Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | ALEXANDRA DE CASTRO ROCHA | ||
| Descritores: | DIREITO DE PROPRIEDADE AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA AQUISIÇÃO DERIVADA PRESUNÇÃO DO REGISTO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 11/18/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | Sumário: I – Não se justifica a alteração da matéria de facto provada se, atentos os princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação, as provas produzidas não impuserem decisão diversa. II – Pretendendo o autor o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre um bem imóvel, terá de provar factos dos quais resulte demonstrada a aquisição originária do domínio, por sua parte ou de qualquer dos antepossuidores: quando a aquisição for derivada, têm de ser comprovadas as sucessivas aquisições dos antecessores até à aquisição originária, excepto nos casos em que se verifique presunção legal da propriedade, como a resultante da posse (artigo 1268.º, n.º 1, do Código Civil), ou a resultante do registo predial (artigo 7.º do Código do Registo Predial). III – A presunção a que alude o artigo 7.º do Código do Registo Predial, de que beneficie o autor, não abrange as confrontações, a área, a composição e a precisa localização constantes da descrição do prédio registado. IV – O pagamento de impostos relativos a determinado imóvel não é susceptível de integrar o corpus possessório, já que não diz respeito ao exercício directo de poderes de facto sobre o bem. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: RELATÓRIO: MCVJGF, S.A., intentou a presente acção declarativa, com processo comum, contra LTML - Le Théâtre Musical de Lisbonne Eventos, L.da, concluindo com o seguinte pedido: «Nestes termos deverá a presente acção ser julgada procedente por provada e, consequentemente, ser a ré condenada a: a. Reconhecer a autora como legítima possuidora e proprietária do prédio identificado no artigo 1º desta petição inicial, com as características e áreas aí descritas, e consequentemente, abstendo-se de todos e quaisquer actos lesivos do direito de propriedade da autora; b. Proceder, no prazo máximo de 15 dias, à restituição da parte do prédio ocupado, correspondente ao artigo matricial X da freguesia de Santa Maria Maior, concelho de lisboa, removendo a parede e entregando o barracão livre de pessoas e bens e, bem assim, à retirada do aparelho instalado na parede de meação do prédio correspondente ao artigo matricial Y da freguesia de Santa Maria Maior. c. Pagar sanção pecuniária compulsória no valor de € 500,00 diários, por cada dia de atraso que exceda o prazo referido na alínea b) deste pedido; e d. Compensar a autora pelos danos patrimoniais no montante de € 21.350,00, acrescidos de juros à taxa legal, contados do trânsito em julgado da sentença até efectivo e integral pagamento». Para tanto, alega que é proprietária de determinado imóvel, correspondente a dois artigos urbanos (X e Y) susceptíveis de utilização independente, correspondendo este último a uma barraca. Entre essa barraca e um outro prédio, este propriedade da R., existia uma parede de meação, sendo certo que a R., a dada altura, demoliu tal parede e ocupou a barraca pertença da A., sem o consentimento desta, tendo construído uma parede que impede o acesso da A. à sua barraca. Além disso, a R. instalou um aparelho de extracção / ventilação de ar numa outra parede de meação do prédio da A. com o artigo matricial Y. A conduta da R. causou à A. diversas despesas com a instauração desta acção: obtenção de documentos, levantamento topográfico, honorários de advogados e deslocações aos prédios. A R. contestou, alegando que o artigo matricial X não corresponde geograficamente à barraca referida pela A.. Por outro lado, refere que, em 2016, comprou uma fracção autónoma do prédio contíguo ao da A. com o art. Y, sendo certo que aquela fracção incluía um logradouro e a área que a A. designa por barraca, a qual a R. vem utilizando desde aquela data, sem que nela tenha efectuado qualquer alteração. Mais refere que tal barraca foi objecto de reconstrução, em 1986, pelo seu antepossuidor, nunca tendo pertencido à A.. Alega ainda que o aparelho de ventilação se encontra instalado há 36 anos, em parede da exclusiva propriedade da R., e impugna os prejuízos invocados pela A.. De qualquer forma, pretende que, ainda que tivesse sido, em tempos, propriedade da A., sempre a R. já teria adquirido a propriedade da barraca, por usucapião. Convidada pelo tribunal a pronunciar-se sobre a matéria de excepção deduzida na contestação, a A. veio pugnar pela sua improcedência. Realizou-se audiência prévia, no decurso da qual foi tabelarmente saneado o processo, foi indicado o objecto do litígio e foram enunciados os temas da prova. Procedeu-se a audiência final, tendo, de seguida, sido proferida sentença, que concluiu com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada e em consequência: . Condeno a R. LTML - LE THÉÂTRE MUSICAL DE LISBONNE, EVENTOS, LDA. a reconhecer a Autora, como dona e legítima proprietária, do imóvel situado na Rua E..., n.ºs …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número …, inscrito na respetiva matriz urbana sob os artigos urbanos Y e X da freguesia de Santa Maria Maior, sendo o primeiro artigo matricial composto de loja, sobre loja, rés-do-chão direito, rés-do-chão esquerdo e três andares com direito e esquerdo e sendo o segundo artigo matricial composto por uma barraca de dois pisos, com uma divisão no rés-do-chão e 2 divisões no 1.º andar destinado a oficina. . No mais, vai a R. absolvida do contra si peticionado. * Custas pela A (70%) e pela R. (30%) - (art. 527º n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil)». Não se conformando com a sentença, dela apelou a A., formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões: «I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo, que julgou a ação parcialmente procedente e decidiu absolver a Ré dos pedidos de restituição da parte do prédio ocupado, correspondente ao artigo matricial X da freguesia de Santa Maria Maior, concelho de Lisboa, removendo a parede e entregando o barracão livre de pessoas e bens, e de retirada do aparelho instalado na parede de meação do prédio correspondente ao artigo matricial Y da freguesia de Santa Maria Maior, no prazo máximo de 15 dias. II. E determinou a absolvição da Ré dos pedidos de pagamento de sanção pecuniária compulsória, no valor de € 500,00 diários, por cada dia de atraso, e de compensação pelos danos patrimoniais, no montante de € 21.350,00, acrescidos de juros à taxa legal, contados do trânsito em julgado da sentença até efetivo e integral pagamento. III. Considerando o Tribunal a quo que: “Ora, existindo, quanto a nós dúvidas acerca da localização e composição e confrontações do art.º matricial X, reivindicado pelos AA., a ação não pode proceder na integra. Pois apenas temos por certo, porque os documentos o atestam, a propriedade da A., e não o uso indevido/ocupação pela R.”. IV. Não pode a Recorrente conformar-se com tal decisão, porquanto, entende a Recorrente que o Tribunal a quo efetuou uma errada apreciação e valoração da prova produzida, bem como uma errada interpretação dos normativos legais aplicáveis, nomeadamente, dos artigos 1305.º e 1311.º do CC. V. Entende a Recorrente que o Tribunal a quo fez uma errada interpretação e valoração da prova produzida, porquanto, não considerou provados factos alegados pela Recorrente, sustentados de forma cabal pela prova documental carreada para os presentes autos e pela prova testemunhal produzida em sede de audiência. VI. E que resultaram, no entender da Recorrente, irrefutavelmente demonstrados, o que determina, como se crê, a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 662.º do CPC. VII. Dita o ponto 13 dos factos provados: “E comprou esta fração, onde atualmente desenvolve a sua atividade de organização de eventos, tal como estava, com o logradouro que a serve e a área que a autora designa por “barraca” sem nela fazer qualquer alteração”. VIII. No entanto, da prova produzida não resultou demonstrado que, à data da compra da fração “B” do prédio sito na Rua F..., n.º .., pela Ré, a fração integrava a área correspondente ao artigo urbano X da freguesia de Santa Maria Maior – a dita barraca. IX. Na verdade, dos documentos juntos aos autos pela Recorrente, designadamente, da certidão predial e da caderneta predial do imóvel sito na Rua E..., n.os …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número … e inscrito na respetiva matriz urbana sob os artigos urbanos Y e X da freguesia de Santa Maria Maior, da planta dos imóveis, bem como da descrição em Livro do prédio sito na Rua F..., n.º …, da respetiva descrição predial, da requisição de registo e da escritura de compra e venda de 1986, resulta que a localização, área e confrontações da barraca estão definidas e documentadas há muitas décadas, sem qualquer alteração. X. Com efeito, da certidão predial resulta que o prédio sito na Rua E..., n.os …, correspondente à descrição … da freguesia F... – cuja propriedade foi reconhecida à Recorrente – é composto pelo edifício de rés-do-chão, sobre loja, dois andares e águas-furtadas, com uma área de 199 m2, inscrito na matriz urbana sob o número Y, freguesia de Santa Maria Maior, no qual se inclui a barraca de dois pisos, com a área coberta de 57 m2, inscrito na matriz urbana sob o número X, freguesia de Santa Maria Maior. XI. Descrição que coincide com a constante da inscrição matricial, que refere expressamente: “Prédio composto de Barraca de 2 pisos. R/C – 1 divisão; 1.º Andar – 2 divisões, destinado a Oficina”. XII. Tal descrição foi, igualmente, corroborada pelo depoimento da testemunha G… (veja-se as passagens [00:11:40] a [00:11:48] do depoimento prestado em audiência de julgamento realizada em 21 de maio de 2025, com início às 09:46 e fim às 10:24, com duração de 00:37:47), XIII. Bem como pelo depoimento da testemunha H… (vide as passagens [00:02:32] a [00:03:10] do depoimento prestado audiência de julgamento realizada em 21 de maio de 2025, através de depoimento que teve início às 11:16 e fim às 11:31 com duração de 00:14:44) e da testemunha I… (veja-se as passagens [00:01:51] a [00:01:58] do depoimento prestado em audiência de julgamento realizada em 21 de maio de 2025, através de depoimento que teve início às 14:10 e fim às 14:21 com duração de 00:10:41). XIV. Acresce que, foi considerado provado que, em julho de 2016, a Recorrida adquiriu, apenas, a fração “B” do prédio sito na Rua F..., n.º …, em Lisboa, ao Instituto de Formação, Investigação e Criação Teatral – IFICT, XV. Que não era, nem é composta, pelo artigo X da freguesia de Santa Maria Maior – a barraca – compreendendo apenas o prédio descrito sob o n.º … (anterior prédio n.º … do Livro B-16, fls 132) da freguesia F..., correspondente ao artigo urbano … da freguesia de Santa Maria Maior, com uma área de implantação de 909m2 e uma área descoberta de 361m2. XVI. Tal resulta, ainda, da descrição em Livro do prédio descrito sob o n.º …, a 18 de novembro de 1963: “N5 – A requerimento de K… (…) fica declarado que o prédio supre n.º …, se compõe de terreno a nível da Rua F..., n.º …, onde estão edificadas três barracões a saber: alínea a) dois barracões com a área de 742m2, inscritos na matriz sob o artigo …; b) barracão com a área coberta de 323m2 e pátio com 25m2 e a um nível inferior situado na parte posterior do prédio um outro barracão; c) com área coberta de 156m2 e terreno anexo com 24m2 tendo sido pedida a inscrição na matriz dos barracões mencionados nas alíneas b) e c). Este conjunto é delimitado ao norte com frente para a dita rua F..., n.º … e com o Quartel … da Guarda Nacional Republicana, do sul com o quintal de L… numa extensão de 2,60m com as traseiras do prédio de M… com quintal de N… e com as traseiras do prédio da Rua E..., n.os … de K… do nascente com barracão e quintal de O… e do poente com o dito Quartel …, BARRACA DE ALVENARIA DE K… e um outro (…)” (negrito nosso). XVII. A soma das áreas referidas na descrição em Livro do prédio descrito sob o n.º… totaliza exatamente: 742m2 + 323m2 + 25m2 + 156m2 + 24 m2 = 909m2 + 361m2 XVIII. Correspondendo à área que consta atualmente na matriz predial do prédio cuja propriedade pertence à Recorrida, conforme documento n.º 2 junto com a contestação. XIX. O que demonstra que a localização, as áreas e as confrontações dos imóveis não sofreram qualquer alteração. XX. Ademais, o facto afirmado no ponto 13. é contrário ao reconhecimento da Recorrente como dona e legítima proprietária do imóvel sito na Rua E..., n.os …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número … e inscrito na respetiva matriz urbana sob os artigos urbanos Y e X da freguesia de Santa Maria Maior, conforme factos 1. a 7. dos factos provados, XXI. Pois que, se a Recorrente é dona e legítima proprietária do prédio inscrito na matriz urbana sob o artigo urbano X da freguesia de Santa Maria Maior – da barraca –, não pode o Tribunal a quo considerar que a Recorrida comprou a fração “B” do prédio sito na Rua F..., n.º …, “tal como estava, com o logradouro que a serve e a área que a autora designa por “barraca” sem nela fazer qualquer alteração”, XXII. Dado que nem a área adquirida, nem os documentos que instruíram (escritura), referem qualquer barraca. XXIII. Assim, atenta a prova documental junta aos autos, designadamente, a certidão predial e a caderneta predial do imóvel sito na Rua E..., n.os …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número … e inscrito na respetiva matriz urbana sob os artigos urbanos Y e X da freguesia de Santa Maria Maior, da planta dos imóveis, bem como a descrição em Livro do prédio sito na Rua F..., n.º …, a respetiva descrição predial, a requisição de registo e a escritura de compra e venda de 1986, XXIV. E à ausência de prova ou de qualquer indício que pudesse concluir que a Recorrida comprou a fração “B” do prédio sito na Rua F..., n.º …, “tal como estava, com o logradouro que a serve e a área que a autora designa por “barraca” sem nela fazer qualquer alteração”, XXV. Não resta alternativa que não seja admitir a alteração do facto 13. considerado como provado, passando este a ter a seguinte redação: 13. E comprou esta fração, onde atualmente desenvolve a sua atividade de organização de eventos. XXVI. No facto 15. considerado como provado é afirmado: “A ré só adquiriu a sua fração após a realização das referidas obras e utiliza, desde então, a tal “barraca”.” XXVII. Dando-se por integralmente reproduzido tudo quanto exposto no ponto i. supra, a propósito da propriedade, composição e localização da barraca, e, ainda, considerando que nunca a Recorrente autorizou a Recorrida a utilizar a barraca, cuja propriedade foi reconhecida à Recorrente, conforme carta remetida à Recorrida – junta aos autos como documento n.º 15 – que a recebeu, XXVIII. Determinará, como se crê, a alteração do facto 15. considerado como provado, passando este a ter a seguinte redação: 15. A ré só adquiriu a sua fração após a realização das referidas obras e ocupa, desde então, a tal “barraca”, propriedade da Autora. XXIX. Considerou o Tribunal a quo como não provados os seguintes factos: “g. O qual confronta a norte, com a sobredita barraca, separados os prédios por uma parede de meação. i. A Ré ocupou, totalmente a barraca a que corresponde o prédio urbano com o artigo matricial X. j. A R. invadiu o prédio da A., sem autorização ou consentimento. k. Impedindo o acesso da Autora a esta parte do seu prédio”. XXX. Para tal, limitou-se a justificar que: “Nenhum levantamento topográfico – que seria essencial – foi realizado para que o Tribunal pudesse concluir com toda a certeza que a R. ocupa um espaço que corresponde ao artigo matricial n.º X. Todo o traçado de Lisboa se foi alterando com o tempo, a configuração das descrições mudaram, as matrizes também. Seria preciso uma análise documental histórica para que o Tribunal pudesse chegar a tal conclusão. Pois que a prova testemunhal produzida não foi também suficiente para nos fazer crer em tal realidade”. XXXI. Não pode a Recorrente aceitar tais conclusões, porquanto, da prova documental e testemunhal produzida, resultou cabalmente demonstrado que o espaço que corresponde ao artigo matricial n.º X – cuja propriedade, repita-se, foi reconhecida à Recorrente – foi ilicitamente ocupado pela Recorrida. XXXII. O acervo documental junto aos autos, designadamente, a certidão predial e a caderneta predial do imóvel sito na Rua E..., n.os …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número 58 e inscrito na respetiva matriz urbana sob os artigos urbanos Y e X da freguesia de Santa Maria Maior, a planta dos imóveis, bem como a descrição em Livro do prédio sito na Rua F..., n.º …, a respetiva descrição predial, a requisição de registo, a escritura de compra e venda de 1986 e as fotografias, permitem identificar com clareza a localização exata e a área da barraca. XXXIII. Com efeito, do confronto da descrição predial e inscrição matricial da barraca – que corresponde ao artigo matricial n.º X – com a descrição predial do prédio descrito sob o n.º …– do qual é parte integrante a fração “B” do prédio sito na Rua F..., n.º … – é possível distinguir a área e os limites de cada um dos imóveis: . A barraca com a área de implantação de 57 m2 e área total de 114m2; . O prédio descrito sob o n.º … com a área de implantação de 909m2 e a área descoberta de 361m2. XXXIV. De tais documentos resulta evidente que, ao longo do tempo, a localização, as áreas e confrontações dos referidos imóveis não sofreram qualquer alteração, o que deveria ter sido considerado pelo Tribunal a quo, XXXV. Que não podia afirmar alterações de descrições, traçados e matrizes, tendo presente que inúmeras avaliações prediais nos prédios urbanos ocorreram ao longo dos anos, concretamente nos anos 70 e em 2004 e, das mesmas, não resultou qualquer alteração dos artigos Y e X, nem do artigo …, XXXVI. Sendo que, como está bem documentado nos autos, os imóveis sofreram obras, mas a sua descrição e áreas mantiveram-se as mesmas. XXXVII. Em nenhum momento, a Recorrida promoveu qualquer alteração de áreas na participação que consta da caderneta predial. XXXVIII. Acresce que, das fotografias e do mapa juntos aos autos, é possível identificar onde termina a área do imóvel correspondente ao artigo matricial n.º Y e o início da área da barraca. XXXIX. Com efeito, nas fotografias n.os 7 a 12, observa-se que o acesso à barraca – que tem número de polícia autónomo: n.º … da Rua E... – é feito, exclusivamente, através das escadas em pedra sitas no logradouro do prédio da Recorrente, correspondente ao artigo matricial n.º Y, XL. Que a barraca tem uma porta no cimo dessas escadas, tem janelas e telhado. XLI. A barraca é, pois, um edificado, cujos limites e confrontações se conseguem facilmente identificar, estando a respetiva chave na posse da Recorrente. XLII. Da prova testemunhal produzida resultou cabalmente demonstrada a localização exata da barraca, designadamente, do depoimento da testemunha G… (vide as passagens [00:10:05] a [00:10:16], de [00:14:52] a [00:14:56] e de [00:19:32] a [00:20:06] do depoimento prestado em audiência de julgamento realizada em 21 de maio de 2025, com início às 09:46 e fim às 10:24, com duração de 00:37:47), XLIII. Bem como do depoimento da testemunha P… (veja-se as passagens [00:02:12] a [00:03:37] e de [00:06:11] a [00:06:18] do depoimento prestado em audiência de julgamento realizada em 21 de maio de 2025, com início às 10:25 e fim às 10:42, com duração de 00:16:28) e da testemunha H… (vide as passagens [00:02:32] a [00:03:10], de [00:03:46] a [00:03:50] e de [00:05:25] a [00:07:07] do depoimento prestado em audiência de julgamento realizada em 21 de maio de 2025, com início às 11:16 e fim às 11:31, com duração de 00:14:44). XLIV. Ainda, os factos considerados não provados nos pontos i., j. e k., são contrários ao reconhecimento da Autora como dona e legítima proprietária do imóvel sito na Rua E..., n.os …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número … e inscrito na respetiva matriz urbana sob os artigos urbanos Y e X da freguesia de Santa Maria Maior, conforme factos 1. a 7. dos factos provados. XLV. Com efeito, sendo a Autora dona e legítima proprietária da barraca e não tendo autorizado a Recorrida a utilizá-la – conforme facto provado 11. – a construção da parede pelo interior da barraca, pela Recorrida, impede o acesso da Recorrente através da porta existente, constituindo uma invasão e ocupação ilegítima da barraca pela Recorrida. XLVI. São, pois, bastantes os meios de prova que permitem concluir pela exata localização da barraca, a respetiva área e confrontações. XLVII. Sendo certo que, da análise dos documentos suprarreferidos e dos depoimentos das testemunhas G…, P… e H… – nas passagens acima indicadas – deverão determinar o aditamento à matéria considerada provada, dos seguintes factos: “16. O qual confronta a norte com a sobredita barraca, separados que estavam os prédios por uma parede de meação. 17. A Ré ocupou totalmente a barraca a que corresponde o prédio urbano com o artigo matricial X. 18. A R. invadiu o prédio da A., sem autorização ou consentimento. 19. Impedindo o acesso da Autora a esta parte do seu prédio. XLVIII. Devendo, em consequência, ser eliminados os pontos g), i), j) e k) indicados nos “factos não provados”. XLIX. Requer-se, assim, a esse Tribunal se digne promover à alteração da matéria de facto, em cumprimento do disposto no artigo 640.º do CPC, com as inerentes consequências legais, nos seguintes termos: a) Alterar o facto 13. considerado como provado, passando este a ter a seguinte redação: 13. E comprou esta fração, onde atualmente desenvolve a sua atividade de organização de eventos. b) Alterar o facto 15. considerado como provado, passando este a ter a seguinte redação: 15. A ré só adquiriu a sua fração após a realização das referidas obras e ocupa, desde então, a tal “barraca”, propriedade da Autora. c) Aditar à matéria considerada como provada, os seguintes factos: 16. O qual confronta a norte com a sobredita barraca, separados que estavam os prédios por uma parede de meação. 17. A Ré ocupou totalmente a barraca a que corresponde o prédio urbano com o artigo matricial X. 18. A R. invadiu o prédio da A., sem autorização ou consentimento. 19. Impedindo o acesso da Autora a esta parte do seu prédio. d) Em face da alteração no sentido indicado no ponto c) supra, a eliminação dos pontos g), i), j) e k) indicados nos “factos não provados”. L. Entende a Recorrente que mal andou o Tribunal a quo na interpretação dos normativos legais aplicáveis, designadamente, dos artigos 1305.º e 1311.º do Código Civil. LI. Na sentença, considerou o Tribunal a quo que: “Numa ação de reivindicação a causa de pedir é integrada pelo direito de propriedade do reivindicante sobre a coisa reivindicada e pela violação desse direito pelo reivindicado (possuidor ou mero detentor da coisa reivindicada). E o pedido consiste no reconhecimento do direito de propriedade do reivindicante sobre a coisa, e consequentemente, na condenação do reivindicado a restituir-lhe a coisa reivindicada”. LII. No entanto, apesar de concluir pelo reconhecimento do direito de propriedade da Recorrente sobre o imóvel sito na Rua E..., n.os …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número …, inscrito na respetiva matriz urbana sob os artigos urbanos Y e X da freguesia de Santa Maria Maior, LIII. Afirma, incompreensivelmente, ter dúvidas quanto à localização, composição e confrontações do imóvel correspondente ao artigo matricial X, reivindicado pela Recorrente, absolvendo a Recorrida do pedido de restituição do mesmo, em clara contradição com o entendimento defendido anteriormente quanto ao pedido da ação de reivindicação. LIV. Na defesa do direito de propriedade - definido no artigo 1305.º do CC – determinou o legislador, no n.º 1 do artigo 1311.º do CC, que: “O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence”. LV. Acrescentando o n.º 2 da citada norma que: “Havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei”. LVI. Ora, in casu, o Tribunal a quo reconheceu o direito de propriedade da Recorrente sobre o imóvel sito na Rua E..., n.os …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número …, inscrito na respetiva matriz urbana sob os artigos urbanos Y e X da freguesia de Santa Maria Maior, LVII. Não tendo a Recorrida logrado provar que é titular de um direito que legitima a recusa da restituição, à Recorrente, da barraca, correspondente ao imóvel inscrito na matriz urbana sob o artigo X. LVIII. Acresce que, os documentos juntos, designadamente, a certidão predial e a caderneta predial do imóvel sito na Rua E..., n.os …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número … e inscrito na respetiva matriz urbana sob os artigos urbanos Y e X da freguesia de Santa Maria Maior, a planta dos imóveis, bem como a descrição em Livro do prédio sito na Rua F..., n.º …, e respetiva descrição predial, permitem identificar a barraca e distingui-la, tanto da fração “B” do prédio sito na Rua F..., n.º …, pertencente à Recorrida, como do prédio correspondente aos n.os … da Rua E..., propriedade da Recorrente. LIX. O que, igualmente, foi corroborado pelos depoimentos das testemunhas, nomeadamente, pelas testemunhas G…, P… e H…. LX. Assim, da prova produzida, não só resulta demonstrada a localização, a área e as confrontações do imóvel correspondente ao artigo matricial X, reivindicado pela Recorrente, como que este foi ocupado pela Recorrida, de forma ilícita, sem o consentimento da Recorrente. LXI. Ademais, tendo o Tribunal a quo reconhecido o direito de propriedade da Recorrente sobre o imóvel sito na Rua E..., n.os …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número …, inscrito na respetiva matriz urbana sob os artigos urbanos Y e X da freguesia de Santa Maria Maior, LXII. E não tendo a Recorrida demonstrado a existência de qualquer título válido que legitime a sua utilização do imóvel, não pode igualmente deixar de proceder a pretendida restituição, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 1311.º do CC. LXIII. Temos, assim, que o Tribunal a quo, quanto ao teor da sentença proferida na parte objeto do presente recurso, não aplicou, nem interpretou, os normativos legais aplicáveis, designadamente, os artigos 1305.º e 1311.º do Código Civil, como se impunha. LXIV. Uma correta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 1305.º e 1311.º do Código Civil, só poderia determinar o reconhecimento da ocupação ilícita do imóvel pela Recorrida e, em consequência, a restituição do mesmo à Recorrente, o que se requer a esse Tribunal se digne reconhecer e declarar. Termos em que se requer V/ Exa. se digne ordenar a imediata revogação da sentença proferida, sendo esta substituída por decisão nos termos supra expostos, com as demais consequências legais, assim se fazendo inteira e sã JUSTIÇA!». A R. contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso. QUESTÕES A DECIDIR Conforme resulta dos arts. 635.º n.º4 e 639.º n.º1 do Código de Processo Civil, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, as quais desempenham um papel análogo ao da causa de pedir e do pedido na petição inicial. Ou seja, este Tribunal apenas poderá conhecer da pretensão e das questões formuladas pela recorrente nas conclusões, sem prejuízo da livre qualificação jurídica dos factos ou da apreciação das questões de conhecimento oficioso (garantido que seja o contraditório e desde que o processo contenha os elementos a tanto necessários – arts. 3.º n.º3 e 5.º n.º3 do Código de Processo Civil). Note-se que «as questões que integram o objecto do recurso e que devem ser objecto de apreciação por parte do tribunal ad quem não se confundem com meras considerações, argumentos, motivos ou juízos de valor. Ao tribunal ad quem cumpre apreciar as questões suscitadas, sob pena de omissão de pronúncia, mas não tem o dever de responder, ponto por ponto a cada argumento que seja apresentado para sua sustentação. Argumentos não são questões e é a estes que essencialmente se deve dirigir a actividade judicativa». Por outro lado, não pode o tribunal de recurso conhecer de questões novas que sejam suscitadas apenas nas alegações / conclusões do recurso – estas apenas podem incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, salvo os já referidos casos de questões de conhecimento oficioso [cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 2022 – 7.ª ed., págs. 134 a 142]. Nessa conformidade, são as seguintes as questões que cumpre apreciar: - Da decisão de facto; - Da decisão de direito relativamente à improcedência do pedido de restituição do imóvel. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença sob recurso considerou como provados os seguintes factos: «1. A Autora, é dona e legítima proprietária, do imóvel situado na Rua E..., n.ºs …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número …, inscrito na respetiva matriz urbana sob os artigos urbanos Y e X da freguesia de Santa Maria Maior, sendo o primeiro artigo matricial composto de loja, sobre loja, rés- do-chão direito, rés-do-chão esquerdo e três andares com direito e esquerdo e sendo o segundo artigo matricial composto por uma barraca de dois pisos, com uma divisão no rés-do-chão e 2 divisões no 1.º andar destinado a oficina. 2. A Autora, no dia 19 de novembro de 2014, tornou-se proprietária do prédio por entrega, a título de prestações suplementares, da acionista Q…, a qual era proprietária do imóvel, juntamente com os seus filhos, desde 2002. 3. A família da referida acionista Q…, era já há muito tempo possuidora e legítima proprietária do mencionado prédio desde que, em 1935, este foi adquirido e registado em nome de K…, seu sogro. 4. Pelo que, por si e ante possuidores, a Autora está na posse e têm a propriedade do dito prédio há mais de 80 anos. 5. De forma continuada, pública, de boa-fé e na convicção de exercer um direito próprio, o de proprietária 6. Sempre à vista de todos e sem oposição ou lesão de interesses de quem quer que seja, 7. Pagando as respetivas contribuições autárquicas e imposto municipal de imóveis. 8. O edifício correspondente ao artigo Y vem sendo, ao longo do tempo, arrendado para fins habitacionais. 9. Em 2009 no âmbito do Regime Especial de Comparticipação na Recuperação de Imóveis Arrendados (RECRIA), foi efetuada uma reabilitação profunda do edifício principal. 10. A Ré é a atual proprietária do prédio sito na Rua F... número …. 11. A A. enviou à R. a carta que consta como documento n.º 15, que a recebeu. 12. Em julho de 2016 a ré comprou ao Instituto de Formação, Investigação e Criação Teatral – IFICT a fração “B” do prédio sito na Rua F..., nº…, em Lisboa. 13. E comprou esta fração, onde atualmente desenvolve a sua atividade de organização de eventos, tal como estava, com o logradouro que a serve e a área que a autora designa por “barraca” sem nela fazer qualquer alteração. 14. Em 1985 o imóvel onde funcionava a oficina foi adquirido e iniciaram-se as obras de reconstrução do mesmo, tendo dado entrada na Câmara Municipal de Lisboa o pedido de autorização para as mesmas em agosto de 1986. 15. A ré só adquiriu a sua fração após a realização das referidas obras e utiliza, desde então, a tal “barraca”». A mesma decisão considerou não provados os seguintes factos: «a. Pelo que K… à data quer proprietário do imóvel correspondente ao artigo matricial Y da freguesia de Santa Maria Maior, quer da barraca de dois pisos correspondente ao artigo matricial X da freguesia de Santa Maria Maior, quer da oficina de latoaria e funilaria instalada na Rua F... …, resolveu utilizar a barraca em complemento das suas oficinas. b. A barraca, correspondente ao artigo matricial n.º X, foi utilizada para fins não habitacionais, nela tendo estado instalada, até final da década de 1970, parte das oficinas da … & C.ª Limitada. c. E assim terá sido utilizada até ao encerramento definitivo das oficinas da … & C.ª Limitada, após a venda do imóvel da Rua F... 19. d. Altura em que foi reerguida a parede de meação entre a barraca e o prédio da Rua F.... e. Não tendo sido a barraca intervencionada por não estar para tal qualificada, nos termos do RECRIA, pois para este programa apenas eram elegíveis imóveis arrendados. f. E, a barraca, à data encontrava-se trancada, não tinha condições de habitabilidade e por isso não estava arrendada, mas sim totalmente devoluta. g. O qual confronta a norte, com a sobredita barraca, separados os prédios por uma parede de meação. h. A administradora da Autora, Q… apercebeu-se que a Ré, em data desconhecida, demoliu do lado do seu prédio, a parede de meação que dividia precisamente o seu prédio da barraca. i. A Ré ocupou, totalmente a barraca a que corresponde o prédio urbano com o artigo matricial X. j. A R. invadiu o prédio da A., sem autorização ou consentimento. k. Impedindo o acesso da Autora a esta parte do seu prédio. l. A Ré instalou um aparelho de extração/ventilação de ar numa outra parede de meação do prédio da Autora e que como tal sobre ele pende. m. A barraca em questão têm um valor global aproximado de € 351.000,00. n. A A. gastou 850,00 com um levantamento topográfico. o. (…) conforme resultou das obras de reconstrução efetuadas em 1986». Questão prévia: «Na decisão sobre a matéria de facto apenas devem constar os factos provados e os não provados, excluindo-se afirmações genéricas, conclusivas e que contenham matéria de direito, as quais, acaso constem do elenco dos factos provados, dele devem ser excluídas, o que pode ser feito, oficiosamente, pelo tribunal de recurso», ao abrigo do disposto nos arts. 663.º n.º2 e 607.º n.º4 do Código de Processo Civil» Cfr. Ac. RP de 14/12/2022, proc. 2093/19, disponível em http://www.dgsi.pt.. Como refere o Prof. Alberto dos Reis (in Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 4.ª ed., págs. 206-207) «é questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior» e «é questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei». Ou seja, há matéria de direito «sempre que, para se chegar a uma solução, se torna necessário recorrer a uma disposição legal» e «há matéria de facto quando o apuramento das realidades se faz todo à margem da aplicação directa da lei, isto é, quando se trata de averiguar factos cuja existência ou não existência não depende da interpretação a dar a nenhuma norma jurídica». «Reduzido o problema à sua simplicidade, a fórmula é esta: a) é questão de facto determinar o que aconteceu; b) é questão de direito determinar o que quer a lei, ou seja a lei substantiva, ou seja a lei de processo» A este respeito pode ver-se, com interesse, o Ac. STJ de 1/10/2019, proc. 109/17, disponível em http://www.dgsi.pt.. No caso dos autos, compulsada a matéria considerada provada pelo tribunal a quo, constata-se que a mesma se encontra eivada de conclusões e de conceitos de direito, dos quais importa ser expurgada. Assim, relativamente aos pontos 1 a 4 daquela matéria «1.A Autora, é dona e legítima proprietária, do imóvel situado na Rua E… n.ºs …, … e …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número …, inscrito na respetiva matriz urbana sob os artigos urbanos … e … da freguesia de Santa Maria Maior, sendo o primeiro artigo matricial composto de loja, sobre loja, rés- do-chão direito, rés-do-chão esquerdo e três andares com direito e esquerdo e sendo o segundo artigo matricial composto por uma barraca de dois pisos, com uma divisão no rés-do-chão e 2 divisões no 1.º andar destinado a oficina. 2. A Autora, no dia 19 de novembro de 2014, tornou-se proprietária do prédio por entrega, a título de prestações suplementares, da acionista Q…, a qual era proprietária do imóvel, juntamente com os seus filhos, desde 2002. 3. A família da referida acionista Q…, era já há muito tempo possuidora e legítima proprietária do mencionado prédio desde que, em 1935, este foi adquirido e registado em nome de K…, seu sogro. 4. Pelo que, por si e ante possuidores, a Autora está na posse e têm a propriedade do dito prédio há mais de 80 anos»., dos quais consta que a A. é «proprietária» do imóvel ali identificado, temos que o direito de propriedade constitui um mero conceito de direito e não qualquer matéria de facto. Com efeito, para se determinar se a A. é, ou não, proprietária de determinado bem, é necessário recorrer a normas jurídicas onde se funde esse seu invocado direito de propriedade, pelo que não estamos perante uma questão de facto. É que, embora a “propriedade” seja um termo de uso corrente na linguagem comum, tal termo não pode ser admitido enquanto matéria de facto se o direito de propriedade for (como é no caso dos autos) o cerne da questão a decidir – a inclusão de tal expressão no conceito de matéria de facto, como se refere no Ac. do STJ de 14/11/2006 (proc. 06A2992, disponível em http://www.dgsi.pt), arrumaria definitivamente a questão de direito cuja sede própria de conhecimento, no entanto, não é a decisão da matéria de facto, mas a decisão de direito. O mesmo se diga quanto à posse, que é igualmente um conceito jurídico e tem de ser concretizado por actos materiais praticados sobre a coisa, sendo que apenas estes últimos são conceitos de facto - cfr. art. 1251.º do Código Civil. Nessa conformidade, por não se tratar de facto e, portanto, não poder constar da matéria provada na sentença (art. 607.º n.º4, a contrario, do Código de Processo Civil), têm de ser eliminadas Neste sentido, pode ver-se o Ac. STJ de 29/4/2015, proc. 306/12, disponível em http://www.dgsi.pt, onde se escreve: “A selecção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos. Caso contrário, as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante”. Ainda no mesmo sentido, e disponível no mesmo sítio: Ac. RE de 28/6/2018. as referências em causa, devendo antes ser consignado o teor da descrição e inscrição registral do direito de propriedade Documento n.º1 da petição inicial e certidão junta em 8/11/2024 (ref.ª CITIUS 40985907)., bem como da respectiva inscrição matricial Documentos n.º2 e 3 da petição inicial., pelo que os pontos 1. a 4 dos factos provados passarão a ter a seguinte redacção: «1. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o número …, o imóvel situado na Rua E..., n.ºs …, inscrito na respetiva matriz urbana sob os artigos urbanos Y e X da freguesia de Santa Maria Maior, constando daquela descrição o seguinte: “Edifício composto de rés-do-chão, sobre loja, dois andares e águas-furtadas - 199 m2; Barraca de dois pisos - 57 m2”. 2. O artigo urbano Y encontra-se descrito no respectivo Serviço de Finanças da seguinte forma e com a seguinte localização: “prédio composto de loja, s/loja r/c Dto, r/c Esq e três andares com Dto e Esq”; “Rua E... …”. 3. O artigo urbano X encontra-se descrito no respectivo Serviço de Finanças da seguinte forma e com a seguinte localização: “prédio composto de barraca de dois pisos. R/C - 1 divisão; 1.º Andar - 2 divisões, destinado a Oficina”; “R. E... n.º…”. 4. O direito de propriedade sobre o imóvel referido em 1. encontrou-se, sucessivamente, registado pela seguinte forma: a - desde 15/10/1935, a favor de K…; b - desde 12/4/2002, a favor de S… e T…, casado no regime da comunhão geral com U…; c - desde 12/4/2002, a quota de ½, a favor de Q…, V… e P…, sendo sujeito passivo S…; d - desde 12/4/2002, a quota de ½, a favor de U…, sendo sujeito passivo T…; e - desde 20/11/2002, a quota de ½, a favor de P…, sendo sujeito passivo U…; f - desde 15/12/2011, a favor de Q…, sendo sujeito passivo V…; g - desde 16/4/2013, a quota de ½, a favor de Q…, sendo sujeito passivo P…; h - desde 9/12/2014, a favor de Q…, sendo sujeito passivo P…; i - desde 23/12/2014, a favor da A., com fundamento em “entrega a título de prestações acessórias”, sendo sujeito passivo Q…». 4.1. A entrega referida em 4-i realizou-se mediante escritura pública de 19 de Novembro de 2014, conforme documento 4 da petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido». Por se tratar de matéria de direito / conclusões jurídicas (como se disse, posse e propriedade são conceitos de direito), eliminam-se os pontos 5 e 6 da decisão de facto da sentença. Alterando-se a redacção do ponto 7, de forma a que a mesma fique perceptível em relação ao [novo] ponto 4.1, pela seguinte forma: «7. A A. e as demais pessoas a favor de quem o direito de propriedade se encontrou sucessivamente registado, há mais de 80 anos, vêm pagando as respectivas contribuições autárquicas e imposto municipal de imóveis». Também o ponto 10 da sentença contém a referência a «direito de propriedade» da R. sobre o prédio sito na Rua F..., n.º…. Novamente estamos, como já referimos supra, perante um conceito de direito, pelo que se impõe substitui-lo pelos factos, ou seja, pelos elementos do registo predial Documento 1 da contestação e documento 3 do requerimento de 15/12/2023 (ref.ª CITIUS 37913451). e matriciais Documento 2 da contestação.. Aliás, não se percebe sequer a redacção do ponto 10, ao dizer que a R. é a proprietária do prédio, quando no ponto 12 consta que a mesma comprou a fracção B desse prédio (e não a totalidade do mesmo). Assim, o ponto 10 da matéria de facto passará a ter a seguinte redacção: «10. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n..º…, o imóvel situado na Rua F..., n.º…, inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo … da freguesia de Santa Maria Maior, constando daquela descrição o seguinte: “Edifício de rés-do-chão e 1.º andar, ocupando 4 pisos distribuídos em socalcos e logradouro. Fracções Autónomas: A, B”. 10.1 Da inscrição da constituição de propriedade horizontal consta o seguinte: “Direitos dos condóminos regulados no título: A fracção A usufrui de um terraço, com a área de 75 m2, à frente, ao nível do 1.º andar; e a fracção B de um logradouro, a tardoz, com a área de 106 m2, ao nível do piso de menor cota”. 10.2 Da descrição da fracção autónoma designada pela letra B consta o seguinte: “Composição: Ocupação - Actividades teatrais - abrangendo parte do rés-do-chão, e mais 2 pisos, em socalcos, a cotas inferiores, a tardoz, ligados por escadas interiores”. 10.3 O direito de propriedade sobre aquela fracção B encontra-se registado a favor da R. desde 26/7/2016, com fundamento em compra, sendo sujeito passivo o Instituto de Formação Investigação e Criação Teatral». x Isto posto, temos que a A. impugna a decisão de facto, relativamente aos pontos 13 e 15 dos factos provados e às alíneas g), i), j) e k) dos factos não provados. Nos termos do art. 662.º n.º1 do Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Como refere António Santos Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 7.ª ed., págs. 333 e ss.), «sem embargo da correcção, mesmo a título oficioso, de determinadas patologias que afectam a decisão da matéria de facto (v.g. contradição) e também sem prejuízo do ónus de impugnação que recai sobre o recorrente e que está concretizado nos termos previstos no art. 640.º, quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência». A modificação deverá, ainda, ocorrer sempre que «o tribunal recorrido tenha desrespeitado a força plena de certo meio de prova» ou «quando for apresentado pelo recorrente documento superveniente que imponha decisão diversa». Note-se, no entanto, que «quando a apreciação da impugnação deduzida contra a decisão de facto da 1.ª instância seja, de todo, irrelevante para a solução jurídica do pleito, ainda que a tal impugnação satisfaça os requisitos formais prescritos no art. 640.º n.º1 do Código de Processo Civil, não se justifica que a Relação tome conhecimento dela, à luz do disposto no art. 608.º n.º2 do Código de Processo Civil» (cfr. Ac. STJ de 23/1/2020, proc. 4172/16, disponível em https://jurisprudencia.csm.org.pt) A este respeito pode ver-se, ainda, o Ac. RC de 27/5/2014 (proc. 1024/12, disponível em http://www.dgsi.pt): «Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o (s) facto (s) concreto (s) objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente».. Caso contrário, estaríamos a praticar um acto inútil, proibido à luz do art. 130.º, do mesmo diploma. Acresce que, como se refere no Ac. RP de 21/6/2021 (proc. 2479/18, disponível em http://www.dgsi.pt), «mantendo-se em vigor, em sede de Recurso, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efectuado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação, quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância». Particularmente no caso da prova testemunhal e por declarações de parte (e desde que não estejamos perante factos de prova vinculada), é de salientar que, havendo vários depoimentos / declarações contraditórios entre si, as regras da sua apreciação não são matemáticas, ou seja, um facto não é considerado provado ou não provado consoante exista um maior ou menor número de pessoas a afirmá-lo ou a contrariá-lo. Ainda que apenas uma pessoa afirme um facto, enquanto todas as outras o negam, e ainda que várias pessoas afirmem um facto, enquanto apenas uma o nega, esse facto pode ser considerado provado / não provado, conforme a apreciação que seja feita dos depoimentos / declarações, com base na sua credibilidade, coerência, isenção, razão de ciência, distanciamento, conjugação com outros meios de prova (v.g., documental) e conjugação com as regras da experiência. Aliás, ainda que todas as pessoas ouvidas afirmem determinado facto, o mesmo pode ser considerado não provado - basta que os depoimentos / declarações não sejam credíveis (porque, por exemplo, as pessoas têm interesse na decisão da causa e não se mostraram objectivas na sua narração, o seu conhecimento não é directo, os depoimentos / declarações foram contraditórios ou foram de tal forma coincidentes que se afiguram «ensaiados», não é possível que aquelas pessoas, nas circunstâncias concretas, tivessem conhecimento daqueles factos…). E não se pode olvidar que o tribunal de primeira instância se encontra em posição privilegiada para levar a cabo tal tarefa de apreciação, ponderação e discernimento, uma vez que contacta directa e presencialmente (ou, mesmo que à distância, com imagem) com as pessoas ouvidas e, portanto, pode aperceber-se dos aspectos relevantes da linguagem não verbal – expressões faciais, postura, gestos, hesitações. Significa isto que, salvo casos de flagrante erro de avaliação por parte do tribunal de primeira instância (v.g., uma testemunha em que o tribunal se baseou claramente está a efabular, o seu depoimento é contrariado por prova documental ou pericial fiável, os factos que narrou não podiam – de acordo com as regras da experiência ou outras – ter acontecido daquela forma, aquilo que disse não foi o que o tribunal entendeu…), não há que alterar a matéria de facto fixada na sentença. Dito de outra forma, em caso que não seja de prova legal, deve confiar-se na avaliação efectuada em primeira instância, a não ser que a prova produzida implique, necessariamente, decisão diversa. Balizadas que estão as regras que nos orientarão, passemos à apreciação da pretensão da recorrente, que é a de que: A – O facto provado n.º 13 [«13. E comprou esta fração, onde atualmente desenvolve a sua atividade de organização de eventos, tal como estava, com o logradouro que a serve e a área que a autora designa por “barraca” sem nela fazer qualquer alteração»] passe a ter a seguinte redacção: «13. E comprou esta fração, onde atualmente desenvolve a sua atividade de organização de eventos»; B – O facto provado n.º15 [«15. A ré só adquiriu a sua fração após a realização das referidas obras e utiliza, desde então, a tal “barraca”»] passe a ter a seguinte redacção: « A ré só adquiriu a sua fração após a realização das referidas obras e ocupa, desde então, a tal “barraca”, propriedade da Autora»; C – O facto não provado g) [«g. O qual confronta a norte, com a sobredita barraca, separados os prédios por uma parede de meação»] seja considerado provado, com a seguinte redacção: «16. O qual confronta a norte com a sobredita barraca, separados que estavam os prédios por uma parede de meação»; D – O facto não provado i) [«i. A Ré ocupou, totalmente a barraca a que corresponde o prédio urbano com o artigo matricial X»] seja considerado provado, com a seguinte redacção: «17. A Ré ocupou totalmente a barraca a que corresponde o prédio urbano com o artigo matricial X»; E – O facto não provado j) [«j. A R. invadiu o prédio da A., sem autorização ou consentimento»] seja considerado provado, com a seguinte redacção: «18. A R. invadiu o prédio da A., sem autorização ou consentimento»; F – O facto não provado k) [«k. Impedindo o acesso da Autora a esta parte do seu prédio»] seja considerado provado, com a seguinte redacção: «19. Impedindo o acesso da Autora a esta parte do seu prédio». Vejamos. Relativamente à alteração enunciada em A), a recorrente funda a sua pretensão na circunstância de não resultar da prova produzida que, à data da compra da fracção B pela R., tal fracção integrasse «a área correspondente ao artigo urbano X da freguesia de Santa Maria Maior - a dita barraca». Reporta-se à descrição dos prédios constante do registo predial e da matriz, bem como ao depoimento das testemunhas G…, H… e I…. Já o tribunal a quo entendeu que o depoimento daquelas testemunhas não pode relevar, dado que, quanto aos dois primeiros, se trata de depoimentos de «ouvir dizer» (sabem o que lhes foi transmitido pela sócia da A.) e, quanto ao terceiro, o mesmo sempre conheceu o espaço tal como se encontra actualmente, desconhecendo a quem pertence a «barraca». Temos de concordar com a apreciação da 1.ª instância, dado que as testemunhas mencionadas pela recorrente nenhum conhecimento directo revelaram sobre o que ocorreu aquando da compra da sua fracção por parte da R.. Aliás, os excertos dos depoimentos das testemunhas transcritos pela A. em nada contrariam a utilização da barraca dada como provada no ponto 13. Tem, no entanto, razão a recorrente ao referir que não pode considerar-se provado que o contrato de compra e venda tenha abrangido a barraca, já que nos autos não consta sequer certidão desse contrato e, portanto, desconhecemos o seu teor. Deve, pois, ser alterada a redacção do ponto 13, em conformidade. No entanto, dele deve continuar a constar a utilização da barraca por parte da R. (que, aliás, é facto assente, por acordo das partes), sendo certo que deve também continuar a constar que, após a compra, a R. recebeu a sua fracção, tendo-lhe sido entregue como incluindo o logradouro que a serve e a barraca, nela não tendo a R. feito qualquer alteração. Isto porque a testemunha Z…, que ajudou a R. a instalar-se no local, tendo demonstrado ter conhecimento directo dos factos e tendo deposto de forma isenta e convincente, mencionou tais factos. Tal como referido na sentença, «afirmou conhecer o espaço há 20 anos e que desde sempre a “barraca” foram os camarins do espaço; declarou que todo o espaço sofreu obras profundas pelo IFICT, anterior proprietário, tendo sido tudo licenciado pela Câmara Municipal de Lisboa; referiu que só há cerca de 5 anos lhe referiram que aquele espaço não seria da R.». Explicou que, embora pareça uma barraca, o espaço na realidade não o é, sendo que as escadas interiores do edifício da Rua F... dão acesso ao 1.º andar da suposta «barraca», existindo, portanto, uma ligação material entre ambos, a qual já existia quando conheceu o local. Deste modo, o ponto 13 dos factos provados passará a ter a seguinte redacção: «13. Quando comprou a fracção referida em 12, a R. recebeu da vendedora todo o espaço onde passou a desenvolver a sua actividade de organização de eventos, incluindo o logradouro que a serve e uma área que a A. designa por “barraca”, sem nela fazer qualquer alteração». Relativamente ao ponto 14 dos factos provados, embora não tenha sido impugnada a decisão de facto, há que eliminar a incongruência resultante de nele ser mencionado «o imóvel onde funcionava a oficina», dado que em nenhum dos pontos anteriores (e posteriores) é referida a existência de qualquer oficina, pelo que podem levantar-se dúvidas sobre qual o imóvel a que se refere tal ponto. Considerando que este facto foi extraído do art. 8.º da contestação, o qual se reportava ao prédio sito na Rua F..., … (e que foi transcrito de forma acrítica na sentença), torna-se evidente que é àquele prédio que se reporta o ponto 14, o qual passará a ter a seguinte redacção: «14. Em 1985, o imóvel sito na Rua F..., …, foi adquirido e iniciaram-se as obras de reconstrução do mesmo, tendo dado entrada na Câmara Municipal de Lisboa o pedido de autorização para as mesmas em Agosto de 1986». Relativamente ao aditamento pretendido pela recorrente, mencionado em B), temos que o mesmo não se mostra possível, atendendo a que, como já referimos supra, o direito de propriedade da A. não é uma questão de facto. Improcede, pois, a pretensão da A., nessa vertente. Quanto à alteração preconizada pela A., referida em C), diga-se, antes de mais, que, atendendo a que o facto não provado g) foi retirado do art. 25.º da petição inicial (também transcrito de forma acrítica), pode-se concluir que, quando se refere «o qual», pretende dizer-se o prédio sito na Rua F..., …. Ora, aquela alteração - incluir nos factos provados que o prédio sito na Rua F... confronta, do norte, com a barraca, separados os prédios por uma parede de meação - é irrelevante. Com efeito, a presente acção é uma acção real e, portanto, o que está em causa é saber se a barraca utilizada pela R. é a referida na descrição registral do prédio inscrito a favor da A., independentemente de o prédio sito na Rua F... confrontar, ou não, com ela, ou de existir uma parede de meação entre os prédios sitos na Rua F... e E.... Finalmente, quanto aos aditamentos supra mencionados em D), E) e F), pretende a A. que se considere provado que a R. ocupou totalmente a barraca que corresponde ao prédio urbano com o artigo matricial X, o que fez sem autorização ou consentimento da A. e impedindo o acesso desta a parte do seu prédio. Funda a recorrente a sua pretensão no depoimento das testemunhas G…, P… e H…, e nas descrições constantes do registo predial. O tribunal a quo entendeu considerar estes factos como não provados, por não ter por certa a localização do imóvel correspondente à matriz n.ºX no mapa de Lisboa. Ali se refere que: «O único mapa que existe no processo é o documento n.º 14, cuja origem e autoria se desconhece. Nenhum levantamento topográfico – que seria essencial – foi realizado para que o Tribunal pudesse concluir com toda a certeza que a R. ocupa um espaço que corresponde ao artigo matricial n.º X. Todo o traçado de Lisboa se foi alterando com o tempo, a configuração das descrições mudaram, as matrizes também. Seria preciso uma análise documental histórica para que o Tribunal pudesse chegar a tal conclusão. Pois que a prova testemunhal produzida não foi também suficiente para nos fazer crer em tal realidade. As testemunhas G… e P… afirmaram que o barracão sempre ali esteve e que foi fechado quando se realizaram as obras do RECRIA. Já a testemunha B…, residente no local há mais de 60 anos afirmou que o barracão foi construído por altura das obras do RECRIA, que até então só existia um logradouro, não existindo nenhuma construção. Estaremos a falar do mesmo espaço físico? Terão existido alterações com as profundas obras que o local sofreu? Teria o município licenciado obra construída em propriedade alheia? As dúvidas serão resolvidas contra sobre quem recaia o ónus da prova». Compulsados os documentos juntos e os depoimentos das testemunhas mencionadas, não podemos concordar com a recorrente, antes permanecendo válido o raciocínio seguido na sentença. É certo que as testemunhas G…, P… e H… disseram que a barraca ocupada pela R. tinha acesso pelo n.º… da Rua E.... No entanto, nada permite concluir que se trate da mesma barraca referida na descrição predial / matricial. Em primeiro lugar, nenhuma prova foi feita acerca da área da barraca ocupada pela R., pelo que se ignora se a mesma tem, ou não, a mesma área que a mencionada naquela descrição. Depois, a barraca constante da descrição predial em causa foi introduzida nessa mesma descrição em 28 de Janeiro de 1899, conforme resulta do averbamento n.º1 constante da folha 12 da certidão junta em 8/11/2024 (ref.ª CITIUS 40985907). Ora, na descrição predial do imóvel sito na Rua F..., …, introduzida em 25 de Fevereiro de 1944, também consta a menção a 3 barracões, um deles com 2 pisos, na descrição introduzida em 12 de Setembro de 1962 consta a menção a mais um barracão, na descrição introduzida em 18 de Outubro de 1963 consta a menção a quatro barracões, sendo um deles na parte posterior do prédio, e na descrição introduzida em 1/7/1985 consta igualmente a menção a quatro barracões (cfr. documento 2 junto com o requerimento de 15/12/2023, ref.ª CITIUS 37913451). Portanto, sendo certo que as descrições, com as respectivas áreas, se baseiam em declarações dos próprios, nada garante que a barraca constante da descrição introduzida em 1899 ainda exista e que seja a ocupada pela R., sendo igualmente possível que aquela barraca já não exista e que a que a R. ocupa seja uma das mencionadas na descrição do prédio sito na Rua F.... E é até possível que a barraca ocupada nem seja mencionada em nenhuma das descrições. Assim, sendo a dúvida resolvida contra a parte onerada com a prova (art. 414.º do Código de Processo Civil), os factos em causa devem manter-se nos factos não provados, nessa medida improcedendo a pretensão da A.. x Atentas as alterações introduzidas nos factos provados, passam os mesmos a transcrever-se, por facilidade de compreensão: 1. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o número …, o imóvel situado na Rua E..., n.ºs …, inscrito na respetiva matriz urbana sob os artigos urbanos Y e X da freguesia de Santa Maria Maior, constando daquela descrição o seguinte: “Edifício composto de rés-do-chão, sobre loja, dois andares e águas-furtadas - 199 m2; Barraca de dois pisos - 57 m2”». 2. O artigo urbano Y encontra-se descrito no respectivo Serviço de Finanças da seguinte forma e com a seguinte localização: «prédio composto de loja, s/loja r/c Dto, r/c Esq e três andares com Dto e Esq»; «Rua E... …». 3. O artigo urbano X encontra-se descrito no respectivo Serviço de Finanças da seguinte forma e com a seguinte localização: «prédio composto de barraca de dois pisos. R/C - 1 divisão; 1.º Andar - 2 divisões, destinado a Oficina»; «R. E... n.º…». 4. O direito de propriedade sobre o imóvel referido em 1. encontrou-se, sucessivamente, registado pela seguinte forma: a - desde 15/10/1935, a favor de K…; b - desde 12/4/2002, a favor de S… e T…, casado no regime da comunhão geral com U…; c - desde 12/4/2002, a quota de ½, a favor de Q…, V… e P…, sendo sujeito passivo S…; d - desde 12/4/2002, a quota de ½, a favor de U…, sendo sujeito passivo T…; e - desde 20/11/2002, a quota de ½, a favor de P…, sendo sujeito passivo U… f - desde 15/12/2011, a favor de Q…, sendo sujeito passivo V…; g - desde 16/4/2013, a quota de ½, a favor de Q…, sendo sujeito passivo P…; h - desde 9/12/2014, a favor de Q…, sendo sujeito passivo P…; i - desde 23/12/2014, a favor da A., com fundamento em “entrega a título de prestações acessórias”, sendo sujeito passivo Q…». 4.1. A entrega referida em 4-i realizou-se mediante escritura pública de 19 de Novembro de 2014, conforme documento 4 da petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido». 5--- 6--- 7. A A. e as demais pessoas a favor de quem o direito de propriedade se encontrou sucessivamente registado, há mais de 80 anos, vêm pagando as respectivas contribuições autárquicas e imposto municipal de imóveis. 8. O edifício correspondente ao artigo Y vem sendo, ao longo do tempo, arrendado para fins habitacionais. 9. Em 2009 no âmbito do Regime Especial de Comparticipação na Recuperação de Imóveis Arrendados (RECRIA), foi efetuada uma reabilitação profunda do edifício principal. 10. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º..., o imóvel situado na Rua F..., n.º…, inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo … da freguesia de Santa Maria Maior, constando daquela descrição o seguinte: “Edifício de rés-do-chão e 1.º andar, ocupando 4 pisos distribuídos em socalcos e logradouro. Fracções Autónomas: A, B”. 10.1 Da inscrição da constituição de propriedade horizontal consta o seguinte: “Direitos dos condóminos regulados no título: A fracção A usufrui de um terraço, coma a área de 75 m2, à frente, ao nível do 1.º andar; e a fracção B de um logradouro, a tardoz, com a área de 106 m2, ao nível do piso de menor cota. 10.2 Da descrição da fracção autónoma designada pela letra B consta o seguinte: “Composição: Ocupação - Actividades teatrais - abrangendo parte do rés-do-chão, e mais 2 pisos, em socalcos, a cotas inferiores, a tardoz, ligados por escadas interiores”. 10.3 O direito de propriedade sobre aquela fracção B encontra-se registado a favor da R. desde 26/7/2016, com fundamento em compra, sendo sujeito passivo o Instituto de Formação Investigação e Criação Teatral 11. A A. enviou à R. a carta que consta como documento n.º 15, que a recebeu. 12. Em julho de 2016 a ré comprou ao Instituto de Formação, Investigação e Criação Teatral – IFICT a fração “B” do prédio sito na Rua F..., n.º…, em Lisboa. 13. Quando comprou a fracção referida em 12, a R. recebeu da vendedora todo o espaço onde passou a desenvolver a sua actividade de organização de eventos, incluindo o logradouro que a serve e uma área que a A. designa por “barraca”, sem nela fazer qualquer alteração. 14. Em 1985, o imóvel sito na Rua F..., …, foi adquirido e iniciaram-se as obras de reconstrução do mesmo, tendo dado entrada na Câmara Municipal de Lisboa o pedido de autorização para as mesmas em agosto de 1986. 15. A ré só adquiriu a sua fracção após a realização das referidas obras e utiliza, desde então, a tal “barraca”. DO MÉRITO DO RECURSO Pela acção a A. pretendia, antes de mais, o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre determinado imóvel, pedido que foi julgado procedente, tendo a decisão transitado em julgado, nessa parte, pela seguinte forma: «Condeno a R. LTML - LE THÉÂTRE MUSICAL DE LISBONNE, EVENTOS, LDA. a reconhecer a Autora, como dona e legítima proprietária, do imóvel situado na Rua E..., n.ºs …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número …, inscrito na respetiva matriz urbana sob os artigos urbanos Y e X da freguesia de Santa Maria Maior, sendo o primeiro artigo matricial composto de loja, sobre loja, rés-do-chão direito, rés-do-chão esquerdo e três andares com direito e esquerdo e sendo o segundo artigo matricial composto por uma barraca de dois pisos, com uma divisão no rés-do-chão e 2 divisões no 1.º andar destinado a oficina». Mas a A. pretendia ainda que a R. fosse condenada a: «b. Proceder, no prazo máximo de 15 dias, à restituição da parte do prédio ocupado, correspondente ao artigo matricial X da freguesia de Santa Maria Maior, concelho de lisboa, removendo a parede e entregando o barracão livre de pessoas e bens e, bem assim, à retirada do aparelho instalado na parede de meação do prédio correspondente ao artigo matricial Y da freguesia de Santa Maria Maior. c. Pagar sanção pecuniária compulsória no valor de € 500,00 diários, por cada dia de atraso que exceda o prazo referido na alínea b) deste pedido; e d. Compensar a autora pelos danos patrimoniais no montante de € 21.350,00, acrescidos de juros à taxa legal, contados do trânsito em julgado da sentença até efectivo e integral pagamento». Quanto à vertente relativa à condenação da R. na retirada do aparelho instalado na parede de meação do prédio correspondente ao artigo matricial Y da freguesia de Santa Maria Maior, o recurso não incidiu sobre ela, pelo que a decisão proferida em 1.ª instância igualmente transitou em julgado, nessa parte.´ Relativamente ao pedido de condenação da R. na «restituição da parte do prédio ocupado, correspondente ao artigo matricial X da freguesia de Santa Maria Maior, removendo a parede», temos que o art. 1311.º do Código Civil prevê que o proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence. Trata-se da tutela de um direito absoluto ou de exclusão de todos os terceiros, que tem como contraponto o dever geral de abstenção ou respeito inerente a todos os direitos reais. O direito de propriedade, como direito real pleno, permite ao seu titular gozar em exclusivo de todas as utilidades do seu bem (cfr. art. 1305.º do Código Civil). Incumbia, deste modo, à A. a prova dos factos constitutivos do seu direito (cfr. art. 342.º n.º1 do Código Civil), ou seja, dos factos integrantes do seu direito de propriedade sobre o prédio e da ocupação (total ou parcial) desse prédio por parte da R.. No caso dos autos, provaram-se factos que fizeram funcionar a presunção registral do art. 7.º do Código do Registo Predial e que implicaram a procedência do pedido de reconhecimento do direito de propriedade da A.. Prescreve a citada norma que «o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define». E é certo que se provou que se encontra registado a favor da A. o direito de propriedade sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o número …, situado na Rua E..., n.ºs …, inscrito na respetiva matriz urbana sob os artigos urbanos Y e X da freguesia de Santa Maria Maior, constando daquela descrição o seguinte: “Edifício composto de rés-do-chão, sobre loja, dois andares e águas-furtadas - 199 m2; Barraca de dois pisos - 57 m2”. Assim, não tendo sido ilidida, pela R., esta presunção, verifica-se que se presume que a A. é proprietária daquele prédio. No entanto, é necessário definir qual o âmbito de tal presunção. Assim, o efeito presumido pelo citado art. 7.º do C.R.Pred. tem um alcance triplo, a saber: a existência do direito que emerge do facto jurídico inscrito (in casu, a existência do direito de propriedade que resulta da entrega a título de prestações suplementares); a titularidade desse direito na esfera do beneficiário inscrito (a A.); o objecto e conteúdo dos direitos, ónus ou encargos, nos precisos termos definidos no registo - cfr. Ac. RE de 4-10-77, C.J., pág. 907. Ora, o objecto do registo compreende a realidade material do prédio sobre que recai a inscrição, configurada através da descrição predial (cfr. Isabel Mendes, Código do Registo Predial Anotado, Almedina, 1987, pág. 34), incluindo as respectivas confrontações - arts. 79.º e 82.º do C.R.Pred.. Tudo está, assim, em saber se a presunção do art. 7.º do C.R.Pred. se estende às confrontações e composição do prédio constantes da descrição predial, sendo certo que em sentido negativo se tem pronunciado a maioria da jurisprudência. Efectivamente, é de entender que, face ao art. 7.º do C.R.Pred., não há qualquer presunção da verdade material das confrontações, área, a composição e precisa localização constantes da descrição do prédio registado, o que se compreende pelo facto de as mesmas serem aquelas que as partes indicam nos respectivos documentos, o que nem sempre corresponde à realidade (as descrições prediais são elaboradas de harmonia com as inscrições da matriz predial, sendo que estas se efectuam com base na declaração do próprio contribuinte), além de que as descrições prediais têm exclusivamente por fim a identificação física do prédio a que respeitam os factos inscritos e não constituem um facto inscrito (por conseguinte, beneficiário da presunção legal) - cfr., entre outros, Ac. RE cit.; Ac. RC de 11-5-82, C.J., t. III, pág. 28; Ac. RP de 16-9-91, C.J., t. IV, pág. 249; Ac. STJ de 11-5-93, C.J.S.T.J., t. II, pág. 95, Ac. STJ de 2/3/2023 Proc. 1091/20, disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/906e76d1d5b5d59180258966005bc7ad?OpenDocument ., , e ainda Manuel Tomé Soares Gomes, in Presunções Legais do Direito de Propriedade, polic., C.E.J., págs. 3 a 5. Assim, com base no registo predial, não se pode afirmar que determinado prédio tem esta ou aquela constituição, mas apenas que, em relação a ele, ocorre certa situação jurídica - as confrontações constantes do registo podem não ser aceites pelos proprietários confinantes e, portanto, não podem constituir elemento decisivo quanto aos limites físicos de qualquer prédio, sendo certo que, desse modo, as confrontações também não bastam para indicar o que foi transmitido e o que não foi. O mesmo se diga, aliás, em relação às inscrições matriciais, «que não fazem prova plena da localização, da área, da composição, dos limites e das confrontações dos prédios a que se referem, pois que nenhum desses elementos concernentes à identificação física destes é atestado pela autoridade ou funcionários competentes com base nas suas percepções» - cfr. Ac. STJ de 10/12/2019. Proc. 1808/03, disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/a289fdd0d42f7e39802584cd00522f44?OpenDocument Ora, não se presumindo que o direito de propriedade sobre o imóvel abranja a concreta barraca ocupada pela R., e não tendo a A., aliás, logrado provar que a R. ocupa o imóvel (barraca) constante da descrição predial, nem que a R. tenha construído uma parede nessa barraca, tem, forçosamente, de improceder o pedido de condenação da R. a restituir a referida barraca, bem como a retirar a parede. Claro que a A. invocou, também, que - independentemente da inscrição registral - tem a posse da barraca ocupada pela R., por si e pelos seus antepossuidores, há mais de 80 anos. Nos termos do art. 581.º n.º4 do Código de Processo Civil, «a causa de pedir nas acções reais é o facto jurídico de que deriva o direito real», pelo que à A. cabia provar o facto de onde deriva o seu invocado direito de propriedade sobre a concreta barraca em causa. Ora, é consabido que o autor só poderá fundamentar o direito real que invoca, sobre a coisa cuja fruição o réu perturba, em factos dos quais resulte demonstrada a aquisição originária do domínio, por sua parte ou de qualquer dos antepossuidores (não bastando a mera prova de que foi celebrado um contrato): quando a aquisição for derivada, têm de ser comprovadas as sucessivas aquisições dos antecessores até à aquisição originária, excepto nos casos em que se verifique presunção legal da propriedade, como a resultante da posse (art. 1268.º n.º1 do Código Civil), ou a resultante do registo predial (art. 7.º do Código do Registo Predial) - cfr., entre outros, Ac. STJ de 16-6-83, RLJ, ano 120, pág. 208 ss.; Henrique Mesquita, RLJ, ano 125, pág. 95; A. Menezes Cordeiro, Direitos Reais, Lisboa, 1993, pág. 592; Manuel Rodrigues, in RLJ, ano 57º, págs. 177-179. Quanto à presunção registral, já vimos que, embora a mesma beneficie a A., tal presunção não abrange a composição do prédio e, portanto, não é suficiente para determinar que a A. é a proprietária da concreta barraca ocupada pela R. (que não se provou ser a que consta da descrição do prédio inscrito a favor da A.). Resta verificar se a A. terá adquirido a propriedade dessa barraca por usucapião, ou, pelo menos, se beneficia da presunção resultante da posse. Preceitua o art. 1287.º do Código Civil que «a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião». Assim, para que se verifique a aquisição de um direito por usucapião, é preciso que se provem dois requisitos: a posse em nome próprio e a duração dessa posse por um certo lapso temporal: a usucapião só conduz à aquisição do direito de propriedade, por parte do possuidor, quando este, durante certo período de tempo, actua como titular desse direito. Vejamos, pois: Quanto à posse, consiste a mesma no «poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real» (art. 1251.º do C.C.). Consagra-se aqui a concepção savignyana ou subjectivista da posse, ou seja, aquela segundo a qual, para que exista posse, é não só necessário o elemento material (corpus), mas também o elemento intencional (animus) - cfr. anotação de Antunes Varela ao Ac. STJ de 16-6-83, in RLJ, ano 120.º, pág. 217. Como dizia Manuel Rodrigues (cit. por Antunes Varela na referida anotação), o que eleva a detenção a posse é a intenção de exercer um determinado poder no próprio interesse, o animus sibi habendi. O corpus, elemento material da posse, consiste no domínio de facto sobre a coisa, traduzido no exercício efectivo de poderes materiais sobre ela, ou na possibilidade física desse exercício. E, para se adquirir a posse do direito de propriedade não é necessário que se pratique todos os actos que correspondam ao conjunto de poderes materiais em que este direito se analisa. O proprietário não é obrigado a usar, fruir e transformar continuamente e simultaneamente. Basta, por isso, praticar actos materiais que correspondam a algum daqueles poderes, até mesmo porque, presumindo-se a propriedade perfeita, se deve supor que se trata de actos correspondentes ao direito de propriedade - cfr. M. Rodrigues, apud RDES, ano XVIII, 1971, pág. 250. Acontece não se provaram factos susceptíveis de preencherem o conceito de corpus possessório. Com efeito, apenas se provou que a A. efectuou o pagamento dos impostos relativos ao imóvel que se encontra inscrito a seu favor (que não se provou sequer incluir aquela concreta barraca), sendo certo que o pagamento de impostos diz respeito à prática de um acto jurídico que não implica qualquer relação material directa sobre o bem e, portanto, não releva para efeitos de integrar o corpus da posse. Como se refere no Ac. STJ de 15/11/2018 Proc. 247/13, disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/abbe2f970fe39da88025834700440fa9?OpenDocument ., «estando em causa saber se uma determinada pessoa adquiriu a posse correspondente ao direito de propriedade, e sabendo-se que “o proprietário goza não só dos direitos de uso e fruição, poderes materiais, como do direito de disposição, poder puramente jurídico, tal como o de administração da coisa” (cfr. artigo 1305º do Código Civil), esta exigência da prática de actos materiais como condição de aquisição da posse faz com que “só através de actos materiais, isto é, de actos que incidem directa e materialmente sobre a coisa se pode adquirir a posse, e nunca através de actos de disposição ou de administração”, porque eles podem ser praticados mesmo que a coisa seja possuída ou detida por um terceiro. Assim, (…) “se alguém, por exemplo, paga habitualmente a contribuição predial e outros encargos relativos a determinado imóvel, não adquire, através desses actos, a posse do prédio. Trata-se, com efeito, de actos que podem ser praticados por qualquer pessoa, não pressupondo uma relação de facto sobre a coisa”». Por outro lado, não se provaram os factos que - esses sim - diziam respeito quer ao exercício de poderes materiais sobre a barraca, quer à manutenção da possibilidade desse seu exercício, conforme resulta das alíneas a) a f) dos factos não provados. Portanto, não provou a A. ter a posse da barraca, pelo que também por esta via não pode proceder a pretensão da A. de restituição da mesma e de retirada da parede (que nem sequer se provou que a R. construiu). Em consequência, tem igualmente de improceder o pedido de condenação da R. no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso naquela restituição. Finalmente, improcede o pedido de condenação da R. no pagamento de € 21.350,00 à A., já que não se provou o preenchimento dos requisitos do art. 483.º do Código Civil, designadamente, não se provou que a R. tenha violado o direito de propriedade da A., nem que lhe tenha causado prejuízos. Deve, pois, manter-se o decidido em primeira instância. DECISÃO Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a decisão recorrida. Custas pela recorrente – art. 527.º do Código de Processo Civil. Lisboa, 18 de novembro de 2025 Alexandra de Castro Rocha Cristina Silva Maximiano Ana Rodrigues da Silva _______________________________________________________ 1. Cfr. Ac. RP de 14/12/2022, proc. 2093/19, disponível em http://www.dgsi.pt. 2. A este respeito pode ver-se, com interesse, o Ac. STJ de 1/10/2019, proc. 109/17, disponível em http://www.dgsi.pt. 3. «1.A Autora, é dona e legítima proprietária, do imóvel situado na Rua E…, n.ºs …, … e …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número …, inscrito na respetiva matriz urbana sob os artigos urbanos … e … da freguesia de Santa Maria Maior, sendo o primeiro artigo matricial composto de loja, sobre loja, rés- do-chão direito, rés-do-chão esquerdo e três andares com direito e esquerdo e sendo o segundo artigo matricial composto por uma barraca de dois pisos, com uma divisão no rés-do-chão e 2 divisões no 1.º andar destinado a oficina. 2. A Autora, no dia 19 de novembro de 2014, tornou-se proprietária do prédio por entrega, a título de prestações suplementares, da acionista Q…, a qual era proprietária do imóvel, juntamente com os seus filhos, desde 2002. 3. A família da referida acionista Q…, era já há muito tempo possuidora e legítima proprietária do mencionado prédio desde que, em 1935, este foi adquirido e registado em nome de K…, seu sogro. 4. Pelo que, por si e ante possuidores, a Autora está na posse e têm a propriedade do dito prédio há mais de 80 anos». 4. Neste sentido, pode ver-se o Ac. STJ de 29/4/2015, proc. 306/12, disponível em http://www.dgsi.pt, onde se escreve: “A selecção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos. Caso contrário, as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante”. Ainda no mesmo sentido, e disponível no mesmo sítio: Ac. RE de 28/6/2018. 5. Documento n.º1 da petição inicial e certidão junta em 8/11/2024 (ref.ª CITIUS 40985907). 6. Documentos n.º2 e 3 da petição inicial. 7. Documento 1 da contestação e documento 3 do requerimento de 15/12/2023 (ref.ª CITIUS 37913451). 8. Documento 2 da contestação. 9. A este respeito pode ver-se, ainda, o Ac. RC de 27/5/2014 (proc. 1024/12, disponível em http://www.dgsi.pt): «Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o (s) facto (s) concreto (s) objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente». 10.Proc. 1091/20, disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/906e76d1d5b5d59180258966005bc7ad?OpenDocument . 11.Proc. 1808/03, disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/a289fdd0d42f7e39802584cd00522f44?OpenDocument 12.Proc. 247/13, disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/abbe2f970fe39da88025834700440fa9?OpenDocument . |