Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3233/25.3YRLSB-5
Relator: JOÃO GRILO AMARAL
Descritores: RECONHECIMENTO E EXECUÇÃO DE SENTENÇA PENAL EUROPEIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/18/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECONHECIMENTO E EXECUÇÃO DE SENTENÇA PENAL EUROPEIA
Decisão: DEFERIDO
Sumário: No presente caso, mostram-se preenchidos os pressupostos de que depende a transmissão, mormente os previstos nos 8.º, n.ºs 1, al. a), 4, 5 e 6, e 17.º, n.º 1, al. b), a contrario, da Lei n.º 158/2015, de 17 de Setembro.
Para além disso, o crime pelo qual AA foi condenado corresponde na ordem jurídica portuguesa ao crime de tráfico e outras atividades ilícitas, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22/01, com referência à tabela I-C a ele anexa.
Sucede, como o Ministério Público reconhece no requerimento que apresentou, não estão verificados os pressupostos para se reconhecer e executar a sentença penal proferida na ... contra o requerido, cidadão português, pois a pena que lhe falta cumprir é inferior a 6 meses de prisão – cf. artigo 17.º n.º 1, alínea h) da Lei 158/2015, de 17 de Setembro, dado que o cumprimento integral da pena ocorrerá já no dia 07/01/2026.
É, assim, manifesto que o reconhecimento pretendido não pode ser alcançado.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes na 5ª Secção Criminal da Relação de Lisboa:

I. Relatório:
O Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal veio requerer, nos termos do disposto nos arts. 8.º, n.º 1, al. a), e 16.º, n.º1, da Lei n.º 158/2015, de 17 de Setembro, a recusa do Reconhecimento e Execução de Sentença Penal Europeia de condenação, proferida pela Tribunal Criminal número 4 ..., no Reino de ..., transitada em julgado a ... de ... de 2023, respeitante a:
AA, de nacionalidade portuguesa, titular do CC emitido pelo ..., n.º ..., válido até .../.../2031, nascido a .../.../1990, natural de ..., filho de AA e de BB, com residência na ..., que se encontra a cumprir pena no ..., em ..., no Reino de ...,
Fundamenta o pedido nos seguintes termos, que se transcrevem:
“(…)
1.
O Tribunal Criminal número 4 ..., no Reino de ..., no Processo Abreviado128/23, no dia 9 de junho de 2023, proferiu sentença, transitada em julgado na mesma data, contra AA com a qual o condenou, pela autoria de factos subsumíveis a um crime contra a saúde pública, p. e p. nos artigos 28, 368 e 369, n.º 1, 5º do Código Penal do Reino de ..., na pena de prisão de 3 anos e 6 meses de prisão, na pena acessória de inabilitação especial para o direito de sufrágio passivo e a uma multa de 656.819,20 euros, com 30 dias de responsabilidade pessoal subsidiária em caso de falta de pagamento durante o cumprimento da pena [Doc. 1].
2.
A sentença foi transmitida a este Tribunal da Relação, pelo Tribunal de Vigilância Penitenciária n.º 1 da ..., com sede em ..., onde corre a execução da pena em causa, para o seu reconhecimento e execução, ao abrigo do artigo 4.º da Decisão-Quadro 2008/909/JAI, de 27 de novembro de 2008, transposta para a Ordem Jurídica Portuguesa pela Lei n.º 158/2015, de 17 de setembro [Doc. 1].
Assim,
3.
A sentença e a certidão, que a acompanha, foram transmitidas nos termos dos artigos 1.º, n.º 1, 3.º, n.º 1, al. e), e 8.º, n.ºs 1, al. a), 3, 4, 5 e 6, da Lei n.º 158/2015, de 17 de setembro, e a certidão foi emitida e preenchida em conformidade com o formulário cujo modelo constitui o anexo I deste diploma legal.
4.
O crime pelo qual AA foi condenado corresponde na Ordem Jurídica Portuguesa ao crime de tráfico e outras atividades ilícitas, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22/01, com referência à tabela I-C a ele anexa.
5.
Tal crime está previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 158/2015, de 17 de setembro, pelo que não é necessária a verificação da dupla incriminação [Doc. 1].
6.
O condenado esteve presente no julgamento [Doc. 1].
7.
Encontra-se no Estado de emissão a cumprir a pena de prisão no ..., em ..., cujo termo se verifica em 7 de janeiro de 2026 [Doc. 1].
8.
Está ininterruptamente privado da liberdade desde 14 de junho de 2022, data em que ficou em prisão preventiva e iniciou o cumprimento da pena em 9 de junho de 2023 [Doc. 1].
9.
Tem nacionalidade portuguesa, residência legal habitual em Portugal, tal como família [Docs. 1 e 2].
10.
O condenado pediu e deu o seu consentimento à transmissão da sentença para efeitos da sua transferência, para cumprimento da pena de prisão remanescente em Portugal [artigos 4.º, n.º 5, da Decisão-Quadro e 9.º, n.º 5, da Lei n.º 158/2015, de 17 de setembro] [Doc. 1].
11.
Portugal é o Estado de execução [artigo 13.º, n.º 2, da Lei n.º 158/2015, de 17 de setembro].
12.
Mostram-se preenchidos os pressupostos de que depende a transmissão [artigos 8.º, n.ºs 1, al. a), 4, 5 e 6, e 17.º, n.º 1, al. b), a contrario, da Lei n.º 158/2015, de 17 de setembro].
13.
Sucede que o condenado, à presente data [16/10/2025] tem a cumprir menos de 6 meses da pena.
14.
Tal circunstância constitui o motivo de recusa de reconhecimento da sentença e da execução da condenação previsto na al. h) do n.º 1 do artigo 17.º, da Lei n.º 158/2015, de 17 de setembro [“1. A autoridade competente recusa o reconhecimento e a execução da sentença quando: … h) No momento em que a sentença tiver sido recebida, estiverem por cumprir menos de seis da pena;”].
15.
O Tribunal da Relação de Lisboa é o Tribunal territorialmente competente para decidir do reconhecimento e da execução da sentença, de acordo com o disposto no artigo 13.º, n.º 1, da Lei n.º 158/2015, de 17/09.»
Pelo exposto,
Designado que seja defensor ao condenado e cumprido o disposto no art. 16.º-A, n.º 2, da Lei n.º 158/2015, de 17/09,
Requer-se que:
1) Seja recusado o reconhecimento da sentença penal europeia de condenação para efeitos do cumprimento em Portugal do remanescente da pena de prisão aplicada, em conformidade com o disposto no artigo 17.º, n.º 1, al. h), da Lei n.º 158/2015;
2) Seja informada a autoridade de emissão, nos termos do disposto no artigo 21.º, alínea d), do mesmo diploma legal.
*
Procedeu-se à nomeação de defensor e notificação do requerido na pessoa do defensor, não tendo sido deduzida oposição no prazo estabelecido.
*
Colhidos os vistos, procedeu-se à conferência.
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II. Pressupostos processuais:
O Tribunal da Relação de Lisboa é material e territorialmente competente para o presente reconhecimento e execução de sentença (art.s 235º nº 1 e 12º nº 3 al. d) do Código de Processo Penal e 13º nº1 da Lei 158/2015, de 17 de Setembro).
O requerente, Ministério Público, tem legitimidade para formular o pedido de reconhecimento e execução da sentença (artigos 236º do Código de Processo Penal e 16º da Lei 158/2015, de 17 de Setembro).
O requerido é dotado de personalidade e capacidade judiciárias, de legitimidade e está regularmente patrocinado.
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III. Fundamentação:
A) Factos provados:
1.
O Tribunal Criminal número 4 …, no Reino de ..., no Processo Abreviado 128/23, no dia 9 de junho de 2023, proferiu sentença, transitada em julgado na mesma data, contra AA com a qual o condenou, pela autoria de factos subsumíveis a um crime contra a saúde pública, p. e p. nos artigos 28, 368 e 369, n.º 1, 5º do Código Penal do Reino de ..., na pena de prisão de 3 anos e 6 meses de prisão, na pena acessória de inabilitação especial para o direito de sufrágio passivo e a uma multa de 656.819,20 euros, com 30 dias de responsabilidade pessoal subsidiária em caso de falta de pagamento durante o cumprimento da pena.
2.
A sentença foi transmitida a este Tribunal da Relação, pelo Tribunal de Vigilância Penitenciária n.º 1 da ..., com sede em ..., onde corre a execução da pena em causa, para o seu reconhecimento e execução, ao abrigo do artigo 4.º da Decisão- Quadro 2008/909/JAI, de 27 de novembro de 2008, transposta para a Ordem Jurídica Portuguesa pela Lei n.º 158/2015, de 17 de setembro.
3.
Encontra-se no Estado de emissão a cumprir a pena de prisão no ..., em ..., cujo termo se verifica em 7 de janeiro de 2026.
4.
Está ininterruptamente privado da liberdade desde 14 de junho de 2022, data em que ficou em prisão preventiva e iniciou o cumprimento da pena em 9 de junho de 2023.
5.
Tem nacionalidade portuguesa, residência legal habitual em Portugal, tal como família.
6.
O condenado pediu e deu o seu consentimento à transmissão da sentença para efeitos da sua transferência, para cumprimento da pena de prisão remanescente em Portugal.
B) Motivação
Foi tido em conta a certidão emitida pela autoridade de emissão e cópia da sentença de condenação transmitidas pela autoridade judiciária no Reino de ...;
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C) Enquadramento jurídico:
Nos termos do disposto no artigo 234.º n.º 1 do Código de Processo Penal, “quando por força da lei ou de tratado ou convenção, uma sentença penal estrangeira dever ter eficácia em Portugal, a sua força executiva depende da prévia revisão e confirmação”.
Por sua vez, refere o artigo 237.º do Código Penal que:
“1 - Para confirmação de sentença penal estrangeira é necessário que se verifiquem as condições seguintes:
a) Que, por lei, tratado ou convenção, a sentença possa ter força executiva em território português;
b) Que o facto que motivou a condenação seja também punível pela lei portuguesa;
c) Que a sentença não tenha aplicado pena ou medida de segurança proibida pela lei portuguesa;
d) Que o arguido tenha sido assistido por defensor e, quando ignorasse a língua usada no processo, por intérprete;
e) Que, salvo tratado ou convenção em contrário, a sentença não respeite a crime qualificável, segundo a lei portuguesa ou a do país em que foi proferida a sentença, de crime contra a segurança do Estado.
2 - Valem correspondentemente para confirmação de sentença penal estrangeira, na parte aplicável, os requisitos de que a lei do processo civil faz depender a confirmação de sentença civil estrangeira.
3 - Se a sentença penal estrangeira tiver aplicado pena que a lei portuguesa não prevê ou pena que a lei portuguesa prevê, mas em medida superior ao máximo legal admissível, a sentença é confirmada, mas a pena aplicada converte-se naquela que ao caso coubesse segundo a lei portuguesa ou reduz-se até ao limite adequado. Não obsta, porém, à confirmação a aplicação pela sentença estrangeira de pena em limite inferior ao mínimo admissível pela lei portuguesa”.
Em causa está o reconhecimento e execução de sentença penal europeia proferida em ..., que é Estado membro da União Europeia desde 01 de Janeiro de 1986.
Assim, é aplicável o regime jurídico da transmissão e execução de sentenças em matéria penal que imponham penas de prisão ou outras medidas privativas da liberdade, para efeitos da execução dessas sentenças na União Europeia, aprovado pela Lei n.º 158/2015, de 17.09, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 115/2019, de 12.09, que transpôs a Decisão-Quadro n.º 2008/909/JAI, do Conselho, de 27.11.2008.
Nos termos do artigo 17.º deste diploma:
“1. A autoridade competente recusa o reconhecimento e a execução da sentença quando:
a) A certidão a que se refere o artigo 8.º for incompleta ou não corresponder manifestamente à sentença e não tiver sido completada ou corrigida dentro de um prazo razoável, entre 30 a 60 dias, a fixar pela autoridade portuguesa competente para o reconhecimento;
b) Não estiverem preenchidos os critérios definidos no n.º 1 do artigo 8.º;
c) A execução da sentença for contrária ao princípio ne bis in idem;
d) Num caso do n.º 2 do artigo 3.º, a sentença disser respeito a factos que não constituam uma infração, nos termos da lei portuguesa;
e) A pena a executar tiver prescrito, nos termos da lei portuguesa;
f) Existir uma imunidade que, segundo a lei portuguesa, impeça a execução da condenação;
g) A condenação tiver sido proferida contra pessoa inimputável em razão da idade, nos termos da lei portuguesa, em relação aos factos pelos quais foi proferida a sentença;
h) No momento em que a sentença tiver sido recebida, estiverem por cumprir menos de seis meses de pena;
i) De acordo com a certidão, a pessoa em causa não esteve presente no julgamento, a menos que a certidão ateste que a pessoa, em conformidade com outros requisitos processuais definidos na lei do Estado de emissão:
i) Foi atempada e pessoalmente notificada da data e do local previstos para o julgamento que conduziu à decisão, ou recebeu efetivamente por outros meios uma informação oficial da data e do local previstos para o julgamento, de uma forma que deixou inequivocamente estabelecido que tinha conhecimento do julgamento previsto e que foi atempadamente informada de que podia ser proferida uma decisão mesmo não estando presente no julgamento;
ii) Tendo conhecimento do julgamento previsto, conferiu mandato a um defensor por si designado ou beneficiou da nomeação de um defensor pelo Estado, para sua defesa, e foi efetivamente representada por esse defensor; ou
iii) Depois de ter sido notificada da decisão e expressamente informada do direito a novo julgamento ou a recurso que permita a reapreciação do mérito da causa, incluindo a apresentação de novas provas, que pode conduzir a uma decisão distinta da inicial, declarou expressamente que não contestava a decisão ou não requereu novo julgamento ou recurso dentro do prazo aplicável;
j) Antes de ser tomada qualquer decisão sobre o reconhecimento e execução da sentença, Portugal apresentar um pedido nos termos do n.º 4 do artigo 25.º, e o Estado de emissão não der o seu consentimento, nos termos da alínea g) do n.º 2 do mesmo artigo, à instauração de um processo, à execução de uma condenação ou à privação de liberdade da pessoa em causa devido a uma infração praticada antes da sua transferência mas diferente daquela por que foi transferida;
k) A condenação imposta implicar uma medida do foro médico ou psiquiátrico ou outra medida de segurança privativa de liberdade que, não obstante o disposto no n.º 4 do artigo anterior, não possa ser executada em Portugal, em conformidade com o seu sistema jurídico ou de saúde;
l) A sentença disser respeito a infrações penais que, segundo a lei interna, se considere terem sido praticadas na totalidade ou em grande parte ou no essencial no território nacional, ou em local considerado como tal.
2 - Para efeitos do disposto na alínea d) do número anterior, em matéria de contribuições e impostos, de alfândegas e de câmbios, a execução de uma sentença não deve ser recusada pelo facto de a lei portuguesa não impor o mesmo tipo de contribuições e impostos ou não prever o mesmo tipo de regulamentação em matéria de contribuições e impostos, de alfândegas e de câmbios que a legislação nacional do Estado de emissão.
3 - Qualquer decisão ao abrigo da alínea l) do n.º 1 que diga respeito a infrações cometidas, em parte, em Portugal ou em local considerado como tal, é tomada, caso a caso e em circunstâncias excecionais, pela autoridade competente, tendo em conta as circunstâncias específicas do caso e, em especial, o facto de a conduta em apreço se ter ou não verificado, em grande parte ou no essencial, no Estado de emissão.
4 - Nos casos a que se referem as alíneas a), b), c), i), k) e l) do n.º 1, antes de decidir recusar o reconhecimento da sentença e executar a condenação, a autoridade competente deve consultar a autoridade competente do Estado de emissão, por qualquer meio adequado, e, se oportuno, deve solicitar-lhe que faculte sem demora quaisquer informações suplementares.”
No presente caso, mostram-se preenchidos os pressupostos de que depende a transmissão, mormente os previstos nos 8.º, n.ºs 1, al. a), 4, 5 e 6, e 17.º, n.º 1, al. b), a contrario, da Lei n.º 158/2015, de 17 de Setembro.
Para além disso, o crime pelo qual AA foi condenado corresponde na ordem jurídica portuguesa ao crime de tráfico e outras atividades ilícitas, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22/01, com referência à tabela I-C a ele anexa.
Sucede, como o Ministério Público reconhece no requerimento que apresentou, não estão verificados os pressupostos para se reconhecer e executar a sentença penal proferida na ... contra o requerido, cidadão português, pois a pena que lhe falta cumprir é inferior a 6 meses de prisão – cf. artigo 17.º n.º 1, alínea h) da Lei 158/2015, de 17 de Setembro, dado que o cumprimento integral da pena ocorrerá já no dia 07/01/2026.
É, assim, manifesto que o reconhecimento pretendido não pode ser alcançado.
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IV. Decisão
Termos em que, com os fundamentos expostos, acordam os juízes deste tribunal em não conceder o reconhecimento da sentença penal de ... em ordem à execução em Portugal da pena imposta a AA.

Lisboa, 18 de Novembro de 2025
(O presente acórdão foi processado em computador pelo relator, seu primeiro signatário, e integralmente revisto por si e pelos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos – art. 94.º, n.º 2 do Código de Processo Penal - encontrando-se escrito de acordo com a antiga ortografia)
Os Juízes Desembargadores,
João Grilo Amaral
Ana Lúcia Gordinho
Sandra Oliveira Pinto