais, se não foram alegados factos novos (supervenientes) no âmbito do procedimento instaurado em segundo lugar. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência as Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: 1. Relatório Veio a recorrente sociedade A.. S.A, reclamar para a conferência da decisão sumária elaborada pela relatora, datada de 11.09.2024, que julgou improcedente o recurso e manteve a decisão recorrida. Formula as seguintes conclusões: «a) A reclamante apresentou recurso de apelação da sentença proferida no processo n.º …, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de …, a qual indefere o procedimento cautelar por força do disposto no artigo 362.º, n.º 4 do CPC; b) No recurso apresentado veio a reclamante pedir a revogação da decisão recorrida uma vez que a mesma erra ao concluir pela repetição de providência, não reconhecendo que: - O pedido principal agora formulado é diverso (encerramento por falta de licenciamento); - A causa de pedir é distinta (ilicitude urbanística e violação da Lei do Ruído); - Foram apresentados novos factos e prova superveniente; - Foram apresentados novos argumentos jurídicos. c) Na sequência do recurso apresentado, foi proferida decisão sumária em 11 de Setembro de 2025 tendo este Venerando Tribunal decidido pela improcedência do recurso, mantendo a decisão recorrida e condenando a apelante em custas; d) Ora, a Recorrente, aqui reclamante, não pode concordar com a decisão e fundamentação plasmada na decisão singular, requerendo a sua apreciação em Conferência. Vejamos, e) A decisão proferida fundamenta-se única e exclusivamente na semelhança dos pedidos (visando o términus da actividade ruidosa da requerida) e as causa de pedir idênticas (protecção do direito ao descanso dos hóspedes da requerente); f) Continuando, “No processo n.º …, o procedimento cautelar requerido foi julgado injustificado, pelo que, por força do disposto no artº 362, nº 4 do CPC, e da autoridade do caso julgado não é admissível a repetição da causa.” g) No entanto a decisão não levou em linha de conta um conjunto de elementos por demais relevantes para a tomada de decisão; h) Em concreto a decisão sumária, tal como a sentença proferida pelo tribunal a quo desconsideraram totalmente: a. A Causa de Pedir é diferente – assenta agora na ilicitude urbanística, na violação da Lei do Ruído e ilegalidade da atividade em zona protegida; b. O pedido é diferente – pede-se o encerramento da atividade por falta de licenciamento e subsidiariamente o encerramento por incumprimento da lei do ruido; c. A existência de factos supervenientes - decisão da Câmara Municipal de Sintra ordenando a demolição e encerramento da atividade; demolições parciais e concentração de cães, agravando os efeitos nocivos; relatórios acústicos posteriores comprovando violação da lei do ruído; d. Alegação de normas diversas – em concreto a Lei do Ruido. i) Estes elementos configuram nova causa de pedir e novos fundamentos jurídicos, afastando a aplicação do art. 362.º, n.º 4 CPC; j) Pese embora os direitos ameaçados sejam semelhantes, o que parece ter confundido o tribunal a quo; k) A palavra chave é “semelhantes”, mas não necessariamente iguais; l) Ao direito ao repouso e à tranquilidade acresce o direito da Requerente a desenvolver uma atividade licita sem impedimentos ou perturbações; m) Não esquecendo o direito dos trabalhadores da Requerente a terem um trabalho condigno e com todas as condições; n) Direito esses que estão a ser colocados em causa pela atividade da Requerida; o) A Requerida opera de forma ilícita, em zona não passível de aceitar aquela atividade, sendo que essa atividade causa ruido. p) Ruido que tem levado ao aumento de criticas negativas ao Hotel explorado pela Requerente, ao cancelamento de reservas e à consequente diminuição de hóspedes; q) Estas situações colocam em causa a viabilidade futura da atividade da Requerente e consequentemente dos empregos das pessoas que aí trabalham. r) A degradação da qualidade de vida, a perturbação do direito ao descanso, o aumento de criticas, o cancelamento de reservas e a diminuição de hóspedes, são uma decorrência daquelas que são as duas verdadeiras causas de pedir: i) A falta de licenciamento das construções e atividade da Requerida; ii) o Incumprimento da Lei do Ruído por parte da atividade desenvolvida pela requerida; s) A falta de licenciamento é a Causa de pedir da Recorrente, é o fundamento principal do procedimento cautelar e é o pedido principal. t) Depois de ter sido julgado improcedente o procedimento cautelar de 2023 surgiram novos factos que sustentam este novo procedimento cautelar. u) Em concreto as conclusões resultantes do processo administrativo … a correr na Câmara Municipal de … e que afirmam perentoriamente que não existe licença de construção para as edificações da Requerida e que a mesma está a operar em zona protegida que não permite a atividade em causa; v) Também foram juntos relatórios acústicos que comprovam a constante violação da lei do ruido. w) Salvo melhor opinião, os factos relevantes alegados pela Recorrente no presente procedimento nem sequer foram discutidos no procedimento cautelar de 2023, e como tal não puderam ser dados como provados; x) O que importa provar nos presentes autos é: i) se a Requerida tem, ou não, Licença de funcionamento e licença para as construções, isto é, se está a operar de forma legal ou não; ii) se a Requerida está, ou não a violar a lei do ruído ; y) Atendendo a todo o exposto andou mal o Tribunal a quo ao julgar pela improcedência do procedimento cautelar com base no disposto do artº 362º, nº 4 do CPC, o qual estatui “Não é admissível, na dependência da mesma causa, a repetição de providência que haja sido julgada injustificada ou tenha caducado”; z) Como andou mal a decisão singular ao manter a decisão recorrida. aa) E é aqui neste ponto que reside o verdadeiro cerne da questão: a repetição da providência; bb) No caso em apreço não existe nenhuma repetição de providência, existe sim uma nova providência, com uma causa de pedir distinta, com um pedido distinto, e com factos novos, supervenientes à primeira Providência Cautelar: a demolição de um parte das instalações do canil e a concentração de todos os animais num único espaço, aumentando o ruído e o nível de violação da lei do ruído, a existência de um processo administrativo instaurado pela Câmara Municipal de … à Requerida no qual é perentória a ilegalidade da atividade. cc) A Recorrente veio, ainda, apresentar argumentos jurídicos que não podiam ter sido invocados com a providência cautelar anterior, em concreto o parecer jurídico, e a decisão da Câmara Municipal quanto à ilegalidade das construções efetuadas pela Requerida, e à ilegalidade da instalação de um canil na área protegida do Parque Natural …; dd) A jurisprudência (v.g. Acórdão do STJ de 08.01.2015, Proc. 3589/08.2YYLSB-G.L1.S1 e Ac. Relação Porto de 27.05.2021, Proc. 338/20.0T8ESP.P1) é clara ao admitir novo procedimento cautelar quando se invocam factos supervenientes e fundamentos distintos — o que é manifestamente o caso; ee) No mesmo sentido temos o acórdão do da Relação do Porto de 09.10.2023, processo 4439/22.2T8AVR.P1 onde se conclui que o nº 4 do artº 362º estatui que a não admissibilidade de repetição de providência, na verificação dos seguintes requisitos, cumulativos: i) Tenha existido uma providência que foi julgada “injustificada” ou que tenha “caducado”; ii) Tenha, na dependência da “mesma causa” (litígio) daquela, sido instaurada outra providência; iii) Seja esta providência “repetição” da anterior. ff) Perante todo o exposto não restam dúvidas de que andou mal o Tribunal a quo ao indeferir o Procedimento Cautelar por força do disposto no artigo 362.º, n.º 4 do CPC;» * Não foi apresentada resposta. * Nos termos previstos no art.º 662.º, n.º 3 do CPCivil, a parte que se considere prejudicada por qualquer despacho do relator pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão. * Colhidos os vistos legais cumpre, então, decidir em conferência: * A sociedade CDN, Gestão Hoteleira, S.A., propôs o presente procedimento cautelar comum contra a sociedade 100Tropeçar, Lda., pedindo que seja o mesmo julgado procedente, por provado e, em consequência, que seja ordenado: a) Encerramento imediato da actividade da Requerida por falta de licenciamento; caso assim não se entenda; b) Encerramento da Actividade por incumprimento da lei do ruido, e consequentemente; c) Seja a Requerida condenada na colocação de barreiras acústicas em todo o limite do terreno do Canil que confina com o Hotel Explorado pela Requerente e com a urbanização vizinha, e Suspensão da Actividade da Nature Dogs até à colocação das mesmas. * Em 07.05.2025 foi proferido despacho final, na Primeira Instância, que indeferiu o procedimento cautelar em apreço, ao abrigo do disposto no artigo 362.º, n.º 4 do CPCivil (repetição de providencia cautelar julgada injustificada). * Não se conformando com a decisão, da mesma veio a requerente interpôs o presente recurso, alinhando as seguintes conclusões: «a) O presente recurso de apelação vem interposto da sentença proferida no processo n.º …, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de … a qual indefere o procedimento cautelar por força do disposto no artigo 362.º, n.º 4 do CPC; b) Em concreto a douta sentença recorrida fundamenta a sua decisão no pressuposto de que estamos perante a repetição de providência relativamente à Requerida B, Lda.; c) A decisão recorrida erra ao concluir pela repetição de providência, e consequentemente pela aplicação do nº 4 do artº 362º do CPC; d) Tal decisão viola o disposto no artigo 362.º, n.º 4 do CPC, ao aplicar incorretamente a norma a uma situação em que não se verifica a repetição da providência, nem a pendência da mesma causa, nem coincidência substancial de pedido e causa de pedir; e) E aplica esta norma contrariando a sua própria fundamentação, que estatui “Não há, é certo, exacta coincidência entre os pedidos e as causas de pedir formulados em ambos os procedimentos cautelares.” f) O Tribunal a quo reconhece que não há uma exata coincidência entre os pedidos e a causa de pedir dos dois procedimentos cautelares; g) E como tal não se pode aplicar o disposto no nº 4 do artº 362º do CPC para indeferir o procedimento cautelar; h) Bem tenta o Tribunal a quo encontrar uma justificação para aplicar a norma em causa, quando afirma “Porém, salvo o devido respeito, não pode deixar de se concluir pela semelhança essencial das causas, isto é, que em ambas se discute o direito ao repouso, ao sono e à tranquilidade por parte dos utentes da Requerente”; i) Fazendo, diga-se em abono da verdade, uma interpretação errada da questão em apreço; j) E com a afirmação referida no ponto g) das presentes conclusões o Tribunal a quo, contradiz-se, já que anteriormente havia afirmado não haver coincidência entre os pedidos e a causa de pedir; k) Afirma o Tribunal a quo que “Na verdade, deu-se, aqui, repetição de causas, pois em ambas o postulado essencial causal é o mesmo (a suposta violação dos direitos de repouso, ao sono e à tranquilidade por parte dos utentes da Requerente), o mesmo sucedendo com o pedido nuclear”: l) O que não corresponde à verdade, uma vez que: - O pedido principal agora formulado é diverso (encerramento por falta de licenciamento); - A causa de pedir é distinta (ilicitude urbanística e violação da Lei do Ruído); - Foram apresentados novos factos e prova superveniente; - Foram apresentados novos argumentos jurídicos. m) Continua o Tribunal a quo: “Cumpre ainda salientar que, embora haja alguma similitude com a figura do caso julgado, não se exige a tripla identidade prevista do artigo 498.º do CPC (actual artigo 581.º), bastando que, em ambos os procedimentos cautelares, a finalidade ou o objecto seja o mesmo medida pela caracterização do direito a garantir”; n) Quanto a este ponto o Tribunal a quo falha totalmente, uma vez que nem a finalidade é a mesma nem o objeto é o mesmo; o) No presente procedimento cautelar discute-se a falta de licenciamento e a violação da lei do ruído, como causas da violação do “direito ao repouso, ao sono e á tranquilidade”; p) Estas são as causas e o objeto do procedimento cautelar. Totalmente ausentes do anterior procedimento. q) É certo que estas causas se repercutem no “direito ao repouso, ao sono e à tranquilidade”. E não pode a autora nega-lo nem inventar outra coisa; r) Mas é absolutamente redutor subsumir esta providência cautelar à violação do direito ao repouso, ao sono e à tranquilidade; s) A degradação da qualidade de vida, a perturbação do direito ao descanso, é uma decorrência daquelas que são as duas verdadeiras causas de pedir: i) A falta de licenciamento das construções e atividade da Requerida; ii) o Incumprimento da Lei do Ruído por parte da atividade desenvolvida pela requerida; t) Mas não podemos esquecer que a falta de licenciamento é uma clara violação à lei, e deixar a Ré laborar e exercer uma atividade sem as correspondentes licenças é estar a pactuar com a ilegalidade, é mostrar à saciedade que a lei não interessa; u) Idêntico raciocínio se aplica à violação da Lei do Ruído. Deixar a Ré continuar a laborar em clara violação do Ruído é menosprezar e rebaixar esta lei; v) E ter uma atividade ilegal, que viola a lei do ruído a funcionar numa zona protegida não é importante; w) O Tribunal a quo apenas se foca, e valoriza, o Direito ao repouso da Autora, afirmando que o mesmo já foi peticionado e como tal não pode voltar a sê-lo. x) As ilegalidades, as consequências dessas ilegalidades nas pessoas, no meio envolvente e nas instituições são, para o tribunal a quo, irrelevantes; y) São tão irrelevantes que o Tribunal a quo apenas lhe dedica meia dúzia de segundos de análise z) O Tribunal a quo, ignorando todos os factos apresentados, entende que estamos perante uma repetição de procedimento cautelar porque em ambos está em causa, tão somente, no entender do douto tribunal a quo, o Direito ao Repouso. aa) Andou mal o Tribunal a quo ao reduzir todas as questões à garantia do Direito ao Repouso. bb) A falta de licenciamento, as ilegalidades praticadas pela Ré, são a causa de pedir da Recorrente, é o fundamento principal do procedimento cautelar e é o pedido principal. cc) O que importa provar nos presentes autos é: i) se a Requerida tem, ou não, Licença de funcionamento e licença para as construções, isto é, se está a operar de forma legal ou não; ii) se a Requerida está, ou não a violar a lei do ruído; dd) Sendo que nenhuma destas questões foi abordada na primeira providência Cautelar. ee) O Tribunal a quo indefere o Presente procedimento cautelar com o fundamento de repetição da providência, na pendência da mesma causa, com base no disposto no nº 4 do artº 362º do CPC; ff) Em primeiro lugar não existe pendência de nenhuma causa já que ambos os procedimentos são preliminares a qualquer causa principal; gg) Em segundo lugar não existe nenhuma repetição de providência, existe sim uma nova providência, com uma causa de pedir distinta, com um pedido distinto, e com factos novos, supervenientes à primeira Providência Cautelar: - a demolição de um parte das instalações do canil e a concentração de todos os animais num único espaço, aumentando o ruído e o nível de violação da lei do ruído, - a existência de um processo administrativo instaurado pela Câmara Municipal de …Sintra com a Requerida no qual é perentória a ilegalidade da atividade. hh) A Recorrente veio, ainda, apresentar argumentos jurídicos que não podiam ter sido invocados com a providência cautelar anterior, em concreto o parecer jurídico, e a decisão da Câmara Municipal quanto à ilegalidade das construções efetuadas pela Requerida, e à ilegalidade da instalação de um canil na área protegida do Parque Natural …; ii) A jurisprudência (v.g. Acórdão do STJ de 08.01.2015, Proc. 3589/08.2YYLSBG.L1.S1 e Ac. Relação Porto de 27.05.2021, Proc. 338/20.0T8ESP.P1) é clara ao admitir novo procedimento cautelar quando se invocam factos supervenientes e fundamentos distintos —o que é manifestamente o caso; jj) Perante todo o exposto não restam dúvidas de que andou mal o Tribunal a quo ao indeferir o Procedimento Cautelar por força do disposto no artigo 362.º, n.º 4 do CPC; kk) Estão em causa dois procedimentos cautelares totalmente distintos, com alguns pontos em comum, pelo que deverá o Procedimento Cautelar em causa prosseguir os trâmites normais. ll) Pelo que tal decisão viola o disposto no artigo 362.º, n.º 4 do CPC, ao aplicar incorretamente a norma a uma situação em que não se verifica a repetição da providência, nem a pendência da mesma causa, nem coincidência substancial de pedido e causa de pedir. mm) A interpretação correta do artigo 362.º, n.º 4 do CPC, conforme entendimento uniforme da doutrina (Abrantes Geraldes, Teixeira de Sousa) e da jurisprudência (v.g. Acórdão STJ 08.01.2015, Proc. 3589/08.2YYLSB-G.L1.S1), impõe que a repetição de providência exige coincidência substancial do pedido e da causa de pedir, o que não ocorre no presente caso; nn) Foram violados ainda os princípios da legalidade e tutela jurisdicional efetiva, consagrados nos artigos 2.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), ao impedir o acesso da Recorrente à apreciação judicial do funcionamento ilegal da atividade da Requerida, em zona protegida e sem licenciamento. oo) O Tribunal a quo incorreu igualmente em erro de julgamento na aplicação do artigo 362.º, n.º 4 do CPC, por: - Desconsiderar que o pedido principal da presente providência é o encerramento por falta de licenciamento; - Ignorar que a causa de pedir é distinta, centrando-se na ilicitude urbanística e violação da Lei do Ruído; - Não considerar os factos supervenientes, como a decisão da Câmara Municipal de …, a demolição parcial das construções, e a concentração dos cães; - Negligenciar os novos argumentos jurídicos, como a impossibilidade legal de licenciamento na zona do Parque Natural …. pp) A interpretação correta do artigo 362.º, n.º 4 do CPC não permite que uma nova providência com novos fundamentos e factos supervenientes seja indeferida como repetida. qq) O indeferimento liminar da providência, com base em errada aplicação da norma, viola também o artigo 368.º do CPC, que exige a ponderação do periculum in mora e do fumus boni iuris, que o tribunal a quo nem sequer apreciou. rr) O recurso deve, por isso, ser admitido e provido, anulando-se a decisão recorrida, e ordenando-se a baixa dos autos à 1.ª instância para tramitação subsequente com realização de audiência.” * A Recorrida apresentou contra-alegações, alegando em suma que: «O Recurso a que ora se responde não merece provimento, porquanto a decisão recorrida apreciou correctamente a matéria de facto e aplicou adequadamente o direito aplicável. A Sentença proferida pelo douto Tribunal a quo revela-se devidamente fundamentada, coerente e juridicamente irrepreensível, não se verificando qualquer nulidade, omissão ou erro no julgamento que justifique a sua revogação. A Recorrente limita-se a manifestar a sua discordância com a decisão recorrida, sem apresentar argumentos novos, pertinentes ou juridicamente relevantes que infirmem os fundamentos da mesma, limitando-se a reiterar posições já apreciadas e reiteradas pelo Tribunal de 1ª Instância. Nem sequer logrou demonstrar qualquer nulidade processual. Foram correctamente reconhecidos, na decisão recorrida, os pressupostos legais previstos no artigo 362º e seguintes do Cód. Proc. Civil. O presente recurso consubstancia uma tentativa dilatória de obstar aos efeitos legais da douta Sentença, sem respaldo jurídico idóneo. Não assiste, pois, qualquer razão à Recorrente, pelo que deve o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos e legais termos e considerada caduca a providencia cautelar e, com efeito, a inutilidade superveniente da acção.» * Mostrando-se cumpridos os vistos legais, cabe apreciar e decidir. * OBJECTO DO RECURSO São as conclusões formuladas pela recorrente que delimitam o objecto do recurso, no tocante ao desiderato almejado por aquele, bem como no que concerne às questões de facto e de Direito suscitadas, conforme resulta das disposições conjugadas dos arts. 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPCivil. Esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5º n.º 3 do CPCivil). Por outro lado, não pode o Tribunal de recurso, conhecer de questões que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas. No caso em análise, está em causa saber se a previsão do artigo 362.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, onde se diz que «não é admissível, na dependência da mesma causa, a repetição da providência que haja sido julgada injustificada ou tenha caducado», tem aplicação nos presentes autos. 3. Fundamentação de Facto Conforme se assentou na decisão singular a matéria de facto a considerar é a que resulta do Relatório supra enunciado, bem como o que se passa a enunciar, resultante de elementos objectivos –despachos e documentos juntos aos autos, bem como da análise da certidão do processo nº 14183/23.8T8SNT e que nesta sede se recupera: 1. Nos presentes autos, propostos em 11/03/2025, a Requerente pediu contra a Requerida: a) o encerramento imediato da actividade da Requerida por falta de licenciamento; Caso assim não se entenda: b) o encerramento da actividade por incumprimento da lei do ruido e, consequentemente; c) a condenação da Requerida na colocação de barreiras acústicas em todo o limite do terreno do Canil que confina com o Hotel Explorado pela Requerente e com a urbanização vizinha, e suspensão da Actividade da Nature Dogs até à colocação das mesmas; 2. Para tanto, entre o mais, alegou: «1º. A Requerente, é uma sociedade anónima proprietária dos prédios Urbanos sitos …. 2.º A Requerente. explora no imóvel identificado no Artº 1º, uma unidade hoteleira designada por …. 3º O referido hotel situa-se num local privilegiado do Parque Natural …, caracterizado pela qualidade de vida, pela harmonia com a natureza e pelo sossego que faculta aos seus residentes e visitantes. 4.º Sendo essa qualidade de vida, harmonia com a natureza e sossego que levaram a Requerente a investir na requalificação do imóvel e na sua exploração como um Hotel de Charme capaz de proporcionar aos seus hóspedes um ambiente de tranquilidade e de relaxe em plena natureza. 5.º E essa qualidade, harmonia com a natureza e sossego eram, e são, as principais razões que levam os clientes a procurar o Paço do Bispo Boutique House. 6.º E até Junho de 2023 tanto a Requerente como os seus clientes beneficiaram efetivamente dessa tranquilidade que apenas a natureza nos pode dar. 7.º Em meados de 2023 a Requerida decidiu promover, na sua propriedade a instalação de um alojamento para cães, destinado a abrigar animais em regime de hotel, o qual opera sob a designação comercial “….”. 8.º Oferecendo, mediante remuneração, serviços de acolhimento de animais de companhia, com as características que se podem observar na Internet, no site com o endereço web https://....pt/. 9.º No seu site a Requerida afirma, de forma explicita, estar inserida no Parque Natural de …» 10.º Naquele alojamento, a Requerida propõe-se, conforme ali consta, acolher cães num «espaço integrado na natureza que proporciona um ambiente natural e saudável para os cães, onde eles se podem exercitar e brincar ao ar livre.» 11.º Publicita a Requerida, no seu site «Os cerca de 4Ha da Quinta estão mantidos no seu estado natural, possibilitando as animais correr, explorar, sentir novos cheiros, ruídos e socializarem em perfeita harmonia com a Natureza. O objetivo é usufruir de um local seguro, sob vigilância especializada, em que os cães possam ser cães no seu ambiente natural.», tudo conforme prints tirados do Site e juntos como DOC4 12.º Para tanto, a Requerida fez construir um cercado e dois barracões para recolha dos animais durante a noite, como de pode ver nas fotografias juntas como Doc5 13.º E fê-lo sem ter obtido as licenças obrigatórias e necessárias para o efeito. 14.º Nem as poderia ter obtido, uma vez que as suas instalações se encontram na área protegida por Parque Natural …, e porque a sua atividade causa um ruído que viola os normativos legais. 15.º A Requerente desconhece até ao momento a existência de qualquer «legalização», mas admite que a Requerida tenha procedido junto do ICNF – à «mera comunicação prévia» prevista nos arts. 3.º n.º 1 al. a) e 3.º-A do Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de outubro, que aplica em Portugal a Convenção Europeia para a Proteção dos Animais de Companhia, na sua atual redação. 16.º Por força das alterações introduzidas pelo art. 2.º do Decreto-Lei n.º 54/2021, de 25 de junho no art. 28.º do Decreto-Lei n.º 169-B/2019, de 3 de dezembro, o ministro do Ambiente e da Ação Climática passou a ser responsável pelo bem-estar dos animais de companhia. 17.º Supõe-se que, em consequência, a competência para a receção da comunicação prévia prevista nas normas indicadas no n.º 24 deste RI, terá transitado da Direção Geral de Veterinária do Ministério da Agricultura para o ICNF. 18.º A Requerente desconhece que despacho possa ter recaído sobre a comunicação prévia porque, embora o tenha requerido insistentemente, tem-lhes sido sonegado pelo ICNF o conhecimento do teor do processo administrativo em causa. 19.º Mas sabe que em 19/02/2024 o ICNF emitiu o auto de notícia … no qual a Ré foi autuada por ter instalado dois canis sem parecer do ICNF, Cfr. Doc 6 que se junta e dá por reproduzido. 20.º De qualquer modo, a competência eventual do ICNF está legalmente restrita ao bem estar dos animais de companhia e a receção da comunicação prévia não afeta a gravidade da ofensa aos direitos da Ré. 21.º Relembremos que o Canil explorado pela Requerida está situado dentro da Área do Parque Natural …, em concreto numa área de proteção Complementar do Tipo I do Parque Natural …, regulado nos artº 19º e 20º do Regulamento do Plano de Ordenamento do Parque Natural … (RPOPNSC). 22.º Em concreto no nº 3 do artº 20º do RPOPNSC, é dito: “É proibida a implantação de novas construções para além do previsto nos números anteriores, com excepção das obras de interesse público, reconhecido por despacho conjunto dos membros do Governo competentes em função da matéria e do responsável pela área da conservação da natureza.” 23.º Por outro lado diz-nos o artº 9º do Regulamento acima identificado, “ficam sujeitas a parecer vinculativo da comissão directiva do PNSC as seguintes actividades: a) Realização de quaisquer obras de construção ou demolição fora dos perímetros urbanos, com excepção das que estão isentas de licença ou autorização e das sujeitas a autorização, nos termos da legislação em vigor.” 24.º A verdade é que se desconhece qualquer despacho que autorize as construções efetuadas pela Requerida, o que nos leva a acreditar que as mesmas se encontram ilegais. 25.º E consequentemente a atividade da Requerida, porque assente em construções ilegais, é também ela ilegal. 26.º A Requerente consultou, junto da Câmara Municipal de …, a legalidade das construções efetuadas pela Requerida, tendo verificado pela inexistência de qualquer legalização. 27.º Tendo requerido junto dos Serviços Municipais cópias do Processo Administrativo …., Cfr. DOC7 em Anexo, sem que até ao momento da propositura da presente ação as mesmas tenham sido disponibilizadas, o que desde já se requer. 28.º O único documento até ao momento em dispor da requerente é o ofício junto como DOC8, em que o Município notifica a requerida para no prazo de 30 dias repor o terreno nas condições em que se encontrava mediante demolição das obras efetuadas sem licenciamento. 29.º De acordo com o despacho municipal, as instalações construídas pela requerida enquadram-se no conceito de edificação previstas no artº 1º A e alínea a) do artº 2º do RJUE. 30.º Afirma, ainda, o despacho, que de acordo com a alínea n), nº 4 do artº 70º do PDM em vigor a utilização de solo rústico para alojamento canino apenas é possível em locais fora do Parque Natural …. 31.º Terminando o despacho “Pelo acima exposto… tendo em consideração o disposto nos artº 44º, 47º, nº 4, 50º, 51º, 55º, 63º e 104º do PDM (RCM 7-B/202, de 20/02) e artº 61º do Decreto Lei nº 82/2024, não é possível legalizar qualquer edificação, impermeabilização, operação urbanística ou ocupação do solo no local em causa, para a finalidade identificada” 32.º Conclui-se do despacho em causa que não só a Requerida não licenciou as construções efetuadas como tal não é possível. 33.º Como não é possível a ocupação do solo, naquela localização, para o desenvolvimento da atividade da Requerida. 34.º É evidente que para a Requerida não são necessárias quaisquer licenças, e tão pouco há que respeitar a Lei do Ruído ou o Direito ao Ambiente e ao Sossego que todas as pessoas têm. 35.º A Requerida leva a sua impunidade ainda mais longe, ao não acatar a decisão da Câmara Municipal de … que mandou a Requerida desmantelar todas as construções e repor o terreno nas condições em que se encontrava. 36.º De facto a requerida começou a desmantelar uma parte das instalações, como se pode ver nas fotos juntas como DOC9, mas manteve a construção com 120m2 inalterada, e a atividade em pleno funcionamento, nas traseiras das instalações da Requerente, como se pode ver nas fotos juntas como DOC10. 37.º Juntando todos os animais num único espaço, que, relembre-se, já deveria ter sido demolido. 38.º Sucede que o cercado onde os cães ficam soltos durante todo o dia, bem como o Canil de maiores dimensões, fica praticamente colado à zona de lazer e descanso da piscina, onde os hóspedes procuram relaxar, Cfr. Doc 11 que se junta e dá por reproduzido. 39.º A instalação deste canil, paredes meias com o Hotel, veio degradar dramaticamente a qualidade das comodidades oferecidas aos Hóspedes da A., e em concreto os momentos de descanso e de relaxe na piscina. 40.º Os cães ladram diariamente, de forma persistente e ruidosa, a qualquer hora do dia e da noite, uma vez que se encontram juntos, apartados dos seus donos e têm um comportamento normal de matilha, privando os hóspedes da Requerente, bem como os seus funcionários, do descanso, sossego e tranquilidade a que têm direito, bem como do sono durante a noite. 41.º Os ficheiros vídeo que se juntam (VIDEOS 1 A 18), comprovam suficientemente o ruído causado pelos animais, tendo o som sido recolhido no interior e no jardim da casa do Sr. .., sita na Quinta … (Identificada no Doc5) ou no hotel, junto ao mencionado cercado. 42.º Recorde-se que o cercado faz extrema com o limite da Quinta …, onde termina o campo de golfe, e onde passa um arruamento interno do aldeamento onde os moradores regularmente fazem caminhadas e passeiam os seus animais de estimação, e extrema com o limite da propriedade da Requerente, junta à piscina. 43.º Sempre que algum dos moradores na Quinta …, algum dos seus visitantes, ou algum jogador de golfe, se aproxima do cercado o ladrar dos cães alijados no canil aumenta exponencialmente, causando um ruído alto, irritante e que ao fim de pouco tempo se torna insuportável para quem diariamente o ouve. 44.º O mesmo se passando sempre que algum dos hóspedes da Requerente se aproxima do limite da Piscina. 45.º Com a instalação do canil, e do barulho dele resultante, A Requerente, e em especial os seus hóspedes, deixaram de ter descanso durante o dia, de ter um momento de descontração a conversar com os amigos, e até de poder dormir à noite. 46.º Desde o primeiro momento que a Requerente, juntamente com outros vizinhos residentes na Quinta …., tentaram chamar a Requerida à razão, pedindo-lhe para mudar o canil para outra zona da propriedade, afastada das residências e do Hotel, ou para encerrarem a atividade. 47.º A Requerida, através de mensagem de correio eletrónico remetido à empresa gestora ao Aldeamento da …, reconheceu que o canil “poderá (!) trazer alguns incómodos para alguns residentes do Aldeamento B da Quinta da …. -devido à proximidade de algumas habitações” – doc. n.º 12 que se junta e se dá por integralmente reproduzido. 48.º Do mesmo modo, afirma no mesmo documento que “a NatureDogs procura proporcionar aos cães acolhidos um espaço amplo, dando-lhes a oportunidade de correrem e de se cansarem antes de entrarem nos canis; com uma boa prática de exercício e um grau adequado de atividade, os cães estarão mais aptos para dormirem, evitando que produzam ruído de dia e, especialmente, de noite”! 49.º E chegou mesmo a “recomendar” aos proprietários das moradias afetadas pelo ruído de que são responsáveis, que não ”se aproximem das vedações com os seus cães, sobretudo quando estes por instinto procurarão responder aos animais nas proximidades”, procurando alijar as responsabilidades pela situação intolerável que causaram. 50.º Ora a Requerente, bem como os moradores da Quinta …, já habitavam no local quando a Requerida resolveu iniciar a sua atividade. 51.º Os moradores da Quinta da …., já tinham animais de estimação que passeavam, e passeiam todos os dias pelo menos uma vez por dia, e cujo passeio inclui a passagem pela zona encostada ao canil e que até à abertura do Canil nunca perturbaram o sossego e a tranquilidade no Hotel da Requerente. 52.º Não é a requerente que tem que encontrar formas de mitigar o ruido provocado pelos cães para que os seus clientes possam ter descanso. 53.º É a Requerida que tem a obrigação de licenciar as suas instalações, a sua atividade e de cumprir com as normas legais em vigor. 54.º Atente-se que já não é apenas uma questão de barulho, mas também uma questão de segurança, visto que não é a primeira vez que alguns dos cães conseguem escapar do canil e ficam a deambular pelos terrenos vizinhos, incluindo a propriedade da Requerente, colocando em causa a segurança de todos os que ali trabalham e que ali procuram descansar e relaxar. 55.º Ainda assim, e não descurando a preocupação com a segurança, que existe e é real, é o ruído a grande fonte de perturbações ao bem estar, à tranquilidade, ao sossego e ao descanso da Requerente e dos seus clientes. 56.º Como se não bastasse o ruido que de vez em quando vem do Autódromo …, A Requerente vê-se agora confrontada com uma fonte de ruido permanente, mais próxima e mais perturbadora. Uma fonte de ruido que produz barulho a qualquer dia ou hora, inclusive durante a noite. 57.º Para avaliar o nível de ruido produzido, a Requerente realizou uma avaliação acústica nos dias 28 de agosto de 2024 e 01 de Setembro de 2024, no período compreendido entre as 08:00 e as 19H00, Cfr. Doc 13 que se junta e dá por reproduzido 58.º Para além deste estudo foi realizado um outro estudo, a pedido dos residentes na Quinta …, nos dias 09 e 10 de agosto de 2024, no período compreendido entre as 08:00 e as 19H00, Cfr. Doc 14 que se junta e dá por reproduzido. 59.º Desses relatórios resultam as seguintes conclusões: “Perante os resultados obtidos, conclui-se que relativamente ao funcionamento do “…” localizado no …, no Período Diurno, onde ocorreram as medições (verifica-se que os animais ouvem-se praticamente todo o dia, mas com maior incidência no período da manhã, a partir da 09H00 e depois mais ao fim do dia, sensivelmente a partir das 16h00). Foram excedidos os limites descritos no ponto 1-b, do artigo 13º, do Regulamento Geral do Ruído, no que respeita ao Critério de Incomodidade, no recetor sensível mais próximo localizado …..” (realce nosso) 60.º Ou seja, e comos e pode ver nos resultados das medições parciais constantes dos relatórios, o barulho dos cães é uma constante ao longo de todo o dia, ultrapassando os Limites do Critério de Incomodidade. 61.º Atente-se que as medições não foram realizadas no período noturno, e ainda assim os limites de incomodidade foram ultrapassados. 62.º Imagine-se agora qual o nível de ruido, e de incumprimento dos limites, que se sente nas instalações da Requerente. 63.º Sabendo que este ruido também se verifica durante a noite, imagine-se o incómodo que o mesmo causa em quem pernoita no Hotel. 64.º Na verdade, estão a ocorrer, diariamente e vinte e quatro horas por dia, desde os finais do mês de Junho de 2023, lesões graves e dificilmente reparáveis dos direitos da Requerente, consequência do ruído com origem no canil cujo funcionamento é da responsabilidade da Requerida. 65.º Já mais recentemente, e depois do despacho da Câmara Municipal de … que ordenou a reposição do Espaço, obrigando à demolição dos Canis e ao encerramento da atividade, o barulho piorou significativamente. 66.º Isto porque a Requerida não demoliu a totalidade das instalações nem encerrou a sua atividade. 67.º A Requerida manteve uma parte do Canil, a parte maior e mais próxima do Hotel da Requerente, 68.º O que apenas veio piorar o barulho e o incómodo causado à Requerente, como se pode ver nos vídeos 19 a 30, uma vez que passou a concentrar os animais todos num único espaço. 69.º O barulho persistente, regular e diário provocado pelos cães alojados nas instalações da Requerida tem vindo a causar enormes prejuízos à Requerente, nomeadamente pela perca de clientes e pela publicidade negativa que começa a ter nas plataformas de reservas face aos comentários negativos dos clientes, alguns dos quais se encontram plasmados no Doc. 15 70.º Estão assim colocados em causa os direitos da Requerente, e em concreto o direito à ao repouso e à saúde, Constitucionalmente consagrados no artº 25º da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), bem como o direito a explorar uma atividade económica sem perturbações alheias. 71.º O facto de os cães fazerem barulho a qualquer altura incomoda os clientes e restringe o seu uso da zona da piscina, impedindo-os de conviver e socializar com amigos e família, e acima de tudo impedindo-os de gozar e usufruir aquilo que pagaram e que procuraram quando escolheram o hote da Requerente: A paz, a tranquilidade e o sossego. 72.º A requerida resolveu, no âmbito do seu direito a exercer uma atividade económica, iniciar um negócio de alojamento de cães, fazendo-o num terreno contiguo às instalações da requerente, não tomando as devidas diligências para respeitar o direito desta à sua integridade física e mental, ao repouso, descanso e saúde. 73.º Ainda que devidamente alertada pela Requerente, a Requerida continuou indiferente ao sofrimento e à agressão grave e reiterada que a sua atividade provoca na Requerente e nos seus clientes. 74.º Constata-se, ademais, que os níveis de ruido e de incomodidade têm vindo a aumentar com o decorrer dos meses, fruto do aumento do nº de cães alojados 75.º Prevendo-se que com o avançar do ano e o aproximar das férias da páscoa, primeiro, e do verão, depois, o nº de animais alojados aumente, e com eles o aumento do ruido e da incomodidade. 76.º Sendo que os períodos de férias, e em particular o verão, são por excelência os períodos de maior ocupação do Hotel, e aqueles em que os hóspedes mais procuram os momentos de relaxe junto da piscina, teme-se que a manutenção e potencial agravamento do ruido provocado pelos cães traga enormes dissabores para a Requerente. 77.º Ademais já se percebeu que a Requerida não cumpre a indicação da Câmara Municipal para desmantelar os Canis e parar com a atividade, antes concentrando todos os animais num espaço. 78.º O que apenas faz aumentar o barulho proveniente da sua atividade. 79.º Pelo que não resta à Requerente outra solução que não o recurso à justiça e à presente acção (…)”. 3. Nos autos com o n.º …, que correram os seus termos pelo 4.º juízo local cível de Sintra, propostos em 20/09/2023 onde, entre outros, figurava a mesma Requerente, foi peticionado contra B, C, D, que se pusesse fim a todas as actividades relacionadas com o alojamento de cães no Canil …, os quais deveriam ser devolvidos aos seus donos, no prazo de 5 dias, todos os animais alojados e, ainda, a pagar uma sanção pecuniária compulsória de, pelo menos, 1.000,00 €/dia, até que fosse cumprido o que viesse a ser julgado. 4. Para tanto alegaram, entre o mais, que: «(…) 5.º A primeira Requerente é uma sociedade anónima, proprietária de um estabelecimento hoteleiro designado por …. 6.º Por sua vez, os demais Requerentes residem há anos no …, nas moradias identificadas pelos números …, respetivamente, ali fazem a sua vida, nelas dormindo, recebendo os amigos, comendo e tudo o mais que diz respeito à vida familiar, e, ainda, nalguns casos, ali exercem também, em trabalho remoto, a sua atividade profissional. 7.º O referido hotel e as residências dos Requerentes situam-se num local privilegiado do Parque Natural …, caracterizado pela qualidade de vida, pela harmonia com a natureza e pelo sossego que faculta aos seus residentes e visitantes. 8.º Sucede que os três Requeridos se concertaram para promover a instalação de um alojamento para cães, destinado a abrigar animais em regime de hotel, no local indicado como sendo o seu domicílio profissional, a que chamaram …. 9.º Oferecendo, mediante remuneração, serviços de acolhimento de animais de companhia, com as características que se podem observar na Internet, no site com o endereço web https://....pt/. 10.º Naquele alojamento, os Requeridos propõem-se, conforme ali consta, acolher cães num “espaço único em plena Natureza onde o seu cão tem a liberdade para correr, explorar e socializar”, com a possibilidade de sentir “novos estímulos e gastar de uma forma saudável toda a energia acumulada”. 11.º Para tanto, os Requeridos fizeram construir um cercado, dentro do qual os animais têm, durante o dia, liberdade de movimentos e de interação uns com os outros e dois barracões para recolha dos animais durante a noite. 12.º Os Requeridos iniciaram nos finais do mês de junho a exploração desta sua actividade empresarial, acolhendo em regime de alojamento cães que ali eram colocados pelos donos. 13.º Sucede que o local escolhido para a receção dos cães, em que estes são separados dos seus donos, é contíguo à piscina do estabelecimento hoteleiro explorado pela primeira Requerente. 14.º E dista cerca de dez metros do cercado onde os cães ficam soltos durante todo o dia, como melhor consta planta de localização que se junta como doc. n.º 1 –especificando-se que as residências dos Requerentes individuais se encontram na metade superior da planta do lado direito, o hotel a meio, por cima da legenda que indica Rua … .... e o cercado e canil no espaço por baixo do número 120. 15.º Espaço este que fica a pouca distância – não mais de vinte metros - das residências onde vivem os segundo a sétimo Requerentes. 16.º A instalação deste canil, paredes meias com o hotel e com as residências dos Requerentes, veio degradar dramaticamente a qualidade de vida destes. 17.º Os cães ladram diariamente, de forma persistente e ruidosa, a todas as horas do dia e da noite, uma vez que se encontram juntos, apartados dos seus donos e têm um comportamento normal de matilha, privando os Requerentes e os clientes do hotel do descanso, sossego e tranquilidade a que têm direito, bem como do sono durante a noite. 18.º Os ficheiros vídeo que se juntam, comprovam suficientemente o ruído causado pelos animais, tendo o som sido recolhido no caso do vídeo n.º 1 no interior da casa da terceira Requerente e do vídeo n.º 2 junto ao mencionado cercado, sendo certo que os Requerentes deixaram de ter descanso, de poder dormir à noite, de receber visitas ou desenrolar as suas actividades normais, até mesmo de conversar em família, dada a intensidade do ruído produzido pelos cães. 19.º Do mesmo modo, o estabelecimento hoteleiro explorado pela primeira Requerente, tem vindo a receber inúmeras reclamações, em consequência do barulho e desassossego provocado pelos cães, ao mesmo tempo que turistas hospedados no hotel encurtaram e cancelaram as respetivas estadias. 20.º Os próprios Requeridos, em mensagem de correio eletrónico remetido à empresa gestora do Aldeamento …, reconheceram que o canil “poderá (!) trazer alguns incómodos para alguns residentes do Aldeamento … - devido à proximidade de algumas habitações” – doc. n.º 2 que se junta e se dá por integralmente reproduzido. 21.º Do mesmo modo, afirmam no mesmo documento que a NatureDogs procura proporcionar aos cães acolhidos um espaço amplo, dando-lhes a oportunidade de correrem e de se cansarem antes de entrarem nos canis; com uma boa prática de exercício e um grau adequado de atividade, os cães estarão mais aptos para dormirem, evitando que produzam ruído de dia e, especialmente, de noite”! 22.º E chegaram mesmo a “recomendar” aos proprietários das moradias afetadas pelo ruído de que são responsáveis, que não “se aproximem das vedações com os seus cães, sobretudo quando estes por instinto procurarão responder aos animais nas proximidades”, procurando alijar as responsabilidades pela situação intolerável que causaram. 23.º Nesse mesmo documento, faz-se referência à obtenção de uma legalização do canil. 24.º Os Requerentes desconhecem até ao momento a existência de qualquer “legalização”, mas admitem que os Requeridos tenham procedido na instituição que citam –o ICNF – à “mera comunicação prévia” prevista nos arts. 3.º n.º 1 al. a) e 3.º-A do Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de outubro, que aplica em Portugal a Convenção Europeia para a Proteção dos Animais de Companhia, na sua atual redação. 25.º Por força das alterações introduzidas pelo art. 2.º do Decreto-Lei n.º 54/2021, de 25 de junho no art. 28.º do Decreto-Lei n.º 169-B/2019, de 3 de dezembro, o ministro do Ambiente e da Ação Climática passou a ser responsável pelo bem-estar dos animais de companhia. 26.º Supõe-se que, em consequência, a competência para a receção da comunicação prévia prevista nas normas indicadas no n.º 24 deste RI, terá transitado da Direção Geral de Veterinária do Ministério da Agricultura para o ICNF. 27.º Os Requerentes desconhecem que despacho possa ter recaído sobre a comunicação prévia porque, embora o tenham requerido insistentemente, tem-lhes sido sonegado o pelo ICNF conhecimento do teor do processo administrativo em causa. 28.º De qualquer modo, a competência eventual do ICNF está legalmente restrita ao bem estar dos animais de companhia e a receção da comunicação prévia não afeta a gravidade da ofensa aos direitos dos Requerentes. 29.º Tanto mais que é hoje reconhecido que estes direitos, ao repouso, ao sono e à tranquilidade são emanação dos direitos fundamentais de personalidade. 30.º Razão porque os Requerentes irão demandar os Requeridos nos meios comuns para impedir a continuação da ofensa aos seus direitos e, também, para obter indemnização para os prejuízos que lhes estão a ser causados. 31.º No entanto, e a título cautelar, ao abrigo das disposições dos arts. 362.º e seguintes do CPC, requerem desde já a prolação de uma providência cautelar não especificada. (…)». 5. No âmbito do processo referido em 4., os então, Requerentes requereram a intervenção principal provocada subsidiária passiva da sociedade …, Lda., que foi admitida, por despacho datado de 29/11/2023. 6. Após julgamento, por decisão ali proferida em 06.01.2024, e já transitada em julgado, deram-se ali como indiciariamente provados os seguintes factos: «1. A 1.ª Requerente é uma sociedade anónima que explora o estabelecimento hoteleiro designado “…”, situado no ….. 2. Os 2.ª, 3.º e 4.ª Requerentes residem no Aldeamento …a, nas moradias identificadas pelos números …, respectivamente. 3. O referido hotel e as residências dos Requerentes situam-se no Parque Natural …. 4. Os locais em que se encontram o “… House” e as residências dos 2.º, 3.º e 4.º Requerentes estão a cerca de 140, 370, 285 e 240 metros, respectivamente, do circuito do Autódromo …., circuito que produz ruído audível nesses locais. 5. A Chamada … Lda. é a entidade responsável pela exploração do espaço que se situa por detrás do hotel explorado pela 1.ª Requerente, cuja marca/denominação social é … Dogs. 6. Os Requeridos … são sócios-gerentes da Chamada .., Lda. e trabalham na …. Dogs. 7. Os Requeridos …, através da Chamada … Lda., diligenciaram pela construção de um cercado, dentro do qual os cães têm, durante o dia, liberdade de movimentos e de interacção uns com os outros e, durante a noite, são recolhidos a duas instalações com canis individuais. 8. Durante o período da hora de almoço os cães são também recolhidos nos canis e, posteriormente, soltos à tarde novamente. 9. Na … Dogs são prestados serviços, mediante remuneração, de acolhimento de animais de companhia, nas modalidades de hotel, que inclui pernoita e day care, que não inclui pernoita. 10. Os Requeridos iniciaram entre o fim do mês de Junho e o princípio do mês de Julho de 2023 a exploração, através da Chamada ., da … Dogs. 11. No dia 02 de Agosto de 2023, pelas 15h27, foi reencaminhado para …, estando em conhecimento pelo menos os 7.º e 9.º Requerentes, o seguinte e-mail: “Caro Dr. …, Pedindo desculpa pela resposta tardia ao e-mail enviado, que se deve à minha ausência nos últimos 15 dias, passo a responder ao e-mail enviado. Antes de mais, lamentamos as queixas recebidas por causa do ruído causado. Relativamente à atividade de canil e de guarda de cães (“daycare”), a mesma encontra-se devidamente legalizada pelo ICNF (Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas), em nome da … Dogs (Nature Dogs | Hotel, Day Care e Treino para Cães - …), de acordo com as normas vigentes sobre a matéria. Não obstante, cientes de que a atividade poderá trazer alguns incómodos para alguns residentes do Aldeamento …- devido à proximidade de algumas habitações -, queira, por favor, transmitir o seguinte aos respetivos proprietários: - somos residentes na propriedade onde estão instalados os canis, pelo que somos os primeiros interessados em manter o espírito de boa vizinhança, procurando minimizar os impactes da atividade desenvolvida, em particular o ruído; - com efeito, já somos muito impactados pelo ruído produzido pelo Autódromo … e, por isso, somos muito sensíveis a esta matéria; - para isso, temos regras exigentes em matéria de receção dos cães na propriedade, não aceitando receber cães a partir das 18 horas, de modo a que se possam ambientar ao espaço antes da hora de repouso; - ao contrário de outras empresas que exercem atividades semelhantes, a … Dogs procura proporcionar aos cães acolhidos um espaço amplo, dando-lhes a oportunidade de correrem e de se cansarem antes de entrarem nos canis; - com uma boa prática de exercício e um grau adequado de atividade, os cães estarão mais aptos para dormirem, evitando que produzam ruído de dia e, especialmente, de noite; - por outro lado, conforme publicitado no website da … Dogs, não aceitamos cães pertencentes a raças perigosas, cadelas com o cio, cães sem as vacinas obrigatórias ou, com sintomas de doença, o que permitirá reduzir o ruído nas instalações; -no entanto, atendendo a que acabámos de abrir atividade, agradecemos a compreensão dos proprietários, evitando que se aproximem das vedações com os seus cães, sobretudo quando estes por instinto procurarão responder aos animais nas proximidades; - como medida de mitigação do ruído, pomos à disposição dos residentes uma linha telefónica para reporte de eventuais queixas, procurando dar solução às situações que nos sejam reportadas. Para isso, poderão ser utilizados os seguintes dados de contacto o E-mail: …; -Finalmente, para os proprietários de cães que desejem usufruir dos nossos serviços de alojamento, day care e educação de cães, oferecemos uma desconto de 10% (dez por cento) exclusivo aos donos dos cães do aldeamento B da Quinta …, bastando para isso que nos seja dado o respetivo endereço, especificando o facto de se tratar de uma moradia localizada no Aleademento B, aquando do pedido de reserva. Esperamos ter respondido à solicitação que nos foi endereçada. No entanto, pomo-nos desde já à disposição para nos encontrarmos presencialmente para esclarecer eventuais dúvidas. Com os melhores cumprimentos, …”. 12. O local de recepção dos cães na … Dogs é próximo à piscina do estabelecimento hoteleiro explorado pela 1.ª Requerente, estando separado por um muro de pedra e sebe de arvoredo que limita a propriedade do estabelecimento hoteleiro. 13. O portão que delimita o cercado onde os cães ficam soltos durante o dia dista cerca de 15 metros do muro de pedra e sebe que delimita a piscina do hotel. 14. A vedação norte, que separa a propriedade onde está localizado o … Dogs dos terrenos do golfe da …, dista aproximadamente: - Casa n.º 6: 184 metros; - Casa n.º 9: 81 metros; - Casa n.º 10: 28 metros; - Casa n.º 12: 121 metros; - Casa n.º 13: 159 metros; - Casa n.º 17: 250 metros. 15. As duas instalações com os canis existentes na … Dogs estão localizadas num vale em relação ao local do hotel explorado pela 1.ª Requerente. 16. O período de entrada e de saída dos cães na … Dogs cinge-se a um espaço de tempo definido, não havendo entradas e saídas constantes de cães durante o dia. 17. A Chamada …. efectuou a comunicação prévia ao Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I.P., tendo sido emitida, no dia 09 de Julho de 2023, pela Direcção Regional de Conservação da Natureza e das Florestas de Lisboa e Vale do Tejo autorização para o exercício da actividade de exploração de alojamentos de animais de companhia, com a atribuição do número de registo de alojamento …». 7. Deram-se ainda ali como indiciariamente não provados os seguintes factos: «a) Os 5.º a 9.º Requerentes residem no Aldeamento …., nas moradias identificadas pelos números 12, 13 e 17. b) O espaço da … Dogs situa-se a não mais de 20 metros das residências onde vivem os 2.º a 9.º Requerentes. c) Desde a instalação do hotel canino .. Dogs que os cães ladram diariamente, de forma persistente e ruidosa, a todas as horas do dia e da noite, uma vez que se encontram juntos, apartados dos seus tutores e têm um comportamento de matilha, privando os Requerentes e os clientes do hotel do descanso, sossego e tranquilidade, bem como do sono durante a noite. d) Os Requerentes deixaram de ter descanso, de poder dormir à noite, de receber visitas ou desenrolar as suas actividades normais, até mesmo de conversar em família, dada a intensidade do ruído produzido pelos cães. e) Do mesmo modo, o estabelecimento hoteleiro explorado pela primeira Requerente, tem vindo a receber inúmeras reclamações, em consequência do barulho e desassossego provocado pelos cães, ao mesmo tempo que turistas hospedados no hotel encurtaram e cancelaram as respectivas estadias. f) O Requerido … trabalha na … Dogs. g) Quanto ao recebimento dos cães na … Dogs, o mesmo é, por regra, apenas feito entre as 9h00 e as 12h00. h) Os cães são levados ao 12h00 para os canis para almoçarem e onde ficam até próximo das 15h00, altura em que são postos novamente em liberdade. Após, voltam aos canis por volta das 18h00/19h00, para jantarem e onde permanecem durante toda a noite, até à manhã do dia seguinte». 7. Decidiu-se ali pela improcedência do correspondente procedimento cautelar e, em consequência, decidiu-se não decretar as medidas requeridas contra os Requeridos .., absolvendo-se os mesmos do pedido. * Fundamentação de Direito Entende a apelante que o tribunal a quo errou ao considerar a aplicabilidade do artº 362, nº 4 do CPCivil, argumentando que a presente providência é distinta daquela intentada em 20.09.2023 sob o n.º 14183/23.8T8SNT, que correu os seus termos pelo 4.º Juízo Local Cível de Sintra. Dispõe o art.362º, nº4 do CPCivil «Não é admissível, na dependência da mesma causa, a repetição de providência que haja sido julgada injustificada ou tenha caducado.» Na decisão recorrida entendeu-se que «ao contrário do defendido pela Requerente, em ambos os procedimentos cautelares, as partes são as mesmas e ocupam, até, as mesmas posições processuais antagónicas, pois não nos podemos esquecer que, no âmbito do processo n.º …, foi proferido despacho datado de 29/11/2023, a admitir a intervenção principal provocada subsidiária passiva da Requerida. (…) Acresce que, ali se pediu que fosse colocado fim a todas as actividades relacionadas com o alojamento de cães do canil …Dogs, a devolver aos seus donos, no prazo de cinco dias, todos os animais alojados e, ainda, a pagar uma sanção pecuniária compulsória de, pelo menos, 1.000 €/dia, até que seja cumprido o que vier a ser julgado. Não há, é certo, exacta coincidência entre os pedidos e as causas de pedir formulados em ambos os procedimentos cautelares. Porém, salvo o devido respeito, não pode deixar de se concluir pela semelhança essencial das causas, isto é, que em ambas se discute o direito ao repouso, ao sono e à tranquilidade por parte dos utentes da Requerente. Precisamente, sobre tal assunto, ditou o 4.º juízo que «(…) os factos relevantes alegados pelos Requerentes, que poderiam ser aptos a preencher os pressupostos acima mencionados, deram-se todos como não indiciados (cfr. factos c) a e))”, ou seja, exactamente os factos tendentes a demonstrar que tais direitos da Requerente estariam a ser colocados em causa (latidos dos canídeos de forma persistente e ruidosa). Assim, estes autos não podem ser indiferentes a tal conclusão, tirada em discussão das partes sobre o tema e pressuposto de decisão judicial com que as partes se conformaram, pois já transitou em julgado, em acção de igual natureza (insista-se nisto). Na verdade, deu-se, aqui, repetição de causas, pois em ambas o postulado essencial causal é o mesmo (a suposta violação dos direitos de repouso, ao sono e à tranquilidade por parte dos utentes da Requerente), o mesmo sucedendo com o pedido nuclear. E, quando aos demais pedidos aqui formulados, por dependentes da procedência do principal, acompanham-no inexoravelmente ao seu destino final.» Na decisão sumária proferida, entendeu a então relatora que: «A decisão recorrida foi proferida na senda das decisões dos Tribunais Superiores, que analisámos. Destacamos, para além das citadas no despacho final em crise, ainda as seguintes: Ac. do TRG de 16.12.2021[1], segundo o qual: “Face ao disposto no artº. 362º, nº. 4, do C.P.C., não é admissível pedir novamente uma providência já julgada improcedente em prévio procedimento apenso ao mesmo processo principal, baseada numa fundamentação de facto essencialmente idêntica e já apreciada no primeiro.” Ac. do TRC de 08.09.2015[2], segundo o qual: “Verifica-se a repetição de providência cautelar quando ocorra semelhança essencial, pelo que importará analisar se o receio é o mesmo, se é a mesma a possibilidade de lesão do direito e a mesma dificuldade de reparação e, ainda, se é o mesmo o direito provavelmente existente – art.º 362º, n.º 4, do CPC. Com a referida estatuição pretende-se, por um lado, afirmar/concretizar os princípios da economia e da celeridade processuais e, por outro lado, a autoridade e prestígio das decisões (prevenção de eventuais pronúncias de sinal contraditório ou de conteúdo repetitivo sobre o mesmo objecto). A proibição que dela decorre assenta, pois, em fundamentos algo semelhantes aos subjacentes ao instituto do caso julgado, traduzidos na repetição de uma causa, para a qual a lei exige a verificação da chamada tripla identidade plasmada no art.º 581º, do CPC”. Efectivamente, a argumentação da decisão recorrida, merece acolhimento, dando-se aqui por reproduzida. À mesma acresce que, a admissão do presente procedimento sempre contenderia com a autoridade do caso julgado da decisão proferida no processo n.º 14183/23.8T8SNT. “O caso julgado visa garantir fundamentalmente, o valor da segurança jurídica”[3]“fundando-se a protecção a essa segurança jurídica, relativamente a actos jurisdicionais, no princípio do Estado de Direito, pelo que se trata de um valor constitucionalmente protegido”[4]. O prof. Rui Pinto[5], a propósito da distinção entre caso julgado formal e autoridade do caso julgado, discorre o seguinte: “I. A força obrigatória desdobra-se numa dupla eficácia, designada por efeito negativo do caso julgado e efeito positivo do caso julgado. O efeito negativo do caso julgado consiste numa proibição de repetição de nova decisão sobre a mesma pretensão ou questão, por via da exceção dilatória de caso julgado, regulada em especial nos artigos 577.º, al. i), segunda parte, 580.º e 581.º. Classicamente, corresponde-lhe o brocardo non bis in idem. O efeito positivo ou autoridade do caso lato sensu consiste na vinculação das partes e do tribunal a uma decisão anterior. Classicamente, corresponde-lhe o brocardo judicata pro veritate habetur. Enquanto o efeito negativo do caso julgado leva a que apenas uma decisão possa ser produzida sobre um mesmo objeto processual, mediante a exclusão de poder jurisdicional para a produção de uma segunda decisão, o efeito positivo admite a produção de decisões de mérito sobre objetos processuais materialmente conexos, na condição da prevalência do sentido decisório da primeira decisão. Neste sentido, veja-se o Ac. do TRG de 07-08-2014/Proc. 600/14TBFLG.G1 (JORGE TEIXEIRA) que enunciou que os “efeitos do caso julgado material projectam-se no processo subsequente necessariamente como excepção de caso julgado, em que a existência da decisão anterior constitui um impedimento a decisão de idêntico (…). Identicamente, veja-se o Ac. do TRG de 17-12-2013/Proc. 3490/08.0TBBCL.G1 (MANUEL BARGADO). Explicado de outro modo, enquanto com o efeito negativo um ato processual decisório anterior obsta a um ato processual decisório posterior, com o efeito positivo um ato processual decisório anterior determina (ou pode determinar) o sentido de um ato processual decisório posterior”. Já o Prof. Dr. Manuel Andrade tinha o entendimento de que “a identidade das partes (…) não é a simples identidade física. Tem lugar quando as partes nos dois processos sejam as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica….E, sê-lo-ão, fundamentalmente, quando os litigantes no novo processo forem as próprias pessoas que pleitearam no outro, ou sucessores delas (entre vivos ou mortis causa), na relação controvertida (…). As partes no novo processo serão pois, idênticas às do anterior quando sejam as pessoas que na relação ventilada ocupem a posição que, ao tempo, estas ocupavam”[6]. No mesmo sentido, afirmam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora que “ a identidade dos sujeitos relevante para o caso julgado não é tanto a simples identidade física, como a identidade jurídica…Quer isto praticamente significar que o caso julgado não se forma apenas em relação às pessoas no processo, mas também relativamente àquelas que, por sucessão mortis causa ou por transmissão entre vivos (…) assumiram a posição jurídica de quem foi parte no processo, quer a substituição se tenha operado no decurso da acção (…) quer se tenha verificado só depois de proferida a sentença”. Para melhor entender a diferença entre a excepção de caso julgado e a autoridade de caso julgado, relembra-se o que foi decidido nos Tribunais superiores nos seguintes acórdãos: -Do TRC, em 12.12.17[7]: “I – A expressão «caso julgado» é uma forma sincopada de dizer «caso que foi julgado», ou seja, caso que foi objecto de um pronunciamento judicativo, pelo que, em sentido jurídico, tanto é caso julgado a sentença que reconheça um direito, como a que o nega, tanto constitui caso julgado a sentença que condena como aquela que absolve. II – O instituto do caso julgado exerce duas funções: uma função positiva e uma função negativa. A primeira manifesta-se através de autoridade do caso julgado, visando impor os efeitos de uma de uma primeira decisão, já transitada (fazendo valer a sua força e autoridade), enquanto que a segunda manifesta-se através da exceção de caso julgado, visando impedir que uma causa já julgada e transitada, seja novamente apreciada por outro tribunal, por forma a evitar a contradição ou a repetição de decisões, assumindo-se, assim, ambos como efeitos diversos da mesma realidade jurídica. III – Enquanto na exceção de caso julgado se exige a identidade dos sujeitos, do pedido e da causa de pedir em ambas as ações em confronto, já na autoridade do caso julgado a coexistência dessa tríade de identidades não constitui pressuposto necessário da sua atuação.” - Do TRE, em 28.03.19[8]: “I – A exceção de caso julgado tem em vista o efeito negativo de obstar à repetição de causas, implicando a tríplice identidade a que se refere o artigo 581 do CPC, ou seja a identidade de sujeitos, pedido e a causa de pedir. II – A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença. III – Embora a autoridade de caso julgado não exija a coexistência da tríplice identidade prevista no artigo 581 do CPC, está a mesma dependente de condições objectivas e de uma condição subjectiva. IV – Como condição objectiva negativa, a autoridade de caso julgado opera em simetria com a exceção de caso julgado: opera em qualquer configuração de uma causa que não seja a de identidade com causa anterior; ou seja, supõe uma não repetição de causa. Se houvesse uma repetição de causas, haveria, ipso facto, exceção de caso julgado. V – Como condição positiva exige-se uma relação de prejudicialidade ou uma relação de concurso material entre objectos processuais ou, pelo prisma da decisão, uma relação entre os efeitos do caso julgado prévio e os efeitos da causa posterior, seja quanto a um mesmo bem jurídico, seja quanto a bens jurídicos conexos.” - Do TRC, em 11.06.19[9]: “1. O caso julgado material produz os seus efeitos por duas vias: pode impor-se, na sua vertente negativa, por via de excepção de caso julgado no sentido de impedir a reapreciação da relação ou situação jurídica material que já foi definida por sentença transitada e pode impor-se, na sua vertente positiva, por via da autoridade do caso julgado, vinculando o tribunal e as partes a acatar o que aí ficou definido em quaisquer outras decisões que venham a ser proferidas. 2. Quando o objecto da segunda acção é idêntico e coincide com o objecto da decisão proferida na primeira acção, o caso julgado opera por via de excepção (a excepção de caso julgado), impedindo o Tribunal de proferir nova decisão sobre a matéria (nesse caso, o Tribunal limitar-se-á a julgar procedente a excepção, abstendo-se de apreciar o mérito da causa que já foi definido por anterior decisão). 3. O caso julgado impor-se-á por via da sua autoridade quando a concreta relação ou situação jurídica que foi definida na primeira decisão não coincide com o objecto da segunda acção mas constitui pressuposto ou condição da definição da relação ou situação jurídica que nesta é necessário regular e definir (neste caso, o Tribunal apreciará e definirá a concreta relação ou situação jurídica que corresponde ao objecto da acção, respeitando, contudo, nessa definição ou regulação, sem nova apreciação ou discussão, os termos em que foi definida a relação ou situação que foi objecto da primeira decisão). 4. Ao contrário do que acontece com a excepção de caso julgado (cujo funcionamento pressupõe a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir), a invocação e o funcionamento da autoridade de caso julgado dispensam a identidade de pedido e de causa de pedir.” - Do STJ em 12.01.2021[10]: “I - A função positiva do caso julgado, designada por autoridade do caso julgado, tem a ver com a existência de prejudicialidade, entre objectos processuais, tendo como limites os que decorrem dos próprios termos da decisão como se depreende dos artºs 619 e 621, ambos do CPC e, implica o acatamento da decisão proferida em acção anterior cujo objecto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objecto de uma acção posterior, obstando a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa. II – A autoridade do caso julgado não requer a tríplice identidade de sujeitos, de pedidos e causas de pedir, podendo estender-se a outros casos, designadamente quanto a questões que sejam o antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado. III – Relativamente à eficácia subjectiva do caso julgado, embora a regra geral seja a de que ele só produz efeitos em relação às partes, também se estende àqueles que, não sendo partes, se encontrem legalmente abrangidos por via da sua eficácia directa ou reflexa, beneficiando do efeito favorável, como sucede, designadamente, nas situações de solidariedade entre devedores, de solidariedade entre credores e de pluralidade de credores da prestação indivisível, respectivamente nos termos dos artºs 522, nº 2ª parte, 531, 2ª parte e 538, nº 2 do CC. IV – O caso julgado material formado com o trânsito em julgado material formado com o transito da decisão anteriormente proferida numa acção tem eficácia relativamente à embargante que não teve nela intervenção quando se discute nos embargos de executado as mesmas questões já discutidas entre a exequente e o executado, por alegadas dívidas comuns e solidárias dos executados e embargantes, casados entre si. V – Permitir que, nos presentes embargos de executado, se discutisse novamente a disponibilização das quantias acima indicadas ao embargante AA. quando já existe uma decisão transitada em julgado que afirma que não se provou que tais quantias tenham sido disponibilizadas seria pôr em causa a certeza e seguranças jurídicas que constituem a razão de ser da excepção do caso julgado quer da figura da autoridade do caso julgado.” - Do STJ em 12.04.2023[11]: (…) III – A exceção do caso julgado tem por objetivo impedir, em nome da segurança e confiança, ou seja, em nome da paz jurídica e ainda por imperativos de economia processual, que uma causa se repita quando já existe uma sentença tornada firme sobre uma primeira causa, por já não ser admissível a interposição de recurso ordinário. IV – A violação do caso julgado tem como pressuposto ser a própria decisão impugnada a contrariar anterior decisão transitada em julgado violando-o, ela mesma, diretamente. V – A eficácia de autoridade de caso julgado pressupõe uma decisão anterior definidora de direitos ou efeitos jurídicos que se apresente como pressuposto indiscutível do efeito prático-jurídico pretendido em acção posterior no quadro da relação material controvertida aqui invocada.” No caso em apreço verifica-se clara identidade de sujeitos entre este procedimento e o do processo n.º …, os pedidos são semelhantes (visando o términus da actividade ruidosa da requerida) e as causa de pedir idênticas (protecção do direito ao descanso dos hóspedes da requerente). No processo n.º …, o procedimento cautelar requerido foi julgado injustificado, pelo que, por força do disposto no artº 362, nº 4 do CPC, e da autoridade do caso julgado não é admissível a repetição da causa. Por tudo o que se deixa dito, entendemos que o recurso em apreço terá que improceder, o que se decide.» A apelante discorda de tal entendimento porquanto entende que os pedidos de ambas as providências são diversos o mesmo acontecendo com a causa de pedir, invocando, também, terem sido aduzidos factos supervenientes e novos fundamentos jurídicos. Aceita que neste procedimento tal como naqueloutro «Os Direitos que estão em causa, e que merecem ser protegidos e salvaguardados com a máxima urgência são a o direito ao descanso, ao repouso e à qualidade de vida, direitos esse que também se tentou proteger no anterior procedimento.» Afirma, porém, que neste procedimento acresce a invocação do «direito da Reclamante a ter um negócio e de o poder desenvolver sem condicionantes externas e anómalas. 11º Ou o direito ao trabalho de todos os funcionários da Reclamante que vêem os seus postos de trabalho em causa devido ao cancelamento de reservas.» Defende, de igual modo, que a causa de pedir, diferentemente do que ocorria no processo intentado anteriormente é, agora, i) A falta de licenciamento das construções e actividade da Requerida; ii) o Incumprimento da Lei do Ruído por parte da actividade desenvolvida pela requerida. Afirma que «Contrariamente ao que é defendido pelo Tribunal a quo, e pela Decisão Sumária reclamada, não é verdade que nas duas providências se discuta o direito ao repouso, ao sono e à tranquilidade por parte dos utentes da reclamante (...) No presente procedimento cautelar discute-se a falta de licenciamento e a violação da lei do ruído, como causas da violação do “direito ao repouso, ao sono e à tranquilidade”, causas essas que provocam lesões graves e dificilmente reparáveis, as quais urge interromper.» É certo que já em sede de alegações recursórias, aventa a requerente que «A falta de licenciamento é a Causa de Pedir da Recorrente, é o fundamento principal do procedimento cautelar e é o pedido principal. A violação da Lei do Ruído é a segunda causa de pedir e fundamento do pedido subsidiário efetuado.» A este respeito cumpre dizer que o objecto do processo é constituído por dois elementos: o pedido e a causa de pedir. O pedido traduz-se na providência que o A. solicita ao tribunal já a causa de pedir é integrada pelos factos e razão de direito que servem de fundamento à acção. Assim, a causa de pedir é integrada pelos factos e razões de direito que servem de fundamento ao efeito jurídico pretendido. Recordemos o aqui peticionado: «a) Encerramento imediato da atividade da Requerida por falta de licenciamento; Caso assim não se entenda, b) Encerramento da Atividade por incumprimento da lei do ruido. E consequentemente, c) Seja a Requerida condenada na colocação de barreiras acústicas em todo o limite do terreno do Canil que confina com o Hotel Explorado pela Requerente e com a urbanização vizinha, e Suspensão da Atividade da Nature Dogs até à colocação das mesmas. d) Ser a Requerida condenada numa sanção pecuniária compulsória, no montante de € 1.500,00, por cada dia de incumprimento de qualquer das condenações determinadas.» Ora, o pedido tem de ser fundamentado, o que significa que «tem de assentar numa causa de pedir constituída pelos factos necessários à individualização da pretensão material deduzida pelo autor, sendo o seu critério delimitador necessariamente jurídico, o que quer dizer que é a previsão de uma norma jurídica substantiva que fornece os elementos para a construção de uma causa petendi enquanto conceito processual edificado a partir do direito substantivo, e que fixa, nos processos respeitantes a direitos disponíveis, os limites do conhecimento do juiz, de acordo com os arts. 5º, nº 1 e 615º, nº 1, al. d), do C.P.C.». Cfr. Neste sent.Ac.Rel.Lisboa, Proc.34503/15.8T8LSB.L1-7, Rel. José Capacete, in www.dgsi.pt. Necessário é, assim, que o A. indique na petição inicial os factos constitutivos da situação jurídica que pretende fazer valer ou negar em juízo, ou integrantes do facto cuja existência ou inexistência afirma, factos esses que, alegados como fundamento do pedido, constituem a causa de pedir (art. 581º, nº 4, do C.P.C.). Afirma a apelante que diferentemente do que aconteceu no procedimento anteriormente intentado, a causa de pedir é, agora, a falta de licenciamento das construções e actividade da Requerida e o incumprimento da Lei do Ruído por parte da actividade desenvolvida pela requerida. Ora, tal não constitui por si só a causa de pedir, antes constituindo o fundamento jurídico no qual a requerente assenta a sua pretensão. Os factos constitutivos da causa de pedir continuam a ser, tal como na anterior providência, o ruído causado pelos animais. A este respeito cumpre desde já evidenciar de forma clara que a falta de licenciamento não importa qualquer correlação de causa-efeito com os prejuízos invocados pela requerente. Com efeito o que é causal é o ruído causado pelos animais, não o facto de não existir licenciamento para a prática da actividade de alojamento de canídeos. Por outro lado, a violação da lei do ruído, também não constitui fundamento fático para a causa de pedir antes remetendo para o fundamento jurídico. Assim, temos que quer no presente procedimento cautelar quer no anterior, os factos alegados constitutivos do direito peticionado é o ruído causado pelos animais. Ora, ainda que nestes autos se apresente como fundamento principal a falta de licenciamento, conforme bem se anotou na decisão sob recurso, em ambas as causas o postulado essencial causal é o mesmo (a suposta violação dos direitos de repouso, ao sono e à tranquilidade por parte dos utentes da Requerente que estende à sua própria pessoa) e como também aí bem se anotou, no âmbito do disposto no art.362º, nº4, do CPCivil, embora haja alguma similitude com a figura do caso julgado, não se exige a tripla identidade prevista do artigo 581.º do CPCivil, bastando que, em ambos os procedimentos cautelares, a finalidade ou o objecto seja o mesmo, medida pela caracterização do direito a garantir. Já quanto à alegada violação da Lei do Ruído, serve agora tão só para enquadrar o recurso a novos meios de prova -documentos comprovativos de medições do ruído feitos em 17.9.2024 e 7.10.2024- para, a final, concluir como precedentemente. Porém, para se enquadrar a situação no preceituado no art. 362º, nº4, do CPCivil, importará verificar, para além do mais, se não foram alegados factos novos no âmbito do procedimento actual. A este respeito importa considerar que a requerente alegou, para além do mais: « 36.º De facto a requerida começou a desmantelar uma parte das instalações, como se pode ver nas fotos juntas como DOC9, mas manteve a construção com 120m2 inalterada, e a atividade em pleno funcionamento, nas traseiras das instalações da Requerente, como se pode ver nas fotos juntas como DOC10. (…) 65.º Já mais recentemente, e depois do despacho da Câmara Municipal de … que ordenou a reposição do Espaço, obrigando à demolição dos Canis e ao encerramento da atividade, o barulho piorou significativamente. 66.º Isto porque a Requerida não demoliu a totalidade das instalações nem encerrou a sua atividade. 67.º A Requerida manteve uma parte do Canil, a parte maior e mais próxima do Hotel da Requerente, 68.º O que apenas veio piorar o barulho e o incómodo causado à Requerente, como se pode ver nos vídeos 19 a 30, uma vez que passou a concentrar os animais todos num único espaço.….» Tal factualidade consubstancia matéria nova. O preceituado no art. 362 nº4 do CPCivil importa que a segunda providência tenha o mesmo conteúdo ou vise os mesmos objectivos da anterior e que esta tenha caducado ou sido julgada injustificada Ora, não se pode considerar que alegando factos novos (alegadamente supervenientes à primeira providência) a integrar a respectiva causa pedir, se esteja perante uma providência com o mesmo conteúdo, ainda que os objectivos visados sejam substancialmente os mesmos. É o que defende M. Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 1977 pags. 245/246, «desde que a nova acção cautelar se apresente com novos factos, designadamente supervenientes, a integrar a respectiva causa de pedir , ou seja, não ocorrendo os requisitos do caso julgado.- art. 498 do CPC não há impedimento à sua instauração». Esta é a posição também defendida pelo Cons. Abrantes Geraldes em Temas da Reforma do Processo Civil, III Vol. 3ª ed. 2004, pag. 124). Assim sendo, e vistos os factos novos ora alegados, não existe repetição da providência, à luz do citado art. 362 nº4 do CPCivil pelo que, o indeferimento do procedimento cautelar com tal fundamento não pode subsistir. Em face do exposto, impõe-se revogar a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir os seus normais trâmites, neles se incluindo a apreciação de possíveis excepções dilatórias insupríveis de que o julgador deva conhecer oficiosamente, a aferição da necessidade de ordenar o aperfeiçoamento dos articulados, ou a apreciação da possibilidade de manifesta improcedência do procedimento, o que está vedado a este tribunal por exceder o objecto do recurso. 4. Decisão Em face do exposto, acordam em conferência as juízes que compõem esta 8ª secção: Julgar procedente a reclamação apresentada pela apelante e, em consequência, julgar procedente o recurso revogando a decisão recorrida, determinando que os autos sigam os seus termos. Custas do recurso a cargo do apelante. Lisboa, datado e assinado electronicamente * Notifique. Registe. Lisboa, 06-11-2025 (Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela relatora) Ana Paula Nunes Duarte Olivença Maria Teresa Lopes Catrola Carla Cristina Figueira de Matos _______________________________________________________ [1] In www.dgsi.pt [2] In www.dgsi.pt [3] cfr. Miranda, Jorge, in Manual de direito Constitucional, t.II, 3.ª ed., reim., Coimbra,1966, p.494 [4] Cfr. Canotilho, Gomes, in Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, 1998, p.257. [5] Revista Jugar on line, Novembro de 2018 [6] In Noções elementares de processo civil, 1979, págs. 309 e 310 [7] In www.dgsi.pt [8] In www.dgsi.pt [9] In www.dgsi.pt [10] In www.dgsi.pt [11] In www.dgsi.pt |