Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1102/13.9T8TVD-B.L1-1
Relator: AMÉLIA SOFIA REBELO
Descritores: NULIDADE DE ACÓRDÃO
ARGUIÇÃO DE NULIDADE
LEGITIMIDADE
MODIFICAÇÃO SUBJETIVA DA INSTÂNCIA RECURSIVA
OBSCURIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/11/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Sumário[1]:
1. O direito a arguir a nulidade de acórdão da Relação só assiste, por regra, a quem é parte na relação processual constituída na instância recursiva – recorrente(s) e recorrido(s) - enquanto faculdade processual acessória para a obtenção da tutela judicial visada alcançar com a interposição do recurso ou com a resposta ao mesmo.
2. Excecionalmente a lei admite a modificação subjetiva da própria instância recursória, admitindo que uma comparte não recorrente passe a qualquer momento a intervir na posição principal de recorrente.
3. A extensão do recurso a partes não recorrentes e, por via da mesma, a assunção da posição principal de recorrente por quem não o apresentou – recurso ‘adesivo’ -, constitui exceção ao princípio da relatividade do recurso, admissível apenas nas situações e condições previstas no art. 634º do CPC: por expressa adesão de uma comparte não recorrente às alegações de recurso (até ao início do prazo previsto pelo art. 657º, nº1), ou pela existência de uma conexão de prejudicialidade entre o interesse do recorrente e o interesse de uma comparte não recorrente.
4. A rejeição do recurso com fundamento na não verificação de qualquer um dos seus pressupostos tem como inevitável consequência a preclusão da possibilidade do recurso ‘adesivo’ (seja por expressa adesão, nos termos do nº3, seja por conexão de interesses, nos termos do nº5) na medida em que, por natureza, este pressupõe a existência de um recurso válido e legal.

[1] Da responsabilidade da relatora, cfr. art. 663º, nº 7 do CPC.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência as juízas da 1ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa,

I - Relatório
1. Notificada do acórdão que, em conferência, confirmou a decisão singular de não conhecimento do recurso (por falta de legitimidade da massa insolvente para recorrer da decisão dele objeto), veio a recorrente arguir a sua nulidade “ao abrigo dos arts. 615º, nº 1, al. c) art. 666.º n.º 1 e 2, e 685.º todos do Novo do Código de Processo Civil (NCPC).
a) Concretizou a obscuridade que imputa ao acórdão reclamado alegando que este:
i) não delimita claramente e confunde os conceitos de legitimidade processual e de legitimidade recursiva, e não explicita de forma inequívoca em que medida a resposta do administrador da insolvência à impugnação à lista de créditos não gera interesse próprio e direto para efeitos de recurso/de controlo jurisdicional da decisão, limitando-se o acórdão a reproduzir doutrina e jurisprudência sem aplicação concreta ao caso;
ii) não se pronúncia expressamente quanto à violação do caso julgado pela decisão recorrida.
b) À apreciação da questão operada pelo acórdão opôs que:
- a decisão recorrida afeta diretamente os interesses da massa insolvente e prejudica o interesse coletivo dos credores por afetar a ordem de pagamento dos créditos e comprometer a equidade na distribuição do produto da liquidação;
- a decisão recorrida prejudica o administrador da insolvência e, assim, a própria massa insolvente, por ter desconsiderado a resposta que aquele apresentou à impugnação da lista de créditos, precludindo o direito de defesa da massa insolvente;
- a lei reconhece legitimidade ao administrador da insolvência para apresentar resposta à impugnação da lista de créditos, pelo que lhe reconhece legitimidade para recorrer da decisão que a desconsidere;
- a decisão recorrida violou o caso julgado;
- o administrador da insolvência tem legitimidade para recorrer quando esteja e causa a defesa da regularidade processual ou da sua atuação funcional.
Concluiu requerendo seja reconhecida a legitimidade recursiva da massa insolvente, “com a consequente apreciação do recurso interposto, por estar em causa o exercício de um direito próprio e a defesa da atuação do administrador de insolvência, em cumprimento do despacho transitado em julgado.
2. Na mesma data o credor Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Torres Vedras, CRL (CCAMTV) apresentou reclamação com igual pedido, reproduzindo ipsis verbis os fundamentos aduzidos na reclamação apresentada pela recorrente.

II – Da legitimidade do credor CCATV para reclamar do acórdão
Nos termos conjugados dos arts. 615º, nº4, 617º, nº 1 e 6, e 666º do CPC, a lei admite que do acórdão proferido na Relação seja arguida nulidade no âmbito do recurso de revista dele interposto, se este for legalmente admissível ou, não o sendo, por requerimento dirigido ao coletivo da Relação para por este ser incidental e definitivamente apreciada. Na esteira da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça[1], a presente reclamação vem dirigida ao coletivo da Relação que proferiu a decisão reclamada. Por natureza, a reclamação constitui um procedimento incidental na medida em que pressupõe e só pode ser apresentada na instância onde a decisão foi proferida; no caso, na instância recursiva impulsionada pelo requerimento de recurso da massa recorrente.
Ainda que sem relevância prática - face à identidade (ipsis verbis) dos fundamentos nos quais a recorrente e o credor suportam a reclamação para a conferência que cada um apresentou – cumpre conhecer da legitimidade do credor CCAMTV para arguir a nulidade do acórdão que rejeitou o recurso interposto por outro sujeito processual.
Estabelece o art. 627º, nº 1 do CPC que As decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos.[2] Nas palavras de Rui Pinto, “(…) cada recurso configura uma instância processual, ou seja, uma relação jurídica complexa de direito público de natureza processual (…) entre o tribunal (a quo e ad quem) e cada uma das partes e destas entre si.”; cada instância recursória constitui “um incidente processual processualmente autónomo (i.e., que termina na produção de uma decisão judicial após um procedimento corrido por si mesmo) enxertado ou apensado num instância prévia produtor da decisão impugnada.[3]
A instância recursória só existe porque e na medida em que pelo menos uma das partes a requereu. Como tal, a relação processual recursória nela formada tem uma estrutura subjetiva e objetiva próprias: tem como sujeitos as partes do recurso, o recorrente e o recorrido; tem como causa de pedir as conclusões das alegações de recurso; tem como pedido, a revogação, alteração ou anulação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que o recorrente – autor do recurso e da respetiva instância - reputa como correta.
Do exposto decorre que, por regra, o direito a arguir a nulidade de acórdão da Relação só assiste a quem é parte na relação processual constituída na instância recursiva – recorrente(s) e recorrido(s) - enquanto faculdade processual acessória para a obtenção da tutela judicial visada alcançar com a interposição do recurso ou com a resposta ao mesmo. Solução que, de resto, se impõe pelos princípios do pedido e do dispositivo, e é (ainda mais) processualmente evidente nos casos em que a apreciação do acórdão objeto da reclamação incide única e exclusivamente sobre a admissibilidade ou não do recurso e conclui pela sua rejeição – não consente dúvida afirmar que processualmente só o recorrente é negativamente afetado por decisão dessa natureza. Com efeito, quem não interpôs recurso conformou-se com a decisão recorrida posto que nada requereu ao tribunal ad quem em sentido contrário. Se o não requereu não lhe assiste o direito à tutela de uma qualquer expectativa nesse sentido, posto que a não manifestou oportunamente nos termos legalmente previstos.[4]
A exceção à regra consta prevista no art. 634º. Para além das modificações subjetivas comuns à instância recorrida (a processar através do incidente de habilitação), excecionalmente a lei admite a modificação subjetiva da própria instância recursória, nos termos do art. 634º, nº 3 e 5, designadamente, e ao que aqui releva, por expressa adesão de uma comparte não recorrente através de requerimento ou subscrição das alegações de recurso até ao início do prazo de 30 dias para elaboração de acórdão pelo relator previsto pelo art. 657º, nº1 (prazo há muito decorrido no caso), cfr. art. 634º, nº 2, al. a) e nº 3; ou pela existência de uma conexão de prejudicialidade entre o interesse do recorrente e o interesse de uma comparte não recorrente. Em qualquer caso, a comparte não recorrente pode assumir em qualquer momento a posição da recorrente principal mediante o exercício de atividade própria (cfr. art. 634º, nº2, al. c) e nº 5).[5]
A extensão do recurso a partes não recorrentes e, por via da mesma, a assunção da posição de recorrente por quem não o apresentou – recurso ‘adesivo’[6] -, constitui exceção ao princípio da relatividade do recurso, que é (excecionalmente) admitida nos termos e condições previstas pelas normas citadas. Porém, a rejeição do recurso tem como inevitável consequência a preclusão da possibilidade do recurso ‘adesivo’ (seja por expressa adesão, nos termos do nº3, seja por conexão de interesses, nos termos do nº5) na medida em que, por natureza, este pressupõe um recurso válido ou legal - não se pode admitir e reconhecer como válida e produtora dos efeitos a que tende(ria), a adesão a ato processual que é ab initio ilegal - como é o caso do recurso rejeitado por falta de um ou mais requisitos/pressupostos processuais de que depende a sua admissibilidade, comungando aquela adesão ou assunção das vicissitudes processuais deste. Por conseguinte, ainda que o recorrente desista, se o recurso não for admissível, fica afastada a possibilidade de uma comparte o prosseguir como recorrente principal, nos termos do nº 4 do art. 631º - a desistência do recurso pressupõe a validade/legalidade/eficácia do recurso apresentado. Admitir o contrário seria compactuar e permitir a sanação da exceção da ilegitimidade processual através da substituição processual de uma parte recorrente por outra com exclusão da primeira, que não encontra acolhimento nas condições em que a lei admite modificações subjetivas da instância (no caso, recursiva), restritas às previstas pelos arts. 261º, nº 1, 262º e 269º, nº 2 do CPC, que precisamente pressupõe a legitimidade da parte originária, o que não é o caso da aqui recorrente massa insolvente na impugnação da verificação e graduação de créditos laborais. Em coerência com este resultado, à possibilidade de intervenção do credor CCAMTV nos termos do art. 634º, nº 5 sempre obstaria, como obsta, a não verificação do pressuposto da comunhão ou conexão de interesses entre esta e a recorrente massa insolvente na precisa medida em que foi precisamente pela ausência de interesse processualmente atendível da massa insolvente relativamente à decisão recorrida que a decisão reclamada concluiu pela ilegitimidade recursiva da mesma para o presente recurso.
Termos em que se conclui pela ilegitimidade do credor CCAMTV para arguir a nulidade do acórdão que rejeitou o recurso interposto pela massa insolvente.

III - Objeto e fundamentos da reclamação
1. Cumpre salientar que o objeto da reclamação se restringe à apreciação da nulidade do acórdão nos termos dos arts. 615º, nº1, al. c) e nº4, 617º, º6 e 666º do CPC, e não ao mérito da decisão por ele proferida. Mais concretamente, cumpre aferir se a fundamentação da decisão padece de ‘obscuridade’ que a torne incompreensível, ininteligível.
2. Como os tribunais têm vindo a afirmar à saciedade, as causas de nulidade da sentença taxativamente previstas pelo art. 615º do CPC reportam à violação de regras de estrutura, conteúdo e limites do poder-dever de pronúncia do julgador, e consubstanciam defeitos de atividade ou de construção da própria sentença, ou seja, vícios formais da sentença ou vícios relativos à extensão ou limites (negativo e positivo) do poder jurisdicional por referência ao caso submetido a apreciação e decisão. Vícios que não contendem com o mérito da decisão e, por isso, não consubstanciam nem se confundem com um qualquer erro de julgamento, quer na apreciação da matéria de facto, quer na atividade silogística de aplicação do direito. Os primeiros – vícios formais ou de limites da sentença - dão lugar à anulação da sentença/acórdão; os segundos – vícios materiais ou erro de julgamento -, passíveis apenas de censura por via de recurso, determinam a revogação da decisão. Sendo o recurso admissível, as nulidades da sentença apenas podem ser arguidas no âmbito das alegações de recurso, através das quais são submetidas à liminar apreciação e decisão do juiz ‘a quo’ aquando da apreciação do requerimento de recurso (cfr. art. 617º, nº 1 do CPC), e, sendo ali desatendidas, submetidas à apreciação do tribunal ad quem que, se entender que o recorrente tem razão, corrigirá então a nulidade existente na decisão. Não sendo o recurso admissível, a nulidade é arguida perante o tribunal que proferiu a decisão sob escrutínio, que a aprecia em definitivo, como urge ser o caso.
2. Sob a epígrafe Causas de nulidade da sentença, ao que ora releva, prevê o art. 615º, nº 1, al. c) que É nula a sentença quando: c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;.
Como se referiu, corresponde a vício de estrutura da decisão, mais concretamente, a uma deficiência tal na organização e exposição dos seus termos que os torna inaptos para transmitir e dar a conhecer ao seu destinatário o raciocínio e/ou as razões de direito pensadas e convocadas pelo julgador em sede de enquadramento jurídico do caso. Muito sinteticamente, a decisão é obscura quando os termos em que foi formalizada não permitem extrair um sentido definido ou não permitem alcançar o que o juiz quis dizer, comprometendo a compreensão do silogismo judiciário subjacente à decisão. Recorrendo à síntese do acórdão do STJ de 22.01.2019[7], “2. A nulidade ancorada na (…) obscuridade da decisão proferida, remete-nos para a questão dos casos de ininteligibilidade do discurso decisório, concretamente, (…) quando não é possível saber com certeza, qual o pensamento exposto na sentença (obscuridade).” Nas palavras de Lebre de Freitas, “(…) a obscuridade ou ambiguidade, limitada à parte decisória, só releva quando gera ininteligibilidade, isto é, quando um declaratário normal, nos termos dos arts. 236-1 CC e 238-1 CC, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar. [8]
Antecipando, a fundamentação e sentido do acórdão é perfeitamente percetível, como manifestamente o foi pela recorrente posto que dos argumentos que aduz em oposição aos fundamentos nucleares nele convocados logo resulta que alcançou perfeitamente o silogismo jurídico e o sentido da fundamentação nele exposta, bem como resulta claramente que a arguição da nulidade que o coletivo foi chamado a apreciar não se resume mais do que a manifestação de inconformismo com a decisão por ele tomada, pugnando a recorrente por interpretação distinta das normas que o coletivo de juízes convocou para fundamentar o que decidiu no ensejo de que, a pretexto do suprimento da putativa obscuridade, venha a adotar posição e a concluir em sentido diametralmente oposto ao que declarou no acórdão reclamado. Aliás, a arguição da nulidade do acórdão suportada em alegada incompreensão da sua fundamentação raia inclusive a má fé processual na medida em que, no essencial, reproduz a decisão inicial de rejeição do recurso proferida pela relatora sendo que, na reclamação para submissão da questão à conferência, a recorrente manifestou clara e expressamente ter apreendido os fundamentos da mesma, designadamente, ao alegar que a argumentação ali expendida é “uma argumentação totalmente peregrina e inédita”, que “foi confrontada com a argumentação de que não teve decaimento e que nessa medida não [tem] legitimidade recursiva.”, que “o erro de apreciação da decisão singular é manifesto”, que “[o] Administrador tem todo o interesse em vir contradizer a sentença ora em crise”, que “o Tribunal errou manifestamente ao considerar que a Massa Insolvente”, que “os erros do Juiz Relator não se ficam por aqui”, e que “[a] Decisão singular ainda vem referir que em causa no Recurso, não estão em causa os direitos ou interesses próprios da massa insolvente – o que é falso.” (subl. nossos). Ora, uma coisa é a novidade da argumentação e a perplexidade que a mesma possa ter causado na recorrente por dela discordar, como deixou patente no pedido de submissão da decisão singular à conferência; coisa bem distinta é vir posteriormente alegar que não compreende os termos em que se desenvolve e expõe aquela argumentação quando a oposição que deduziu à decisão singular da relatora e, bem assim, as alegações que produziu na reclamação, em clara oposição aos fundamentos do acórdão, manifestam claramente que compreendeu os seus fundamentos que, no essencial, reproduzem os da decisão singular.
Sem prejuízo, retomando os termos em que a recorrente concretiza a alegada obscuridade, sempre se acrescenta que da mera leitura do acórdão basta para empiricamente se constatar que não se limita à reprodução de doutrina e jurisprudência, e que a recorrente não concretiza em que medida a sua (alegada) incompreensão do exposto a respeito da legitimidade recursiva se reflete ou determina a sua alegada incompreensão da decisão, sendo certo que no acórdão se expõe o que se entende por legitimidade recursiva, bem como os critérios legais para preenchimento ou determinação da mesma, sendo esta – e não a legitimidade processual – que releva para a solução da questão suscitada, da legitimidade da massa insolvente para o presente recurso. Na senda e preenchimento desses critérios – que aqui não cumpre reproduzir - contrariamente ao que alega, o acórdão concretiza e justifica a falta de interesse próprio e direto da recorrente no recurso que interpôs, com referência e tendo presente, inclusive, o valor processual ou alcance da legitimidade do administrador da insolvência para responder à impugnação da lista de créditos, concluindo-se ao longo do percurso expositivo do acórdão e por referência à intervenção funcional do administrador da insolvência no apenso de verificação de créditos, designadamente, que “a legitimidade é aferida pelo prejuízo causado ao recorrente pela decisão desfavorável, independentemente da atividade por ele produzida na tramitação dos autos”, “o AI nada pede ao tribunal; apenas cumpre dever funcional, de colaboração com a ação da justiça”, “quem figura do lado ativo do incidente não é o AI, mas sim os credores reclamantes e outros por ele conhecidos e incluídos na lista”, “Qualidade de interessado que o art. 131º, nº 1 não reconheceu ao AI”, “no âmbito da verificação de créditos, como se disse, o AI e a massa insolvente por ele representada não enquadram na definição de parte processual”, “no âmbito do concurso ao produto da massa insolvente, nem esta nem o AI surgem como titulares de qualquer relação jurídica incompatível com a relação definida pela sentença de verificação e graduação de créditos, nem o património autónomo em que se consubstancia a massa insolvente é suscetível de ser afetada pela sentença de verificação de créditos”, “a massa insolvente existe no interesse do universo dos credores da insolvência e por isso tem legitimidade para o representar enquanto coletivo, mas já não para representar uma parte dos credores contra outro ou outros credores como tal reconhecidos por sentença na precisa medida em que, sendo estes os únicos titulares dos interesses visados tutelar com a sua impugnação, é sobre eles que recai o ónus de a exercer nos autos”, “o incidente de verificação e graduação de créditos regulado pelos arts. 128º e ss. do CIRE é um processo de partes no qual o AI ou a massa insolvente por este representada não figura como parte ou, pelo menos, não com a qualidade de interessado direto”, “não está em causa o interesse comum do coletivo dos credores mas relações jurídicas perfeitamente individualizadas e os respetivos titulares concretamente identificados, e sem que o resultado do litígio que a tenha por objeto afete a composição da massa e o cumprimento da finalidade a que se destina – a distribuição do seu produto pelos credores reconhecidos por sentença transitada em julgado, quaisquer que eles sejam.”, “Com o que se reitera e conclui [na sequência do que expôs sobre os elementos histórico-sistemático para integração do pensamento do legislador do CIRE nesta matéria] que, por referência aos pressupostos da legitimidade recursiva previstos no art. 631º – qualidade de parte principal (critério formal), e prejuízo direto e efetivo causado pela decisão na esfera jurídica do recorrente (critério material) –, nem o AI nem a massa insolvente por este representada são titulares das relações jurídicas fontes dos direitos de créditos reconhecidos ou não reconhecidos, e que a natureza funcional da intervenção processual que a lei atribui ao AI no âmbito do incidente de verificação e graduação de créditos e a definição e interesse jurídico que objetivamente caracterizam a natureza e atuação da massa insolvente não enquadram no conceito e qualidade de parte ou sujeito processual interessado no resultado do incidente de verificação de créditos e que por este possa ficar vencido/prejudicado, falecendo por isso legitimidade ao AI ou à massa insolvente por ele representada para recorrer da sentença de verificação e graduação de créditos.”, “não está em causa a defesa de interesses próprios objetivos e juridicamente atendíveis do AI. No tocante à massa insolvente, por ele representada mas que com ele não se confunde, apenas num caso em que esteja devidamente identificado o prejuízo para esta enquanto património de afetação – o que claramente não sucede no caso concreto – se poderá hipotetizar a respetiva legitimidade recursiva. Desde logo porque não se vislumbra que da questão da tempestividade ou intempestividade da apresentação da resposta que o AI apresentou à impugnação à lista de credores possa resultar um direito ou interesse objetivamente relevante na defesa da sua atuação como AI – ou seja, como representante do coletivo dos credores e da massa insolvente nos termos e alcance expostos na decisão singular, para a qual se remete - na medida em que não se vislumbra sequer que a total omissão desse ato seja apta a pô-la em causa e, muito menos, a responsabilizar aquele pelos efeitos processuais dessa omissão quando se constata que a mesma foi omitida por quem teria inequívoco e direto interesse em responder às impugnações - os credores titulares dos créditos suscetíveis de ser afetados pela impugnação – e que, tendo o direito como parte e como interessados para a responder à impugnação, não o fizeram. Mas ainda que assim não fosse, o incidente de verificação e graduação de créditos não tem por objeto a apreciação da atuação do AI e, muito menos, qualquer responsabilização pela mesma, o que bastaria para arredar a pertinência jurídico-processual do direito de defesa da sua atuação como fundamento para o reconhecimento da legitimidade para recorrer a que aqui se arroga.”
Correspondendo estes apenas a alguns excertos da fundamentação do acórdão que refletem os conceitos, normas, critérios e demais premissas ou coordenadas do silogismo judiciário nele exposto, com todo o respeito que é devido, questiona-se o que é que a recorrente entende por obscuro e, da extensa fundamentação, o que é que não alcançou entender.
Mais alega a recorrente que o acórdão não se pronúncia expressamente quanto à violação do caso julgado pela decisão recorrida, alegação que se confirma por corresponder à realidade, mas que não corresponde a uma qualquer obscuridade nem constitui causa de ininteligibilidade do acórdão, sendo certo que, como se referiu no acórdão e aqui se reitera, só poderia ser objeto de apreciação em sede de recurso se o mesmo fosse admissível, o que não é o caso. Mais se elucida que a admissibilidade de recurso apresentado com fundamento em violação do caso julgado apenas prescinde da verificação do valor da causa e da sucumbência (art 629º, n º1 e 2, al. a)), já não do pressuposto da legitimidade recursiva, ao qual aquele fundamento não se sobrepõe ou impõe (no sentido de determinar a admissão do recurso para a sua apreciação ainda que ao recorrente falte legitimidade para o requerer).

IV – Decisão
Em conformidade com o exposto, as juízas da 1ª secção acordam em julgar improcedente a nulidade arguida.
Custas do incidente a cargo de cada um dos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça individual em 2 UC’s (art. 7º, nº 4 do Regulamento das Custas Processuais e respetiva tabela II anexa).
                                              
Lisboa, 11.11.2025
Amélia Sofia Rebelo
Susana Santos Silva
Fátima Reis Silva      
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[1] No sentido da não admissão de revista do acórdão da Relação que rejeite o recurso de apelação, conforme, entre outros, acórdãos do STJ de 28.05.2025, 14.03.2024 e 24.05.2022 (este, com indicação de outros acórdãos do STJ no mesmo sentido).
[2] Direito que não é absoluto ou universal, posto que, nas palavras de Rui Pinto, que aqui seguimos de perto, “a toda a ação não tem de corresponder um recurso. (…). (…) a admissão do direito de ação recursório constitui um plus eventual, dado apresentar vantagens e desvantagens.//(…)//. (…) a Constituição não garante um recurso para cada decisão judicial. Não deve fazê-lo sob pena de desequilibrar o sistema de justiça e postergar outras garantias processuais.” (Manual do Recurso Civil, Vol. I, AAFDL Editora, 2020, p. 119).
[3] Rui Pinto, , p. 170 e s.
[4] Com pertinência ao caso, acórdão do STJ de 26.01.2021, assim sumariado: I - Em sede de reclamação e verificação de créditos insolvencial inexiste um interesse comum a todos os credores, porquanto cada um deles tem de vir arguir o seu crédito, caso queira obter pagamento através da liquidação do património do insolvente: os créditos dos vários credores em jogo não se confundem, são autónomos.// II - Essa autonomia implica que a parte que veja a sua pretensão ser denegada deverá interpor as providências adequadas à defesa das mesmas, de onde, no caso sujeito, não tendo os créditos reclamados por duas credoras sido reconhecidos, deveriam as mesmas ter interposto recurso da sentença.//(…).
[5] Vd. ob. cit., p. 178 e s., 183
[6] Que, como salienta Rui Pinto, “apenas tem efeitos para o futuro, i.e., para os novos atos processuais.” (ob. ci., p. 258).
[7] Processo nº 19/14.4T8VVD.G1.S1, disponível na página da dgsi.
[8] Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, Almedina, 4ª ed., p. 735.