Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
16498/22.3T8LSB-G.L1-2
Relator: JOÃO SEVERINO
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
LIQUIDAÇÃO
SUSPENSÃO
OPOSIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/20/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Sumário (art.º 663.º n.º 7 do C. P. Civil):
I – Para efeitos da aplicação do regime instituído pelo art.º 733.º n.º 1 c) do Código de Processo Civil, a prestação é exigível quando a obrigação se encontra vencida ou o seu vencimento dependa de simples interpelação ao devedor.
II – No que respeita ao requisito da liquidação a que alude o mesmo preceito legal, a suspensão do prosseguimento da instância executiva apenas deverá ter lugar nos casos em que a obrigação deva ser liquidada no processo executivo, nos termos do art.º 716.º do Código de Processo Civil, excluindo as situações em que tal liquidação tão-somente dependa de simples cálculo aritmético.
III – Fora das hipóteses taxativamente previstas no n.º 1 do art.º 733.º do C. P. Civil, a admissão da Oposição à Execução, quando o Exequente não preste caução, não suspende a ação executiva para efeitos de venda dos bens penhorados, mas apenas para efeitos de pagamento aos credores (principal e àqueles cujos créditos foram reconhecidos no apenso de verificação e graduação).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa,
I. Relatório:
AA, com o N.I.F. ... ... ..., propôs contra BB, com o N.I.F. ... ... ..., e CC, com o N.I.F. ... ... ..., ação executiva para pagamento de quantia certa, com a forma ordinária, pedindo a penhora de bens suficientes para solver a dívida dos segundos em relação ao primeiro, de € 64 800, acrescida de € 1 200 a título de honorários com advogado, e de juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, até efetivo e integral pagamento.
Para tanto, alegou, em síntese, o seguinte: em 28 de fevereiro de 2004 o Exequente celebrou com os Executados um contrato de mútuo com hipoteca, por via do qual lhes concedeu um empréstimo no montante de € 64 800. Esta quantia foi entregue pelo Exequente aos Executados.
Por força daquele contrato, os Executados confessaram-se devedores da quantia mutuada e obrigaram-se a restituir a mesma ao Exequente em cento e oitenta prestações no valor unitário de € 360, vencendo-se a primeira em 30 de março de 2008 e as seguintes no último dia de cada mês, ou no dia útil subsequente quando aquele não o seja, sendo que a última prestação vencer-se-ia em 30 de março de 2023.
Mais acordaram as partes que o incumprimento de uma prestação constituía os Executados em mora, podendo o Exequente exigir a totalidade do montante mutuado.
Os Executados não pagaram, na data dos respetivos vencimentos nem posteriormente, as prestações que se obrigaram a realizar para reembolso da quantia mutuada, não obstante as várias solicitações que o Exequente efetuou nesse sentido.
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Mediante despacho datado de 8 de julho de 2022 foi decidido indeferir liminar e parcialmente o requerimento executivo, por falta de título, no que respeita ao montante de € 1 200 indicado no requerimento executivo como sendo relativo a “despesas resultantes dos honorários de advogados”.
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Em 4 de dezembro de 2023 foram penhoradas nos presentes autos: metade da fração autónoma designada pela letra U do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º .....º da União de Freguesias de Santa Iria de Azóia, São João da Talha, Bobadela, concelho de Loures, descrito na C.R.P. de Loures sob o n.º ..../São João da Talha, à qual foi atribuído o valor de € 38 752,70; fração autónoma designada pelas letras AO do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º .....º, da Freguesia de Marvila, concelho de Lisboa, descrito na C.R.P. de Lisboa sob o n.º ..../Santa Maria dos Olivais, à qual foi atribuído o valor de € 115 132,69.
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Em 12 de abril de 2023 a Executada apresentou Embargos, que foram liminarmente admitidos, para o que alegou o seguinte (expurgamos da transcrição que segue todos os sublinhados):
«I - Inexistência do título
1.º
Salvo melhor opinião em contrário, o título ora dado à execução não possui força executiva.
2.º
Com efeito, aquando da instauração dos presentes autos de execução, indicou o exequente no seu requerimento executivo como título executivo a seguinte opção: “outro documento autenticado”.
3.º
Por outro lado, compulsada a fundamentação plasmada no seu requerimento executivo, verifica-se que pelo exequente foi alegado no seu ponto 1 que “em 28.02.2004, o Exequente celebrou com os Executados um contrato de Mútuo com hipoteca, através do qual lhes concedeu um empréstimo no montante de 64.800,00€…conforme título executivo (documento autenticado), que ora se junta…”.
4.º
Porém, compulsado o teor do termo de autenticação elaborado por autoridade competente para o efeito, em concreto, Advogado, vislumbra-se que o registo foi executado no portal da Ordem dos Advogados em 28/02/2008.
5.º
Dito de outro modo, entre a celebração do dito contrato de mútuo e a elaboração do termo de autenticação oposto a esse documento, decorreu um lapso temporal de 4 anos.
6.º
Sucede que, de harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 4.º da Portaria n.º 657-B/2006, de 29 de junho, “o registo informático é efectuado no momento da prática do acto, devendo o sistema informático gerar um número de identificação que é aposto no documento que formaliza o acto”.
7.º
O que no caso concreto, como se viu, não sucedeu.
8.º
Por tal motivo, salvo melhor opinião em contrário, forçoso será concluir que o não cumprimento do prazo imposto pelo referido preceito legal acarretará o não reconhecimento da natureza autenticada do dito documento,
9.º
e como tal, destituído dos legais requisitos para que possa ser dado à execução como título executivo.
10.º
Em sentido idêntico, veja-se o já decidido nos autos que sob o n.º 5540/16.7T8VNF-B.G1, correram termos no Tribunal da Relação de Guimarães:
“- Para ser conferida exequibilidade extrínseca a um documento particular que importe a constituição de uma obrigação, é necessária a sua autenticação por entidade dotada de competência para esse efeito, com vista a assegurar a compreensão do conteúdo desse documento pelas partes.
- A declaração cuja autenticação se impõe é a da pessoa que se obrigou, ou seja, a do devedor.
- Para ser válida essa autenticação importa, além do mais, que seja efectuado o registo informático do respectivo termo dentro do prazo estabelecido no art. 4º da Portaria nº 657-B/2006, e 29 de Junho.
- A inobservância do referido prazo implica que o documento particular não chega sequer a adquirir a natureza de documento particular autenticado, não podendo, assim, constituir título executivo”.
11.º
Acresce que, como já mencionado, alega o exequente na fundamentação do seu requerimento executivo que “(…) celebrou com os Executados um contrato de Mútuo com hipoteca, através do qual lhes concedeu um empréstimo no montante de 64.800,00€…conforme título executivo (documento autenticado), que ora se junta…”.
12.º
Isto é, menciona o exequente que o empréstimo aos executados da quantia de 64.800,00€ se encontra respaldado por um contrato de mútuo.
13.º
Sucede que, de harmonia com o disposto no artigo 1143.º do Código Civil (CC), na redação em vigor à data dos factos, “o contrato de mútuo de valor superior a (euro) 20 000 só é válido se for celebrado por escritura pública (…)”.
14.º
Ora, sendo o valor mutuado aos executados superior à quantia de 20.000,00€, impunha-se, pois, que esse empréstimo fosse realizado mediante escritura pública, e não mediante uma simples confissão de divida,
15.º
pelo que, em face do assim ocorrido, padece esse mútuo de um vicio de forma, que importa a sua nulidade e, consequentemente, inquina a exequibilidade do título dado à execução.
16.º
Em sentido idêntico, veja-se na nossa doutrina o ensinamento de Miguel Teixeira de Sousa, in Acção Executiva Singular, Lex, pág. 70: “...a invalidade formal do negócio jurídico afecta não só a constituição do próprio dever de prestar, como a eficácia do respectivo documento como título executivo. Essa invalidade formal atinge não só a exequibilidade da pretensão, como também a exequibilidade do título”.
17.º
Aliás, tal conclusão já foi inclusive sufragada pela nossa jurisprudência, nos autos que sob o n.º 1700/03, correram termos no Tribunal da Relação de Coimbra: “(…) 7. Em caso de contrato de mútuo nulo por irregularidade de forma, a invalidade formal do negócio afecta não só a constituição do próprio dever de prestar, como a eficácia do respectivo documento como título executivo. Essa invalidade formal atinge não só a exequibilidade da pretensão, como também a exequibilidade do próprio título”.
18.º
Pelo que, em face do atrás exposto, deverão os presentes embargos serem julgados procedentes, atenta a inexistência de título executivo para os presentes autos – cfr. artigo 729 alínea a) do Código de Processo Civil (CPC).
II - Ineptidão do requerimento executivo
19.º
Acresce ainda que, de harmonia com o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 724.º do CPC, deve o exequente no requerimento executivo expor “sucintamente os factos que fundamentam o pedido”.
20.º
Ora, como vimos, no campo designado para o efeito, pelo exequente foi aí dito no ponto 1 que “em 28.02.2004, o Exequente celebrou com os Executados um contrato de Mútuo com hipoteca, através do qual lhes concedeu um empréstimo no montante de 64.800,00€…conforme título executivo (documento autenticado), que ora se junta…”.
21.º
Sucede que, o aludido documento autenticado que o exequente anexa, como título executivo, refere-se a uma confissão de divida,
22.º
e não, como seria então de supor, em face da alegação do exequente, um contrato de mútuo.
23.º
Por conseguinte, salvo melhor opinião, deverá ser o requerimento executivo a que se responde considerado inepto, por contradição do pedido com a causa de pedir – cfr. artigo 186.º n.º 1, artigos 576.º e 577.º, todos do CPC.
III - Prescrição
24.º
A tudo acresce que, no momento em que ocorreu a citação da ora executada, para deduzir embargos à execução, já a obrigação exequenda se encontrava prescrita.
25.º
Com efeito, alega o exequente no ponto 1 da fundamentação do seu requerimento executivo que celebrou com os executados um contrato de mútuo.
26.º
Alega ainda o exequente no ponto 3 da fundamentação do seu requerimento executivo que “os ora executados…assumiram a obrigação de restituir ao exequente a quantia de 64.800,00€…pagando o referido montante em 180 prestações, cada uma no valor de 360,00€ (…)”.
27.º
Dito de outro modo, o reembolso do referido empréstimo pressupõe uma amortização mediante o pagamento de uma prestação periodicamente renovável.
28.º
Ora, como resulta documentado nos autos, o exequente alega a celebração de um contrato de mútuo com os executados datado de 28/02/004,
29.º
alegando, igualmente, que a primeira prestação vencer-se-ia em 30/03/2008.
30.º
Sucede que, de harmonia com o disposto na alínea e) do artigo 310.º do CC, “prescrevem no prazo de cinco anos…quaisquer outras prestações periodicamente renováveis”.
31.º
Por conseguinte, fixando-se a data de incumprimento em 30/03/2008, tendo a ora executada sido apenas citada para deduzir embargos em março de 2023, e considerando o referido prazo prescricional, forçoso será concluir que a obrigação exequenda se mostra prescrita, no que à ora executada diz respeito.
IV - Impugnação
32.º
Sem prejuízo do atrás alegado, por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que a ora executada não é devedora da quantia exequenda assacada pelo exequente.
33.º
Com efeito, impõe-se referir que ao contrário do alegado pelo exequente, não corresponde à verdade que este último tenha concedido qualquer empréstimo aos executados em 28/02/2004.
34.º
Na verdade, como muito bem sabe o exequente, o valor de 64.800,00€ apenas foi colocado à disposição dos executados em março de 2008, e não em 28/02/2004, como alegado no requerimento executivo sob resposta.
35.º
Aliás, e se dúvidas houvesse da veracidade deste facto, bastará para o efeito comprovar que a data colocada no termo de autenticação é fevereiro de 2008,
36.º
quando na confissão de divida, anexa ao requerimento executivo, foi oposta a data de 28/02/2004.
37.º
Por outro lado, decorre do teor dessa confissão de divida, repita-se, com data de 2004, que a quantia mutuada seria restituída em “(…) prestações mensais e sucessivas, no valor de 360,00 (…) tendo a primeira o seu vencimento no dia 30.03.2008 (…)”.
38.º
Por tal motivo, não corresponde à verdade que a ora executada tenha recebido do exequente qualquer quantia em 28/02/2004,
39.º
nem, tão pouco, o exequente faz sequer prova da entrega da quantia que invoca naquela data, tal como lhe impõe o n.º 1 do artigo 342.º do CC.
40.º
Acresce que, também como sabe o exequente, não corresponde à verdade que a ora executada não lhe tenha restituído qualquer quantia.
41.º
Com efeito, o exequente é sócio gerente da sociedade comercial denominada Profreixo - Fabrico e Comércio de Pão Lda, titular do número de pessoa colectiva 504703358.
42.º
Na prossecução dessa sua actividade comercial, a referida sociedade, na pessoa do exequente, celebrou um contrato de trabalho a termo certo com a ora executada em 02 de dezembro de 2006, com a categoria profissional de Ajudante de Panificação,
43.º
tendo em 30 de março de 2007 esse vínculo se convertido num contrato por tempo indeterminado – doc. 1.
44.º
Sucede que, a ora executada procedeu ao pagamento de 36 prestações, correspondente a 3 anos, no valor global de 10.800,00€,
45.º
tendo para o efeito acordado que esse valor pecuniário seria descontado quer da sua retribuição mensal, quer de outros valores mensais que o exequente pagava à executada.
46.º
Para esse efeito, a título de exemplo, do seu vencimento mensal de 584,27€, acrescido de um valor de 100,00€, auferido pela executada no ano de 2009 – doc. 2,
47.º
no período compreendido entre abril a novembro desse ano, inclusive, apenas auferiu a quantia mensal de 262,55€, tendo o exequente retido o valor de 357,45€ - doc. 3,
48.º
tendo, todavia, o exequente na sua posse uma lista discriminada de todos os valores recibos e sobre os quais deu quitação à ora executada.
49.º
Por tal motivo, não corresponde à verdade que a ora executada seja devedora do exequente da quantia de 64.800,00€, nem dos juros moratórios que lhe imputa.
50.º
Por outro lado, caso a executada viesse a ser condenada no pagamento da totalidade da referida quantia, iria, todavia, o exequente ver constituída na sua esfera jurídica uma situação de enriquecimento sem causa em cerca de 10.800,00€,
51.º
situação sobre a qual a ora executada não deixará de tomar as devidas consequências criminais sobre o exequente,
52.º
tanto mais que o exequente já manifestou extra judicialmente a intenção de desistir dos presentes autos contra a ora executada.
53.º
Impugna-se, pois, tudo o que em contrário vem alegado pela ora executada nos presentes embargos, bem como tudo quanto estiver em contradição com a defesa, considerada no seu conjunto.».
*
Por requerimento de 14 de janeiro de 2025 a Executada veio solicitar a suspensão das diligências tendentes à alienação do segundo imóvel penhorado, para o que alegou o que segue:
«1. Em 04/12/2023, foi penhorada a fracção autónoma designada pela letra “AO”, correspondente ao décimo andar D, do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º …, da Freguesia de Marvila, concelho de Lisboa, e descrito na CRP de Lisboa sob o n.º …, da freguesia de Santa Maria dos Olivais, conforme já se encontra documentado nos autos.
2. Em 12/04/2023, tendo sido citada para o efeito, a ora requerente deduziu embargos de executado, os quais, todavia, ainda não foram julgados.
3. Sucede que, por notificação datada de 08/01/2025, que também se encontra nos autos, foi a executada notificada “(…) para no prazo de 10 (dez) dias (…) indicar à signatária qual a modalidade de venda pretendida e o valor base de venda (…)”.
4. Porém, jamais, a executada foi notificada de qualquer caução prestada pelo exequente.
5. Ora, de harmonia com o disposto no n.º 4 do artigo 733.º do CPC, “quando a execução embargada prossiga, nem o exequente nem qualquer outro credor pode obter pagamento, na pendência dos embargos, sem prestar caução”. (sublinhado nosso)
6. Isto é, impõe tal preceito que, uma vez recebido os embargos de executado e, enquanto estes não forem decididos, definitivamente, não se poderá realizar a venda de qualquer bem penhorado.
7. Sendo que, para tanto aponta a expressão “obter pagamento”, na medida em que esta se refere, não só, à venda em sentido estrito,
8. como também, a todas as diligências tendentes à venda ou adjudicação dos bens penhorados. (sublinhado nosso)
9. Pois que, são tais formalidades que marcam o início da liquidação do património da executada a fim de satisfazer o crédito exequendo.
10. Em sentido idêntico, veja-se o ensinamento de Paula Costa e Silva in “A Reforma da Acção Executiva”, 3ª edição, pág. 71: “a venda dos bens penhorados e pagamento ao exequente ou qualquer credor tem de ser antecedida da prestação de caução (pelos credores)”.
11. Pensamento que é, igualmente, acompanhado pela nossa melhor jurisprudência, nos autos que sob o n.º 88/06.0TTFIG-F.C1, correram termos no Tribunal da Relação de Coimbra:
“I – Nos termos do artº 872º, nº1, do CPC, numa acção executiva o pagamento pode ser feito pela entrega de dinheiro, pela adjudicação dos bens penhorados, pela consignação dos seus rendimentos ou pelo produto da venda dos bens penhorados.
II – Havendo oposição à execução, quando esta (a execução) prossiga nem o exequente nem qualquer outro credor pode obter pagamento na pendência da oposição sem prestar caução prévia.
III - A referida “fase de pagamento”, no processo executivo, inicia-se com a venda dos bens penhorados.
IV – Na verdade, é com a venda ou adjudicação dos bens penhorados que se inicia a liquidação do património do executado a fim de satisfazer o crédito exequendo.
V – Ao determinar a prestação da caução nos sobreditos termos, o legislador não pode ter querido outra coisa se não a de salvaguardar o património do executado, a sua intocabilidade, enquanto se não decidir definitivamente sobre a procedência (ou não) da oposição à execução.
VI – Quer no domínio do DL nº 329-A/95, quer no domínio do Dec. Lei nº 38/03, de 8/03, a execução não pode prosseguir para a fase de pagamento, cujo início tem lugar com as diligências tendentes à venda dos bens penhorados, a não ser que o exequente preste caução, nos termos do artº 818º,nº 4, do CPC”. (sublinhado nosso)
12. Acresce que, de harmonia com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 733 do CPC, “o recebimento dos embargos suspende o prosseguimento da execução se (…) tiver sido impugnada, no âmbito da oposição deduzida, a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda (…)”.
13. Ora, compulsado os embargos deduzidos pela executada, do seu teor se alcança que foi aí deduzida, entre outras, a inexistência de título executivo, a prescrição da divida exequenda, bem como foram também alegados factos que mostram que a divida exequenda assacada não é exigível nos termos em que foi peticionado.
14. Nestes termos, e com respaldo na alínea a) do n.º 1 e no n.º 4 do artigo 733.º do CPC, requerer-se que V. Ex.ª se digne ordenar a suspensão dos atos tendentes à venda do bem penhorado à executada,
15. bem como a visita ao imóvel de que a executada foi notificada em 08/01/2025,
16. sob pena de, caso assim não suceda e, a oposição apresentada seja julgada procedente, a executada poder ver o seu património afetado de forma irreparável.».
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Na decorrência, foi proferido, em 7 de fevereiro de 2025, o despacho que aqui se reproduz, na sua essencialidade:
«Requerimentos de 14.01.2025 e de 21.01.2025:
I.
Pretendem os Executados, nos requerimentos em apreço, a suspensão da venda, com fundamento no disposto no artigo 733.º, n.º 4, do CPC, uma vez que a Exequente não prestou caução.
De acordo com a referida norma, «[q]uando a execução embargada prossiga, nem o exequente nem qualquer outro credor pode obter pagamento, na pendência dos embargos, sem prestar caução».
A referência ao pagamento constante desta norma tem de ser conjugada com o disposto no artigo 795.º, n.º 1, do CPC, segundo o qual «[o] pagamento pode ser feito pela entrega de dinheiro, pela adjudicação dos bens penhorados, pela consignação dos seus rendimentos ou pelo produto da respetiva venda».
Ou seja, a pendência dos embargos impede, nos termos do referido artigo 733.º, n.º 4, que o exequente ou qualquer outro credor obtenha pagamento por qualquer das referidas formas sem prestar caução, designadamente, no que ora releva, através da entrega do produto da venda dos bens penhorados. Ou seja, não impede que seja efetuada a venda dos bens penhorados, mas apenas que seja efetuado o pagamento através do produto dessa venda, protegendo-se, assim, o devedor e demais interessados para a eventualidade de os embargos virem a ser julgados total ou parcialmente procedentes. [cf., neste sentido, António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2022, pág. 96, ponto 9]
Improcede, assim, a pretensão dos executados no sentido do não prosseguimento da execução para venda dos bens penhorados, com este fundamento.
Por outro lado, não se verifica também qualquer dos pressupostos previstos no artigo 733.º, n.º 1, do CPC, que determinem a suspensão da Execução.
O referido artigo 733.º, n.º 1, do CPC estabelece que «[o] recebimento dos embargos suspende o prosseguimento da execução se:
a) O embargante prestar caução;
b) Tratando-se de execução fundada em documento particular, o embargante tiver impugnado a genuinidade da respetiva assinatura, apresentando documento que constitua princípio de prova, e o juiz entender, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução;
c) Tiver sido impugnada, no âmbito da oposição deduzida, a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda e o juiz considerar, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução.
d) A oposição tiver por fundamento qualquer das situações previstas na alínea e) do artigo 696.º».
Resulta desta norma que, por regra, os embargos de executado não suspendem a execução, a não ser que o embargante preste caução, a qual, constituindo uma garantia especial das obrigações, se traduz num reforço da segurança do credor em relação à garantia geral que é dada pelo património do devedor. No âmbito da ação executiva, a prestação de caução como condição para a suspensão da execução tem ainda como finalidade colocar o exequente a coberto dos riscos da demora no prosseguimento da ação executiva, impedindo que, devido a tal demora, o embargante-executado possa empreender manobras que delapidem o património durante o tempo em que durar a suspensão. Daí que, caso o executado coloque à disposição do exequente, por meio de caução, bens que lhe assegurem a realização efetiva do seu crédito, o prosseguimento da execução deixa de justificar-se, uma vez que o credor poderá pagar-se por força da caução, na hipótese de os embargos virem a improceder.
No caso dos autos, sendo manifesto que não se verificam as hipóteses previstas em qualquer das restantes alíneas, só poderia considerar-se a possibilidade de suspensão da execução sem prestação de caução com fundamento no disposto na alínea c) do n.º 1 do mencionado artigo 733.º (sendo esse, aliás, o fundamento invocado pela Executada BB, embora fazendo referência à alínea a) do n.º 1 do referido artigo 733.º).
Para tal, é necessário que se mostrem verificados dois pressupostos cumulativos: que esteja impugnada, nos embargos, a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda; e que se justifique a suspensão sem a prestação de caução.
Daqui decorre, portanto, que a suspensão não é automática, não se bastando com o facto de o embargante impugnar, nos embargos, a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda. Exige-se ainda que o juiz, depois de ouvido o exequente, e em face dos fundamentos e finalidades da ação executiva e da realidade factual apresentada pelo executado no caso concreto, entenda justificar-se a suspensão sem a prestação de caução.
A obrigação diz-se exigível sempre que se encontrar vencida ou o seu vencimento estiver dependente de simples interpelação ao devedor; e é líquida a que tem por objeto uma prestação cujo quantitativo já se mostra apurado.
No caso dos autos, o título executivo é constituído por uma confissão de dívida, da qual consta o respetivo montante, a data do vencimento de cada uma das prestações convencionadas para pagamento da dívida, bem como a possibilidade de vencimento de todas as prestações em caso de mora, mediante interpelação para pagamento.
Assim, em face do título dado à execução pode afirmar-se que a obrigação exequenda é certa, pois que é constituída por uma prestação em dinheiro, é líquida, pois no título consta o seu quantitativo, e é exigível, porque está vencida (sendo que, foi alegado no requerimento executivo e juntos documentos comprovativos de interpelação dos executados para pagamento).
Ora, os fundamentos invocados nos embargos pela Executada BB (inexistência de título, ineptidão do requerimento executivo, prescrição e impugnação da dívida), não dizem respeito à impugnação da exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda, nos termos referidos, sendo que tal não acontece também com os fundamentos dos embargos deduzidos pelo Executado CC.
Assim, não se mostram preenchidos os aludidos pressupostos de que a lei faz depender a suspensão da execução.
III.
Pelo exposto, indefere-se a requerida suspensão da execução.».
*
Inconformada com o teor daquele despacho, a Executada veio apresentar recurso, formulando as seguintes conclusões, que aqui se transcrevem:
«1. Ao ter o despacho recorrido entendido que a falta de prestação de caução pelo exequente não suspende os actos preparatórios da venda, mas apenas, o recebimento do produto proveniente da venda, interpretou de forma incorrecta o estatuído no n.º 4 do artigo 733.º do CPC.
2. Com efeito, a expressão “obter pagamento”, naquele comando legal mencionada, refere-se, não só, à venda em sentido estrito, como também, a todas as diligências tendentes à venda ou adjudicação dos bens penhorados.
3. O espírito legislativo subjacente à redação dada ao n.º 4 do artigo 733.º do CPC, é da salvaguarda do património do executado, isto é, a sua intocabilidade, enquanto não se decidir definitivamente sobre a procedência ou improcedência dos embargos que tenham sido deduzidos.
4. A não ser assim, e caso a execução prosseguisse, com a consequente venda da fracção autónoma penhorada, poderia a executada ser afectada de modo irreparável no seu património, uma vez que, em caso de procedência dos seus embargos, poderia já não estar na posse do seu bem.
5. Por tal motivo, não tendo o exequente prestado qualquer caução, como impõe o n.º 4 do artigo 733.º do CPC, não poderá a agente de execução promover qualquer acto tendente à liquidação do património da executada, como foi o caso da escolha da modalidade de venda da fracção autónoma de que esta última é a dona e legitima proprietária.».
*
Mediante requerimento de 10 de março de 2025 o Executado veio aderir ao recurso interposto pela Executada.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi devidamente admitido.
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Recebida a apelação e colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Do objeto do recurso:
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram (art.ºs 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1, ambos do C. P. Civil).
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As questões a decidir consistem em saber: se a apresentação de Embargos de Executado deveria ter determinado a suspensão do prosseguimento da instância executiva; em caso negativo, se seria possível, face à dedução daqueles Embargos, determinar a venda de imóvel penhorado sem que a Exequente prestasse caução.
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III. Fundamentação:
De facto:
Os factos pertinentes para a dilucidação da questão objeto do presente recurso mostram-se vertidos no relatório deste acórdão, pelo que os aqui damos por integralmente reproduzidos.
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De Direito:
Os recursos que cumpre apreciar foram interpostos na sequência da ordenada venda judicial da fração autónoma penhorada designada pelas letras AO do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º .....º, da Freguesia de Marvila, concelho de Lisboa, descrito na C.R.P. de Lisboa sob o n.º ..../Santa Maria dos Olivais, à qual foi atribuído o valor de € 115 132,69, e assentam nos seguintes argumentos: tendo sido apresentados Embargos, a instância executiva deveria ter sido considerada suspensa; não é possível, no âmbito dos presentes autos em que foi deduzida Oposição à Execução, proceder-se à alienação daquela fração autónoma sem que o Exequente preste caução.
Àquele propósito, atentemos no que dispõe o art.º 733.º do C. P. Civil:
1 - O recebimento dos embargos suspende o prosseguimento da execução se:
a) O embargante prestar caução;
b) Tratando-se de execução fundada em documento particular, o embargante tiver impugnado a genuinidade da respetiva assinatura, apresentando documento que constitua princípio de prova, e o juiz entender, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução;
c) Tiver sido impugnada, no âmbito da oposição deduzida, a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda e o juiz considerar, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução.
d) A oposição tiver por fundamento qualquer das situações previstas na alínea e) do artigo 696.º
2 - A suspensão da execução, decretada após a citação dos credores, não abrange o apenso de verificação e graduação dos créditos.
3 - A execução suspensa prossegue se os embargos estiverem parados durante mais de 30 dias, por negligência do embargante em promover os seus termos.
4 - Quando a execução embargada prossiga, nem o exequente nem qualquer outro credor pode obter pagamento, na pendência dos embargos, sem prestar caução.
5 - Se o bem penhorado for a casa de habitação efetiva do embargante, o juiz pode, a requerimento daquele, determinar que a venda aguarde a decisão proferida em 1.ª instância sobre os embargos, quando tal venda seja suscetível de causar prejuízo grave e dificilmente reparável.
6 - Quando seja prestada caução nos termos do n.º 1, aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 650.º.
O tribunal a quo, em sentido discordante ao defendido pelos Executados, considerou, por um lado, que a dedução de Embargos não impede a venda do bem penhorado, mas tão-somente que o Exequente seja pago sem prestar caução. E, por outro lado, que a situação sub judice não se enquadra em nenhuma das hipóteses previstas nas alíneas do n.º 1 do art.º 733.º do C. P. Civil que justificam a suspensão do prosseguimento da execução decorrente da dedução de Embargos de Executado.
Analisemos de per si cada um daqueles fundamentos dos recursos, iniciando a nossa análise pela pretendida suspensão do prosseguimento da execução na sequência da dedução de Embargos de Executado (art.º 733.º n.º 1 do C. P. Civil).
Àquele nível, diremos desde logo que, conforme refere Lebre de Freitas (em A Ação Executiva Depois da Reforma, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, pág. 171), “constituindo os embargos de executado um meio de oposição à execução, este visa a extinção da execução, mediante o reconhecimento da atual inexistência do direito exequendo ou da falta dum pressuposto, específico ou geral, da ação executiva.”.
Sendo os Embargos de Executado uma verdadeira ação declarativa que corre termos por apenso ao processo executivo a que respeita, “nela é possível ao executado, não só levantar questões de conhecimento oficioso, mas também alegar factos novos, apresentar novos meios de prova e levantar questões de direito que estejam na sua disponibilidade (op. cit., pág. 171).
Da leitura do n.º 1 do art.º 733.º do C. P. Civil conclui-se que, em regra, a execução não é suspensa com a dedução de Embargos de Executado, só o sendo nas situações ali taxativamente previstas.
Do devir processual resulta que, no caso que ora nos ocupa, não é de chamar à colação o estatuído pelas alíneas a), b) e d) do n.º 1 do art.º 733.º do C. P. Civil. Realmente, nem os Embargantes prestaram caução na sequência da dedução de Embargos de Executado, nem os mesmos impugnaram a genuinidade das suas assinaturas apostas no documento dado à execução, nem a Oposição à Execução tem por fundamento alguma das situações previstas na alínea e) do art.º 696.º do citado diploma legal (falta de citação ou nulidade desta; falta do conhecimento da citação por parte do Executado, por facto que lhe não seja imputável; o Executado não apresente Oposição à Execução por motivo de força maior).
Posto isto, de acordo com a alínea c) do n.º 1 do art.º 733.º do C. P. Civil a dedução de Oposição à Execução suspende o prosseguimento do processo executivo se o Embargante impugnar, no âmbito daquela Oposição, a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda e o juiz considerar, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução.
Vejamos então, se, vista a causa de pedir inerente à deduzida Oposição à Execução, é possível concluir desde logo que os Embargantes impugnaram a exigibilidade e/ou a liquidação da obrigação exequenda.
Lida a Oposição à Execução, da mesma extrai-se que os Embargantes consideram que uma parte da dívida exequenda (€ 10 800) já foi paga por compensação com o salário que o Exequente liquidava à Embargante. E que o valor de € 64 800 apenas foi colocado à disposição dos Executados em março de 2008, e não em 28 de fevereiro de 2004 como alegado no requerimento executivo, circunstância que tem desde logo impacto no cálculo dos juros moratórios. Sem descurar que defendem igualmente a falta de título executivo e a prescrição da dívida exequenda.
Quanto à impugnação, por via de Oposição à Execução, da exigibilidade ou da liquidação da obrigação exequenda, escrevem com particular acuidade Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo (em A Ação Executiva Anotada e Comentada, Livraria Almedina, Coimbra, 2025, pág. 315): “Mas é preciso ter redobradas cautelas na aplicação deste preceito. Em primeiro lugar, não poderemos perder de vista que o legislador pretendeu que a suspensão da execução, em consequência do recebimento dos embargos de executado, constitua uma situação excepcional e não a regra. Daí ter de haver também uma particular exigência na admissibilidade da suspensão da execução por via da norma em análise. Ademais, tem o juiz de considerar, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão da execução sem prestação de caução. No que respeita à impugnação da exigibilidade, como refere José Lebre de Freitas, a prestação é exigível quando a obrigação se encontra vencida ou o seu vencimento depende, de acordo com estipulação expressa ou com a norma geral supletiva do art. 777-1 CC, de simples interpelação ao devedor. Não é exigível quando, não tendo ocorrido o vencimento, este não está dependente de mera interpelação, como é o caso da obrigação de prazo certo que ainda não decorreu (artigo 779.º, CC), sendo o prazo incerto e a fixar pelo tribunal (artigo 777.º, n.º 2, CC), quando a constituição da obrigação foi sujeita a condição suspensiva que ainda não se verificou (artigos 270.º CC e 715.º), ou ainda, quando em caso de sinalagma, o credor não satisfez a prestação (artigo 428.º CC). Por sua vez, no que concerne à impugnação da liquidação, afigura-se-nos que a suspensão apenas deverá ter lugar nos casos em que a obrigação deva ser liquidada no processo executivo, nos termos do artigo 716.º, fora dos casos em que apenas depende de simples cálculo aritmético.”.
Sendo que a previsão da alínea c) do n.º 1 do art.º 733.º do C. P. Civil incide sobre a verificação de uma exceção dilatória (inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda) e não sobre uma exceção perentória. Do que resulta que não deverá ser atendido o pedido de suspensão da execução sem prestação de caução com base na pretensa inexigibilidade da obrigação exequenda se o fundamento não respeitar aos pressupostos processuais da ação executiva, tendo antes natureza substantiva (v.g., a alegação de que a quantia exequenda já está paga).
Volvendo aos contornos do caso concreto, diremos desde já que, de acordo com o princípio da suficiência do título executivo, este deve conter os requisitos necessários para, por si só, certificar a existência da obrigação e do correspetivo direito. Ora, analisado o título dado à execução, do teor do mesmo extrai-se que a obrigação que o mesmo titula já se venceu. Não obstante tal vencimento, ainda assim o Exequente/Embargado interpelou os Executados/Embargantes, por cartas registadas, para procederem ao pagamento da dívida em apreço (cfr. as missivas anexadas ao requerimento executivo). Sequentemente, não vislumbramos em que medida é que a obrigação exequenda não seja exigível para efeitos da aplicação do art.º 733.º n.º 1 c) do C. P. Civil.
O mesmo se diga, mutatis mutandis, quanto ao requisito da liquidação da obrigação exequenda. Realmente, esta obrigação, no caso em apreciação e de acordo com a literalidade do título executivo, é certa, não necessitando de ser liquidada nos termos acima explanados.
O que tudo permite concluir – abstraindo da questão de saber se a posição do juiz quanto à apreciação da suspensão do prosseguimento da ação executiva com base na alínea c) do n.º 1 do art.º 733.º do C. P. Civil, constitui, ou não, um verdadeiro poder discricionário – que, conforme bem se escreveu na decisão sob recurso “(…) em face do título dado à execução pode afirmar-se que a obrigação exequenda é certa, pois que é constituída por uma prestação em dinheiro, é líquida, pois no título consta o seu quantitativo, e é exigível, porque está vencida (sendo que, foi alegado no requerimento executivo e juntos documentos comprovativos de interpelação dos executados para pagamento).
Ora, os fundamentos invocados nos embargos pela Executada BB (inexistência de título, ineptidão do requerimento executivo, prescrição e impugnação da dívida), não dizem respeito à impugnação da exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda, nos termos referidos, sendo que tal não acontece também com os fundamentos dos embargos deduzidos pelo Executado CC. (…)”.
Debrucemo-nos agora sobre a (des)necessidade de prestação de caução para a venda judicial da fração autónoma penhorada, face à dedução de Embargos de Executado (art.º 733.º n.º 4 do C. P. Civil).
Conforme é por demais consabido, a venda em processo executivo visa a satisfação do direito de crédito cuja cobrança coerciva é pretendida, bem como das obrigações reconhecidas no apenso de verificação e graduação de créditos.
Quanto àquela concreta questão, a divergência entre a posição do tribunal a quo e a posição dos Embargantes é a seguinte: enquanto que o primeiro considera que a dedução de Embargos de Executado não suspende a venda executiva, mas apenas o pagamento ao Exequente pelo produto daquela, já os segundos entendem que, com a admissão da Oposição à Execução, a venda dos bens penhorados na ação executiva deve ser suspensa, a não ser que o Exequente preste caução.
Avançamos desde já que a primeira posição (a do tribunal recorrido) é a que é conforme à letra e ao espírito da lei. De facto, o art.º 733.º n.º 4 do C. P. Civil alude expressamente a que nem o exequente nem qualquer outro credor pode obter pagamento, na pendência dos embargos, sem prestar caução. Ora, na ação executiva a fase processual do pagamento é subsequente à fase processual da venda.
Por outro lado e conforme bem referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (no Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Livraria Almedina, Coimbra, 2020, pág. 93) a propósito da intenção do legislador ao criar o regime instituído por aquele preceito normativo, tal medida destina-se a “garantir, em caso de procedência total ou parcial dos embargos, os direitos dos interessados, não somente os do executado que viu o seu património atingido pela venda, mas também os terceiros que porventura adquiriram bens na execução e que podem ser confrontados com um cenário em que a venda fique sem efeito (…).”.
Também Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre (no Código de Processo Civil Anotado, Volume 3.º, Livraria Almedina, Coimbra, 2025, pág. 484) consideram que o n.º 4 do art.º 733.º do C. P. Civil visa “(…) evitar a repetição do indevido, com os problemas decorrentes da eventual dificuldade em a conseguir.”.
O que tudo leva a concluir que, fora das situações previstas no n.º 1 do art.º 733.º do C. P. Civil, a admissão da Oposição à Execução, quando o Exequente não preste caução, não suspende a ação executiva para efeitos de venda dos bens penhorados, mas apenas para efeitos de pagamento aos credores (principal e aos reconhecidos no âmbito do apenso de verificação e graduação de créditos).
Face ao exposto, bem andou o tribunal a quo ao indeferir a requerida suspensão do prosseguimento da ação executiva.
Os Apelantes são responsáveis pelo pagamento das custas processuais (artigos 527.º e 529.º, ambos do C. P. Civil).
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IV. DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, manter o despacho recorrido, que indeferiu a suspensão do prosseguimento da execução na sequência da dedução de Embargos de Executado e determinou a venda da fração autónoma penhorada.
Custas pelos Apelantes.
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Lisboa, 20 de novembro de 2025
João Severino
João Paulo Vasconcelos Raposo
Higina Castelo