Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3040/22.5T8ALM-B.L1-2
Relator: LAURINDA GEMAS
Descritores: PENHORA
NULIDADE
VENDA
CONTRADITÓRIO
PREÇO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/20/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: SUMÁRIO (da exclusiva responsabilidade da Relatora – art. 663.º, n.º 7, do CPC)
I – A circunstância de estar por apreciar um requerimento em que a Executada suscitava a nulidade da sua notificação da penhora do quinhão hereditário do Executado, não obstava à prolação de despacho autorizando que fosse concluída a venda por negociação particular pelo valor da proposta apresentada.
II – Tão pouco se mostra violado o princípio contraditório, considerando que os Executados foram notificados, na pessoa do seu mandatário judicial, para se pronunciarem sobre a aceitação da proposta em causa (inferior a 85% do valor base que fixado) e não deduziram nenhuma oposição a esse respeito.
III – O tribunal pode autorizar a venda do bem penhorado por preço inferior a 85% do valor base, ainda que ambas as partes não se tenham pronunciado favoravelmente, se, como sucede no caso concreto, os elementos carreados para os autos permitirem formular um juízo (de prognose) da dificuldade (improbabilidade) de obtenção de proposta de valor não inferior a 85% do valor base num prazo de tempo razoável.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados
I - RELATÓRIO
AA e BB, Executados na ação executiva para pagamento de quantia certa intentada por CC e DD, interpuseram o presente recurso de apelação do despacho, proferido em 10-04-2025, que autorizou que fosse efetuada a venda, por negociação particular, do bem penhorado pelo valor da proposta apresentada.
Destaca-se, com relevância para o conhecimento do mérito do presente recurso, que:
1. Os autos principais tiveram início em 20-04-2022, com a apresentação de Requerimento executivo, em que os Exequentes peticionaram o pagamento da quantia exequenda no valor de 98.281,12 €, com base em escritura pública de mútuo outorgada pelas partes, em 6 de abril de 1998, alegando, em síntese, que mutuaram aos Executados a quantia de 7.300.000$00, equivalente a 36.412,24 €, a qual deveria ser liquidada no prazo de 15 anos, em prestações mensais, a primeira com vencimento em 01-06-1998, não tendo os Executados efetuado o pagamento de nenhuma das prestações (dão também conta da instauração de anterior ação executiva, em 07-04-2003, e da respetiva deserção da instância, a 5 de julho de 2021).
2. No requerimento executivo, os Exequentes indicaram à penhora os seguintes bens:
- Quinhão hereditário do Executado AA na herança de EE, avô materno do Executado;
- Quinhão hereditário do Executado AA na verba 1 da herança de FF, mãe do Executado, relativa ao prédio urbano inscrito na matriz sob o n.º ..., fracção C, da Freguesia dos Anjos, em Lisboa.
3. Os Executados foram citados nos termos constantes das certidões juntas pelo Agente de Execução (AE) a 13-09-2022, tendo a Executada sido citada na pessoa do Executado, seu marido, ambos residentes na “Rua … (…)”.
4. Em 11-09-2023, os Exequentes apresentaram requerimento de “INDICAÇÃO DE NOVOS BENS À PENHORA”, nos seguintes termos:
1. Os Exequentes tiveram recentemente conhecimento do falecimento do Sr. GG, tio materno do Executado AA.
2. O Sr. GG faleceu sem outros herdeiros senão o Executado nos presentes autos.
3. Anteriormente ao seu falecimento, o Sr. GG era o único co-herdeiro, juntamente com o Executado, na herança de EE, seu pai e avô materno do Executado, pré-falecido.
4. A mãe do Executado, FF, faleceu em data anterior, pelo que o Executado a sucedeu na herança de EE, por virtude do direito de representação, previsto nos artigos 2039.º a 2045.º do Código Civil (CC).
5. Com a morte do único co-herdeiro, ficou agora o Executado como único titular da herança do Sr. EE.
6. Note-se que, nos termos do artigo 735.º do Código de Processo Civil (CPC), estão sujeitos à execução todos os bens do devedor susceptíveis de penhora – nomeadamente o quinhão hereditário do executado na herança do seu avô, por representação sucessória.
7. Quinhão hereditário que os Exequentes já indicaram à penhora nos presentes autos de execução.
8. Conforme também já anteriormente indicado, os Exequentes têm conhecimento de que entre os bens da herança do Sr. EE conta-se um imóvel sito na Rua 1.
9. Os Exequentes tiveram conhecimento de que o Executado pôs, recentemente, o imóvel da herança, melhor identificado supra, no mercado.
10. Tornando-se urgente o registo da penhora sobre o mesmo, de forma a evitar a sua dissipação, e bem assim, a garantia de pagamento da quantia exequenda.
11. Face ao exposto, indica-se à penhora o quinhão hereditário do Executado na herança do Sr. GG.
12. Mais se requer a V. Exa. se digne a realizar e registar a penhora do quinhão hereditário do Executado na herança do Sr. EE, seu avô, com a maior urgência, de forma a prevenir a venda do imóvel acima melhor identificado.
13. Mais se informa que os Exequentes pretendem manter a penhora do quinhão hereditário do Executado AA na verba 1 da herança de FF, relativa ao prédio urbano inscrito na matriz sob o n.º ..., fracção C, da Freguesia dos Anjos, em Lisboa.”
5. Foi efetuada a penhora do «direito e acção que o Executado – AA detem na herança aberta por óbito de FF, onde se inclui a fracção autónoma designada pela letra “C” do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº .. da freguesia de Anjos», mediante notificação efetuada pelo AE, por carta registada de 16-10-2023, dirigida ao “Co-titular” HH, nos termos do art. 781.º, n.º 1, do CPC.
6. Encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, mediante ap. 2657 de 2009/05/13, a aquisição, sem determinação de parte ou direito, por dissolução da comunhão conjugal e sucessão hereditária, por óbito de FF, a favor do Executado (no estado civil de casado no regime da comunhão de adquiridos com a Executada) e do viúvo daquela, HH (que havia adquirido a fração, conforme ap. 18 de 2000/06/09, juntamente com a referida FF, com quem era casado no regime da comunhão de adquiridos), da fração autónoma designada pela letra C, composta pelo segundo andar do prédio constituído em propriedade horizontal (conforme ap. 1 de 1985/03/15), composto de rés-do-chão, 2 andares, águas furtadas e logradouro (frações autónomas A, B, C e D), situado nos Rua 2, inscrito na matriz urbana com o n.º .... da freguesia de Arroios – cf. certidões juntas aos autos pelo AE em 09-01-2023 e 17-11-2023.
7. Em 21-12-2023, o referido HH, notificado da penhora, veio informar nos autos que nada tinha a opor à venda da totalidade da fração autónoma designada pela letra C, “devendo o produto da venda ser repartido pelo Executado e pelo ora Requerente de acordo com as respectivas quotas ideais”.
8. Por decisão do AE de 29-12-2023, este requerimento foi indeferido, “em virtude de inexistir quaiquer imóveis penhorados no âmbito dos presentes autos”.
9. Em 04-01-2024, o AE juntou no processo o auto de penhora, elaborado a 23-10-2023, do “direito e ação” do Executado à herança aberta por óbito de FF, mencionando que o bem penhorado tinha o valor de 150.000 €.
10. Em 04-01-2024, o AE juntou aos autos carta dirigida ao Executado, notificando-o da penhora e para, querendo, deduzir oposição à mesma, juntando o respetivo auto de penhora e certidão do registo predial comprovativa do registo da penhora do quinhão hereditário do Executado, efetuado mediante ap. 2432 de 2023/12/06.
11. Em 10-04-2024, o AE tomou a decisão de venda do direito penhorado, determinando que «(O) direito e acção que o Executado - AA detém na herança aberta por óbito de FF, onde se inclui previsivelmente a fracção autonóma designada pela letra “C” do prédio urbano descrito no Registo Predial de Lisboa sob o nº .. da freguesia de Anjos» seria vendido através de leilão eletrónico, sendo aceites propostas de valor igual ou superior a 85% do valor base de 150.000 €.
12. Em 24-04-2024, o Executado apresentou Reclamação desta decisão do AE, alegando designadamente que a fração penhorada não terá um valor de mercado inferior a 300.000 €.
13. Foi proferido, em 12-06-2024, despacho judicial com o seguinte teor:
«RECLAMAÇÃO DA DECISÃO DE VENDA
1. As partes, notificadas da decisão sobre a venda do bem penhorado, podem dela dissentir apresentado reclamação perante o juiz, circunscrita aos segmentos daquela decisão – valor base, valor mínimo e modalidade da venda, cf. arts. 812.º, n.ºs. 1 e 7, do CPC – e não a putativas irregularidades processuais, como seja a invocação preterição de notificação a terceiro (que a lei não prevê sequer), matéria que se não conhece.
2. Sobre a reclamação propriamente dita, regista-se que previamente à decisão em análise, as partes foram notificadas para se pronunciarem sobre a modalidade e valores base e mínimo da venda, então com cópia do auto de penhora onde figurava(já) o valor atribuído de 150.000 euros e nada disseram; e, a divergência sobre tal valor manifestada posteriormente estriba-se no facto de o reclamante ter “notícia de ter havido nos últimos anos forte valorização do imobiliário na zona central de Lisboa”, do que deduz “que o valor de mercado atual do imóvel não será inferior a € 300.000 (trezentos mil euros)”, sem que porém indiciariamente o corrobore em qualquer meio de prova, maxime num mero anúncio de venda de imóvel com localização, tipologia e estado de conservação idênticos.
3. Pelo que, neste contexto, queda injustificada a realização de avaliação ao valor de mercado do imóvel, por não se crer minimamente abalado o valor atribuído pelo agente de execução.
4. Improcede a reclamação.
Notifique.»
14. O Executado veio, em 27-06-2024, arguir a nulidade deste despacho.
15. Em 11-09-2024, a Executada veio arguir a nulidade de anterior notificação, dizendo ter sido dirigida a terceira pessoa (mais precisamente, conforme cópia que juntou, da notificação da aludida penhora do quinhão hereditário dirigida a si, mas ao cuidado de outra pessoa, para morada distinta daquela em que foi efetuada a citação); com esse requerimento juntou procuração pela qual, juntamente com o Executado, constituiam mandatário judicial o mesmo Sr. Advogado que vinha patrocinando o Executado.
16. Em 02-10-2024, o AE decidiu que, como o valor da melhor proposta existente no leilão (terminado a 25-09-2024) havia sido inferior a 85% do valor base, a execução prosseguiria com a venda do direito em causa na modalidade de negociação particular, nos termos do art. 832.º, al. f), do CPC, com fim previsto para o dia 03-12-2024.
17. Em 17-10-2024, a Executada apresentou reclamação da decisão do AE de 02-10-2024.
18. Em 26-11-2024, foi proferido despacho com o seguinte teor:
Incidente de arguição de nulidade de 27-06-2024:
O despacho de 12-06-2024 indeferiu a realização de avaliação ao valor de mercado do imóvel por nenhuma das partes se ter pronunciado previamente sobre o valor anunciado de 150.000 euros e por não ter o arguente suportado minimamente o valor alegadamente superior, pelo que estão revelados os fundamentos da decisão, que suportam logicamente a decisão de indeferir a diligência requerida, não se verificando as nulidades previstas nas als. b) e c) do n.º 1, do art. 615.º do CPC.
As custas do incidente são a cargo do reclamante, fixando a taxa de justiça em 1 unidade de conta – art. 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.
Incidente de reclamação da decisão do Agente de Execução de 17-10-2024:
A venda por leilão frustrou-se por falta de proponentes, pelo que seguiu-se, por determinação legal, a venda por negociação particular decidida pelo Agente de Execução (e não por propostas em carta fechada, como pretendido pelo reclamante) – art. 832.º, al. f), do CPC; o valor base e mínimo anunciados para venda são os anteriormente decididos, sobre o qual não recaiu reclamação oportuna da executada, e o despacho de 12-06-2024, transitado em julgado, formou cujo caso julgado formal sobre a pretendida (ainda que por outro executado, patrocinado pelo mesmo mandatário, claro) avaliação: não vai realizar-se avaliação do imóvel.
As custas do incidente são a cargo da reclamante, fixando a taxa de justiça em 1 unidade de conta – art. 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.
Notifique.”
19. Em 06-01-2025, o AE veio juntar aos autos uma proposta de compra do bem penhorado no valor de 93.000 €.
20. Em 20-01-2025, os Exequentes apresentaram requerimento em que manifestaram o seu desacordo com a referida proposta, mais tendo informado que entraram em contacto com a mandatária do Sr. HH, outro co-titular da herança, e confirmaram que este mantém interesse na venda do património global da herança, requerendo a suspensão da instância pelo prazo de 15 dias de forma a poderem acordarem os termos da venda do património global da herança nos termos do art. 871.º, n.º 2, do CPC.
21. Em 21-01-2025, o AE proferiu a seguinte decisão: “Indefere-se por ora a suspensão requerida por não o ter sido requerido por todas as partes, conforme dispõe a alínea c) do n.º 1 do artigo 269.º do CPC”.
22. Nessa mesma data, expondo a situação, o AE requereu ao Tribunal que se pronunciasse a respeito da proposta.
23. Em 24-01-2024, foi proferido despacho com o seguinte teor: “Exposição de 21-01-2025: A oposição das partes é bastante, neste momento, para não ser aceite a proposta apresentada”.
24. Em 26-03-2025, o AE juntou aos proposta de aquisição no valor de 93.500 € e notificou o mandatários das partes da apresentação da mesma, para que se pronunciassem a esse respeito no prazo de 10 dias, requerendo ainda ao Tribunal que fosse proferida decisão.
25. Em 01-04-2025, os Exequentes vieram manifestar o seu acordo à aceitação da proposta, tendo o AE, em 02-04-2025, requerido, de novo, ao Tribunal que se pronunciasse, dando conta da posição do Exequente, designadamente de que aceitavam tal proposta por o valor se aproximar do montante da dívida exequenda e não terem perspetivas de vir a existir melhor proposta.
26. Os Executados nada disseram.
27. Em 10-04-2025, foi proferido o Despacho recorrido (cuja notificação às partes foi elaborada a 11-04-2025) com o seguinte teor:
“A proposta no valor de € 93.500,00 (noventa e três mil e quinhentos euros) para aquisição do direito e acção que o executado - AA detém na herança aberta por óbito de FF é aceite, por próximo do valor mínimo e por as partes nada terem oposto.
Notifique.”
É com esta decisão que os Executados não se conformam, tendo interposto o presente recurso de apelação, em cuja alegação formularam as seguintes conclusões:
1. O despacho ora em crise foi proferido sem ter em conta a posição do Rte sobre a questão a decidir , violando o seu direito processual ao contraditório.
2. O despacho fundamenta mal e erradamente a decisão.
3. Desde logo, afirmando que as partes não se tinham oposto, o que não corresponde á verdade, nem processualmente o Tribunal podia tirar essa conclusão.
4. Depois, dizendo que o valor da proposta é próximo do valor mínimo, quando representa pouco mais de metade o valor base estipulado.
5. Os autos têm pendente um pedido de nulidade de notificações efetuadas á Executada, ora Rte, pelo AE, apresentado em 11.09.2024 e que até á presente data não foi objeto de decisão, pelo que o valor base da venda ainda poderá ser reanalisado.
6. Não tendo o despacho efetuado qualquer ponderação sobre a salavaguarda dos direitos interesses em causa, designadamente dos ora Rtes .
7. Nestes termos deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho proferido , sendo substituído por outro que determine a não aceitação da proposta apresentada.
Os Exequentes apresentaram alegação de resposta em que, no que ora importa, concluiram nos seguintes termos:
9. Se assim não se entender (isto é, no sentido da inadmissibilidade do recurso), andou bem o Tribunal a quo em autorizar a venda judicial, pela modalidade de negociação particular, do bem penhorado nos autos, o qual é um quinhão hereditário de herança da qual é co-titular o Recorrente AA, pelo valor de aquisição proposto em 26.03.2025 de € 93.500,00 (noventa e três mil e quinhentos euros).
10. De facto, não procede a alegação dos Recorrentes em que a sua oposição a esta venda judicial foi indevidamente desconsiderada pelo Tribunal a quo.
11. O direito básico ao contraditório dos Recorrentes, que os mesmos invocam, foi devidamente salvaguardado, tendo sido dada atempadamente a oportunidade aos mesmos de se pronunciarem e reclamarem sobre a modalidade e valor da venda, o que não o fizeram dentro do prazo judicial previsto para tal reclamação.
12. Pelo contrário, desde então têm vindo a apresentar subsequentes requerimentos opondo-se a vários aspectos da venda judicial do bem penhorado nos autos, entre eles o valor.
13. Requerimentos esses que têm vindo a ser sucessivamente indeferidos, e bem, pelo Tribunal a quo, por intempestivos e infundados.
14. De resto, os Recorrentes não logram de alegar de onde decorre esse direito ao contraditório, a ser exercido nesta fase processual.
15. Enquanto é pacífico que o processo executivo deva acautelar os interesses dos executados, bem como os dos exequentes, não se reconhece um direito ao contraditório abrangente de todas as fases processuais a nenhuma das partes, sob pena de, ao fazê-lo, pôr em causa os direitos e interesses da contraparte.
16. Note-se que, na modalidade de negociação particular, inexiste qualquer disposição legal que faça depender a venda por valor inferior àquele previsto no n.º 2 do artigo 816.º do CPC, do acordo do executado.
17. Impensável seria se se reconhecesse ao executado um mecanismo judicial que pudesse ser indevidamente usado para obstar à venda do bem penhorado nos autos, e bem assim, à satisfação dos objectivos do processo executivo.
18. Pelo que em bom rigor, o acordo do executado não é relevante ao prosseguimento dos autos com a adjudicação da proposta de aquisição de 26.03.2025.
19. Mais ainda, os Recorrentes não reclamaram da designação do agente de execução nos autos, encarregue de realizar a venda por negociação particular.
20. Igualmente, o preço da proposta que foi adjudicada foi já, também, depositado diretamente pelo comprador numa instituição de crédito, à ordem do agente de execução, a 8 de Maio de 2025, nos termos do n.º 4 do artigo 833.º.
21. Estão, então, reunidos os pressupostos para a realização da venda por negociação particular, com a adjudicação da proposta de aquisição datada de 26.03.2025.
22. Não releva a oposição dos Recorrentes ao o valor da proposta adjudicada, uma vez que as repetidas contestações ao mesmo têm sido, como já acima referido, invariavelmente indeferidas pelo Tribunal a quo por decisões já transitadas em julgado há muito.
23. Esta questão encontra-se, portanto, sobejamente encerrada, pelo que não corresponde à realidade o alegado nas alegações de recurso dos Recorrentes em como “o próprio valor base da venda ainda poderá ser analisado”.
O recurso foi admitido por despacho deste TRL, nos autos de reclamação do despacho de não admissão do recurso proferido na 1.ª instância.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II - FUNDAMENTAÇÃO
Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC).
A única questão a decidir é a de saber se a proposta não devia ter sido aceite, pelas seguintes razões (sendo esta a ordem que nos parece mais lógica):
1.ª) Por estar “pendente” um “pedido de nulidade de notificações efetuadas à Executada”;
2.ª) Por ter sido violado o direito ao contraditório (não ter sido considerada a posição do Executado, assumindo-se incorretamente que os Executados não se tinham oposto);
3.ª) Por o valor da proposta representar pouco mais de metade do valor base, não tendo sido devidamente ponderados os interesses em causa, designadamente dos Executados.
Os factos com relevância para o conhecimento do mérito do recurso são os que constam do relatório supra.
DA INDEVIDA ACEITAÇÃO DA PROPOSTA
O despacho recorrido autorizou que se procedesse à venda do bem penhorado (por negociação particular) pelo valor de 93.500 €, oferecido na proposta junta aos autos a 26-03-2025, ou seja, um valor inferior ao indicado no art. 816.º, n.º 2, do CPC, considerando o valor base de 150.000 € fixado.
A Executada não invocou, nem em sede execução, nem no presente recurso nenhuma nulidade processual por omissão de pronúncia sobre o seu requerimento de 11-09-2024, apenas se procurando prevalecer da circunstância de, aquando da prolação do despacho recorrido, o Tribunal a quo não se ter pronunciado sobre tal requerimento.
Porém, tal circunstância não obstava a que fosse conhecida a questão suscitada pelo AE, de aceitação da proposta apresentada. Sendo certo que não cumpre no presente recurso apreciar da verificação da nulidade invocada pela Executada naquele requerimento, resta sublinhar que, na hipótese, de ser atendida essa sua pretensão, caberá ao Tribunal tomar posição sobre uma (eventual) anulação dos atos processuais subsequentes à suposta omissão de notificação (cf. art. 195.º do CPC).
Quanto à alegada violação do princípio contraditório, dir-se-á apenas que se trata, sem dúvida, de princípio basilar do processo civil consagrado, desde logo, no art. 3.º do CPC. Porém, não assiste razão aos Apelantes a este respeito, porquanto foram notificados, na pessoa do seu mandatário judicial, para se pronunciarem sobre a aceitação da proposta em causa e não deduziram nenhuma oposição a esse respeito.
Resta saber se é correta a decisão de aceitação da proposta.
É fora de dúvida que o valor base já foi fixado pelo AE em 150.000 € na decisão da venda (o que ora não cumpre reapreciar) e que a venda se pode fazer por 85% desse valor base, ou seja, 127.500 € (cf. art. 816.º, n.º 2, do CPC), conforme anunciado.
Também nos parece evidente não ser caso para considerar que, como previsto no art. 821.º, n.º 3, do CPC, Exequentes e Executados tenham acordado na aceitação da proposta em apreço, de valor inferior ao previsto no n.º 2 do art. 816.º do CPC.
Com efeito, face aos termos da notificação dirigida aos mandatários das partes, tendo-lhes sido concedido o prazo de 10 dias para requererem o que tiverem por conveniente (sem qualquer advertência quanto ao sentido do seu silêncio), não é possível considerar que a não oposição dos Executados equivale a concordância.
É certo que, na execução para pagamento de quantia certa, o tribunal pode autorizar a venda do bem penhorado por preço inferior a 85% do valor base, mesmo que as partes não se tenham pronunciado nesse sentido. A autorização judicial deve ser fundamentada, assentando, não apenas em critérios de legalidade estrita, mas num juízo (de prognose) da dificuldade (improbabilidade), no caso concreto, de obtenção de proposta de valor não inferior a 85% do valor base num prazo de tempo razoável. Para formular um tal juízo, o tribunal deverá ponderar diversos factores, designadamente a posição das partes, o valor do bem penhorado, o período de tempo decorrido desde o início das diligências para venda e as concretas diligências já efetuadas, a existência de outras ofertas e o valor das mesmas, bem como os interesses (ainda que conflituantes) das partes (executados e credores). Neste sentido, a título exemplificativo, Marco Carvalho Gonçalves, “Lições de Processo Civil Executivo”, 2.ª edição, Almedina, pág. 456, e a jurisprudência indicada nessa obra, notas de rodapé 1621 e 1622, bem como o ac. da RC de 08-03-2016, proc. n.º 1037/10.7TJCBR-B.C1; o ac. da RL de 16-11-2017, proc. n.º 3961/11.0T2SNT-B.L1-8; o ac. da RE de 08-02-2024, proc. n.º 681/20.9T8STR-B.E1; o ac. da RP de 17-06-2024, proc. n.º 6659/10.3TBVNG-F.P1; o ac. da RG de 10-10-2024, proc. n.º 3370/14.0T8VNF-I.G1; e o ac. da RP de 14-10-2025, proc. n.º 941/17.6T8AGD-D.P1 (todos disponíveis em www.dgsi.pt).
No caso dos autos, não podemos deixar de salientar que a única justificação para a aceitação da proposta volvidos apenas cerca de 2 meses sobre a primeira proposta, cujo valor era inferior em 500 €, parece ter sido a concordância dos Exequentes. Ou seja, abstraindo desse facto, não se compreenderia que, em 24-01-2024, a proposta de 93.000 € não tivesse sido aceite, mas uma proposta no valor de 93.500 € apresentada cerca de 2 meses depois já fosse de aceitar. O tempo decorrido e o valor diferencial parecem escassos para justificar a aceitação, sendo certo que a diferença para o valor de 127.500 € não nos parece mínima ou despicienda, ao contrário do que se refere no despacho recorrido.
Porém, não se pode olvidar que o bem penhorado é um direito ao quinhão hereditário, o que pode tornar mais difícil a obtenção de propostas. Também se depreende que da herança apenas faz parte a fração autónoma em questão.
Constatou-se ter sido debatida nos autos a aplicação do disposto nos n.ºs 2 e 4 do art. 781.º do CPC, uma vez que a penhora tem por objeto quinhão em património autónomo, estando previsto naqueles preceitos legais que:“(É) lícito aos notificados fazer as declarações que entendam quanto ao direito do executado e ao modo de o tornar efetivo, podendo ainda os contitulares dizer se pretendem que a venda tenha por objeto todo o património ou a totalidade do bem.” e “Quando todos os contitulares façam a declaração prevista na segunda parte do n.º 2, procede-se à venda do património ou do bem na sua totalidade.”
Se a venda pudesse ter por objeto, não o quinhão do Executado, mas antes o património da herança, ou seja, a fração autónoma, muito provavelmente, seriam apresentadas propostas de valor superior, mais próximas do valor de 300.000 €, indicado pelo Executado na sua reclamação de 24-04-2014. Porém, está por demonstrar que HH possa dispor do seu quinhão hereditário - aliás, das certidões de registo predial juntas aos autos resulta que o mesmo se encontra penhorado.
Face aos elementos de que dispomos, em que avulta a circunstância de existir um viúvo meeiro, o valor do quinhão do Executado corresponderá a 1/4 do valor da herança. Não se conhece o valor de mercado da referida fração, sendo apenas facto notório a subida do preço dos imoveis na cidade de Lisboa, como é o caso.
Por outro lado, é certo que o Executado não concordou com a venda pelo valor de 93.500 €, mas também é verdade que nada – rigorosamente nada – alegou no sentido de habilitar o Tribunal a considerar que, esperando mais algum tempo, publicitando a venda de forma diferente, seria provavelmente obtida uma proposta de aquisição do seu quinhão hereditário por valor superior.
Daí que não possamos antever como provável que, a aguardar-se mais tempo ou a proceder-se à venda do próprio imóvel, o valor da quota parte que caberia ao Executado seria superior ao montante da aludida proposta. Basta pensar que se a fração fosse vendida por 300.000 €, conforme admitido pelo próprio Executado, a parte que lhe caberia (e serviria para pagar a dívida exequenda) seria de 75.000 €, inferior ao da proposta de 93.500 € em apreço.
Portanto, se a inércia do Executado não o pode prejudicar, também não poderá obviamente beneficiá-lo, podendo aqui ser convocado, entre outros, o princípio do dispositivo e o princípio da autorresponsabilidade das partes.
Os Exequentes tomaram uma posição, aduzindo um conjunto de razões, que se nos afiguram válidas, para que a proposta apresentada fosse aceite, tanto mais considerando que pretendem o pagamento de uma dívida que decorre do incumprimento de um contrato de mútuo celebrado em abril de 1998, contrato esse que foi incumprido desde a data de vencimento da 1.ª prestação, e, pese embora a presente execução tenha sido instaurada em 2022, os Exequentes aguardam pelo pagamento da dívida há mais de 20 anos.
Assim, sopesando todos os interesses em presença, entendemos que se justifica a aceitação da proposta em apreço, improcedendo as conclusões da alegação de recurso, ao qual será negado provimento.
Vencidos os Executados/Apelantes, são responsáveis pelo pagamento das custas processuais (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC).
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III - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso, mantendo-se, em consequência, a decisão recorrida.
Mais se decide condenar os Executados/Apelantes no pagamento das custas do recurso.
D.N.

Lisboa, 20-11-2025
Laurinda Gemas
João Severino
Inês Moura