Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | CARLOS MARQUES | ||
| Descritores: | ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM QUOTA COMPROPRIEDADE PRESUNÇÃO DESPESAS | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 11/20/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | (Elaborado pelo relator) I. A fundamentação insuficiente, por si só, se permitir percecionar ao respetivo destinatário a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial, isto é, se tiver o mérito demonstrativo suficiente para justificar a parte dispositiva, não torna a sentença nula. O erro de julgamento, quer respeite ao apuramento dos factos da causa, quer respeite à aplicação do direito aos factos apurados, faz-se normalmente valer através do recurso da sentença. II. O juiz também não tem o dever de se pronunciar sobre todos os factos alegados pelas partes, mas apenas sobre os factos relevantes para a decisão, em função do pedido, da causa de pedir e das exceções deduzidas, não incorrendo em omissão de pronúncia se se pronunciar apenas sobre tais factos. III. A Relação quando conhece de facto, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 662º do Código de Processo Civil, deve efetuar o seu próprio julgamento relativamente aos concretos factos impugnados, podendo socorrer-se de todos os meios de prova constantes do processo, devendo alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, podendo, inclusive, se isso se revelar necessário para evitar contradições, alterar outros pontos de facto não impugnados. IV. Neste sentido, «a prova produzida» que pode impor decisão diversa da decisão proferida sobre a matéria de facto inclui (para além da plena ou pleníssima, que é insuscetível de ser destruída por qualquer outro meio de prova, e da prova legal bastante) a prova livre, ou seja, os meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador, aí se incluindo o recurso a presunções legais ou judiciais, desde que os mesmos permitam o juízo seguro relativamente à decisão a proferir. V. A ação de divisão de coisa pressupõe uma situação de compropriedade, tendo como finalidade a cessação da indivisão, devendo ser instaurada por um ou mais dos comproprietários contra os demais comproprietários, para, numa primeira fase, serem fixadas as quotas de cada comproprietário e a determinada divisibilidade ou indivisibilidade em substância, seguindo-se, numa segunda fase, à divisão da coisa ou à sua adjudicação ou venda, com repartição do respetivo valor. VI. O artigo 1403º/2 do Código Civil consagra uma presunção legal absoluta ou iuris e de iure, que não admite prova do contrário, no sentido de que, na falta de indicação em contrário no título constitutivo da compropriedade, as quotas dos comproprietários se presumem quantitativa iguais. VII. A realização de despesas apenas por um dos comproprietários ou pagamento de outros encargos, sem prejuízo do respetivo direito de crédito, não permite afastar a indicação feita no título constitutivo relativa ao valor quantitativo das quotas de cada comproprietário ou, na sua falta, o valor presumido legalmente pelo n.º 2 do artigo 1403º. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM OS JUÍZES DA 6ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I - Relatório. 1. BB instaurou, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Seixal, a presente ação de divisão de coisa comum contra AA, invocando compropriedade de autora e réu, na proporção de ½ para cada um, sobre o prédio urbano situado em Rua 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora, sob o número ....., da freguesia de Amora, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial nº ..... (anterior artigo .....), da freguesia de Amora, a indivisibilidade do prédio e a vontade de não permanecer na indivisão, tendo pedido ao tribunal que: a) fixe em ½, para cada um, as quotas da autora e do réu sobre o referido prédio; b) seja vendido esse imóvel e, após liquidação ao Bankinter do valor em dívida à data da venda, seja repartido entre Autora e Réu, na proporção de ½ para cada um, o seu valor. 2. O réu contestou, admitindo a situação de compropriedade sobre o referido imóvel e a sua indivisibilidade, mas impugnando o valor das quotas, alegando que a sua comparticipação no valor do preço da aquisição e construção do imóvel é muito superior à da autora, pugnando pela fixação das quotas em 26,67% para a autora e em 73,33% para o réu. Com os mesmos fundamentos, deduziu, ainda, reconvenção contra a autora, pedindo que: a) seja julgada procedente a reconvenção e, por via dela, se reconheça que o reconvinte e a reconvinda são comproprietários do referido prédio urbano na proporção de 73,33% para o reconvinte e de 26,67% para a reconvinda; ou, quando assim se não entenda, b) seja a reconvinda condenada a pagar ao reconvinte o montante global de 56.455,92€, acrescido de juros à taxa legal, desde a notificação da reconvenção até efetivo e integral pagamento. 3. A autora replicou, impugnando a factualidade alegada na reconvenção, concluindo que o prédio foi adquirido e construído em partes iguais e que, por isso, são ambos comproprietários na proporção de ½ para cada um. 4. O tribunal concedeu contraditório às partes para se pronunciarem relativamente à inadmissibilidade da reconvenção e da réplica, após o que proferiu sentença (em 24/01/2025), na qual, como questão prévia, não admitiu a reconvenção e, conhecendo do mérito, fixada a factualidade provada, julgou a ação totalmente procedente e, consequentemente: a) Declarou a indivisibilidade do prédio urbano situado em Rua 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora, sob o número ....., da freguesia de Amora, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial nº ..... (anterior artigo .....), da freguesia de Amora; e b) Fixou os quinhões do/a autor/a e do/a ré/u nos seguintes termos: - 1/2 para o/a autor/a e - 1/2 para o/a ré/u – tendo condenado as partes no pagamento das custas processuais, na proporção de 40% para a autora e de 60% para o réu (artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), e agendado a conferência de interessado a que alude o artigo 929º do Código de Processo Civil para o dia 20/03/2025, pelas 13h45m. 5. O réu interpôs recurso de apelação (em 20/02/2025) relativamente à parte da decisão que não admitiu a reconvenção, recurso este que foi admitido pelo tribunal, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo (cfr. despacho de 25/09/2025) – que não está em causa no presente recurso. 6. E interpôs recurso de apelação da sentença proferida, em 07/03/2025, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões: 1. O presente recurso versa sobre a matéria de facto e de direito e vem interposto da douta sentença proferida nos presentes autos, que julgou a ação totalmente procedente e, em consequência, declarou a indivisibilidade do prédio urbano situado em Rua 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora, sob o número ....., da freguesia de Amora, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial no ..... (anterior artigo .....), da freguesia de Amora; e fixou os quinhões da autora e do réu na proporção de 1/2 para cada um; 2. O réu, regularmente citado, apresentou contestação, na qual impugnou os factos alegados pela Autora, juntou documentos e arrolou testemunhas. Alegou, em síntese, que Autora e Réu não são comproprietários do prédio urbano situado em Rua 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora sob o número ..... da freguesia de Amora, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial no ..... (anterior artigo .....), da freguesia de Amora, na proporção de ½ para cada um, mas na proporção de 26,67 % para a Autora e 73,33 % para o Réu; 3. O tribunal a quo decidiu que as questões a resolver com a presente ação são as seguintes: - Aferir da divisibilidade do imóvel em apreço nos autos; e Fixar os quinhões da autora e do réu; 4. Sem que fosse produzida qualquer prova no âmbito dos presentes autos, deu como provados os seguintes factos (cfr. Fundamentação de facto — Factos provados): 1. A autora encontra-se registada como titular da aquisição, por compra, de ½ do prédio urbano situado em Rua 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora, sob o número ....., da freguesia de Amora, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial n o ..... (anterior artigo .....), da freguesia de Amora; 2. O réu encontra-se registado como titular da aquisição, por compra, de ½ do prédio urbano situado em Rua 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora, sob o número ....., da freguesia de Amora, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial n o ..... (anterior artigo .....), da freguesia de Amora; 3. O imóvel identificado em 1) destina-se a habitação e constitui "propriedade total sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente com três pisos e tipologia T4; 5. O tribunal a quo não se pronunciou sobre questões que devesse apreciar, designadamente a posição do recorrente, transmitida aos autos com a contestação que apresentou; 6. Decidiu sem que fosse produzida ou apreciada qualquer prova, designadamente a prova indicada pelo Recorrente na contestação, na qual foram alegados factos que demonstram que os quinhões do Recorrente e da Recorrida são diferentes, contrariamente ao que foi decidido na douta decisão de que se recorre; 7. Contrariamente ao decidido pelo tribunal recorrido, deve o facto descrito nos em 1. dos Factos Provados (l- A autora encontra-se registada como titular da aquisição, por compra, de ½ do prédio urbano situado em Rua 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora sob o número ....., da freguesia de Amora, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial n o ..... (anterior artigo .....), da freguesia de Amora.) ser dado como não provado; e o facto descrito em 2. dos Factos Provados (O réu encontra-se registado como titular da aquisição, por compra, de ½ do prédio urbano situado em Rua 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora sob o número ....., da freguesia de Amora, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial n o ..... (anterior artigo .....), da freguesia de Amora.) ser dado como não provado; 8. A questão nuclear que cumpre resolver na presente ação é a de saber, ao fim ou cabo, qual o quinhão que pertence à Autora e qual o quinhão que pertence ao Réu, no prédio urbano situado em Rua 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora sob o número ..... da freguesia de Amora e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..... (anterior artigo .....), da freguesia de Amora; 9. No que respeita à motivação, resulta da sentença de que se recorre que "as respostas dadas pelo Tribunal aos factos supra referidos fundamentaram-se na análise, global e pormenorizada, do teor dos seguintes documentos: - Certidão predial permanente do imóvel; - Caderneta predial urbana do imóvel; 10. Baseando-se nestes documentos e ignorando por completo a versão apresentada pelo Recorrente na sua contestação, bem como a prova aqui indicada, o tribunal a quo declarou a indivisibilidade do prédio urbano situado em Rua 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora, sob o número ....., da freguesia de Amora, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial no ..... (anterior artigo .....), da freguesia de Amora; e fixou os quinhões da autora e do réu na proporção de 1/2 para cada um; 11. Da análise da certidão de registo predial do imóvel junta aos autos, resulta que Autora e Réu são proprietários (sujeitos ativos) do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora sob o no ..... da freguesia de Amora, mas não consta da mencionada descrição que a autora se encontra registada como titular da aquisição, por compra, de ½ do prédio urbano situado em Rua 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora, sob o número ....., da freguesia de Amora, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial no ..... (anterior artigo .....), da freguesia de Amora e que o réu se encontra registado como titular da aquisição, por compra, de ½ do prédio urbano situado em Rua 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora, sob o número ....., da freguesia de Amora, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial no ..... (anterior artigo .....), da freguesia de Amora, como consta do Ponto 1. (Factos Provados) da fundamentação de facto; 12. Não resulta assim, da mencionada certidão que Recorrente e Recorrida são proprietários, em partes iguais, do supra referido imóvel e a caderneta predial não permite dar como provados tais factos; 13. Mas, mesmo que tal resultasse da inscrição predial do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora sob o número ....., da freguesia de Amora, o que não acontece, a presunção expressa no artigo 7º do Código do Registo Predial é ilidível mediante prova em contrário (Art. 350º, nº 2 do Código Civil); 14. A caderneta predial, extraída da respetiva inscrição matricial, é um documento autêntico, mas não faz prova plena do que dela consta, porque assenta em declaração do chefe de finanças competente, apresentada pelo sujeito passivo: 15. Nos termos do disposto no artigo 12º, nº 5 do Código do Imposto Municipal sobre imóveis, "As inscrições matriciais só para efeitos tributários constituem presunção de propriedade ". A inscrição matricial do prédio não atribui nem faz prova plena da propriedade sobre qualquer prédio; 16. Contrariamente ao que se decidiu na douta sentença de que se recorre, a certidão predial permanente e a caderneta predial urbana do imóvel não permitem dar como provados os factos considerados provados pelo tribunal a quo nos pontos 1. e 2. dos factos provados, pelo que devem os mesmos ser considerados não provados; 17. O tribunal a quo formou a sua convicção apenas com base nos supra mencionados documentos, sendo certo que não foi, como devia, produzida e analisada qualquer outra prova no âmbito dos presentes autos; 18. Tal como consta da sentença de que se recorre, o Réu, regularmente citado, apresentou contestação; 19. No entanto, a mencionada contestação, assim como os factos nela alegados e a prova aí indicada foram completamente ignorados pelo tribunal a quo, que fez tábua rasa da posição trazida aos autos pelo Recorrente e, aderindo integralmente e tão só aos factos alegados pela Autora, considerou a ação totalmente procedente; 20. Resulta da sentença proferida pelo tribunal a quo que, porque se encontra provada a indivisibilidade do bem, terá o Tribunal que considerar a ação totalmente procedente; 21. Ora, o simples facto de se concluir pela indivisibilidade do bem, não pode permitir, só por si, que se considere a ação totalmente procedente e que, em consequência, se fixem os quinhões da autora e do réu na proporção de ½ para cada um; 22. Considerando que o Recorrente alegou, na contestação, factos e indicou prova tendentes a demonstrar que os quinhões da Autora e do Réu não podem ser fixados na proporção de ½ para cada um, a sentença de que se recorre está ferida de nulidade, nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Civil, por se entender que a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo não se pronunciou sobre questões que devesse apreciar, designadamente a posição do Recorrente, transmitida aos autos com a contestação que este apresentou; 23. A falta de referência, quanto à posição do Recorrente, relatada na contestação, relativamente aos factos constantes da petição inicial configura a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreve, que influenciou a decisão de que se recorre; 24. Resulta da motivação da decisão proferida pelo tribunal a quo que as respostas dadas pelo Tribunal aos factos provados fundamentaram-se na análise global e pormenorizada do teor da certidão permanente do imóvel e da caderneta predial urbana; 25. Tal como já se referiu, da análise da certidão de registo predial do imóvel junta aos autos, resulta que Autora e Réu são proprietários (sujeitos ativos) do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora sob o nº ..... da freguesia de Amora, mas não consta da mencionada descrição o quinhão de cada um deles; 26. Não resulta assim, da mencionada certidão que Recorrente e Recorrida são proprietários, em partes iguais, do supra mencionado imóvel e a caderneta predial não permite dar como provados tais factos; 27. Mas, ainda que tal resultasse da inscrição predial do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora sob o número ....., da freguesia de Amora, o que não acontece, a presunção expressa no artigo 7º do Código do Registo Predial é ilidível mediante prova em contrário (Art. 350º, nº 2 do Código Civil); 28. A caderneta predial, extraída da respetiva inscrição matricial, é um documento autêntico, mas não faz prova plena do que dela consta, porque assenta em declaração do chefe de finanças competente, apresentada pelo sujeito passivo; 29. Nos termos do disposto no artigo 12º, nº 5 do Código do Imposto Municipal sobre imóveis, "As inscrições matriciais só para efeitos tributários constituem presunção de propriedade ". A inscrição matricial do prédio não atribui nem faz prova plena da propriedade sobre qualquer prédio; 30. Não podia o tribunal a quo ter dado como provados os factos constantes em 1. da Fundamentação de Facto (Pontos 1) e 2) e não poderia ter decidido como decidiu, ignorando por completo a versão do Recorrente, constante da sua contestação; 31. Não resultou provado, desde logo porque não se produziu qualquer prova, que os quinhões da autora e do réu são iguais; 32. A ausência de prova produzida nos presentes autos configura a omissão de uma formalidade essencial, sem a qual não se pode decidir em prejuízo de uma das partes e benefício da outra; 33. A decisão recorrida teria de ser fundamentada, tanto no plano fáctico, como do ponto de vista jurídico, o que não aconteceu nos presentes autos, pelo que é igualmente nula, nos termos do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 615º do C.P.C.; 34. O artigo 154º, do C.P.C., em consonância com o disposto no artigo 205º, nº 1, da Constituição, estabelece um dever geral de fundamentação das decisões judiciais, nos seguintes termos: "As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas " (n.º 1); "A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade " (n.º 2); 35. Este dever geral de fundamentação é concretizado, no que concerne às sentenças, pelo artigo 607º, n.ºs 3 e 4; 36. O n.º 3 deste último artigo estabelece que, às menções referidas no nº 2 identificação das partes e do objeto do litígio e enunciado das questões a resolver —, seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final; 37. O n.º 4 do mesmo artigo dispõe que, na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência; 38. A fixação dos quinhões pertencentes à autora e ao réu, ora recorrente, é uma questão complexa, relativamente à qual existe uma efetiva controvérsia, pelo que se exige que a decisão seja devidamente fundamentada, com explicitação dos factos relevantes para a decisão que o Tribunal considera no caso indiciariamente assentes, das razões dessa convicção e do enquadramento jurídico dos factos; 39. Isto decorre, não apenas dos preceitos legais anteriormente referidos, mas também da própria garantia constitucional de um processo equitativo, consagrada no artigo 20º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa. Se uma parte sustenta uma pretensão em determinados factos e fundamentos jurídicos, e a outra os impugna, esta tem direito, por força da referida garantia, a que o Tribunal que os não acolha, justifique por que não o fez, nomeadamente explicitando quais os factos que considera, neste caso concreto, indiciariamente assentes ou não, as razões dessa convicção e as razões de direito em que se baseou para decidir como decidiu. Só dessa forma o Tribunal justifica, como é seu dever, a decisão que profere perante os seus destinatários; 40. Da análise da sentença de que se recorre ressalta a total ausência de indicação da factualidade que a fundamentou, nomeadamente no que concerne à fixação dos quinhões de cada uma das partes; 41. Não basta decidir fixar os quinhões da Autora e do Réu na proporção de ½ para cada um. E necessário fundamentar tal decisão, o que não aconteceu nos presentes autos; 42. Considerando a existência de controvérsia, impunha-se que o Tribunal a quo, antes de decidir, fixasse os concretos factos que considerou relevantes para decidir como decidiu. Não basta referir que "encontrando-se provada a indivisibilidade do bem, terá o tribunal que considerar a ação totalmente procedente", aderindo ao pedido formulado pela Autora e ignorando, por completo, a contestação apresentada pelo Réu/ Recorrente; 43. Perante uma decisão que, como a recorrida, não contém qualquer fundamentação de facto, os seus destinatários ficam sem saber o porquê da decisão, quando, como vimos acima, têm esse direito; 44. Os conflitos de interesses entre as partes e as relações controvertidas traduzem-se em factos. O direito aplica-se aos factos alegados e provados. O incumprimento do dever de fundamentação das decisões judiciais gera a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea b); 45. Mas, a decisão recorrida está também ferida de nulidade, nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Civil, uma vez que não se pronunciou sobre questões que devesse apreciar, designadamente a posição do Recorrente, transmitida aos autos com a contestação que este apresentou; 46. Consequentemente, o recurso deverá ser julgado procedente e a decisão recorrida terá de ser anulada e substituída por outra que aprecie e conheça todas as questões suscitadas pelas partes, produzida e analisada que seja a prova indicada por estas, com fundamentação de facto bem como de direito. Esta fundamentação deve ser especialmente cuidadosa e precisa numa situação em que se verifica controvérsia sustentada pelas partes intervenientes, no que respeita à fixação do quinhão de cada uma das partes; 47. A ausência dessa fundamentação gera a nulidade da decisão, nos termos do artigo 615º, n.º 1, als. b) e d) do CPC; 48. A decisão recorrida violou o disposto no artigo 926º, nº 2 do Código de Processo Civil, uma vez que foi proferida sem que tivesse sido considerada e produzida a prova indicada pelo Recorrente na sua contestação, destinada a provar os factos que alegou, em oposição ao pedido formulado pela autora. 7. A autora contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção do julgado, tendo formulado as seguintes conclusões: 1. Nos presentes autos o Recorrente vem apresentar dois recursos da mesma Sentença, um em 20/02/2025 e outro em 07/03/2025, não sendo, a mesma decisão judicial, no caso a Sentença proferida nestes autos em 24/01/2025, passível de dois recursos de apelação; 2. Com efeito, sem prejuízo de o Recorrente poder restringir o recurso apenas à questão da não admissibilidade da reconvenção - como efetivamente o fez no recurso de 20/02/2025 - a Sentença recorrida, ainda que contendo decisões distintas, apenas admite um único recurso de apelação, nos termos do disposto no artigo 635º, nº 2 do C.P.C.; 3. Pois, uma vez proferida Sentença, o recurso a interpor seria nos termos do artigo 644º, nº 1, alínea a), não do 644º, nº 2, alínea d), e teria de concentrar toda a matéria relativamente à qual se pretendia recorrer; 4. Veja-se: Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23/05/2024, processo nº 1120/22.6T8SCR-A.L1-6, em www.dgsi.pt: “I. A “reconvenção” não se enquadra no conceito de articulado inscrito na previsão da norma que confere a possibilidade de recurso autónomo tal como se encontra previsto na alínea d) do nº 2 do art.º 644º, dado inexistir peça processual nominada de reconvenção, sendo esta, tão somente, pedido deduzido normalmente no articulado “contestação”. II. possibilidade de recurso do despacho de rejeição da reconvenção, enquadra-se na previsão do n.º 1 alínea b) do artigo 644.º do CPC, pois apesar de o texto legal enunciar apenas o despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos, não poderá deixar de abarcar outras formas de extinção da instância, neste caso reconvencional. III. Com efeito, não havendo despacho de indeferimento liminar da reconvenção, uma decisão que rejeite a reconvenção, por inadmissibilidade, impedindo, assim, que seja conhecida de fundo, só pode equivaler à absolvição da instância”; 5. Para além disso, verifica-se que no recurso agora apresentado o Recorrente vem impugnar a decisão relativa à matéria de facto, mais concretamente os factos constantes dos pontos 1 e 2 da matéria provada, mas, não cumpriu com o disposto no artigo 640º, nº 1, alínea b), do C.P.C., pois não indica quais os concretos meios probatórios constantes do processo, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; 6. Não sendo indicado pelo Recorrente um único meio de prova do qual se pudesse retirar que foram incorretamente julgados os pontos 1 e 2 da matéria de facto dada por provada e que pudessem levar a conclusão diversa daquela a que chegou o Tribunal a quo; 7. Pelo que, tendo o Recorrente em data anterior apresentado já um recurso de apelação versando sobre a mesma Sentença e, para além disso, impugnar a decisão sobre a matéria de facto e não ter minimamente dado cumprimento ao disposto no artigo 640, nº 1, alínea b) do CPC, deverá ser rejeitado o recurso ora interposto pelo recorrente. Ainda assim e sem prescindir, 8. As questões a resolver nos presentes autos são a de: aferir da divisibilidade do imóvel e a da fixação dos quinhões/quotas das partes; questões estas relativamente às quais o Tribunal a quo entendeu, e bem, poder desde logo ser decidida e estar em condições de proferir essa decisão de mérito; 9. Começando pela questão da indivisibilidade, desde logo porque como é referido na Sentença recorrida, nenhuma das partes negou a indivisibilidade do bem em causa nos presentes autos; 10. Com efeito, a Recorrida/autora no artigo 17º da P.I., alegou que o Prédio não pode ser dividido em substância, por não poder ser fracionado sem alteração da sua substância, diminuição de valor e prejuízo para o uso a que se destina, sendo, pois, indivisível, conforme resulta do disposto no artigo 209º do Código Civil; 11. E o Réu, por seu lado, na sua contestação, não impugnou essa indivisibilidade, a qual se tem assim necessariamente como admitida por acordo nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 574º, nº 2, do C.P.C.; 12. Já no que respeita à questão da fixação das quotas/quinhões das partes, que o Tribunal a quo fixou em ½ para a A. e ½ para o Réu, essas quotas resultam claramente determinadas dos documentos juntos aos autos; 13. Constando, de forma expressa, da escritura de compra e venda – doc. nº 3 junto com a P.I. - outorgada em 20 de setembro de 2013, no Cartório Notarial da Notária Maria de Fátima da Costa Logrado, com cartório na Rua D. Manuel I, Nº 16 – A, Paivas, freguesia de Amora, concelho do Seixal, que a aquisição do imóvel foi realizada pelo Recorrente/réu e Recorrida/autora em comum e partes iguais; 14. Estando-se aqui perante um documento autêntico, que faz prova plena dos factos nele referidos, nos termos dos artigos 363º e 371º do Código Civil, que não pode ser substituído por qualquer outro meio de prova ou documento que não seja de força probatória superior, nos termos do disposto no artigo 364º, nº 1, do Código Civil e torna despicienda a produção de qualquer outra prova. (vide Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, de 07 de Janeiro de 2021, Processo nº 2538/19.7T8LRS-A. L1-6); 15. Para além disso, consta da certidão permanente de registo predial – doc. nº 1 junto com a P.I. - que o Prédio se encontra registado em nome da A. e do Réu pela ap. 1162, de 2013/10/07; 16. Constituindo o registo definitivo presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define (artigo 7º do C.R.P) e presumem-se também serem essas quotas quantitativamente iguais nos termos da parte final (artigo 1403º, nº 2, do C.C.); 17. Mais ainda constando da caderneta predial urbana – doc. nº 2 junto com a P.I. – que os titulares desse Prédio são a recorrida e o recorrente na proporção de ½ cada um e da escritura de mútuo com hipoteca – doc. 4 junto com a P.I – que o empréstimo de 120.000,00 € que contraíram para a construção foi concedido a ambos, tendo-se ambos confessado solidariamente devedores e responsáveis pelo cumprimento da obrigação de pagamento; 18. Pois, todo o investimento realizado com a aquisição e construção do imóvel, bem como, todas as despesas e encargos a ele associadas, foram pagos por Recorrida e Recorrente na proporção de metade cada um; 19. E qualquer hipotético crédito, da Recorrida sobre o Recorrente, ou o inverso, ainda que existisse, não alteraria as quotas que cada um detém relativamente ao bem comum cujo termo da indivisibilidade foi requerida nos presentes autos; 20. Neste sentido, veja-se por exemplo o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13 de Julho de 2021, processo nº 967/20.2T8CSC.L1-7: “I. A circunstância de um dos comunheiros – num contexto em que cada comunheiro detém uma quota de 50% - suportar sozinho (ou em maior parte) as amortizações do mútuo hipotecário contraído para aquisição do imóvel não tem a virtualidade de alterar a proporção da respetiva quota, majorando-a na mesma proporção dos encargos que suporta além da metade que lhe compete. II. …. III. A circunstância da Ré, por errada qualificação jurídica, entender que tais valores devem majorar a sua quota de 50% sobre o imóvel não obsta a que o tribunal interprete tal pedido e corrija a sua qualificação jurídica, sendo reconfigurado para um crédito autónomo sem repercussão na quantificação da quota da ré, o que se determina. Ao fazer-se esta convolação, respeita-se a pretensão material de fundo da Ré: ser ressarcida dos valores que despendeu além da sua quota. …”; 21. O Tribunal a quo na Sentença recorrida pronunciou-se assim sobre todas as questões sobre as quais tinha de se pronunciar e fê-lo sustentado em prova bastante, irrefutável e de forma fundamentada, não se verificando qualquer nulidade; 22. Não tendo, ao contrário do alegado pelo Recorrente, violado o disposto nos artigos 615º, nº 1, alíneas b) e d); 154º; 607, nºs 3 e 4; 926º, nº 2, do C.P.C. e 20º, nº 4 e 205º, nº 1, da CRP, nem qualquer outra norma legal; 23. Devendo manter-se como provados os factos dados por provados na Sentença recorrida, que: 1) A autora encontra-se registada como titular da aquisição, por compra, de ½ do prédio urbano situado em Rua 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora, sob o número ....., da freguesia de Amora, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial nº ..... (anterior artigo .....), da freguesia de Amora. 2) O réu encontra-se registado como titular da aquisição, por compra, de ½ do prédio urbano situado em Rua 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora, sob o número ....., da freguesia de Amora, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial nº ..... (anterior artigo .....), da freguesia de Amora. 3) O imóvel identificado em 1) destina-se a habitação e constitui “propriedade total sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente”, com três pisos e tipologia T4; 24. E, por essa Sentença não merecer qualquer censura ou reparo, ser mantida integralmente essa Sentença que: A) Declarou a indivisibilidade do prédio urbano situado em Rua 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora, sob o número ....., da freguesia de Amora, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial nº ..... (anterior artigo .....), da freguesia de Amora; B) Fixou os quinhões do/a autor/a e do/a ré/u nos seguintes termos: - 1/2 para o/a autor/a; - 1/2 para o/a ré/u. E condenou as partes no pagamento das custas processuais, na proporção de 40% para a autora e de 60% para o réu (artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil). 8. Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. * II - Fundamentação. A. Delimitação do objeto do recurso e questões a decidir. O objeto do recurso, nos termos previstos nos artigos 635º/4, 637º/2, 639º, 640º, 641º/1-b), 652º/1-a) e 663º/2 e 608º/2 do Código de Processo Civil, encontra-se delimitado pelas conclusões das alegações do(a)(s) recorrente(s), não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas1. Por outro lado, devemos ter em consideração que os recursos estão legalmente configurados como um meio processual que visa a reapreciação de uma decisão judicial, não podendo ter por objeto “questões novas” não suscitadas e não conhecidas pelo tribunal recorrido - a não ser, também, que se tratem de questões de conhecimento oficioso. Neste sentido, o tribunal superior não efetua um reexame ou novo julgamento da causa, limitando-se a controlar a correção da decisão recorrida, em função das conclusões apresentadas, reapreciando-a perante os elementos probatórios averiguados até ao momento da prolação da decisão recorrida2. Assim, não estando em causa nos presentes autos a reapreciação da decisão que não admitiu a reconvenção (relativamente à qual foi interposto recurso de apelação que subiu em separado), analisadas as conclusões das alegações da apelação, tendo subjacente a realidade factual descrita no relatório que antecede, cumpre apreciar e decidir: a) se a sentença recorrida é nula, com fundamento no preceituado no artigo 615º/1-b) e d) do Código de Processo Civil (falta de fundamentação; e omissão de pronúncia – por o tribunal a quo não se ter pronunciado sobre a posição que o recorrente transmitiu na contestação); b) se o recorrente, impugnando a decisão de facto (pretendendo o julgamento de não provado dos factos provados 1. e 2.), cumpriu o ónus previsto no artigo 640º do Código de Processo Civil, nomeadamente se indicou os meios de prova que impunha decisão diversa da impugnada; c) se os factos provados 1 e 2 devem ser julgados não provados; d) se a decisão recorrida violou o disposto no artigo 926º/2 do Código de Processo Civil, por ter sido proferida sem que tivesse sido considerada e produzida a prova indicada pelo Recorrente na sua contestação, destinada a provar os factos que alegou, em oposição ao pedido formulado pela autora. * B. As nulidades da sentença. O artigo 615º/1 do Código de Processo Civil dispõe que «é nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.» Estas nulidades, com exceção da referente à falta de assinatura do juiz, respeitam ao teor do ato decisório, nomeadamente ao cumprimento das normas processuais que determinam a estrutura3, objeto e limites do julgamento, mas não quanto ao mérito (ou erro) desse julgamento, que só pode ser atacado por via de recurso. Estamos perante nulidades taxativas e que não são de conhecimento oficioso, que, se não forem arguidas pelas partes4, se sanam com o decurso do prazo para a sua arguição, vedando o seu conhecimento ao tribunal superior5. É nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (cfr. artigo 615º/1-b)), ou seja, a sentença que não fundamenta a matéria de facto (provada ou não provada) ou a matéria de direito. Neste sentido, apesar de a doutrina e jurisprudência tradicionais sustentarem que só é nula a sentença que padece de falta absoluta de fundamentação, entendemos, no seguimento da mais recente doutrina6 e jurisprudência7, que tal vício existe quando falta em absoluto de fundamentação (de facto ou de direito), mas também quando a fundamentação (existindo) se revela gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao respetivo destinatário a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial. Na verdade, trata-se de um corolário do dever de fundamentação das decisões/sentenças, imposto, além do mais, pelo artigo 205º/1 da Constituição da República Portuguesa e pelos artigos 154º e 607º do Código de Processo Civil. E, neste sentido, o dever de fundamentação não pode esbarrar numa interpretação meramente literal do artigo 615º/1-b) do Código de Processo Civil (que prevê apenas a não especificação dos fundamentos de facto e de direito), devendo estender-se à motivação e análise crítica que fundamentam os factos provados e não provados, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 607º. Assim, ocorrerá nulidade por falta de fundamentação (de facto) quando faltar em absoluto o julgamento de provado ou não provado da matéria de facto ou a respetiva motivação e análise crítica, mas também quando, não sendo a sentença completamente omissa a este respeito, se revelar manifestamente insuficiente ou não completamente fundamentada/motivada (quer quanto à factualidade provada ou não provada, quer quanto à respetiva motivação), ao ponto de não permitir aos seus destinatários percecionar quais as razões de facto e de direito que fundamentaram a decisão de direito. Neste sentido, ocorrerá um paralelismo com a falta da causa de pedir da petição inicial e as suas consequências – a falta ou insuficiência grave da fundamentação de facto, sendo inadequada ou insuficiente para a argumentação jurídica, não pode permitir a apreciação e aplicação das normas legais invocáveis e a prolação de uma decisão de mérito. Em todo o caso, a fundamentação errada, incompleta ou insuficiente, por si só, se permitir percecionar ao respetivo destinatário a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial, isto é, se tiver o mérito demonstrativo suficiente para justificar a parte dispositiva, não torna a sentença nula8. O erro de julgamento, quer respeite ao apuramento dos factos da causa, quer respeite à aplicação do direito aos factos apurados, faz-se normalmente valer através do recurso da sentença9. Dito isto, e analisando a decisão recorrida, facilmente se intui que a decisão recorrida não padece desta enfermidade, já que, no que respeita à alegação do recorrente, julga provados os factos em causa (factos 1 e 2) e motiva o julgamento fáctico nos dois referidos documentos, pelo que, a haver alguma insuficiência, estaremos já perante um erro de julgamento, sindicável em sede de impugnação da matéria de facto provada. Analisando o segundo fundamento da invocada nulidade, a sentença será também nula, nos termos previsto na al. d) do n.º 1 do artigo 615º, se o juiz não se tiver pronunciado sobre questões que devia apreciar (falta ou omissão de pronúncia) ou conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento (excesso de pronúncia). Nas palavras de Rui Pinto10, trata-se de uma clara manifestação do princípio dispositivo quanto ao thema decidendum: a decisão deve ter por objeto o mesmo objeto que as partes deduziram – nem mais, nem menos, nem outro. Neste sentido, a falta ou omissão de pronúncia decorre da violação das normas que impõem ao tribunal o dever de tomar posição sobre certa questão, o que ocorre tanto para as questões de conhecimento oficioso (cf., por ex., os artigos 578.º e 579.º), como para as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação (cfr. a primeira parte do n.º 2 do artigo 608.º)11. Trata-se, em todo o caso, de uma omissão de julgamento de forma ou de mérito, que não se deve confundir com uma decisão efetiva de não conhecimento de determinada questão, por inadmissibilidade legal ou falta de pressupostos processuais. As questões a resolver são as questões de direito resultantes do(s) pedido(s), causa(s) de pedir e exceções, tanto perentórias como dilatórias. Mas também são as questões de facto em cuja decisão assenta a resolução das questões de direito. No entanto, relativamente a estas, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes do dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou as causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor ou as exceções alegadas pelo réu. Neste sentido, não existe omissão de pronúncia quanto aos factos que não integram a causa de pedir tal como configurada pelo autor, não devendo, também, confundir-se uma nulidade da sentença, por omissão de pronúncia sobre as questões que o juiz devia apreciar, com a alegada falta de consideração de elementos probatórios (esta suscetível de conduzir a um erro de julgamento de facto). Assim, não haverá omissão de pronúncia se o juiz selecionou os factos relevantes para a decisão em função do pedido, da causa de pedir e as exceções deduzidas. O juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria de facto alegada. Com o ilustre autor, a legalidade, suficiência e correção da seleção dos factos (e, bem assim, a interpretação dos factos) não fundamenta a nulidade da sentença, apenas a sua sindicância em sede recurso – sendo exemplo dos casos em que não há omissão de pronúncia, mas antes erro de julgamento da matéria de facto, os casos em que o juiz deixa de dar como provado ou não provado determinado facto que o recorrente considera importante para a decisão da causa; ou os casos em que o tribunal, nos fundamentos da sentença, não atende a um facto que se encontra provado ou considera um facto que não devia atender; ou, ainda, os casos em que o tribunal usa prova que não lhe era lícito socorrer-se ou não atenda a meios de prova apresentados ou produzidos admissíveis, necessários e pertinentes. No mesmo seguimento, também não haverá omissão de pronúncia para as questões que, não tendo sido submetidas pelas partes à apreciação do tribunal, não sejam de conhecimento oficioso, nem relativamente às questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (cfr. artigo 608º/2). E também não haverá omissão de pronúncia se o tribunal nada disser sobre determinados argumentos ou razões invocadas pelas partes para sustentar a sua posição em relação às questões que suscitam12. Com este enquadramento jurídico, fica patente que a decisão em causa não omite a pronúncia sobre questões de que devia conhecer. Na verdade, não estando em causa neste momento a materialidade fática que fundamenta a reconvenção (pelo facto de a reconvenção não ter sido admitida, tendo tal decisão motivado recurso autónomo), nem o conhecimento de exceções (dilatórias ou perentórias), as questões a conhecer numa ação de divisão de coisa comum centram-se em torno da compropriedade de determinado imóvel, da sua divisibilidade ou indivisibilidade e das quotas de cada uma das partes no referido direito (cfr. artigo 925º do Código de Processo Civil). E a este respeito, a decisão recorrida pronuncia-se sobre todos estas questões, deixando claro, quer na fundamentação de facto, quer na fundamentação de direito, que o imóvel em causa é compropriedade da autora e do réu, que o mesmo é indivisível e que autora e réu são titulares de uma quota de ½ sobre o direito de propriedade. Aliás, as partes estão de acordo que o imóvel em causa é compropriedade de autora e réu e que o mesmo tem natureza indivisível, respeitando a divergência entre as partes unicamente à quota de cada parte no referido direito, quotas que a decisão recorrida (bem ou mal, não importa nesta sede) conheceu e fixou, pelo que, não tendo o juiz o dever de pronúncia sobre toda a matéria de facto alegada, devendo a legalidade, suficiência e correção da seleção dos factos ser impugnada (factualmente) em sede recurso, não ocorre omissão de pronúncia não ocorre omissão de pronúncia. Improcedem, assim, as invocadas nulidades da sentença. * C. Factos provados. O tribunal a quo, julgando inexistirem factos não provados com relevância para a decisão da causa, julgou provados, com relevância para a decisão a proferir, os seguintes factos: 1. A autora encontra-se registada como titular da aquisição, por compra, de ½ do prédio urbano situado em Rua 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora, sob o número ....., da freguesia de Amora, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial n.º ..... (anterior artigo .....), da freguesia de Amora; 2. O réu encontra-se registado como titular da aquisição, por compra, de ½ do prédio urbano situado em Rua 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora, sob o número ....., da freguesia de Amora, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial n.º ..... (anterior artigo .....), da freguesia de Amora; 3. O imóvel identificado em 1) destina-se a habitação e constitui “propriedade total sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente”, com três pisos e tipologia T4. * Motivando os factos provados, o tribunal a quo consignou que «as respostas dadas pelo Tribunal aos factos supra referidos fundamentaram-se na análise, global e pormenorizada, do teor dos seguintes documentos: - Certidão predial permanente do imóvel; - Caderneta predial urbana do imóvel». * D. Da impugnação/alteração da matéria de facto. Apreciemos se o recorrente, impugnando a decisão de facto (pretendendo o julgamento de não provado dos factos provados 1. e 2.), cumpriu o ónus previsto no artigo 640º do Código de Processo Civil, nomeadamente se indicou os meios de prova que impunha decisão diversa da impugnada; mas também se os factos provados 1 e 2 devem ser julgados não provados, por insuficiência dos elementos de prova considerados pelo tribunal a quo. Os recursos, nos termos previstos no artigo 637º do Código de Processo Civil, são interpostos por meio de requerimento (dirigido ao tribunal que proferiu a decisão recorrida), que deve conter obrigatoriamente a alegação do recorrente e as conclusões, nas quais deve indicar o fundamento específico da recorribilidade. Em consonância, o artigo 639º/1 do Código de Processo Civil impõe para o recorrente o «ónus de alegar e formular conclusões», dispondo que «o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão». Por outro lado, versando o recurso sobre a matéria de facto, o artigo 640º do Código de Processo Civil consagra um outro «ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto», dispondo o n.º 1 que: «Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas». Daqui resulta que o tribunal de recurso só deve entrar na análise dos fundamentos do recurso sobre a matéria de facto impugnada se o recorrente, tendo cumprido o ónus de alegar e formular conclusões, tiver dado cumprimento ao ónus [tripartido] de especificação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com indicação dos concretos meios de prova que impõem uma decisão diversa da recorrida sobre tal matéria e com indicação da concreta decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Se a falta das alegações e/ou das respetivas conclusões (o incumprimento do ónus de alegar e formular conclusões) determina, sem mais, a rejeição do recurso (cfr. artigo 641º/2-b) e 5 e 652º/1-b) do Código de Processo Civil), o incumprimento do ónus de especificação dos concretos pontos de facto incorretamente julgados e dos concretos meios de prova que impõem uma decisão diversa da recorrida, nos termos previstos no artigo 640º/1 e 652º/1-a) a contrário, determina também a rejeição do recurso, nessa parte, sem possibilidade de despacho de convite ao aperfeiçoamento13 e 14. O recorrente impugna os factos provados n.ºs 1 e 2, que pretende ver julgados não provados, pelo facto de os documentos que motivaram o julgamento de facto pelo tribunal recorrido não permitirem a sua prova. A recorrida insurge-se, alegando que o recorrente não cumpriu o ónus previsto no artigo 640º do Código de Processo Civil, por não ter indicado os meios de prova que impunham decisão diversa da impugnada. Colocada a questão neste termos, cremos que a recorrida não tem razão, porquanto o recorrente especificou os concretos ponto de facto da decisão recorrida que impugna (são os factos 1 e 2), pretende que os mesmos sejam julgados não provados (decisão alternativa) e sustenta que têm que ser julgados não provados precisamente porque os meios de prova considerados pelo tribunal a quo não sustentam a prova de tais factos (são insuficientes). Como quer que seja, é ponto assente entre as partes que o direito de propriedade sobre o prédio em causa se encontra registado, em comum, em nome da autora e do réu, sendo também ponto assente entre as partes que ambos são os únicos comproprietários de tal prédio e que o mesmo, por natureza, é indivisível, residindo a divergência apenas na questão de saber se é ambos são titulares de tal direito em partes iguais ou, ao invés, na proporção invocada pelo réu e, assim, se a quota de cada parte deve ser julgada não provada. O tribunal a quo julgou provado, nos factos 1 e 2, que: 1. A autora encontra-se registada como titular da aquisição, por compra, de ½ do prédio urbano situado em Rua 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora, sob o número ....., da freguesia de Amora, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial n.º ..... (anterior artigo .....), da freguesia de Amora; 2. O réu encontra-se registado como titular da aquisição, por compra, de ½ do prédio urbano situado em Rua 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora, sob o número ....., da freguesia de Amora, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial n.º ..... (anterior artigo .....), da freguesia de Amora; Vejamos os que sustentam os documentos invocados pelo tribunal a quo (a certidão predial permanente do imóvel e a caderneta predial urbana do imóvel) para prova de tais factos. Analisando a certidão permanente do registo predial (ficha n.º ...../20111129, da freguesia de Amora, da Conservatória do Registo Predial de Amora) verifica-se, efetivamente, que a respetiva inscrição predial (ap. 1162 de 07/10/2013) regista a aquisição do direito de propriedade em nome dos ora autora e réu, por «compra» a CC e DD, mas dela não consta a concreta quota de cada um. Analisando a referida caderneta predial urbana, aí sim, verifica-se que o referido prédio tem como titulares do direito de propriedade, na proporção de ½ para cada um, os ora autora e réu. No entanto, é consabido que o direito de (com)propriedade sobre determinado imóvel não pode ser presumido ou reconhecido, fora do trato com a autoridade tributária, com base nas cadernetas prediais matriciais15. Aliás, como bem salienta o recorrente, o artigo 12º/5 do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis dispõe «as inscrições matriciais só para efeitos tributários constituem presunção de propriedade». Assim, não estando em causa nos autos uma questão com efeitos tributários, conclui-se que a inscrição matricial em causa não constitui presunção de que autora e réu sejam comproprietários, muito menos da quota de cada titular no direito em causa. E, por outro lado, não constando do registo predial qual a quota do direito de cada comproprietário, conclui-se que os documentos que fundamentam a decisão recorrida, por si só, são insuficientes para prova (em termos fatuais) de que autora e réu são comproprietários na proporção de ½ e muito menos, como consta dos factos provados, que cada um dos comproprietários (autora e réu) se encontra “registado como titular da aquisição, por compra, de ½ do prédio”. Como quer que seja, a Relação, no que concerne à reapreciação da matéria de facto impugnada, não se encontra limitada à análise dos concretos meios de prova invocados (na decisão recorrida e no recurso), tendo, ao invés, como resulta do preceituado no artigo 662º/1 do Código de Processo Civil, o «deve[r de] alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa». Tal «dever», quando esteja em causa uma situação em que a modificação da decisão da matéria de facto está dependente da reapreciação de meios de prova sujeitos à livre apreciação, pressupõe o cumprimento pelo recorrente do triplo ónus de impugnação, previsto no artigo 640º do Código de Processo Civil. No entanto, em tais circunstâncias e dentro dos limites definidos pelo recorrente, a Relação goza de autonomia decisória, competindo-lhe formar a sua própria convicção sobre os meios de prova sujeitos a livre apreciação, sem exclusão do uso de presunções judiciais, ou seja, desde que se mostrem cumpridos os requisitos formais que constam do artigo 640º, a Relação não está limitada à reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes, devendo atender a todos quantos constem do processo, independentemente da sua proveniência (cfr. artigo 413º), introduzindo na decisão da matéria de facto que considere erradamente julgada as modificações que forem consideradas pertinentes, podendo, inclusive, se isso se revelar necessário para evitar contradições, alterar outros pontos de facto não impugnados16. Neste sentido, «a prova produzida» que pode impor decisão diversa da decisão proferida sobre a matéria de facto inclui (para além da plena ou pleníssima, que é insuscetível de ser destruída por qualquer outro meio de prova, e da prova legal bastante) a prova livre, ou seja, os meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador. Esta expressão significa, no entanto, que a Relação só pode diretamente alterar as respostas dadas à matéria de facto, com base no confronto dos meios de prova livre, quando a apreciação desta leve seguramente a um resultado diverso, não se bastando com uma situação de dúvida sobre a credibilidade do depoente ou sobre o resultado a extrair dos meios de prova produzidos (situações estas recondutíveis, respetivamente, às als. a) e b) do n.º 2 do artigo 662º)17. Deste modo, tendo o registo (constante da certidão permanente do registo predial – valorada pelo tribunal a quo) como causa a «compra» (a CC e DD), socorrendo-nos da referida «compra», a escritura de compra e venda outorgada no dia 20/09/2013, que constitui o doc. n.º 3 junto com a petição inicial e que se configura como título constitutivo da compropriedade (com base na qual foi lavrado o registo de aquisição no dia 07/10/2013), verifica-se que o prédio em causa (registado sob a ficha n.º ...../20111129, da freguesia de Amora, da Conservatória do Registo Predial de Amora) foi adquirido, segundo o aí declarado pela por autora e réu, «em comum e em partes iguais». É, assim, possível concluir, com base em tal documento, que autora e réu são comproprietários em comum e em partes iguais de tal prédio, colocando-se a questão de saber se o réu pode provar por outros meios que cada um dos adquirentes tem quotas diversas sobre o referido direito. Tal questão reconduz-nos diretamente para o preceituado no artigo 1403º do Código Civil, a propósito da noção de «compropriedade», dispõe: «1. Existe propriedade em comum, ou compropriedade, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa. 2. Os direitos dos consortes ou comproprietários sobre a coisa comum são qualitativamente iguais, embora possam ser quantitativamente diferentes; as quotas presumem-se, todavia, quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário do título constitutivo». Nos termos previstos no n.º 2 do artigo 1403º do Código Civil os direitos dos consortes ou comproprietários sobre a coisa comum presumem-se quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário do título constitutivo. Este dispositivo tem vindo a ser interpretado pela nossa jurisprudência, em que nos revemos, como estabelecendo uma presunção legal absoluta (ou iuris et de iure), isto é, de que na falta de indicação em contrário do título constitutivo as quotas dos comproprietários se presumem quantitativamente iguais, não admitindo prova do contrário. As presunções, nos termos previstos no artigo 349º do Código Civil, são ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido. Quem tiver a seu favor uma presunção legal, nos termos previstos no artigo 350º/1 do Código Civil, está dispensado de provar o facto a que ela conduz, podendo tais presunções, em regra, nos termos previstos no n.º2 do mesmo artigo, ser ilididas mediante prova em contrário, exceto nos casos em que a lei o proibir. Prevê o legislador, nestas normas legais, a possibilidade de serem provados factos com recurso a presunções, prevendo-se, entre as presunções legais, as presunções relativas ou iuris tantum, que admitem prova do contrário, e as presunções absolutas ou iure et de iure, que não admitem prova do contrário. Nestas o legislador conclui de um facto conhecido um facto desconhecido, não admitindo prova do seu contrário18, sendo entendimento dominante na jurisprudência do que o n.º 2 do artigo 1403º do Código Civil consagra precisamente uma presunção legal absoluta, considerando (por presunção legal iure e de iure) as quotas dos comproprietários quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário do título constitutivo19. Neste sentido, decidiu o AcRL de 08-05-2012 (rel. Des. Maria João Areias): «I - Na ausência de qualquer indicação em contrário (expressa ou indirecta) no título constitutivo, as quotas dos comproprietários presumem-se iguais. II - Se o título constitutivo não permitir aferir o valor das quotas de cada um dos comproprietários, a lei presume, iuris et iure, que tais quotas são iguais. III - A atribuição da percentagem da quota de cada uma dos comproprietários fixar-se no momento da sua aquisição, sendo irrelevante para alterar tal proporção que, cessada a união de facto entre os comproprietários, apenas um deles tenha vindo a proceder ao pagamento das prestações do empréstimo hipotecário contraído para fazer face à sua aquisição». No mesmo sentido decidiram o AcRP de 26-09-2013 (rel. Des. Freitas Viera): «A “presunção” de igualdade de quotas a que alude o art.º 1403.º, n.º 2, do Código Civil não se reconduz ao regime legal das presunções propriamente ditas, não lhe sendo aplicável o preceituado no n.º 2 do art.º 350.º do mesmo Código e não havendo lugar à produção de outra prova em contrário para além da que decorre do título constitutivo»; o AcRC de 12-09-2017 (rel. Des. Jorge Arcanjo): «I – O art.1403º, nº 2 do C.Civ. não consagra uma genuína presunção legal relativa (presunção juris tantum), mas antes de uma técnica legislativa de instituição de uma norma supletiva, sendo requisito de aplicabilidade a mera omissão de referência em contrário no título de constituição da compropriedade. II - A parte beneficiada com a presunção não tem o ónus de provar o facto-base, pois a lei considera verificado o facto presumido, cabendo à contraparte a prova do contrário, sendo denominadas como “verdades interinas”. III - A presunção de igualdade das quotas só pode ser afastada com recurso a elementos do próprio título de constituição, e não por elementos exteriores, sendo inadmissível a prova testemunhal para o efeito»; o AcRL de 13-07-2021 (rel. Des. Luís Filipe Pires de Sousa): «A circunstância de um dos comunheiros – num contexto em que cada comunheiro detém uma quota de 50% - suportar sozinho (ou em maior parte) as amortizações do mútuo hipotecário contraído para aquisição do imóvel não tem a virtualidade de alterar a proporção da respetiva quota, majorando-a na mesma proporção dos encargos que suporta além da metade que lhe compete»; e o AcRL de 12-09-2024 (rel. Des. Maria Teresa Lopes Catrola): «O afastamento da "presunção" de igualdade das quotas, que decorre da previsão do n° 2 do artigo 1403 do Código Civil só poderá resultar dos elementos constantes do próprio título de aquisição». A expressão indicativa do valor quantitativo das quotas de cada comproprietário, expresso no título constitutivo da compropriedade ou presumido a partir do mesmo, aferida unicamente a partir do momento da constituição de tal direito, não significa que tal direito tenha que permanecer imutável com o decurso do tempo, podendo a quota de cada comproprietário (ou o seu valor) sofrer mutações, nomeadamente em virtude dos mais diversos atos translativos. Significa apenas que não ocorrendo um ato translativo desse direito, na aferição do valor quantitativo de cada quota, nos devemos socorrer sempre do teor do título constitutivo da compropriedade. Ora, a realização de despesas com a coisa em compropriedade por um dos comproprietários (ou de mais despesas por um dos comproprietários), seja com a realização de obras de beneficiação, seja com a amortização de empréstimo contraído por ambos os comproprietários, como também sustentam os mesmos arestos, em nada altera a situação de compropriedade, apenas relevando para efeitos da relação obrigacional existente entra as partes, concedendo-lhe um eventual direito de crédito sobre o outro comproprietário. Por outro lado, resultando do preceituado no artigo 1403º/2 do Código Civil que o valor quantitativo das quotas de cada comproprietário é o indicado no título constitutivo da compropriedade e que, na falta de indicação, se as quotas se presumem quantitativamente iguais, tal facto (valor indicado no título ou presumido em face do título) não admite prova do contrário, pelo que se revela irrelevante para a boa decisão da causa a alegação do recorrente de ter pago um valor superior ao que a recorrida pagou relativamente ao preço de aquisição. Tendo o recorrente invocado a violação pela decisão recorrida do disposto no artigo 926º/2 do Código de Processo Civil (por ter sido proferida sem que tivesse sido considerada e produzida a prova indicada pelo recorrente na sua contestação, destinada a provar os factos que alegou, em oposição ao pedido formulado pela autora), conclui-se, assim, que, rejeitada a reconvenção (decisão que não é objeto deste recurso), aquela materialidade é irrelevante para a boa decisão da causa, pelo que não foi violado o preceituado em tal artigo. Deste modo, sendo o título constitutivo expresso no sentido de a aquisição foi feita «em comum e em partes iguais», não tendo havido qualquer ato translativo posterior, sem prejuízo do eventual direito de crédito que o recorrente possa ter sobre a recorrida, conclui-se que se provou que o imóvel em causa foi adquirido em comum e em partes iguais por autora e réu e, assim, que cada um deles é comproprietário do referido imóvel na proporção de ½. Consequentemente, em face do teor da escritura pública referenciada e dos demais documentos referenciados na decisão recorrida, nos termos previstos nos artigos 662º/1 607º/4 e 5 do Código de Processo Civil, deve ser alterada a redação dos factos provados n.ºs 1 e 2, que, unificados num único facto, passam a ter a seguinte redação: Factos 1 e 2: «A autora e o réu adquiriram em comum e em partes iguais o prédio urbano situado em Rua 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora, sob o número ....., da freguesia de Amora, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial n.º ..... (anterior artigo .....), da freguesia de Amora, mostrando-se tal aquisição inscrita no registo predial, sob a ap. 1162 de 07/10/2013, em nome de ambos». * D. Do direito. Existe propriedade em comum, ou compropriedade, nos termos previstos no artigo 1403ª71 do Código Civil, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa. O artigo 1412º/1 do Código Civil dispõe que, salvo quando se houver convencionado que a coisa se conserve indivisa (cfr. n.º 2: «o prazo fixado para a indivisão da coisa não excederá cinco anos; mas é lícito renovar este prazo, uma ou mais vezes, por nova convenção») nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão. A divisão, nos termos previstos no artigo 1413º do Código Civil, deve ser feita amigavelmente ou nos termos da lei de processo. Nos termos previstos processualmente no artigo 925º do Código de Processo Civil, «todo aquele que pretenda pôr termo à indivisão de coisa comum requer, no confronto dos demais consortes, que, fixadas as respetivas quotas, se proceda à divisão em substância da coisa comum ou à adjudicação ou venda desta, com repartição do respetivo valor, quando a considere indivisível, indicando logo as provas». Uma vez instaurada a ação, nos termos previstos no artigo 926º do Código de Processo Civil: «1 - Os requeridos são citados para contestar, no prazo de 30 dias, oferecendo logo as provas de que dispuserem. 2 - Se houver contestação ou a revelia não for operante, o juiz, produzidas as provas necessárias, profere logo decisão sobre as questões suscitadas pelo pedido de divisão, aplicando-se o disposto nos artigos 294.º e 295.º; da decisão proferida cabe apelação, que sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo. 3 - Se, porém, o juiz verificar que a questão não pode ser sumariamente decidida, conforme o preceituado no número anterior, manda seguir os termos, subsequentes à contestação, do processo comum. 4 - Ainda que as partes não hajam suscitado a questão da indivisibilidade, o juiz conhece dela oficiosamente, determinando a realização das diligências instrutórias que se mostrem necessárias. 5 - Se tiver sido suscitada a questão da indivisibilidade e houver lugar à produção de prova pericial, os peritos pronunciam-se logo sobre a formação dos diversos quinhões, quando concluam pela divisibilidade». A ação de divisão de coisa pressupõe, assim, uma situação de compropriedade, tendo como finalidade a cessação da indivisão da compropriedade, devendo ser instaurada por um ou mais dos comproprietários contra os demais (os consortes), para, numa primeira fase, serem fixadas as quotas de cada comproprietário e a determinada divisibilidade ou indivisibilidade em substância, seguindo-se, numa segunda fase, à divisão da coisa ou à sua adjudicação ou venda, com repartição do respetivo valor20. No caso em apreço as partes encontram-se de acordo que ambos são comproprietários do prédio urbano identificado nos autos e que o mesmo, por natureza é indivisível – o que foi refletido na decisão recorrida. A divergência entre as partes tem a ver com a quantificação ou valor da quota de cada comproprietário, tendo o tribunal recorrido fixado as quotas de cada comproprietário em ½, como havia alegado a autora na petição inicial, ao passo que o réu e agora recorrente sustenta que o valor da sua quota é muito superior ao da quota da autora. O artigo 1403º/2 do Código Civil, como já vimos, dispõe que «os direitos dos consortes ou comproprietários sobre a coisa comum são qualitativamente iguais, embora possam ser quantitativamente diferentes; as quotas presumem-se, todavia, quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário do título constitutivo». Tal como resulta do supra exposto, está assente que «A autora e o réu adquiriram em comum e em partes iguais o prédio urbano situado em Rua 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora, sob o número ....., da freguesia de Amora, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial n.º ..... (anterior artigo .....), da freguesia de Amora, mostrando-se tal aquisição inscrita no registo predial, sob a ap. 1162 de 07/10/2013, em nome de ambos», pelo que, indicando o título constitutivo da compropriedade que as quotas de autora e réu são iguais, não tendo sido alegado nenhum outro ato translativo sobre o direito de compropriedade, não sendo admitida prova do contrário do que consta no título constitutivo, se conclui que as quotas de autora e réu não na proporção de ½ para cada um, tal como decidiu a decisão recorrida. Assim, estando assente que as partes são comproprietárias do prédio em causa, na proporção de ½ para cada um, e que tal prédio tem natureza indivisível, fixada pelo tribunal recorrido a indivisibilidade do prédio e as quotas de cada comproprietário, impõe-se, nos termos previstos no artigo 929º do Código de Processo Civil, o agendamento da conferência de interessados, tal como decidiu o tribunal recorrido. Nestes termos, improcede a apelação, devendo o recorrente, atento o decaimento, ser condenado nas custas do recurso (cfr. artigo 527º/1 e 2 do Código de Processo Civil). * III – Decisão. Em face do supra exposto, acordam os Juízes da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida. Custas pelo recorrente. Registe e notifique. Lisboa, 20 de novembro de 2025. Relator: Carlos Miguel Santos Marques 1º Adjunto: Nuno Luís Lopes Ribeiro 2º Adjunto: Gabriela de Fátima Marques ____________________________________________ 1. Em consonância com o preceituado nos artigos 608º e 609º, ex vi do 663º/2 do Código de Processo Civil, que veda ao juiz a possibilidade de condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir, apreciando todas as questões suscitadas pelas partes, mas também só as questões suscitadas pelas partes – excetuadas as questões de conhecimento oficioso, não transitadas em julgado. De onde resulta, também, que as questões de mérito decididas pela 1ª instância e que não foram levadas às conclusões do recurso se devem considerar decididas, com esgotamento do poder jurisdicional quanto a elas, estando vedado o seu conhecimento ao tribunal de recurso. 2. Cfr. Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 8ª ed. Atualizada (2024), pgs. 163 a 166; Rui Pinto, in Manual do Recurso Civil, Volume I, 2025, pgs. 348 a 366; e Luís Filipe Espírito Santo, in Recursos Civis: O Sistema Recursório Português. Fundamentos, Regime e Actividade Judiciária, 2020, pgs. 7 a 13. 3. O artigo 607º do Código de Processo Civil, a propósito dos requisitos da «sentença», impõe que a sentença identifique as partes e o objeto do litígio; enuncie as questões que cumpre solucionar; seja fundamentada, com discriminação, efetuada a análise crítica das provas, dos factos provados e dos factos não provados e com indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis; contendo, ainda, decisão sobre a responsabilidade pelas custas processuais. 4. Sendo a decisão recorrível, nos termos previstos no artigo 615º/4 do Código de Processo Civil, o recorrente não tem que arguir perante o tribunal recorrido as nulidades previstas nas als. b) a e) do n.º 1, podendo o recurso interposto ter como fundamento tais nulidades. 5. Cfr. Rui Pinto, in Os meios reclamatórios comuns da decisão civil (artigos 613º a 617º do Código de Processo Civil), Julgar online, maio de 2020; e in Manual do Recurso Civil, Vol. I, 2025, pgs. 77 a 92 – cujo entendimento seguimos, de perto, na análise das nulidades da sentença. 6. Cfr. Rui Pinto (ob. e loc. cit.). 7. Cfr. AcRP de 23-05-2024 (rel. Des. Manuela Machado), AcRP de 20-05-2024 (rel. Des. Germana Ferreira Lopes) e AcRP de 24-10-2024 (rel. Des. José Manuel Correia) – in www.dgsi.pt. 8. Cfr. AcSTJ de 14-01-2025 (rel. Cons. Graça Amaral: «I- A existência de uma eventual fundamentação deficiente, não convincente ou mesmo erro de julgamento, não integra o vício de nulidade da decisão por falta de fundamentação. II – Mostrando-se o acórdão claramente perceptível e inteligível, não existindo qualquer desconformidade lógica entre a decisão recorrida e as razões de facto e de direito que a fundamentaram, ainda que possa ocorrer uma situação de erro na subsunção jurídica dos factos, que se situa no âmbito do erro de julgamento, não padece a decisão de vício de nulidade previsto no artigo 615.º, n.º1, alínea c), do CPC»), AcRG de 02-11-2017 (rel. Des. António Barroca Penha), AcRP de 23-05-2024 (rel. Des. Manuela Machado), AcRP de 20-05-2024 (rel. Des. Germana Ferreira Lopes) e AcRP de 24-10-2024 (rel. Des. José Manuel Correia) – in www.dgsi.pt. 9. Cfr. José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, 2º Volume, 2001, pgs. 667 e ss.; e Rui Pinto (ob. e loc. cit.); cfr., ainda, AcSTJ de 03-03-2021 (rel. Cons. Leonor Cruz Rodrigues), onde se decidiu que: «Há que distinguir as nulidades da decisão do erro de julgamento seja de facto seja de direito. As nulidades da decisão reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal; trata-se de vícios de formação ou actividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afectam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual - nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma - ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma.» 10. Ob. e loc. cit.. 11. No entanto, a lei impõe que todas as questões sejam ser resolvidas na sentença, podendo algumas ser conhecidas em momento anterior ( vg. verificação dos pressupostos processuais) ou em momento posterior (vg. liquidação em incidente de execução de sentença). 12. Cfr., ainda, AcSTJ de 08-02-2024 (rel. Cons. Nuno Pinto Oliveira) e AcRP de 23-05-2024 (rel. Des. Manuela Machado). 13. Cfr. AcSTJ de 06-02-2024 (rel. Cons. Nelson Borges Carneiro), AcSTJ de 27-04-2023 (rel. Cons. João Cura Mariano), AcSTJ de 16-05-2018 (rel. Cons. Ribeiro Cardoso), AcSTJ de 11-03-2025 (rel. Cons. Henrique Antunes), António dos Santos Abrantes Geraldes (in Recursos em Processo Civil, 8ª ed. Atualizada, 2024, pg. 231). Cfr., ainda, Rui Pinto [in Manual do Recurso Civil, 2025, pgs. 292 e ss.], que adverte que o ónus de formulação de conclusões pode não se mostrar preenchido com a reprodução nas “conclusões” do corpo das alegações, podendo haver “conclusões” que não são conclusões (tendo que haver uma correspondência direta entre o conteúdo das alegações e as conclusões formuladas, sendo estas uma decorrência lógica e natural daquelas) e podendo até acontecer que falte a designação de “conclusões” ou estarmos perante uma repetição (de parte) das alegações e estarmos perante verdadeiras conclusões. Clarificando, «o que a lei pede – novamente apelando aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade – é que um juiz médio (mas também um recorrido médio) retire da leitura do recurso os fundamentos e a individualização do objeto recorrido. Não apenas fundamentos sem conclusões, ainda que repetidos à laia de conclusões (primeiro vício de falta absoluta); não apenas conclusões, sem fundamentos (segundo vício de falta absoluta). No primeiro vício, a reprodução integral e ipsis verbis das alegações não cumpre o ónus de formular conclusões – a menos que elas mesmas já contenham (antecipadamente) essas mesmas conclusões, sofrendo, então, do vício sanável da complexidade ou prolixidade (cfr. artigo 639º n.º 3); no segundo vício, se as conclusões do recurso versam ‘matéria não tratada nas alegações são totalmente irrelevantes` (…), pelo que o requerimento não contém conclusões». Consigna-se, ainda, que toda a jurisprudência citada na presente decisão, se outras referências, pode ser consultada no sítio www.dgsi.pt. 14. Na verdade, o despacho de convite ao aperfeiçoamento previsto no artigo 652º/1-a) do Código de Processo Civil tem em vista (apenas) o aperfeiçoamento das conclusões das alegações nos termos do n.º 3 do artigo 639º, ou seja, nos casos em que: a) as conclusões (de facto ou de direito) sejam deficientes, obscuras ou complexas; b) as conclusões (de direito) não tenham as especificações previstas no n.º 2 do artigo 639, ou seja: i. não indiquem as normas jurídicas violadas; ii. não indiquem o sentido com que, no entender do recorrente, deviam ter sido interpretadas e aplicadas; iii. não indiquem, em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma que devia ser aplicada. 15. Cfr. AcSTJ de 14-10-2003 (rel. Cons. Moreira Camilo), AcRL de 29-04-2021 (rel. Des. Jorge Leal), AcRP de 09-01-2025 (rel. Des. Paulo Dias da Silva), AcRE de 18-09-2025 (rel. Des. Sónia Moura). 16. Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª ed., 2025, pgs. 857 a 860) e António Santos Abrantes Geraldes 17. Cfr. José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre (in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3º, 3ª ed., 2025, pgs. 168 a 170). 18. Cfr. Manuel Domingues de Andrade (in Noções elementares de processo civil, 1993, pgs. 208 a 217), Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (in Manual de processo civil, 2ª ed., pgs. 500 a 504) e Marco Fábio dos Reis Santos (in Invocação e ilisão de presunções legais em processo civil: análise às particularidades do seu regime probatório, 2018). 19. Ainda que haja também quem entenda que se trata apenas de uma norma legal supletiva, a qual, ainda assim, sustenta a mesma conclusão – cfr. Jacinto Rodrigues Bastos (in Direito das Coisas, II, pág.141) e Luís Filipe Pires de Sousa (in Prova por presunção no direito civil, pág.99). 20. Cfr. AcRL de 02-03-2023 (rel. Des. Carlos Castelo Branco): «I) A causa de pedir na ação de divisão de coisa comum – que não constitui uma ação real - é integrada pela existência de situação de comunhão, não estando em questão a propriedade sobre a coisa ou direito, mas a relação de comunhão em que os consortes estão envolvidos e o poder – de provocar a sua cessação mediante divisão - resultante dessa relação. II) O processo especial para divisão de coisa comum comporta duas fases fundamentais: Uma declarativa - que visa decidir sobre a existência e os termos do direito à divisão invocado, que só se desenvolve quando haja contestação ou, inexistindo esta, quando a revelia do requerido seja inoperante (artigo 926.º, n.º 2, do CPC) - e uma executiva – em que se materializa, fundamentalmente por meio de perícia, o direito já definido na fase declarativa ou afirmado sem contestação pelo autor (se a coisa for divisível, procedendo-se ao seccionamento em substância da coisa, à sua divisão mediante a formação em quinhões, de acordo com as quotas dos comproprietários, e à subsequente adjudicação desses quinhões; ou, se a coisa for indivisível, procedendo-se à sua adjudicação a um dos consortes e ao preenchimento em dinheiro das quotas dos restantes, ou à venda executiva da coisa com a repartição do produto da venda pelos interessados, na proporção das respetivas quotas). III) Na contestação da ação, o requerido poderá, nomeadamente: impugnar a compropriedade (arrogando-se, por exemplo, proprietário exclusivo da coisa); negar o direito do requerente a uma quota-parte; contrariar o volume de quotas indicado pelo requerente; suscitar a questão da indivisibilidade material da coisa; suscitar questões que tenham a ver com as características físico-materiais da coisa, como sejam confrontações, áreas, etc. IV) No caso de se suscitar alguma destas questões, o Tribunal terá de as conhecer e decidir na fase declarativa da ação de divisão de coisa comum, ou por meio incidental (cfr. artigo 926.º, n.º 2, do CPC) se a questão revestir simplicidade, ou, ordenando o prosseguimento dos autos, segundo a tramitação prevista para o processo comum, se entender que a questão não pode ser sumariamente decidida (cfr. artigo 926.º, n.º 3, do CPC).(…)». |