Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | RUTE SOBRAL | ||
| Descritores: | PERSI PROVA ENVIO COMUNICAÇÕES INDEFERIMENTO LIMINAR EXECUÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 11/20/2025 | ||
| Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | Sumário (elaborado nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, CPC): I - Recai sobre a instituição de crédito exequente o ónus da prova do cumprimento das obrigações que para si decorrem do DL 227/2012, de 25-10. II – Para o efeito, tem de demonstrar ter efetuado as comunicações de integração e de extinção de PERSI, que constituem condições objetiva de procedibilidade da execução, consubstanciando, a sua ausência, exceção dilatória inominada geradora da extinção da instância executiva. III – Tal ónus mantém-se mesmo que a exequente ofereça como título executivo livrança que cumpre os requisitos para valer como título cambiário literal, autónomo e abstrato, se também foi invocado no requerimento executivo que a executada incumpriu contrato de crédito ao consumo, cuja cópia juntou aos autos, e que foi o seu incumprimento que esteve na origem do preenchimento daquele título. IV – Nada obsta a que, nessa hipótese, e caso os seus fundamentos se apresentem de forma manifesta, seja oficiosamente conhecida a falta de integração em PERSI, por se reportar a exceção dilatória, de conhecimento oficioso, nos termos dos artigos 734º e 726º, CPC. V – A verificação dessa exceção permite que o juiz, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, conheça das questões suscetíveis de determinar o indeferimento liminar do requerimento executivo. VI – A simples junção de cópia das cartas de implementação e de extinção de PERSI, desacompanhadas de outros meios de prova, é insuficiente para demonstrar o seu envio. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes da 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa que compõem este coletivo: I - RELATÓRIO A exequente, CA Auto Bank, S.P.A.-Sucursal em Portugal, identificada nos autos, instaurou em 29-10-2024, no Juízo de Execução de Almada, execução para pagamento de quantia certa, sob a forma de processo ordinário, contra a executada A, também identificada nos autos, alegando, no essencial: - A FCA Capital Portugal – Instituição Financeira de Crédito, S.A., foi incorporada no FCA BANK S.P.A., cuja sucursal em Portugal alterou a sua denominação para CA Auto Bank S.p.A. - Sucursal em Portugal; - A Exequente é dona e legitima portadora da livrança dada à execução no valor de € 17.375,53, vencida em 14-09-2024, subscrita pela executada A, para garantia das obrigações decorrentes do Contrato de Crédito nº ...; - A executada não cumpriu o referido contrato, pelo que a Exequente procedeu ao preenchimento da Livrança, com a quantia em dívida, e interpelou-a para o seu pagamento; - Contudo, a Executada não liquidou a quantia em causa que, à data da instauração da execução, incluindo os juros de mora vencidos desde a data de vencimento da livrança, se cifra em € 17 534,73. Em 19-11-2024 foi proferido despacho, a que corresponde a referência 440083322, com o seguinte teor: “Notifique-se o exequente para, em 30 dias, esclarecer se deu cumprimento ao disposto no artº 9º e 14.º e seguintes do disposto no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, e em caso afirmativo o documentar com a respetiva prova do envio das comunicações. Notifique. A informação do cumprimento pelo exequente do artigo 9.º do Decreto Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro e a documentação requeridas ao exequente constituem factos e documentos essenciais ao prosseguimento da execução. Pelo exposto, notifique-se com a legal advertência de a omissão de resposta equivale à omissão da junção da documentação solicitada. Prazo: 30 dias”. * A exequente, por requerimento de 02-12-2024 (referência 50649464), requereu a junção aos autos de cópia de duas cartas que alegou terem sido “remetidas à Executada, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 9º e 14.º e seguintes do disposto no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro”. A primeira de tais cartas está datada de 28-08-2022, mostra-se dirigida à executada, informando, além do mais aí exarado, que “(…) relativamente ao Contrato de Crédito nº ... se encontra em mora o montante de 813,42 EUR”. Nessa mesma carta é comunicada a abertura de processo de PERSI (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento) “na data acima indicada” e solicitado o envio de documentação, no “prazo máximo de 10 dias”, para avaliação da capacidade financeira da devedora (última declaração de IRS, recibos de vencimento/remuneração; cópia de documento de identificação; subscrição de declaração de veracidade da informação prestada). A segunda carta está datada de 12-09-2022, comunicando a extinção do processo de PERSI, por não ter sido obtida resposta à anterior carta. Foi entretanto proferido despacho em 10-12-2024 (referência 440836608) com o seguinte conteúdo: “Renovo o despacho anterior: relativo à junção dos comprovativos de envio e receção dos documentos ora juntos pelo exequente. Prazo: 30 dias.” Por requerimento que dirigiu aos autos em 28-01-2025 (referência 51157911) alegou a exequente: “A Exequente tem rotinas instaladas e procedimentos que, face ao nível de incumprimento e como parte integrante do processo de recuperação de crédito e preparação judicial, permitem assegurar que são sempre enviadas as comunicações PARI/PERSI nos termos da legislação em vigor; - A experiência da Exequente é que, em muitas situações em que as comunicações eram enviadas registadas com Aviso de Receção, verificava-se que os destinatários simplesmente não procediam ao levantamento da correspondência nos CTT e, dessa forma, o efeito útil que o procedimento pretende acautelar - permitir ao devedor superar a situação de incumprimento e ressarcir a instituição financeira -, perdia-se e os devedores não chegam a tomar conhecimento da disponibilidade da credora para, conjuntamente com o cliente/devedor, tentar encontrar uma solução para o incumprimento; - Ao invés, dita a experiência que o envio das comunicações em correio simples, é bastante mais eficaz, por apenas ser depositada no recetáculo postal da morada contratual, e a Exequente verifica que existe um maior número de comunicações recebidas pelos devedores nesta modalidade. De todo o modo, a Exequente cumpre escrupulosamente a legislação em vigor e, como referido, através das suas rotinas instaladas assegura o cumprimento do procedimento de notificação para este efeito e o caso dos presentes autos não é exceção”. Em 12-02-2025 foi proferida decisão, tendo por base os fundamentos de facto e de direito aí exarados, que julgou procedente a exceção dilatória inominada de falta de integração da executada em PERSI, absolvendo-a da instância (referência 442529740). * Não se conformando com tal decisão, a exequente dela interpôs recurso, pugnando pela sua revogação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem: “I. Na ação que subjaz ao presente recurso de apelação, está em execução um título de crédito, que é caracterizado pela sua literalidade, autonomia e abstração. II. Na execução de tal título, não carece o Exequente de ter de descrever a relação subjacente ao título, justamente porque este é literal, abstrato e autónomo. III. O fundamento desta execução, a sua causa de pedir, é a relação cartular estabelecida entre o portador da livrança e o seu subscritor. IV. A relação subjacente não carece de ser documentada ou sequer alegada. V. Tendo-o sido, o Requerimento Inicial fica enriquecido, mas não são tais factos relevantes para a execução. VI. E a natureza da livrança está definida na LULL, uma convenção internacional que, atento o primado do Direito Internacional previsto no Art.º 8.º da CRP, não pode ser afastado pela Lei interna. VII. Porque numa execução de livrança, a causa de pedir é a relação cartular, a emissão e a subscrição da livrança, o Despacho Liminar, atento o disposto no Art.º 726.º do CPC, apreciará se o título apresenta rasuras, se está bem preenchido, se cumpre os requisitos referidos na LULL, se a pessoa demandada é o subscritor, se sendo não à ordem, foi endossado. VIII. Um despacho liminar que se pronuncie pelo indeferimento liminar de uma ação executiva de livrança com base em factos que assentam na relação mediata, e não em eventuais anomalias decorrentes do próprio título cambiário, colide com as regras previstas na LULL, pondo em causa a autonomia, literalidade e abstração do título dado à execução, e dessa forma violando diretamente o primado do Direito Internacional consagrado no Art.º 8.º da Constituição da República Portuguesa. ACRESCE AINDA QUE, IX. O PERSI apenas se aplica a consumidores e não indistintamente a todas as pessoas singulares, inexistindo qualquer presunção (ilidível) que uma pessoa singular atue sempre como consumidora. X. A motivação que leva uma pessoa singular a contratar é um facto pessoal seu. XI. É a vontade de contratar que faz qualificar a relação que se estabelece, alicerçada nesse facto pessoal, como de consumo, dependendo do objetivo, profissional ou não, dessa vontade de contratar. É assim um facto pessoal inerente a uma relação contratual individual e concreta. XII. A qualificação como de consumo, é uma condição substantiva em função da determinação volitiva daquele sujeito em concreto. XIII. Para além disso, o PERSI poderá não ter aplicação em determinadas situações, por exemplo, quando a iniciativa do término do contrato após a mora couber ao consumidor. XIV. Ou seja, nos casos em que após a constituição em mora, mas antes de se iniciar o prazo previsto no Art.º 14.º/1 do Dec.-Lei 227/2012, de 25 de Outubro, o Devedor, por sua própria iniciativa, puser termo ao contrato (como acontece no caso em que este declara o incumprimento definitivo, como quando faz uma dação em pagamento do bem financiado), a mora transforma-se em incumprimento definitivo por ação do próprio devedor e como tal o credor instituição financeira não terá de integrar o titular no PERSI, pois já deixou de existir mora (e, repete-se passou a existir incumprimento definitivo, por ação do próprio devedor). PORTANTO, XV. Só porque se está perante uma livrança que foi subscrita como garantia de um contrato de crédito por uma pessoa singular, não está implícita a necessidade da relação subjacente ter, necessariamente, de ter sido submetida ao PERSI. XVI. Pelo que, e sempre nos referindo ao caso dos presentes autos, de uma execução de um título de crédito (que tem as características de literalidade, autonomia e abstração), e em que a relação mediata não carece de ser invocada, entende a Recorrente, que, para a prolação de Despacho Liminar, não carece de ser feita prova do cumprimento do PERSI. XVII. Devendo ser revogado o Douto Despacho Liminar e substituído por outro que determine a citação da Executada AA. AINDA SE DIRÁ QUE, XVIII. Tal como se explicou em alegações com exemplo prático assente no contrato que subjaz aos presentes autos, é importante ter-se a noção que cada vez que um PERSI for colocado em causa e tiver de ser realizado um novo PERSI, o valor em divida por parte do Cliente bancário para com a instituição de crédito é agravado. E não por causa dos juros, mas por causa do efeito da resolução do contrato que faz vencer-se o capital vincendo à data da resolução. XIX. Se a resolução deixar de validamente produzir os seus efeitos à data inicial, então tudo se passa como se o contrato estivesse estado em vigor e embora o capital vincendo reduza, passa a existir um maior número de prestações vencidas e não pagas. XX. Como consequência disso, a mora do cliente bancário passa a ser de valor superior. TEMOS AINDA QUE, XXI. O Despacho Liminar não visa conhecer do mérito. Visa apenas avaliar se o título reúne as condições de exequibilidade que o Exequente lhe imputa e que a Lei lhe exige. Visa verificar os pressupostos processuais, devendo bastar-se com a aparência indiciária da existência destes. XXII. Como resulta da jurisprudência citada em sede das alegações na presente Apelação, não exigindo o Legislador que a comunicação para integração e extinção do PERSI seja realizada por carta registada, mas meramente em suporte duradouro, o que é o caso do papel usado nas cartas simples expedidas, XXIII. A junção da cópia das cartas é bastante para, pelo menos indiciariamente, provar o envio destas. XXIV. Poderá não ser o bastante para provar a sua receção, mas, não só nesta fase a receção ainda não foi posta em causa, como é apto a provar o envio, pois trata-se de documento contido em suporte duradouro. XXV. É que não só o Legislador não exige que as cartas remetidas aos Consumidores no âmbito do PERSI tenham de ser registadas, XXVI. Como, em termos gerais, não existe nenhum pressuposto de ineficiência dos serviços postais. XXVII. Todos os dias são distribuídas milhares de cartas simples e algumas até de bastante responsabilidade como as faturas para pagamento dos serviços públicos essenciais. XXVIII. E estas chegam validamente ao seu destino. XXIX. Apenas o destinatário de uma carta que lhe é dirigida sabe se a recebeu ou não. É um facto pessoal seu. XXX. A prolação de um despacho liminar não pode alicerçar-se em factos que carecem de uma alegação pessoal que ainda não foi feita e não se sabe se o será, e nem na falta de prova adicional, como prova testemunhal, porque é um despacho liminar, e essa prova só é admissível em julgamento. XXXI. Como é consabido, a prova da receção da carta pode ser feita por prova testemunhal. Por exemplo, o funcionário do call center a quem o consumidor apresentou o seu descontentamento pela IC ter encerrado o PERSI sem ter aceite a sua proposta de regularização a 25 anos, informação constante da carta (de encerramento) e que aquele só pode conhecer com a receção e leitura do teor da mesma. XXXII. Assim, a junção aos autos da cópia de tais missivas, constitui um princípio de prova, e como tal, é prova indiciária bastante do cumprimento do PERSI, XXXIII. Não podendo, em sede de prolação de Despacho Liminar, em que, como já se referiu, não é admitida a produção de prova, a desconsideração de uma alegação e de um princípio de prova que poderá ser plenamente corroborado na fase própria do processo. XXXIV. Acresce ainda que é inegável que o papel é um suporte que se qualifica como suporte duradouro nos termos do Art.º 3.º h) do Dec.-Lei 227/2012 de 25/10, pois subsistem até aos dias de hoje papéis com mais de mil anos. XXXV. Uma última palavra para o facto que o PARI não é um procedimento que tenha que ser provado nos autos, nem liminarmente e nem subsequentemente, pois que, o PARI, é um plano interno da IC que esquematiza quais as diligências e orientação que deverão ser tidas em consideração pela entidade para evitar o incumprimento e ainda iniciativas que pode tomar em sede de PERSI e que cuja fiscalização (tal como do PERSI) é feita pelo BdP (Art.ºs 36.º e 37.º do Dec.-Lei 227/2012 de 25/10). XXXVI. Pelo que, o Douto Despacho liminar, salvo o devido respeito, mal andou quando não considerou a prova apresentada como princípio de prova e como tal, suficiente para determinar o prosseguimento dos autos com a citação da Executada. TERMOS EM QUE, Deverá ser dado provimento ao presente recurso, e em consequência revogada a decisão recorrida e substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos com a citação da Executada, assim V.ªs Ex.ªs farão a costumada JUSTIÇA”. * Foi admitido o recurso como apelação, com subida imediata, nos próprios autos de execução e efeito meramente devolutivo. * Remetidos os autos a este tribunal, inscrito o recurso em tabela, foram colhidos os vistos legais, cumprindo apreciar e decidir. II – QUESTÕES A DECIDIR O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso pelo tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, nos termos do disposto nos artigos 608, nº 2, parte final, ex vi artigo 663º, nº 2, 635º, nº 4, 636º e 639º, nº 1, CPC. Consequentemente, inexistindo questões de conhecimento oficioso a apreciar, sendo certo que se discute nos autos a observância de “Procedimento Extrajudicial de Resolução de Situações de Incumprimento” (PERSI), são as seguintes as questões suscitadas pelo recorrente: - Pressupostos do despacho de indeferimento liminar em processo executivo por falta de integração em PERSI (quando no requerimento executivo apenas se invocou a relação cartular, e não foram alegados quaisquer factos relativamente à falta de receção das cartas remetidas para o efeito); - Apurar se a invocação no requerimento executivo da relação cartular não permite concluir se a executada é “consumidora”, de molde a determinar o obrigatório cumprimento de PERSI. III – FUNDAMENTAÇÃO Factos Provados São os seguintes os factos nucleares que se extraem da consulta eletrónica dos autos: - A presente execução foi instaurada em 29-10-2024, invocando a exequente ser portadora de livrança no valor de € 17.375,53, vencida em 14-09-2024, subscrita pela executada A, para garantia das obrigações decorrentes do Contrato de Crédito nº ... (cfr. requerimento executivo); - Com o requerimento executivo foi junta livrança nº “500032/2024”, no valor de 17.375,53 €, relativa a “Dívida do contrato de crédito nº ...”, com data de emissão de “2024-08-30” e data de vencimento de “2024-09-14”, subscrita pela executada (cfr. livrança junta aos autos); - Tal livrança mostra-se acompanhada de “Termo de autorização para preenchimento (…)”, subscrito pela executada, referindo “Junto envio (…) livrança por mim subscrita (…) que garante o bom e integral pagamento das quantias que vos sejam devidas em caso de incumprimento do contrato nº ... (…)” (cfr. doc. junto com o requerimento executivo); - Consta da cláusula 1 do referido contrato de crédito, sob a epígrafe “Objeto” que a outorgante “FCA BANK S.P.A.-Sucursal em Portugal” (…) compromete-se pelo presente contrato a entregar ao cliente, a título de crédito ao consumo, a importância indicada nas condições particulares como montante principal que fica em dívida, que adiante se designará por Financiamento, com vista a financiar a aquisição pelo cliente do bem móvel também identificado nas condições particulares (…)” (cfr. contrato junto com o requerimento executivo); - A Exequente alega ainda no requerimento executivo que não tendo a executada liquidado os montantes devidos por força de tal contrato, procedeu ao preenchimento da Livrança, com a quantia em dívida, e interpelou-a para o seu pagamento; - Em 19-11-2024 foi proferido despacho, a que corresponde a referência 440083322, pelo qual se notificou a exequente para, “em 30 dias, esclarecer se deu cumprimento do disposto no artº 9º e 14.º e seguintes do disposto no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, e em caso afirmativo o documentar com a respetiva prova do envio das comunicações”, aí se afirmando-se tratarem-se de “factos e documentos essenciais ao prosseguimento da execução”; - A exequente, por requerimento de 02-12-2024 (referência 50649464) requereu a junção aos autos de cópia de duas cartas que alegou terem sido “remetidas à Executada, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 9º e 14.º e seguintes do disposto no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro”. - A primeira de tais cartas, datada de 28-08-2022, está dirigida à executada, informando que “(…) relativamente ao Contrato de Crédito nº ... se encontra em mora o montante de 813,42 EUR”, bem como a abertura de processo de PERSI, solicitando-se o envio de documentação para avaliação da capacidade financeira da devedora; - A segunda carta está datada de 12-09-2022, comunicando a extinção do processo de PERSI, por não ter sido obtida resposta à anterior; - Em 10-12-2024 foi proferido despacho insistindo pela junção dos comprovativos de envio e receção dos documentos juntos pelo exequente (referência 440836608); - Por requerimento que dirigiu aos autos em 28-01-2025 (referência 51157911), sem junção de qualquer outra prova documental, alegou a exequente que a sua experiência evidenciou que nas comunicações enviadas registadas com Aviso de Receção, frequentemente os destinatários não procediam ao levantamento da correspondência nos CTT, sendo mais eficaz o seu envio por correio simples. Enquadramento jurídico Discute-se nos autos a observância do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), bem como a viabilidade do seu conhecimento liminar. Tal procedimento foi criado pelo DL nº 227/2012, de 25-10, visando estabelecer medidas preventivas do incumprimento e promover a regularização de situações de incumprimento, numa ótica de proteção dos consumidores incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito - cfr. artigos 2º, alíneas c) e d), 3º alíneas a), c) e f), do Dl 227/2012, de 25/10. Ali se consagram fundamentalmente dois procedimentos, um dos quais, relativo à “Gestão do Risco de Incumprimento”, que se desenvolve em momento prévio ao do incumprimento do mutuário, (artigos 9º a 11º), e outro relativo ao “Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI)”, previsto nos artigos 12º a 21º, aplicável a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de crédito bancário. Sendo este último o que se discute nos autos, salienta-se que comporta uma fase inicial, seguida da fase de avaliação/proposta/negociação e, por fim, a da extinção – cfr. artigos 14º, 15º, 16 e 17º do DL 227/2012, de 25 de outubro. Certo é que obriga as instituições bancárias a promoverem as diligências necessárias à implementação do PERSI relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito. – cfr. artigo 12º. Por outro lado, e como decorre do artigo 18º, nº 1, alínea b) do citado diploma: “No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de: (…) b) intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito”. O PERSI constitui, assim, uma fase pré judicial destinada à composição do litígio, impondo ao credor (instituição bancária/financeira), em razão da maior vulnerabilidade do consumidor, especiais deveres de informação, esclarecimento e proteção. Mais concretamente, a comunicação da integração do cliente no PERSI e a sua extinção constituem condição da admissibilidade da ação declarativa ou executiva, gerando a sua falta uma exceção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância – cfr. artigo 576º, nº 2, CPC. A primeira questão suscitada pelo recorrente relaciona-se com a viabilidade do conhecimento oficioso de falta de observância de PERSI, dado que a execução foi instaurada com base num título executivo cartular (livrança), cuja literalidade, abstração e autonomia, na sua perspetiva, impediria tal conhecimento. A exequente juntou aos autos executivos a livrança melhor identificada nos factos provados, que alegou ter preenchido na sequência do incumprimento pela executada do contrato de mútuo com ela celebrado (conforme acordo de preenchimento que também apresentou). A quantia exequenda equivale ao montante inscrito na referida livrança. Analisando a relação entre o próprio direito de crédito e o título (de crédito), refere Ferrer Correia que se vem caraterizando metaforicamente como “incorporação”, dado conferir ao seu possuidor a faculdade de o exercer, embora pressupondo uma relação jurídica anterior à sua emissão (relação subjacente ou fundamental) – Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, Vol. III, 1975, páginas 6 e 7. Como o direito vale com o conteúdo (literal) que lhe confere o título de crédito, e independentemente dos vícios inerentes à relação subjacente que justificou a sua emissão, o direito cartular carateriza-se ainda pela sua literalidade, autonomia e abstração. Certo é que embora não suscite qualquer reparo a caraterização conferida pela recorrente ao direito que lhe é conferido pela livrança, analisado o requerimento executivo, não podemos concluir que apenas a relação cartular fundamentou a instauração da execução. Na realidade, a exequente alega a celebração do Contrato de Crédito nº ... (cuja cópia juntou com o requerimento executivo), bem como o seu incumprimento pela executada. Segundo refere, foi tal incumprimento que esteve na origem do preenchimento da livrança (cuja cópia juntou aos autos), pelo valor em dívida e conforme pacto de preenchimento que também apresentou. Assim, perante o conteúdo do requerimento executivo e dos documentos com ele juntos, não pode reduzir-se a obrigação exequenda a uma obrigação meramente cartular, dado que a própria exequente invocou e documentou a própria relação subjacente. Ou seja, independentemente de a livrança apresentada pela exequente cumprir os requisitos previstos nos artigos 75º e 76º LULV para valer como título cambiário literal, autónomo e abstrato, forçosa é a constatação que logo no momento de interposição da execução a exequente carreou para os autos factos com origem na relação subjacente à emissão da livrança, nada obstando, por princípio, à sua consideração, nos termos do disposto no artigo 413º, CPC. Assim, tal atividade de alegação e da prova, independentemente de se reportar a factos que lhe incumbisse alegar e demonstrar, nos termos do artigo 5º, CPC, uma vez efetuada não poderia deixar de ser considerada por estar adquirida no processo. Por outro lado, é sabido que toda a execução tem por base um título executivo, como resulta do disposto nos artigos 10º, nºs 1, 4 e 5 e 703º CPC. Tal título corporiza o direito do exequente, ali previamente definido, de forma a viabilizar a sua realização coativa. Entre tal elenco constam os títulos de crédito, que podem servir de base à execução, apenas se exigindo a alegação de factos constitutivos da relação subjacente se a obrigação cambiária estiver prescrita, caso em que tais títulos valerão como “quirógrafos”. No caso, reunidos que estavam, como já referido, os pressupostos de validade e de eficácia da livrança oferecida como título executivo, aceita-se que a sua apresentação, em face dos princípios da literalidade, da abstração e da autonomia dos títulos de crédito, dispensava a exequente de invocar a própria relação subjacente. Porém, reitera-se que a própria exequente procedeu a tal invocação da relação subjacente, dado que invocou expressamente a celebração de contrato de crédito com a executada, o seu incumprimento e o subsequente preenchimento da livrança. E sustentando tal alegação, a exequente juntou o próprio contrato de crédito (cujo incumprimento imputa à executada). Ora, evidenciando tal contrato que o mesmo se destinou a “crédito ao consumo”, visando “financiar a aquisição de bem móvel”, como resulta dos seus próprios termos, designadamente a aquisição de veículo pela executada, forçosa é a afirmação da sua condição de cliente bancária e de consumidora, nos termos do disposto 1º, nº 1, alínea b), 2º, nº 1, alíneas b) e c) e 3º, nº 1, alíneas a) e c) do Dl 227/2012, de 25-10. Efetivamente, tal alegação (devidamente suportada nos elementos documentais juntos) evidencia que o contrato em questão se destinou à aquisição de bem pela executada para uso não profissional, atuando a mutuante no âmbito da sua atividade profissional inerente à sua qualidade de instituição de crédito – cfr. artigo 3º, alíneas c) e e) do Dl 227/2012, de 25 de outubro. De outro modo, não teriam os outorgantes do contrato de crédito feito constar expressamente na sua cláusula primeira que se tratava de “crédito ao consumo”. Assim, reitera-se que a executada é inequivocamente consumidora, porque o mútuo em discussão, como resulta dos seus próprios termos, visou possibilitar-lhe a aquisição de bem (viatura) que destinou a uso não profissional, tendo sido sua contraparte a exequente, que é uma “entidade que exerce com caráter profissional atividade económica visando a obtenção de benefícios” - cfr. artigo 2º da Lei de Defesa do Consumidor (Lei 24/96, de 31-07), que contém no ordenamento jurídico a definição mais relevante de consumidor, como refere Jorge Morais de Carvalho, (Manual de Direito de Consumo, 2016, 3ª edição, pág. 17). Nas palavras deste autor (ob. cit. pág. 18), “ (…) a qualificação como consumidor é matéria de direito, pelo que não tem que ser alegada (…) cabendo ao consumidor a alegação e, em princípio, a prova dos factos relativos aos (…) elementos indicados, que sustentam essa qualificação, nomeadamente o uso não profissional” e, mais adiante, citando o Acórdão do TJUE de 04-06-2015 (proferido no processo C-497/13, Froukje Faber contra Autobedrijf Hazet Ochten BV, disponível em https://curia.europa.eu/juris/liste.jsf?num=C-497/13&language=PT), refere o mesmo autor que o tribunal está obrigado “sempre que disponha dos elementos de facto e de direito necessários para tal ou deles possa dispor mediante mero pedido de esclarecimento, a verificar se o comprador pode ser qualificado como consumidor (…) ainda que este não tenha expressamente invocado essa qualidade”. Assim, numa primeira aproximação à questão em debate, dir-se-á nada obstar ao apuramento pelo tribunal recorrido da condição de consumidora da executada, por forma a concluir pela aplicação do regime de proteção que lhe é conferido pelo DL 227/2012, de 25-10, tanto mais que não estava sujeito às alegações das partes quanto à aplicação das regras de direito – cfr. artigo 5º, nº 3, CPC, Porém, resultando de forma clara da alegação contida no requerimento executivo e dos documentos que o acompanham, quer a condição de consumidora da executada, quer a celebração de contrato de crédito ao consumo a justificar a obrigatoriedade de observância do regime de PERSI, questiona-se se perante a específica natureza – executiva - dos presentes autos, se tal conhecimento poderia ser efetuado oficiosamente, ao abrigo do disposto no artigo 734º, CPC. Estipula tal norma, sob a epígrafe: “Rejeição e aperfeiçoamento”: “1 - O juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo. 2 - Rejeitada a execução ou não sendo o vício suprido ou a falta corrigida, a execução extingue-se, no todo ou em parte.” A propósito do ali estabelecido, referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Volume II, páginas 97 e 98): “No processo de execução, podendo existir uma intervenção liminar do juiz, não está prevista propriamente uma fase de saneamento. Assim se compreende que as questões que porventura poderiam e deveriam ter determinado o indeferimento liminar total ou parcial, assim como aquelas que, de menor gravidade, careceriam de regularização suscitada através de despacho de aperfeiçoamento devam ser objeto de uma intervenção atípica. A mesma pode ocorrer até a um certo momento mais concretamente até à venda, adjudicação, entrega de dinheiro ou consignação de rendimentos, e não depois, tendo em vista os direitos adquiridos no processo por terceiros de boa fé (…) Efetuados pagamentos na execução, fica precludida a possibilidade de indeferimento do requerimento executivo (…) No que concerne aos motivos determinantes desta atuação do juiz, existe uma relação de causa e efeito facilmente identificada. Os mesmos motivos que deveriam ter determinado o indeferimento liminar do requerimento executivo (art. 726º) servem para provocar a rejeição da execução, com efeitos na sua extinção total ou parcial (…) Se o juiz pode rejeitar a execução, apesar de ter admitido liminarmente a execução, não faria sentido que o não pudesse fazer quando não houve sequer despacho liminar (RL 15-02-18, 2825/17)”. Regressando ao caso, verifica-se que a executada não foi citada, não tendo, consequentemente, deduzido oposição à execução mediante embargos, sendo esse o meio processual próprio e adequado para exercício do seu direito de defesa. Efetivamente, os embargos de executado, regulamentados nos artigos 728º e ss, CPC, constituem o meio de defesa de que o executado se pode socorrer quando pretenda demonstrar a inexistência, modificação ou extinção da obrigação exequenda, ou a inexistência de pressupostos processuais gerais ou específicos da ação executiva (a estes últimos se reconduzindo a falta de observância do regime de PERSI, em contratos de crédito ao consumo a que seja aplicável). Porém, a apreciação jurisdicional a efetivar ao abrigo do disposto no artigo 734º, CPC, pode reportar-se a questão que seja de conhecimento oficioso, cuja apreciação liminar possa determinar, nos termos do artigo 726º CPC, o indeferimento do requerimento executivo ou um convite ao seu aperfeiçoamento. Trata-se, pois de intervenção que não deve servir para suprir os ónus do executado no exercício do seu “direito de defesa”, e que não poderá deixar de ser reservada para o elenco de situações previstas no artigo 726º CPC, que, de forma manifesta, revelem encontrar-se inviabilizada a exigência do cumprimento coercivo da obrigação exequenda. Efetivamente, tal via permite o conhecimento de exceções dilatórias não supríveis de conhecimento oficioso, como decorre do estabelecido no artigo 726º, nº 2, alínea b), CPC. Como se refere no acórdão da Relação de Lisboa de 15-12-2020 (proferido no processo nº 6175/18.5T8FNC-B.L1-7, disponível em www.dgsi.pt), “Não tendo ocorrido nos autos executivos transmissão do bem penhorado, não está precludida a possibilidade de aferir da insuficiência do título, oficiosamente, pelo tribunal recorrido. Tal conhecimento, como expressamente resulta do artigo 734º, nº 1, do CPC, é oficioso, sendo possível ao executado formular requerimento impulsionando tal conhecimento. Daqui não decorre, todavia, que ao executado assista o direito a ver conhecida, simultaneamente por duas vias, as razões de facto e de direito suscetíveis de determinar o conhecimento da falta de pressupostos processuais da execução ou da inexistência, modificação ou extinção da obrigação exequenda: por via da dedução de embargos de executado e pela dedução de um requerimento dirigido aos autos executivos. (…) Na situação em apreço, está pendente de conhecimento, nos embargos de executado, a inexigibilidade invocada pelos embargantes, com fundamento diverso da que deu azo ao requerimento que motivou o despacho recorrido (…) Ocorre, todavia, dever ser conhecida oficiosamente, nos termos do artigo 734º do CPC, a manifesta insuficiência do título executivo, mesmo que impulsionada pelo executado/embargante. Por esta via privilegia-se o conhecimento do mérito em preterição da forma, bem como, considerando o limite temporal ali fixado, a proteção dos adquirentes de boa-fé, obviando-se a que ocorra a transmissão de bens penhorados subsistindo vícios que até então não haviam sido conhecidos.” Tem vindo ainda a reconhecer-se que o vício apreciar nos termos do artigo 734º CPC deve ser manifesto, pelo que “(…) o indeferimento liminar do requerimento executivo, tem necessariamente de apresentar as caraterísticas de evidente, incontroversa, insuprível, definitiva, excecional, sendo esse o significado de manifesta” [expressão do artigo 726º nº 2, alínea a) relativa à apreciação liminar da falta de título executivo] – Acórdão da Relação de Lisboa de 24-09-2019 (proferido no processo nº 35949/11.6TYYLSB-L1-7, disponível em www.dgsi,pt). No mesmo sentido, afirmou o Tribunal da Relação de Guimarães em acórdão de 28-01-2021 (proferido no processo nº 7911/19.8T8VNF.G1, disponível em www.dgsi.pt) que: “A rejeição oficiosa nos termos do artigo 734º e 726º, nº 2, alínea a), CPC pressupõe que a falta de título seja evidente e incontroversa, e não uma situação que implique prévias diligências por parte do tribunal”. A propósito de norma similar (820º) do anterior Código de Processo Civil, pronunciou-se o Tribunal da Relação de Lisboa por acórdão de 02-02-2010 (proferido no processo 2621/08.4TBALM.L1-7, disponível em www.dgsi.pt) que a rejeição da execução aí prevista: “tem de ser necessariamente encarada com parcimónia por parte do juiz, ponderando sempre o facto de ao executado ter sido dada a oportunidade de deduzir oposição e reservando a atuação de natureza complementar para situações-limite em que a irregularidade da ação executiva não deixe margem para dúvidas. O uso do mecanismo do art. 820º do CPC tem que ser necessariamente reservado para situações excecionais em que a ocorrência de alguma das situações abstratamente previstas decorar da mera análise dos elementos fornecidos pelos autos, sem necessidade de intervenção judicial, de pendor inquisitório. Dito de outro modo, a intervenção judicial para efeitos de rejeição da execução deve ser guardada para os casos em que uma eventual intervenção liminar o juiz permitisse determinar por si o indeferimento do requerimento executivo. Não se inscreve na ratio e nos objetivos do preceituado no art. 820º do CPC uma postura do juiz que se traduza na substituição dos ónus que incumbiam ao executado e que este não cumpriu ou não cumpriu dentro dos prazos que a lei prescreve.” Ora, a instituição bancária que pretenda desencadear ação judicial (declarativa ou executiva) em caso de incumprimento de obrigação resultante de contrato de crédito por “cliente bancário consumidor” está onerada com a demonstração da obrigação prévia de instauração, desenvolvimento e finalização de processo de PERSI. Como se refere no acórdão da Relação do Porto de 24-11-2024 (proferido no processo nº 1145/24.7T8PRT-A.P1, disponível em www.dgsi.pt): “O recurso a tal procedimento extrajudicial (com a integração em PERSI e a comunicação de extinção de tal procedimento, persistindo o incumprimento), funciona como condição de admissibilidade da ação judicial (declarativa ou executiva) pela qual a instituição bancária peticiona o pagamento. Na omissão de cumprimento, pela instituição bancária, dessa obrigação prévia (falta de PERSI), verifica-se exceção dilatória inominada, insuprível, de conhecimento oficioso, conducente à absolvição da instância (art. 18º, nº1, al. b) do referido diploma).” Acresce que tais comunicações constituem declarações recetícias, incumbindo ao exequente a prova da sua existência, do seu envio e ainda da sua receção pelo devedor – Acórdão da Relação do Porto de 24/10/2023 (proferido no processo nº 24105/19.5T8PRT-B.P1, disponível em www.dgsi.pt). Na realidade, como se refere no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 8/10/2020 (proferido no processo nº 14235/15.8T8LRS-A.L1-6, disponível em www.dgsi.pt), o regime consagrado no D.L. 227/2012, de 25/10 deve ser interpretado no sentido da “exigência de um procedimento de renegociação suficiente e materialmente efetivo e não de exigência de cumprimento de um iter sacramental de atos formais”. Sendo inequívoco que a integração e a extinção de PERSI têm de ser comunicados pela instituição de crédito ao cliente em suporte duradouro, nos termos dos artigos 14º, nº 4 e 17º, nº 3, do Dl 227/2012 de 25-10, interessa decidir se, in casu, tais comunicações se mostram documentadas, como pretende a exequente/recorrente, ou se se verifica a hipótese inversa, nos termos exarados na decisão recorrida. Certo é que por estar em causa condição da qual dependia a própria admissibilidade da ação executiva, de conhecimento oficioso, julga-se adequado o convite dirigido pelo tribunal recorrido à exequente, para que comprovasse a observância prévia de PERSI, convite esse que, manifestamente, se reconduz aos – já analisados - poderes de conhecimento oficioso consagrados no artigo 734º, CPC, bem como aos poderes de gestão processual consagrados no artigo 6º do mesmo diploma. Trata-se, na verdade, do exercício de “um poder-dever do juiz da execução, de avaliar da exequibilidade de todos os títulos (…) está a manter controlo jurisdicional sobre os mesmos, independentemente das faculdades que concede às partes” – cfr. acórdão da Relação de Lisboa de 10-10-2024 (proferido no processo nº 5765/24.1T8SNT.L1-2, disponível em www.dgsi.pt). Convite esse a que a exequente respondeu, juntando cópia de cartas por si elaboradas e que disse ter remetido à executada, não comprovando, contudo, nem tal envio, nem a sua receção, e nem sequer alegando a necessidade de produção de qualquer meio de prova que o pudesse demonstrar. Ou seja, como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 25-09-2025 (proferido no processo nº 7066/23.3T8ALM.L1-2, disponível em www.dgsi.pt), a exequente apresentou documentos que “(…) atestam o seu teor, mas não o seu envio e, por maioria de razão, o seu recebimento pelo destinatário, aqui executado.” É que, contrariamente ao que refere a recorrente, a tónica da decisão recorrida não foi colocada na obrigatoriedade de envio de cartas registadas com aviso de receção como a única via para comprovar que as comunicações foram efetivadas (o que não foi sequer afirmado na decisão recorrida). O tribunal recorrido considerou que tal demonstração não foi feita, considerando insuficiente a simples apresentação de cópia das cartas, sem qualquer meio de prova complementar que comprovasse o seu efetivo envio e receção pela executada. E, na realidade, tal decisão não merece qualquer reparo por se afigurar que a junção aos autos das cartas acompanhada da alegação de que foram enviadas, por si, é insuficiente para comprovar tal envio. E assim é porquanto está em causa um meio de prova elaborado pela própria parte (interessada na prova do envio das cartas), mas que, em si, não comprova a sua efetiva expedição. Consequentemente, não tendo sido produzido ou sequer requerido qualquer outro meio de prova complementar (testemunhal, documental, por confissão), tal facto fica por demonstrar. Conclui-se que a exequente não demonstrou o envio e a receção das declarações (recetícias) de integração da executada em PERSI, bem como da extinção de tal procedimento, não merecendo qualquer censura a decisão recorrida ao julgar verificada a pertinente exceção dilatória, insuprível, e ao determinar a extinção da instância executiva. Consequentemente, julgamos ser de reiterar o aí exposto, designadamente no segmento que se transcreve: “Todavia, sendo condição de admissibilidade da ação judicial, incumbe ao banco/exequente, que pretende lançar mão do procedimento judicial, o ónus da prova do envio (por si) e da receção (pelo cliente) de tais declarações recetícias, cabendo-lhe demonstrar, para além da sua existência e envio, a receção pelo cliente, não constituindo a mera junção aos autos de simples cartas de comunicação prova quer do seu envio quer da sua receção e, não demonstrada esta, ocorre exceção dilatória, insuprível, que determina a extinção da instância executiva (…). Deste modo, é ao Autor/ou Exequente que cabe o ónus de alegar e provar a existência, o envio e a receção pelo devedor das comunicações exigidas no âmbito do PERSI. Ora, cabendo a prova da comunicação ao banco, resulta que o mesmo se limitou a juntar aos autos cópias de comunicações que retirou do sistema (sequer juntou a prova do envio de carta simples), não podendo daí resultar demonstração da, respetiva, receção. Embora se não exija o envio de carta registada com aviso de receção nem de carta registada, certo é que sendo necessária prova da receção, não resulta que comunicação ao embargante (a qual nem se provou), com vista a, com recurso ao procedimento em causa, ser alcançada a regularização da dívida. (…). Pelo que consubstancia este não cumprimento do disposto no Dec. Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, uma exceção dilatória não inominada—art.º 577º do CPC, que impede, pois, o prosseguimento dos presentes autos, para efetiva satisfação do crédito do exequente.”. Em sentido similar (indeferimento liminar da execução, nos termos dos artigos 734º e 726º, nº 2, alínea b, CPC, por falta de prova, no processo executivo, do envio de cartas relativas à instauração e à extinção de PERSI), pronunciaram-se os Acórdãos da Relação de Lisboa, de 05-06-2025, proferido no processo nº 7225/24.1T8STB.L1-6, de 20-03-2025 proferido no processo 4454/24.1T8ALM.L1-6 (este com voto de vencido, considerando, além do mais incumbir ao devedor invocar os factos constitutivos da exceção de falta de integração em PERSI); os Acórdãos da Relação de Coimbra de 25-02-2025, proferido no processo nº 112/24.5T8ALD.C1 e de 24-06-2025, proferido no processo nº 484/20.0T8ACB.C1; o Acórdão da Relação do Porto de 09-09-2024, proferido no processo nº 462/21.2T8OVPR.P1, todos disponíveis em www.dgsi.pt. Impõe-se, pois concluir que a exequente não demonstrou a condição de procedibilidade relativa à integração da executada em PERSI e à sua extinção, em momento prévio ao da instauração da execução, impondo-se a manutenção da decisão recorrida. Revelando-se improcedente o recurso, as custas serão integralmente suportadas pela recorrente, por ter ficado vencida – cfr. artigo 527º, nº 1, CPC * III – DECISÃO Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida. Custas da apelação pelo recorrente. D.N. Lisboa, 20 de novembro de 2025 Rute Sobral Higina Castelo (Vencida conforme declaração de voto infra) Paulo Fernandes da Silva * Voto vencida na medida em que teria revogado o despacho recorrido e determinado o prosseguimento da execução, com penhora e citação da executada. Concordo que a integração em PERSI do cliente bancário e a extinção do mesmo procedimento constituem, nas ações judiciais destinadas à satisfação do crédito, um pressuposto processual de conhecimento oficioso, conforme pacificamente entendido sobre ambos os aspetos (pressuposto processual e oficiosidade do conhecimento), com fundamento no art. 18.º/1 b) do DL 227/2012. Admito que também seja pressuposto processual na presente execução de livrança com função de garantia do contrato de crédito a consumidor, o oportuno PERSI respeitante ao incumprimento daquele contrato (considerando o disposto no art. 22.º do DL 133/2009). O exequente (ainda que após convite do tribunal) alegou a integração da executada em PERSI e a extinção deste, bem como que lhe dirigiu as correspondentes comunicações em suporte duradouro (no caso, escrito em papel). Considerando que os pressupostos processuais (ressalvados casos de lei em contrário) se aferem em função do alegado por quem propõe a ação (o que está expressamente previsto no n.º 3 do art. 30.º do CPC para a legitimidade processual, mas que é generalizável aos pressupostos processuais em geral), e que as comunicações de integração e de extinção do PERSI são factos suscetíveis de confissão, entendo que, sem que a executada esteja nos autos e impugne os alegados factos consubstanciadores do pressuposto processual, não incumbe ao juiz contradizer o exequente e exigir-lhe mais provas. Penso que o conhecimento oficioso do pressuposto processual permite ao juiz interpelar o exequente sobre o cumprimento do pressuposto e, caso este não o alegue, considerar ex officio verificada a exceção, mas não mais do que isso. Em suma, concordando que recaem sobre as instituições de crédito os ónus de alegação e de prova da integração do cliente em PERSI e da extinção deste, bem como da expedição das respetivas comunicações, penso que a questão da prova apenas se coloca se a parte contrária, estando nos autos, puser em causa os factos integradores do alegado pressuposto. No caso, a executada ainda não foi chamada ao processo e os factos integradores do pressuposto foram alegados pelo exequente, pelo que revogaria o despacho apelado e determinaria o prosseguimento dos autos. Lisboa, 20/11/2025 Higina Castelo |