Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
848/24.0SFLSB.L1-5
Relator: JOÃO GRILO AMARAL
Descritores: TERMO DE IDENTIDADE E RESIDÊNCIA
NOTIFICAÇÃO
NULIDADE
FALTA DE COMPARÊNCIA
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/18/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I. O princípio da autorresponsabilização do arguido determina que a devolução da carta, a existência de uma notificação pessoal atestando que ali não reside, a inexistência de recetáculo, não impede a produção de um dos efeitos do TIR: o arguido deve considerar-se notificado por via postal simples na morada que indicou.
II. Não se verifica a nulidade prevista na alínea c) do artigo 119º do Cód.Processo Penal, se o arguido, dolosamente ou por negligência, indica incorrectamente a morada na altura da prestação do TIR, e vindo posteriormente a ser detido, dado que não é esta situação que primeiramente impediu a sua notificação.
III. Ficando a não comparência do arguido, na audiência, a dever-se desde logo a outra circunstância diferente de estar detido em estabelecimento prisional, não se podendo atribuir-se a essa causa o relevo pretendido, sendo que a circunstância decorrente do não cumprimento dos deveres que sobre ele impediam aquando da aplicação da medida de coacção TIR sempre impediria a sua comparência, pelo não se verifica a nulidade invocada.
IV. A situação em apreço nos autos consente assim a aplicação do regime estabelecido para a falta de comparência do arguido à audiência, no caso de o arguido, devidamente notificado, faltar injustificadamente, incumprindo os deveres decorrentes do TIR (cf. artigo 196º, n.º 3, al. d), do CPP), sem que o defensor do arguido a tal se tenha oposto.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordaram, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO
I.1 No âmbito do processo abreviado n.º 848/24.0SFLSB, que corre termos pelo Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa - Juiz 2, em que é arguido AA, melhor identificado nos autos, foi proferida sentença, no qual se decidiu [transcrição]:
“(…)
a) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1 e 25.º, alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à tabela I-B e II-A anexa ao mesmo diploma legal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
b) Suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido pelo período de 2 (dois)anos, sujeita a regime de prova assente num plano de reinserção social, devendo este ser direcionado para a temática da toxicodependência (incluindo, se adequada, a frequência de programas neste âmbito);
c) Declarar perdido a favor do Estado o produto estupefaciente apreendido nos autos e ordenar a sua destruição;
d) Condenar o arguido no pagamento das custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC. (…)”
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I.2 Recurso da decisão final
Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o arguido AA para este Tribunal da Relação, com os fundamentos expressos na respectiva motivação, da qual extraiu as seguintes conclusões [transcrição]:
(…)
I - O recorrente vinha acusado da prática em autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, por factos ocorridos no dia ... de ... de 2024, pelas 20.00h, no evento musical que decorria na ..., em …, designado "...", tendo sido abordado pela autoridade policial que ali se encontrava na operação de controlo de suspeitos de posse de produtos estupefacientes.
II - Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar o arguido detinha consigo o produto estupefaciente constante da acusação, sendo que, na sequência desse facto:
- Foi condenado na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos;
- O Tribunal a quo condenou-o ao pagamento das custas processuais fixadas em 2 UC,
- Ainda o condenou em 2 UC de multa por ter faltado a julgamento, quando se encontrava preso preventivamente à ordem de outro processo.
III - O arguido encontra-se preso, desde ...-...-2024, no ..., à ordem do Processo n° 66/23.5SWLSB, da 1' Secção do DIAP de Lisboa.
IV - A pesquisa de reclusos na base de dados, que foi efetuada em 14-07-2025, quando o julgamento teve o seu inicio em 20-04-2025, ou seja a pesquisa ocorreu quase três meses depois do início do julgamento.
V - Foi julgado na sua ausência, todavia, o arguido não faltou a julgamento, sendo que a sua ausência prende-se com a circunstância de se encontrar preso à ordem de outro processo, sem qualquer possibilidade de comparecer ou justificar a sua ausência, pelo que estamos perante uma nulidade insanável (art° 119°, alínea c) do CPP.
VI - O Tribunal de 1' Instância, teria de assegurar por todos os meios a sua presença, nomeadamente solicitando aos serviços prisionais, a sua condução, por se encontrar privado de liberdade. A não realização de tal diligência compromete irremediavelmente a validade do julgamento, pelo que se requer a nulidade da audiência de julgamento e da sentença subsequente.
VII - Na sequência do exposto, estamos perante uma nulidade insanável, de conhecimento oficioso e que determina a revogação da decisão recorrida, impondo-se outra decisão, com observância das garantias legais.
Nestes termos e nos demais de direito que Vossas Excelências suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente, seja revogada a sentença condenatória e os autos reenviados para novo julgamento, assegurando o pleno exercício dos seus direitos. (…)
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O recurso foi admitido, nos termos do despacho proferido em 29/10/2024, com os efeitos de subir nos próprios autos e imediatamente e com efeito suspensivo.
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I.3 Resposta ao recurso
Efectuada a legal notificação, o Ministério Público junto da 1ª Instância respondeu ao recurso interposto pelo arguido AA, pugnando pela sua procedência, não apresentando conclusões.
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I.4 Parecer do Ministério Público
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, nos termos do qual, aderindo à posição da Digna Magistrada do Ministério Público na primeira instância, pronunciou-se no sentido da procedência do recurso.
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I.5. Resposta
Pese embora tenha sido dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta ao dito parecer.
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I.6 Concluído o exame preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento do recurso em conferência, nos termos do artigo 419.º do Código de Processo Penal.
Cumpre, agora, apreciar e decidir.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
II.1- Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objeto do recurso:
Conforme decorre do disposto no n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Penal, bem como da jurisprudência pacífica e constante [designadamente, do STJ1], e da doutrina2, são as conclusões apresentadas pelo recorrente que definem e delimitam o âmbito do recurso e, consequentemente, os poderes de cognição do Tribunal ad quem, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal3.
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II.2- Apreciação do recurso
Assim, face às conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação do recurso interposto nestes autos, as questões decidendas a apreciar são as seguintes:
a) determinar se foi cometida uma nulidade insanável, prevista no artigo 119º, al. c), do Cód.Processo Penal, devido à audiência de julgamento se ter realizado sem a presença do arguido, estando o mesmo preso preventivamente no Estabelecimento Prisional.
Vejamos.
II.3 - À questão a decidir relevam as seguintes ocorrências processuais:
a) o arguido/recorrente, na sequência de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, prestou TIR em 01/07/2024 (ref.ª 8932179) e nessa ocasião foi-lhe dado conhecimento, nomeadamente, das seguintes obrigações de:
- não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias, sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado;
- que as posteriores notificações ser-lhe-ão feitas por via postal simples para a morada acima indicada ou para outra, que entretanto vier a indicar, através de requerimento, entregue ou remetido por via postal registada à secretaria do tribunal ou dos serviços onde o processo correr termos nesse momento;
- que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores, legitima a sua representação por defensor em todos os atos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e, bem assim, a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333º do Código de Processo Penal.
b) o arguido/recorrente indicou como morada a ....
c) Em 23/09/2024 foi proferido despacho de acusação (ref.ª438564003), tendo o arguido sido notificado na morada ....
d) Em 23/01/2025 (ref.ª441924083), foi proferido despacho de recebimento da acusação e designada data para realização da audiência, tendo o arguido sido notificado na morada ....
e) Em 20/03/2025 foi realizada audiência de julgamento, no qual foi proferido o seguinte despacho:
“compulsados os autos, se verifica que o código postal para o qual foi remetida a notificação não corresponde, em nenhum dos seus segmentos, ao código postal indicado no termo de identidade e residência, podendo ter influência no local onde foi depositada a carta.
Assim, considerando que o arguido não se encontra presente, e não está regularmente notificado, não é possível dar início à presente audiência de julgamento, adiando-se a mesma, atento o disposto no artigo 333.º, n.º 1, a contrario, do Código de Processo Penal, tendo designando para a sua realização o próximo dia 23 de abril, pelas 10:00 horas, e não antes atenta a indisponibilidade de agenda do Tribunal e a interposição das férias judiciais.”
f) a notificação do arguido recorrente da data designada para a audiência de julgamento foi então enviada para a morada exacta do TIR, tendo sido devolvida (ref.ª42587739 de 16/04/2025) com a indicação “este código postal é da ... e não ...”.
g) Em 23/04/2025 foi realizada audiência de julgamento, no qual foi proferido o arguido foi considerado regularmente notificado, sendo o mesmo condenado na multa de 2Ucs e se “determinou o início da audiência na sua ausência, por não se afigurar essencial para a descoberta da verdade material a presença daquele desde o início da audiência, nos termos dos artigos 116.º, n.º 1 e 333.º, n.ºs 1, 2 e 7, ambos do Código de Processo Penal”, não tendo a defensora do arguido reagido.
h) No mesmo dia foi efectuada a leitura da sentença e depositada a mesma (ref.ª444822745)
i) Em 14/07/2025 foi solicitada a notificação pessoal do arguido da sentença (ref.ª445696851), tendo a mesma vindo negativa.
j) Na sequência da mesma foi feita pesquisa on line de recluso de onde resultou a informação que o arguido/recorrente está preso preventivamente desde .../.../2024 no Estabelecimento Prisional da ... (ref.ª43382984 de 14/07/2025), dali constando a informação quanto à sua morada o seguinte “...”.
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II.4- Apreciemos, então, as questões a decidir.
a) determinar se foi cometida uma nulidade insanável, prevista no artigo 119º, al. c), do Cód.Processo Penal, devido à audiência de julgamento se ter realizado sem a presença do arguido, estando o mesmo preso preventivamente no Estabelecimento Prisional.
A única questão invocada pelo arguido recorrente prende-se com a alegação que não se encontrava devidamente notificado da data para a realização de julgamento, porquanto se encontrava preso preventivamente desde o dia .../...(2024, tendo a audiência de julgamento sido realizada na sua ausência, o que consubstanciaria uma nulidade insanável, devendo ser revogada a decisão recorrida e ser os autos reenviados para novo julgamento.
De uma análise superficial dos autos resulta evidente que a audiência de julgamento ocorreu na ausência do arguido e que aquando da notificação para a mesma, aquele se encontrava já detido.
É consabido que a regra geral é a da obrigatoriedade da presença do arguido na audiência de julgamento, conforme previsto no artigo 332º, n.º 2, do Cód.Processo Penal.
Este direito a estar presente nos actos que directamente lhe disserem respeito é como recorda Henriques Gaspar (em “Código de Processo Penal Comentado”, ed. 2014, pág. 209) um direito instrumental do exercício do contraditório e do direito de defesa do arguido, garantidos desde logo no nº1 do art. 32º da Constituição da República Portuguesa, e visa, no essencial, assegurar que ao arguido é reconhecido, ao longo de todas as fases do processo penal, o direito a conhecer e exercer o seu contraditório quanto a qualquer acusação contra si formulada e a qualquer instrumento probatório que a suporte, como é também exigência do nº5 do mesmo art. 32º da Constituição da República Portuguesa.
Como refere Henriques Gaspar (ob. citada, pág.209), «a presença do arguido, – presença pessoal, assistido do seu defensor – possibilita o conhecimento directo de algum elemento que o afecte, permite a prestação de esclarecimentos, possibilita–lhe controlar o decurso do acto e deduzir qualquer oposição que entenda oportuna, bem como informar–se dos factos e circunstâncias que possam constituir fundamento de defesa».
Entende–se, assim, que a própria possibilidade de excepcionar tal direito de presença processual encontre desde logo o seu limite regulado nos termos do art. 32º nº6 da Constituição da República Portuguesa, onde se prevê que «A lei define os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em actos processuais, incluindo a audiência de julgamento».
Ora, a lei processual penal consagrou em matéria de invalidades o princípio da legalidade, segundo o qual a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei, sendo que nos casos em que a lei não cominar a nulidade o acto ilegal é irregular – cfr. nºs 1 e 2 do art. 118° do Cód. de Processo Penal.
As nulidades dividem-se em dois grandes grupos: as nulidades insanáveis (previstas no art. 119° do Cód. de Processo Penal e ainda as que como tal forem cominadas noutras disposições legais) e as nulidades sanáveis, ou dependentes de arguição, previstas no art. 120° do mesmo Código.
A nulidade invocada no presente recurso é, pois, aquela prevista na alínea c) do art. 119º do Cód. de Processo Penal, de que resulta constituir nulidade insanável – que, como as demais assim previstas, «devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento» –, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais, designadamente «A ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência».
Ou seja, verifica–se a nulidade em causa quando, fora dos casos e das circunstâncias em que tal seja possível, seja desrespeitado o direito do arguido previsto nos termos do art. 61º nº1 al.a) do Cód. de Processo Penal, onde se estipula que «O arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as excepções da lei, dos direitos de: … a) Estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito».
As exceções a tal regra, em que a audiência pode decorrer na ausência do arguido, encontram-se previstas nos artigos 333.º, n.ºs 1 e 2 e 334.º, n.ºs 1 e 2, do CPP.
Cumpre aqui fazer uma distinção relativamente aos contornos específicos do presente caso.
No caso em análise a detenção ocorreu ainda antes de ter sido recebida a acusação, ou seja, muito antes de ter sido designada a data para a audiência de julgamento e tal ter sido notificado ao arguido.
Numa situação diversa, defendemos já que “é de considerar regularmente notificado da data designada para a realização da continuação da audiência de julgamento o arguido que se encontra em reclusão, após a data desta notificação (por via postal simples, enviada para a morada constante do TIR), uma vez que não estava impossibilitado (em virtude da reclusão) de comunicar ao processo o local onde se encontrava (Ac.RL de 06/02/2025, proc. 283/20.0SGLSB.L1 (não publicado)4).
E isto porque tendo o arguido a obrigação de comunicar ao processo o local onde se encontra (atentas as obrigações decorrentes do TIR por si prestado), o que poderá fazer diretamente, através de requerimento enviado por via postal registada (art.º 196º, nº 3, al. c) do Cód.Processo Penal), ou solicitar ao estabelecimento prisional que faça essa comunicação, como forma de obstar à realização do julgamento na sua ausência, nada obsta a que por si ou pelo seu defensor diligencie a tal.
Mas como dissemos, a situação dos autos é diversa, mas ainda assim a solução será em tudo semelhante, ainda que por motivos bem diversos.
Atentemos nos elementos dos autos.
- o arguido/recorrente, na sequência de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, prestou TIR em 01/07/2024 (ref.ª 8932179) tendo indicado como morada a ....
- Em 20/03/2025 foi realizada audiência de julgamento, no qual foi proferido o seguinte despacho:
“compulsados os autos, se verifica que o código postal para o qual foi remetida a notificação não corresponde, em nenhum dos seus segmentos, ao código postal indicado no termo de identidade e residência, podendo ter influência no local onde foi depositada a carta.
Assim, considerando que o arguido não se encontra presente, e não está regularmente notificado, não é possível dar início à presente audiência de julgamento, adiando-se a mesma, atento o disposto no artigo 333.º, n.º 1, a contrario, do Código de Processo Penal, tendo designando para a sua realização o próximo dia 23 de abril, pelas 10:00 horas, e não antes atenta a indisponibilidade de agenda do Tribunal e a interposição das férias judiciais.”
- a notificação do arguido recorrente da data designada para a audiência de julgamento foi então enviada para a morada exacta do TIR, tendo sido devolvida (ref.ª42587739 de 16/04/2025) com a indicação “este código postal é da ... e não ...”.
- Em 23/04/2025 foi realizada audiência de julgamento, no qual foi proferido o arguido foi considerado regularmente notificado, sendo o mesmo condenado na multa de 2Ucs e se “determinou o início da audiência na sua ausência, por não se afigurar essencial para a descoberta da verdade material a presença daquele desde o início da audiência, nos termos dos artigos 116.º, n.º 1 e 333.º, n.ºs 1, 2 e 7, ambos do Código de Processo Penal”, não tendo a defensora do arguido reagido.
- Na sequência da mesma foi feita pesquisa on line de recluso de onde resultou a informação que o arguido/recorrente está preso preventivamente desde .../.../2024 no Estabelecimento Prisional da ... (ref.ª43382984 de 14/07/2025), dali constando a informação quanto à sua morada o seguinte “...).
Daqui resulta que o arguido indicou nos autos uma morada inexistente, desconhecendo-se apenas se o fez de forma negligente ou dolosa, porque efectivamente a morada indicada aquando da prestação de TIR não se mostra correcta.
Quer em ... quer na ...existem ruas com tal designação, não cabendo ao tribunal optar entre as mesmas.
Mas se assim é, tal implica que o arguido foi regularmente notificado para a audiência de julgamento, porquanto podendo o arguido “escolher o local que entender para ser notificado, responsabiliza-se pela indicação correta do endereço” (Maia Costa, in Henriques Gaspar et al., Código de Processo Penal Comentado, 4ª Edição revista, Almedina, Coimbra, 2022, p. 809).
Como se escreve no ac. STJ de 26.07.2019, proc. 242/10.0GABRR-A.S1 “um arguido não se pode considerar privado de garantias de defesa quando é "notificado por via postal de decisões que lhe diziam respeito na morada que indicou em Tribunal", já que, o "arguido tinha a obrigação de indicar morada correcta, pois sabia que as notificações processuais posteriores à indicação do TIR lhe seriam feitas por via postal simples para a morada escolhida ou indicada posteriormente", pelo que, se não o fizer "não cumpriu os seus deveres processuais”, e "tem-se por notificado, passando a estar representado por defensor em todos os actos processuais a que deva ou tenha direito de estar presente." (citado in Comentário Judiciário do Código Processo Penal, Tomo III, anotação ao art.196º, pag,129)
Estamos perante o principio da autorresponsabilização do arguido que determina que “a devolução da carta, a existência de uma notificação pessoal atestando que ali não reside, a inexistência de recetáculo, não impede a produção de um dos efeitos do TIR: o arguido deve considerar-se notificado por via postal simples na morada que indicou” (ob.citado, pag.138)
Esta interpretação encontra-se em conformidade com a lei processual penal vigente e não viola preceitos constitucionais, como tem vindo a considerar o Tribunal Constitucional, designadamente no seu acórdão n.º 17/2010 (publicado no Diário da República, II série, de 22 de fevereiro de 2010), onde embora relativamente a situação diversa, mas análoga, discorre nos seguintes termos a propósito da notificação por via postal simples na morada indicada no Termo de Identidade e Residência:
«É certo que não ficam cobertas as situações em que o arguido, por qualquer motivo (v.g. por ter mudado de residência, por se ter ausentado temporariamente, por desleixo) deixa de aceder ao referido receptáculo postal, sem que previamente comunique essa situação ao tribunal. Mas o não conhecimento pelo arguido do acto notificado nestas situações é imputável ao próprio arguido, uma vez que, a partir da prestação do termo de identidade e residência, passou a recair sobre ele o dever de verificar assiduamente a correspondência colocada no receptáculo por si indicado e de comunicar ao tribunal qualquer situação de impossibilidade de acesso a esse local. Se o Estado está obrigado a diligenciar pela notificação dos arguidos, nesta modalidade, estes também têm de tomar as providências adequadas a que se torne efetivo esse conhecimento. Este é um dever compatível com o seu estatuto de sujeito processual, não podendo esta solução ser acusada de estabelecer um ónus excessivo ou desproporcionado que seja imposto aos cidadãos suspeitos da prática de crimes, atenta a facilidade do seu cumprimento, perante a importância dos fins que visa atingir. Finalmente, e ainda que as garantias previstas para uma dada fase processual não possam ser completamente postergadas com base na invocação de garantias previstas para a fase processual subsequente, não se pode deixar de relembrar que a defesa do arguido ausente é sempre assumida pelo defensor e, que nesse caso, a lei exige a notificação da sentença ao arguido por contacto pessoal, estando assim minimamente acauteladas as garantias de defesa, incluindo o direito ao recurso (artigos 333.º, n.ºs 5 e 6, e 334.º, n.º 4, do CPP).».
Ora, revertendo ao caso concreto, independentemente de o arguido ter sido detido ou não, o certo é que com os elementos relativos à morada que o mesmo forneceu aos autos nunca seria possível a sua notificação, pelo que ter ou não sido detido é totalmente inócuo, já que não foi esta situação que primeiramente impediu a sua notificação. Esta nunca ocorreria, tivesse ou não havido detenção e tal só é imputável ao arguido.
Conforme refere o Ac.RG de 31/10/2023, proc. 101/12.2TAVRM-G.G1, “I. Se o arguido, por lapso ou dolosamente, indica no Termo de Identidade e Residência uma morada que não está completa ou até que não existe, a impossibilidade do depósito em recetáculo postal da carta que lhe foi expedida pelo Tribunal é apenas imputável à violação dos deveres que sobre si recaíam, designadamente da obrigação de indicar uma morada onde possa ser notificado mediante via postal simples e de que as posteriores notificações serão feitas nessa morada e por essa via, exceto se comunicar uma outra.
II. A notificação do arguido da data designada para audiência de julgamento, por via postal simples, na morada indicada no Termo de Identidade e Residência, considera-se validamente efetuada, ainda que a carta seja devolvida ao Tribunal com a menção de «endereço inexistente» ou «endereço insuficiente” (no mesmo sentido, Ac.RP de 01/02/2023, proc. 27/22.1GTSJM-A.P1).
A situação em apreço nos autos consente assim a aplicação do regime estabelecido para a falta de comparência do arguido à audiência, no caso de o arguido, devidamente notificado, faltar injustificadamente, incumprindo os deveres decorrentes do TIR (cf. artigo 196º, n.º 3, al. d), do CPP), sem que o defensor do arguido a tal se tenha oposto, dado que notificado do despacho que considerou o arguido regularmente notificado, apesar da devolução da notificação com a menção que a morada estava incorreta, se conformou com o mesmo, não tendo recorrido de tal.
In casu, ficando a não comparência do arguido, na audiência, a dever-se desde logo a outra circunstância diferente de estar detido em estabelecimento prisional, não se podendo atribuir-se a essa causa o relevo pretendido, sendo que a circunstância decorrente do não cumprimento dos deveres que sobre ele impediam aquando da aplicação da medida de coacção TIR sempre impediria a sua comparência, não se verifica a nulidade invocada.
Improcede assim totalmente o recurso interposto.
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III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os juízes da 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Custas pelo arguido recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 UCS [artigo 515º, nº 1, al. b) do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº 9, do RCP, com referência à Tabela III].
Notifique nos termos legais.
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Lisboa, 18 de Novembro de 2025
(O presente acórdão foi processado em computador pelo relator, seu primeiro signatário, e integralmente revisto por si e pelos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos – art. 94.º, n.º 2 do Código de Processo Penal - encontrando-se escrito de acordo com a antiga ortografia)
Os Juízes Desembargadores,
João Grilo Amaral
Alda Tomé Casimiro
Alexandra Veiga
____________________________________________
1. Indicam-se, a título de exemplo, os Acórdãos do STJ, de 15/04/2010 e 19/05/2010, in http://www.dgsi.pt.
2. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág.335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113.
3. Conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada pelo Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR/I 28/12/1995.
4. No mesmo sentido Ac.RL de 21/05/2024, proc. 6/20.3SMLSB-A.L1-5 e Ac.RL de 04/11/2025, proc. 319/24.5PVLSB.L1 (não publicado)