Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | AMÉLIA PUNA LOUPO | ||
| Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DOS TITULARES DE ÓRGÃOS FUNCIONÁRIOS AGENTES E DEMAIS SERVIDORES PÚBLICOS PESSOA COLECTIVA DE DIREITO PÚBLICO COMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 11/06/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | RECLAMAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | Sumário: (Elaborado pelo relator e da sua inteira responsabilidade – artº 663º nº 7 do Código de Processo Civil) «Privilegiando o factor de incidência subjectiva, centrado na personalidade pública da entidade em que se integram, deve interpretar-se a norma do art. 4º/1/h) [actualmente alínea g) do ETAF] com o alcance de que o conhecimento das acções para efectivação de responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes e demais servidores públicos das pessoas colectivas de direito público, por danos ocorridos no exercício das suas funções e por causa delas (art. 271º/1 CRP), qualquer que seja o regime da prestação do seu trabalho e qualquer que seja a natureza da actividade causadora do dano, está atribuído à jurisdição administrativa» (citação de Ac. do Tribunal dos Conflitos). | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, as Juízes na 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I – RELATÓRIO Vem a Autora, Apelante, A reclamar para a conferência da decisão sumária do então Relator que julgou o seu recurso improcedente, confirmando a sentença de 1ª instância que decidiu pela procedência da excepção da incompetência absoluta do Tribunal em razão da matéria, que em contestação foi invocada pelos RR., por entender serem competentes para conhecer da acção os Tribunais da jurisdição administrativa. Na reclamação apresentada a Recorrente manifesta-se no sentido de que o entendimento seguido na decisão sumária, aparentando ser formalmente correcto, revela-se substancialmente erróneo porque do modo como a mesma configura a relação controvertida os RR. actuaram sempre à margem dos órgãos legal e estatutariamente responsáveis pelo tratamento de questões académicas como aquelas que pretendem falsamente imputar à A., porquanto «Não consta, nem poderia constar, das atribuições e competências do citado … ou de qualquer dos seus órgãos fazer "investigações" e, menos, perseguições a docentes, e menos ainda andar a estabelecer contactos com a imprensa para fazer divulgar publicamente as versões e posições dos aqui RR. e até - pasme-se! - a fazer, para assim prosseguir a perseguição contra a A. e a procurar justificá-la motu proprio notas de "desmentido" ou descredibilização das posições adoptadas pelos órgãos, esses sim, competentes (da Faculdade e da Universidade).», reiterando a posição que defendeu e os argumentos que aduziu na resposta à excepção bem como nas alegações de recurso, de que o que se verifica são comportamentos pessoais dos RR. - ainda que tentados travestir de "académicos"- para cujo conhecimento, e subsequente condenação daqueles em indemnização, é competente o Tribunal comum; não adiantando na sua reclamação novos ou diferentes argumentos dos preteritamente apresentados. À reclamação respondeu o recorrido B, em essência reiterando o anteriormente referido nas suas contra-alegações, defendendo o acerto do decidido. * Nos termos previstos no artº 652º nº 3 do CPC, a parte que se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão. Com dispensa de vistos (obtida a concordância das Exmas Adjuntas), importa, então, decidir em conferência. A questão que se coloca na reclamação sob apreciação consiste em saber se a decisão sumária do então Relator deve ser alterada e, em consequência, substituída a decisão de 1ª Instância por outra que julgue improcedente a excepção de incompetência absoluta do Tribunal, determinando o prosseguimento dos autos no Tribunal Cível. II – FUNDAMENTAÇÃO A – De Facto Os factos relevantes para a apreciação da reclamação são os que resultam da tramitação processual, acima mencionados bem como na decisão reclamada. B - De Direito As questões suscitadas no recurso foram profusamente apreciadas na decisão sumária e nenhum argumento/fundamento novo foi aduzido na reclamação, impondo-se, porém, assinalar que à decisão reclamada não subjaz – nem poderia subjazer – que consta «…das atribuições e competências do citado … ou de qualquer dos seus órgãos fazer "investigações" e, menos, perseguições a docentes, e menos ainda andar a estabelecer contactos com a imprensa para fazer divulgar publicamente as versões e posições dos aqui RR. e até - … - a fazer, para assim prosseguir a perseguição contra a A. e a procurar justificá-la motu proprio notas de "desmentido" ou descredibilização das posições adoptadas pelos órgãos, esses sim, competentes (da Faculdade e da Universidade).». Ao entendimento sustentado na decisão reclamada subjaz, outrossim, como nela se lê, que «…os atos lesivos imputados aos réus ocorreram em intervenções que estes efetuaram na qualidade de, respetivamente, Presidente e Vice-Presidente do Instituto de … da Faculdade de …da Universidade …. Ou seja, contrariamente ao que defende a recorrente nas suas alegações, não estamos perante atos pessoais dos réus sem qualquer conexão com o exercício das suas funções de, respetivamente, Presidente e Vice-Presidente do referido Instituto. Ao invés, os descritos, em I.1.1, atos lesivos foram praticados pelos réus B e C enquanto, respetivamente, Presidente e Vice-Presidente do Instituto …, instituto esse dependente da Universidade … - que, como vimos, reveste a categoria de pessoa coletiva de direito público -, no desempenho das suas funções administrativas - dotadas de prerrogativas de poder público e reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo - e por causa desse exercício.». Em nosso entender a decisão sumária reclamada deve ser mantida pelos exactos fundamentos e argumentos nela já expendidos, pelo que, por razões de economia processual e a fim de evitar repetições desnecessárias, aderimos e reiteramos os seus termos que aqui passamos a transcrever: «(…). Cabe aos tribunais judiciais a competência para julgar as causas “que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional” [artigos 211º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, 64º do Código de Processo Civil e 40º, nº 1, da Lei nº 62/2013, de 26/08 (LOSJ)], e aos tribunais administrativos e fiscais a competência para julgar as causas “emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais” [artigos 212.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, 1.º, n.º 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF)]. A competência dos tribunais administrativos e fiscais é concretizada no artigo 4.º do ETAF com delimitação do “âmbito da jurisdição” mediante uma enunciação positiva (n.ºs 1 e 2) e negativa (nºs 3 e 4). Ora, a presente ação foi intentada contra B e C, que, à data dos factos, eram, respetivamente, Presidente e Vice-Presidente do denominado Instituto …. O Instituto … integra a Faculdade de … da Universidade …. Como tal, por referência à data dos factos, os réus eram, enquanto, respetivamente, Presidente e Vice-Presidente do referido Instituto, titulares de um órgão da Universidade …. De acordo com o disposto no artigo 9.º, n.º 1, da Lei 62/2007, de 10.09: “As instituições de ensino superior públicas são pessoas coletivas de direito público, podendo, porém, revestir também a forma de fundações públicas com regime de direito privado, nos termos previstos no capítulo vi do título iii”. A Universidade … foi instituída pelo Estado como fundação pública com regime de direito privado, como estatuído no artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 20/2017, de 21 de fevereiro. O Código Civil, nos seus artigos 157.º e seguintes, qualifica as fundações como pessoas coletivas, pelo que as fundações públicas de direito privado são igualmente pessoas coletivas de direito público, sem fim lucrativo, mas dotadas de órgãos e património próprio e de autonomia administrativa e financeira. Como se lê na decisão recorrida, em termos de regime jurídico, “as fundações públicas de direito privado seguem, como regime-regra, o direito privado. Estão, contudo, sujeitas aos princípios constitucionais de direito administrativo, aos princípios gerais da actividade administrativa, ao regime de impedimentos e suspeições dos titulares dos órgãos e agentes da Administração, às regras da contratação pública e aos princípios da publicidade, da concorrência e da não discriminação em matéria de recrutamento de pessoal”. É o que, aliás, resulta do nº 2 do artigo 9º da Lei 62/2007, onde se estabelece que: “Em tudo o que não contrariar a presente lei e demais leis especiais, e ressalvado o disposto no capítulo vi do título iii, as instituições de ensino superior públicas estão sujeitas ao regime aplicável às demais pessoas coletivas de direito público de natureza administrativa, designadamente à lei quadro dos institutos públicos, que vale como direito subsidiário naquilo que não for incompatível com as disposições da presente lei.” No que respeita à responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público por danos resultantes, nomeadamente, do exercício da função administrativa, o respetivo regime está consagrado na Lei 67/2007, de 31.12, sendo também essa a lei que regula a responsabilidade civil dos titulares de órgãos, funcionários e agentes públicos por danos decorrentes de ações ou omissões adotadas, nomeadamente, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício, correspondendo ao exercício da função administrativa as ações e omissões adotadas no exercício de prerrogativas de poder público ou reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo - cfr. artigo 1º, nºs 1, 2 e 3, do referido diploma legal. Por fim, importa ter presente que nos termos da alínea g) do nº 1 do artigo 4º do ETAF, compete à jurisdição administrativa a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a “Responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes, trabalhadores e demais servidores públicos, incluindo ações de regresso”. Como vem afirmado no acórdão do Tribunal dos Conflitos de 15.02.2023 - relatora Teresa de Sousa -, disponível em www.dgsi.pt, citando o acórdão de 20.12.2012 desse mesmo tribunal, “privilegiando o factor de incidência subjectiva, centrado na personalidade pública da entidade em que se integram, deve interpretar-se a norma do art. 4º/1/h) [actualmente alínea g)] com o alcance de que o conhecimento das acções para efectivação de responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes e demais servidores públicos das pessoas colectivas de direito público, por danos ocorridos no exercício das suas funções e por causa delas (art. 271º/1 CRP), qualquer que seja o regime da prestação do seu trabalho e qualquer que seja a natureza da actividade causadora do dano, está atribuído à jurisdição administrativa”. Definido o quadro legal que se nos afigura pertinente, impõe-se passar a apreciar a pretensão da autora. Tal apreciação é relevante para a decisão da questão objeto do presente recurso, uma vez que constitui entendimento jurisprudencial e doutrinário consensual que a competência material do tribunal determina-se pela natureza da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor, independentemente do seu mérito ou demérito (cfr., na doutrina, Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, pág. 91, e, na jurisprudência, entre muitos outros, os acórdãos do STJ de 24.05.2015 - relator Silva Salazar -, da Relação de Lisboa de 20.05.2021 - relator Aguiar Pereira - e da Relação do Porto de 09.12.2021 - relatora Judite Pires -, todos disponíveis em www.dgsi.pt). A competência material afere-se, pois, em função da forma como o autor configura e estrutura a ação, analisando o pedido e a factualidade concreta que lhe serve de fundamento - causa de pedir. Pois bem, dando-se, aqui, por integralmente reproduzida a factualidade acima enunciada em I.1.1, alegada pela autora para sustentar os pedidos que formulou contra os réus B e C, há a dizer que os atos lesivos imputados aos réus ocorreram em intervenções que estes efetuaram na qualidade de, respetivamente, Presidente e Vice-Presidente do Instituto … da Faculdade de …da Universidade …. Ou seja, contrariamente ao que defende a recorrente nas suas alegações, não estamos perante atos pessoais dos réus sem qualquer conexão com o exercício das suas funções de, respetivamente, Presidente e Vice-Presidente do referido Instituto. Ao invés, os descritos, em I.1.1, atos lesivos foram praticados pelos réus B e C enquanto, respetivamente, Presidente e Vice-Presidente do Instituto de …, instituto esse dependente da Universidade … - que, como vimos, reveste a categoria de pessoa coletiva de direito público -, no desempenho das suas funções administrativas - dotadas de prerrogativas de poder público e reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo - e por causa desse exercício. A acrescer ao que se deixou dito, salientamos, pela sua pertinência, os seguintes argumentos apresentados na decisão recorrida, aos quais aderimos: - “Quer a validação da informação constante das notícias, quer a emissão de notas em nome do Instituto … são actos realizados no exercício de tais funções, com base nos poderes que lhe advém de tal exercício e que dependem do conhecimento adquirido em tal exercício”; - “Mais, é, sem dúvida, no exercício de funções administrativa e no uso do seu poder público enquanto titulares do órgão de administração do Instituto… que os réus afastam o Instituto do concurso da … denominado … e retiram o apoio à autora”; - “Esta actuação dos réus surge exclusivamente no âmbito de uma relação jurídica administrativa e das atribuições e competência do Instituto… e não quaisquer outras”; - “Veja-se também que a autora imputa ainda responsabilidade aos réus por actos praticados pelo Instituto…, por estes representado”. Assim sendo, forçoso é concluir que a ação tal como foi configurada pela autora, tendo presente o pedido e a causa de pedir, é enquadrável na previsão da alínea g) do nº 1 do artigo 4º do ETAF. Consequentemente, é a jurisdição administrativa a competente para conhecer da ação. (…)» Na confirmação da decisão sumária proferida pelo então Relator, conclui-se pela improcedência do recurso. III - DECISÃO Pelos fundamentos expostos, acorda-se em conferência em desatender a reclamação apresentada pela Reclamante, mantendo-se a decisão sumária reclamada, com a improcedência do recurso. Custas pela Reclamante. Notifique. Lisboa, 06/11/2025 Amélia Puna Loupo Carla Flora Figueiredo Teresa Catrola |