Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
136993/14.0YIPRT-A.L1-6
Relator: JOÃO BRASÃO
Descritores: EXECUÇÃO
ACÇÃO JUDICIAL
EMBARGOS DE EXECUTADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/06/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO/CONFERÊNCIA
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Sumário elaborado pelo Relator:
-A execução é uma verdadeira ação judicial, ainda que de natureza executiva, e o requerimento executivo equivale à petição inicial dessa ação;
-A jurisprudência e doutrina maioritária têm reconhecido este entendimento de que a execução é uma ação judicial, e não um mero incidente ou simples impulso processual;
-Uma decisão proferida num incidente de acção executiva (embargos de executado) não pode, por si, anular actos de uma acção declarativa distinta -já finda- e sem que tal seja determinado por um Tribunal superior.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. O relatório
Schindler - Ascensores e Escadas Rolantes, S. A. deduziu requerimento de injunção contra Condomínio do Edifício Sito Na Av. …, 23.
Em 02/11/2015, foi proferida sentença com o seguinte conteúdo decisório: Nos termos do artigo 2.º do Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro (na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei nº 107/2005, de 01/07), confiro força executiva à petição.
Em 07/04/2025, foi proferido o seguinte despacho:
Os presentes autos encontram-se findos, estando a sentença que esgotou o poder jurisdicional sobre a matéria (artigo 613.º, n.º1, do Cód. Processo Civil) há muito transitada em julgado – o que, aliás, resulta à saciedade da fundamentação do douto aresto do Tribunal da Relação de Lisboa proferido no âmbito dos embargos de executado a que corresponde o processo 7365/16.0T8LRS-A, o que a aqui autora, ali exequente, não pode desconhecer.
Pelo exposto, indefere-se o requerido.
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Inconformada, Schindler – Ascensores e Escadas Rolantes, S. A. interpôs recurso de apelação para esta Relação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
I – O presente recurso vem interposto do despacho de 7.4.2025, que indeferiu o requerimento da Recorrente de 10.5.2024.
II – Parafraseando o Acórdão da Relação do Porto de 22.2.2021 (processos 0130197 e 1-F/93 do 4º Juízo Cível de Vila Nova de Gaia, in www.dgsi.pt), “A procedência de embargos de executado, deduzidos com fundamento em falta ou nulidade da citação na acção declarativa, tem por consequência a anulação de todo o processado desta acção desde aquela citação, inclusive, e, por isso, também da sentença dada à execução.”.
III – Tendo sido declarada com trânsito em julgado no processo 7365/16.0T8LRS do Juiz 2 de Execução deste Tribunal de Loures a falta ou nulidade da citação efectuada nos autos 136993/14.0YIPRT e o inerente esvaziamento da sentença aqui proferida impõe-se tirar ilações desta decisão e anular todo o processado desde esse acto de citação inclusive, repetindo-se tal citação como requerido e, depois dela, a restante tramitação até final.
IV – Face a que (como se diz no Acórdão mencionado na conclusão II) “os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal, tenha ficado vencido” está vedado à Recorrente o recurso de revisão da sentença, face a que “ao reconhecimento e declaração da falta de citação” devem seguir-se “os efeitos que lhe são próprios: a nulidade de tudo o que se processe depois da falta de citação” – cfr. artigo 187º, alínea a) do Código de Processo Civil,…
V – Está fora de questão que se indefira a pretensão da Recorrente da anulação do processado nestes autos desde a citação inclusive e repetição de toda a tramitação desde esse momento processual, pois…
VI – Nem se pode descartar essa pretensão com base num trânsito em julgado que realmente não se efectivou, dado que, sem citação, a sentença realmente não saiu da esfera da própria Recorrente, não produzindo efeitos, entre as quais esse trânsito, sendo que – se o tivesse produzido – então o Réu poderia numa nova acção invocar essa excepção, tolhendo o direito da Recorrente, que não pode de maneira alguma ser atirado ao lixo só porque falhou a citação.
VII – Tal como se diz no Acórdão a que alude a conclusão II, “O indeferimento do pedido da autora
(…) colocá-la-ia numa situação desfavorável: ter de propor nova acção, com acréscimo de custos e com evidente prejuízo para a economia e celeridade processuais (…). (…) Essa solução, anómala e desajustada, não é, porém, necessária (…) devendo tirar-se as devidas consequências do reconhecimento, na decisão dos embargos, da falta de citação do réu (…) tem o efeito, que lhe é próprio, de anulação do processado da acção declarativa posterior ao momento em que ocorreu aquela falta, incluindo a sentença, devendo ser repetidos todos os actos e termos processuais subsequentes àquela falta (…) para além de correcta tecnicamente, será essa a solução que consegue uma composição mais adequada e harmónica dos interesses das partes: preserva intocado o direito de defesa do réu e salvaguarda de forma menos onerosa o interesse do autor.”.
VIII – Não limitando o legislador ao recurso de revisão a maneira de reagir a posteriori a uma falha na citação de um sujeito de direito num contexto em que foi proferida sentença insusceptível de recurso ordinário, mas antes possibilitando que se lhe reaja (somente) através de embargos à execução dessa sentença, consagrou na prática uma precariedade da aludida sentença, que pode ser destruída em sede de tais embargos, ao destruir a citação que a antecede e na qual o Tribunal que a proferiu se baseou para dar por verificada a revelia ao abrigo da qual condenou o réu de preceito.
IX – Uma execução baseia-se num título e a oposição à mesma visa em última análise destruir esse título, sendo a arguição de falha na citação ou falta dela não mais que um meio para atingir esse fim. X – Destarte, não é logicamente possível manter na ordem jurídica uma sentença que se baseou numa citação nula depois de a nulidade dessa citação ter sido validamente declarada e basta que notícia dessa nulidade chegue ao processo em que a citação foi feita para que a mesma tenha de ser anulada, mais a mais quando é a própria parte autora desse processo a requerer essa anulação.
XI – O despacho recorrido incorreu na violação dos artigos 187º, alínea a), 729º, alínea d), e 613º, nº 1 do Código de Processo Civil, e 7º, nº 8 e tabela II do Regulamento das Custas Processuais.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir em separado e com efeito suspensivo.
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Por decisão singular de 19/09/2025, entendeu-se:
Pelo exposto, e na sequência dos fundamentos supra explanados, decide-se julgar improcedente a apelação e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida.
Inconformada, a recorrente reclamou para a Conferência, apresentando a seguinte argumentação:
1. O artigo 656º do Código de Processo Civil permite a decisão sumária quando a questão a decidir seja simples, designadamente por já ter sido jurisdicionalmente apreciada de modo uniforme e reiterado, ou quando o recurso seja manifestamente infundado.
2. O recurso não é manifestamente infundado e a questão não foi jurisdicionalmente apreciada de modo uniforme e reiterado no sentido da decisão singular, tanto assim que a Apelante apresentou um Acórdão da Relação do Porto que vai em sentido contrário.
3. Assim, as catorze mais duas linhas em que se traduziu a decisão em causa, remetendo para a sentença recorrida, não têm o condão de infirmar a argumentação da Apelante e, muito menos, a que subjaz ao Acórdão que essa argumentação seguiu de perto.
4. Destarte, não havia sequer fundamento para decidir ao abrigo do artigo 656º do Código de Processo Civil, cabendo dizer – enquanto entidade que vem ao Tribunal pedir que este dite direito – que não há praticamente hoje em dia um recurso que não seja decidido singularmente, desvirtuando-os completamente e obrigando as partes a esforços financeiros desnecessários, pelo multiplicar de taxas de justiça.
5. A decisão singular, proferida fora dos pressupostos para tal, é nula, nulidade que expressamente se invoca.
6. A execução pode ser perspectivada como um processo autónomo, mas só o é formalmente quando não pode ser intentada sem outro processo que o anteceda e onde se obtenha o título executivo que o possibilita; mais: se se admite que no apenso declarativo do processo subsequente se possa invalidar termos do processo antecedente, é indefensável dizer-se que, em substância, são autónomos um do outro.
7. Não se diga, argumentando literalmente, que no processo executivo apenas se considerou inexequível o título, pois mete-se pelos olhos dentro que essa “inexequibilidade” deriva de o Tribunal que se pronunciou por ela ter entendido que a citação era nula.
8. Logo, a “autonomia” do processo executivo só funciona quando se trata de fechar a porta ao direito de crédito da Apelante (que ainda por cima existe, pois nunca ninguém o colocou em causa), por um erro procedimental que não lhe é sequer assacável, pois para julgar outra vez em sede de embargos o que já estava julgado em processo declarativo e, na prática, destruí-lo a “autonomia” já não existe.
9. Se a justiça se quiser refugiar em formalismos e deixar de o ser, assuma-o,...
10. Porque na realidade, qualquer pessoa vê que simplesmente dizer que processo declarativo e processo executivo são autónomos não soluciona a questão colocada ao Tribunal, inviabiliza o direito de uma parte e põe-na na prática em situação de desigualdade perante a outra, pois permite a esta colocar em causa uma sentença e veda à outra que obtenha em sede própria a reparação do erro procedimental (repete-se: que não é culpa sua) que a inquinava.
11. Pode estatisticamente o Acórdão da Relação do Porto de 22.2.2021 invocado nas alegações da Apelante sair a perder com uma Jurisprudência qualquer que a decisão singular que aqui se coloca em causa nem se deu ao trabalho de referenciar,...
12. Mas lá que quem o elaborou decidiu bem, solucionando de jus e em boa prática a questão que foi chamado a dirimir, isso decidiu.
Ao menos por respeito pela boa Jurisprudência que traduz, ademais induzindo à reflexão profunda sobre o papel dos Tribunais enquanto garantes constitucionais efectivos dos direitos das pessoas, singulares e colectivas, e, simultaneamente, com vista a passar dessa potência ao acto, fazendo valer o direito da Apelante, importa levar este assunto até ao fim.
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Questão a resolver: apurar do acerto da decisão recorrida que considerou findos os presentes autos, estando a sentença que esgotou o poder jurisdicional sobre a matéria (art. 613.º, n.º1, do Cód. Processo Civil) transitada em julgado.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Os factos
Os factos relevantes são os referidos no relatório supra, que aqui se dão por reproduzidos.
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III. O Direito
Em primeiro lugar, embora a reclamante invoque a nulidade da decisão singular proferida, não invoca e/ou qualifica qualquer vício subsumível ao art. 615º nº 1 als. a) a e) do CPC, pelo que, sem necessidade de maiores considerações, vai a nulidade indeferida.
Quanto ao mais, na presente reclamação para a Conferência, o reclamante não esgrime qualquer argumento relevante, com a precisão de que o Acórdão que invoca (Acórdão da Relação do Porto de 22.2.2021 (processos 0130197 e 1-F/93 do 4ºJuízo Cível de Vila Nova de Gaia), foi proferido não em 22.2.2021, mas sim em 22.2.2001, em ocasião que vigorava o anterior código de processo civil e antes da profunda reforma do processo executivo operadas pela Lei nº 23/2002 e DL nº 38/2003.
Reproduzamos os fundamentos da decisão singular posta em crise:
Nestes autos, em 02/11/2015, foi proferida sentença com o seguinte conteúdo decisório: Nos termos do artigo 2.º do Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro (na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei nº 107/2005, de 01/07), confiro força executiva à petição.
Apresentado processo executivo com base na aludida sentença, que correu termos com o proc. 7365/16.0T8LRS-A, o executado CONDOMÍNIO DO PRÉDIO DA AVENIDA …, N.º 23 veio deduzir oposição à execução, mediante embargos de executado, alegando, além do mais, que não foi citado no âmbito da ação declarativa.
O exequente SCHINDLER – Ascensores e Escadas Rolantes, S.A. contestou, pugnando pela citação do executado.
Neste processo executivo, por decisão transitada em julgado, decidiu-se:
Por todo o exposto, julga-se integralmente procedente a presente oposição à execução e, em consequência, determina-se a extinção da execução e o oportuno levantamento das penhoras realizadas ao embargante.
Para fundamentar a decisão, entendeu-se que:
O único fundamento a apreciar na presente oposição à execução consiste na falta de citação do embargante para a ação declarativa.
Decorre dos autos que a ação declarativa correu à revelia do executado/embargante, o qual apenas procedeu à junção ao processo declarativo de procuração forense, junção que não foi suficiente para pôr termo à revelia, nem constituiu meio idóneo de tomar conhecimento do processo, conforme ficou decidido no Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa proferido nestes autos a 29-09-2020.
Resultou comprovado que o executado/embargante não teve conhecimento da nota de citação, nem da pendência da ação declarativa, não lhe podendo ser imputável tal desconhecimento, uma vez que não resultou demonstrada a existência de qualquer relação entre o executado/embargante e a pessoa que recebeu a citação, AA, nem que o referido AA tenha procedido à entrega da citação ao executado/embargante.
Assim, e visto o disposto no artigo 696, alínea e), ii), “ex vi” do artigo 729º, alínea d), ambos do Código de Processo Civil, impõe-se concluir pela procedência da presente oposição à execução e consequente extinção da execução, por inexequibilidade do título executivo (…).(sic).
Está assente no Código de Processo Civil que a execução constitui um processo autónomo destinado a realizar a obrigação que constitui o seu fim próprio, sendo instaurada por requerimento executivo, conforme o disposto no art. 552.º do mesmo diploma legal.
Pelo que, a execução é uma verdadeira ação judicial, ainda que de natureza executiva, e o requerimento executivo equivale à petição inicial dessa ação.
De facto, a jurisprudência e doutrina maioritária, tem reconhecido este entendimento de que a execução é uma ação judicial, e não mero incidente ou simples impulso processual.
Pelo que é correto afirmar que o requerimento executivo inicia uma ação executiva (…).
Em aditamento ao que já consignámos, aceitar-se, como pretende a recorrente, que uma decisão proferida num incidente de acção executiva (embargos de executado) possa, por si, anular actos de uma acção declarativa distinta -já finda- e sem que tal seja determinado por um Tribunal superior, fere os princípios da autonomia territorial, competência em função da matéria e independência dos Tribunais de 1ª instância, bem como a hierarquia destes relativamente ao Tribunais da Relação e Supremo Tribunal de Justiça.
Não sendo nós insensíveis ao princípio da tutela jurisdicional do crédito exequendo da recorrente, esta decisão não põe em crise tal tutela, uma vez que não está a exequente/recorrente impedida de intentar nova acção declarativa com vista à tutela pretendida, nem obstando a tal o risco de prescrição, por via do disposto no art. 323º nº 3 do CPC.
IV. A decisão
Pelo exposto, os Juízes da 6.ª Secção da Relação de Lisboa acordam, em conferência, em indeferir a presente reclamação e confirmar a decisão reclamada.
Sem custas.
Registe e notifique.

Lisboa, 06 de novembro de 2025
João Brasão
Eduardo Petersen Silva
António Santos