Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | RUTE SOBRAL | ||
| Descritores: | CONTRATO PROMESSA EXECUÇÃO ESPECÍFICA PENHORA INOPONIBILIDADE | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 11/20/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | Sumário (elaborado nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, CPC): I – A penhora de metade indivisa de prédio urbano implica a afetação do direito penhorado à satisfação do crédito exequendo, nos termos do princípio geral consagrado no artigo 817º, CC, bem como dos créditos reclamados/graduados na execução em que foi realizada. II – Porém, a indisponibilidade (relativa) inerente ao registo da penhora não inviabiliza a celebração do contrato prometido, por via voluntária ou coerciva, embora seja inoponível ao exequente e aos credores reclamantes (que beneficiam de penhora previamente registada) a transmissão do bem, nos termos do disposto no artigo 819º, CC. III – Esse entendimento será ainda reforçado se a própria autora (promitente compradora que peticiona a execução específica do contrato-promessa) sucedeu na posição da exequente pela aquisição (cessão) do crédito executado e, consequentemente é a beneficiária da garantia conferida pela penhora. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes da 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa que compõem este coletivo: I - RELATÓRIO A autora, A, identificada nos autos, instaurou, em 11-07-2021, contra o réu, B, também identificado nos autos, a presente ação declarativa comum, formulando os seguintes pedidos: 1- Prolação de sentença que, substituindo a declaração negocial do réu, declare transmitida a seu favor a metade indivisa, de que ele é proprietário, da fração autónoma designada pela letra “…”, correspondente ao 1º andar esquerdo do bloco … do prédio sito na Rua …, nº (…), em Lisboa. 2- A condenação do réu a entregar à autora o montante correspondente à dívida que ele tem para com a Sra. Dra C e pela qual responde a fração predial referida em 1, que liquidou, provisoriamente em € 143.270,00. Sustentando tal pedido, alegou a autora: - A. e R. adquiriram, em regime de compropriedade e na proporção de metade para cada um, a fração autónoma designada pela letra “…”, correspondente ao primeiro andar esquerdo do Bloco …, do prédio sito na Rua …, nº …, em Lisboa, - Tendo casado posteriormente no regime da comunhão de adquiridos, o casal separou-se de facto no final de 2011 e veio a divorciar-se em outubro de 2012, decidindo os cônjuges, nesse ínterim, o destino a dar àquela que era a casa de morada de família. -Por não querer ou não ter condições para suportar as despesas com o imóvel, designadamente o pagamento das prestações mensais à Caixa Geral de Depósitos, seguros, contribuições para o condomínio, IMI, o R. aceitou vender a sua parte do imóvel à A., que vinha suportando as prestações devidas à CGD. - Atribuíram à fração autónoma o valor que à data se encontrava em dívida à Caixa Geral de Depósitos (€ 608.951,72) e fixaram o preço da metade que a autora iria adquirir ao réu em metade daquele valor, ou seja, € 304.475,86. - A forma de pagamento acordada foi a assunção, de então em diante, da responsabilidade pelo pagamento das prestações vincendas e demais encargos com o imóvel pela A. - A escritura definitiva de compra e venda só não foi logo celebrada porque, não obstante o R. concordar em manter-se obrigado nos contratos de mútuo perante a Caixa Geral de Depósitos se a sua saída não fosse permitida ou acarretasse alteração significativa no valor das prestações, combinaram encetar diligências junto desta entidade bancária para averiguar se e em que condições poderia ser libertado daquelas obrigações, tendo A. e R. celebrado contrato-promessa. - A A. tentou junto da CGD a desvinvulação do R. junto da CGD, tendo a resposta sido negativa. - A A. agendou várias vezes a escritura de compra e venda, mas o R. não compareceu. - A A. foi surpreendida com a existência de um arresto da metade do R. no imóvel, o qual se converteu em penhora a favor de C para pagamento da quantia de € 93.000,00. A A. tem suportado todas as despesas com o imóvel – prestações bancárias, seguros, condomínio, IMI, taxas de saneamento, mantendo a posse efetiva do imóvel * Regularmente citado, o réu contestou a ação, impugnando parte da matéria invocada, e apresentando defesa por exceção, alegando que: - Após a separação, autora e réu divergiram quanto ao destino a dar ao imóvel pretendendo ela arrendá-lo e ele vendê-lo; - Mas o réu aceitou a celebração do contrato promessa em 16-03-2012, dado que pretendia obter o divórcio o mais rapidamente possível e a autora impôs como condição para o divórcio por mútuo consentimento que ele lhe vendesse a sua parte no imóvel; - O contrato-promessa foi celebrado sob a condição de ser obtido o divórcio, como resulta dos seus próprios termos; - Sendo proibida a compra e venda entre cônjuges, por aplicação do princípio da equiparação consagrado no artigo 410º, nº 1, CC, também a promessa desse negócio está abrangida pela proibição consagrada no artigo 1714º, nº 2, CC, sendo consequentemente nula, o que obsta à execução específica; - É inexequível a execução específica do contrato promessa já que a autora não logrou obter a necessária desvinculação do réu nos contratos de mútuo celebrados junto da CGD, condição essencial para a outorga da escritura de compra e venda; - O réu comunicou à autora a perda de interesse no cumprimento do contrato, operando a resolução da promessa; - Contrariamente ao exarado no contrato-promessa não corresponde à verdade que o réu tivesse consentido em continuar vinculado aos contratos de mútuo, pelo que existe erro na declaração, incidindo sobre elemento que para si era essencial, o que era do conhecimento da autora, gerador da anulabilidade do contrato, além de que sempre confere ao réu, pelo menos, o direito de invocar a exceção de não cumprimento do contrato; - Os embargos de executado deduzidos no âmbito do processo executivo e que correm termos sob o processo n.º …/15.6T8PRT não transitaram em julgado; - O contrato-promessa de compra e venda não tem as assinaturas reconhecidas nem foi registado, pelo que não tem eficácia real nos termos do artigo 413.º do Código Civil e para efeitos do disposto no artigo 831º do Código de Processo Civil, pelo que o registo da ação em que se pede a execução específica não é oponível a terceiros que hajam previamente registado direitos incompatíveis; - O artigo 830º, nº 4 do Código Civil, que remete para o artigo 721º do mesmo diploma, não é passível de aplicação analógica, uma vez que a norma foi gizada exclusivamente para a situação das hipotecas, o que determina o indeferimento do segundo pedido formulado; Concluiu o contestante pugnando, no essencial, pela sua absolvição do pedido, por procedência das exceções perentórias que invocou e, caso se conclua pela execução específica do contrato promessa, pela fixação de prazo para que a autora obtenha a desoneração do réu nos contratos de mútuo junto da Caixa Geral de Depósitos. * A autora respondeu às exceções, pugnando pela sua improcedência alegando no essencial: - Está atualmente pacificada a validade dos contratos-promessa de partilha celebrados pelos cônjuges ainda na vigência do casamento; - O imóvel não era detido em comunhão, mas em compropriedade, por ter sido adquirido ainda antes do casamento, mas os efeitos jurídicos a acautelar são, no fundo, os mesmos; - Nunca recebeu qualquer comunicação relativa à resolução do contrato; - Mostra-se ultrapassado o prazo de um ano previsto no artigo 287º CC para arguir a anulabilidade do contrato promessa por erro na declaração. * Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador, identificado o objeto do litígio e enunciados os seguintes temas da prova: “1. Das circunstâncias e motivações inerentes à celebração do contrato-promessa referido no objeto do processo; 2. Da intenção das partes subjacente à cláusula 8.ª do contrato-promessa: mera obrigação da A. de diligenciar no sentido da desoneração do R. do mútuo aí mencionados com a celebração do contrato definitivo ainda que não fosse obtida essa desvinculação ou necessidade de obter a efetiva desvinculação do R. desse mútuo como condição essencial para a celebração do contrato definitivo; 3. Da forma de pagamento do preço da compra e venda acordada pelas partes sob a cláusula 4.ª do contrato-promessa: assunção das prestações vincendas e demais encargos pela A. daí em diante ou assunção das prestações bancárias pela A. até à celebração do contrato prometido, com a respetiva dedução ao preço estipulado; 4. Das tentativas feitas pela A. junto da CGD para desvinculação do R. e do seu pai dos empréstimos bancários para aquisição de habitação própria e “multiopções” e dos seus resultados; 5. Das marcações da escritura pública de compra e venda e das razões da sua não outorga; 6. Da perda de interesse do R. na celebração do contrato prometido e da consequente resolução unilateral do contrato-promessa por parte do R., sua comunicação à A. e eficácia; 7. Da divergência entre a vontade declarada sob a cláusula 8.ª do contrato-promessa e a vontade real do R..” Realizada audiência de julgamento, com produção de prova, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, transcrevendo-se o respetivo dispositivo: “Pelo exposto, e sem necessidade de maiores considerações decido julgar a presente ação procedente e consequentemente decido: 1. Decretar a execução específica do contrato promessa de compra e venda celebrado entre Autora e Réus em 16.03.2012; 2. Declarar transmitida para a Autora, por efeito daquela, a propriedade sobre a metade indivisa de que o R. é proprietário da fração autónoma designada pela letra … correspondente ao 1º andar esquerdo do bloco … do prédio sito na Rua …, n.º …, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo predial de Lisboa sob o n.º … da freguesia de Santa Maria dos Olivais e inscrito na matriz predial da freguesia do Parque das Nações sob o n.º …. O preço, correspondente a metade do valor em dívida à Caixa Geral de Depósitos, será suportado pela A. que assumirá junto daquela instituição, todas as prestações e encargos decorrentes dos contratos de mútuo celebrados para aquisição do imóvel. 3. Ordeno o cancelamento da inscrição da aquisição a favor do Réu com a consequente inscrição da aquisição a favor da Autora. 4. Condicionar os efeitos referidos supra ao pagamento pela Autora, ao Estado, do respetivo IMT e Imposto de Selo. 5. Absolver o R. do demais peticionado. Custas por Autor e Réu na proporção do decaimento.” * Não se conformando com a decisão proferida, o réu dela interpôs recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem: “A. Com o presente recurso o Réu, aqui Recorrente, pretende sindicar a sentença que pôs termo ao processo, com a referência citius n.º 442518292, que julgou a ação procedente e, consequentemente, decretou a execução específica do contrato-promessa de compra e venda celebrado entre a Autora e Réu em 16/03/2012. Porquanto, B. Na sentença proferida pelo Tribunal a quo resultaram provados os seguintes factos: “21. A A. foi surpreendida com a existência de um arresto da metade do R. no imóvel, decretado no âmbito dos autos que, sob o nº. …/15.1T8PVZ, corriam termos pela então 2ª. Secção – J5 da Instância Central da Póvoa de Varzim, registado sob a Ap. … de 2015/09/17 (cfr. doc. nº. 1). 22. Arresto que se converteu em penhora, pela Ap. … de …, e processo que transitou para o Juízo de Execução do Porto – Juiz 2, onde lhe foi atribuído o …/15.6T8PRT (cfr. doc. nº. 1)”. C. Ora, a penhora é um “ato de desapossamento de bens do devedor, que ficam na posse do tribunal a fim de este os usar para a realização dos fins da ação executiva (entrega, adjudicação, pagamento)” – cfr. João de Castro Mendes, in “Direito Processual Civil (ação executiva)”, Ed. da A.A.F.D.L., 1971, pág. 72, APUD Acórdão da Relação de Lisboa, de 11/02/2010, processo n.º 788/08.0TCSNT.L1-2. D. Sendo que, ao contrário do defendido pelo Tribunal a quo, a penhora não confere à Autora, Exequente no processo executivo n.º …/15.6T8PRT, que corre termos nos Juízos de Execução do Porto, os direitos de um credor pignoratício, na medida em que tal penhora não lhe confere o direito de ser paga pelo valor do imóvel com preferência pelos demais credores, uma vez que o credor hipotecário está graduado em primeiro lugar. E. Conforme entendimento perfilhado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11/10/2007, proferido no processo n.º 07B2968, de 11 de outubro e no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/02/2010, proferido no processo 788/08.0TCSNT.L1-2, o facto de existir uma penhora registada sobre a metade indivisa da fração autónoma, que é objeto da ação de execução específica, inviabiliza o decretamento da ação de execução específica contrato- promessa de compra e venda, na medida em que o Recorrente não pode dispor de tal bem. F. Assim, se o Recorrente não pode dispor da fração autónoma que é objeto da ação de execução específica, o Tribunal não podia substituir a declaração que pelo Recorrente não pode ser emitida. G. Incorreu, assim, o Tribunal a quo em violação de lei substantiva, que se traduziu num erro de interpretação e de aplicação do artigo 830.°, n.º 1 do Código Civil. Termos em que, dando provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e decidindo-se conforme o exposto, FARÃO V. EX.AS COMO SEMPRE JUSTIÇA” * A autora apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, concluindo nos seguintes termos: “a) O R., ora recorrente, baseia as suas alegações no fundamento único da impossibilidade de execução específica do contrato-promessa de compra e venda celebrado entre ele e a A., aqui recorrida, e que tem por objeto a metade do imóvel que detêm em compropriedade, em virtude da penhora que recai sobre essa quota-parte; b) Como o recorrente bem sabe, esse argumento é falacioso e não colhe no caso dos autos, já que não existem interesses de terceiros na execução que devam ser protegidos; c) É que, procedendo a presente ação, nem a A., que assumiu o lugar da primitiva exequente, tem interesse na manutenção da penhora, pois o bem passa a ser dela, nem a credora reclamante, a Caixa Geral de Depósitos, tem sequer legitimidade para prosseguir autonomamente a execução, pois inexiste incumprimento do contrato de mútuo garantido pela hipoteca constituída a seu favor; d) Isso mesmo foi a Caixa Geral de Depósitos declarar à ação executiva: que não se opõe à desistência da penhora, que apenas reclamou créditos em virtude da penhora sobre o imóvel e que não tem interesse na sua manutenção; e) Os acórdãos citados pelo recorrente não se adequam ao caso dos autos, porquanto têm subjacente uma lógica de proteção dos interesses de terceiros que aqui não se verifica; f) Como quer que seja, e se retira dos acórdãos e doutrina acima referidos e, sobretudo, do teor do artº. 819º. Do Código Civil, nada impede que um bem penhorado possa ser transmitido, apenas sucede que esse ato de disposição é inoponível à execução, o que não tem consequências face às concretas circunstâncias em apreço; g) Assim, a sentença recorrida não padece do erro de interpretação e aplicação do artº. 830º., nº. 1, do Código Civil que o R. recorrente lhe aponta, pelo que deve ser mantida”. Com a resposta às alegações, a recorrida apresentou documento (certidão da execução nº …/15.6T8PRT) Foi admitido o recurso, como apelação, com subida imediata e nos próprios autos e efeito devolutivo. * Inscrito o recurso em tabela, foram colhidos os vistos legais, cumprindo apreciar e decidir. * Questão Prévia – Junção de documento pela autora/recorrida Na resposta às alegações, a autora requer a junção aos autos de documento que consiste em certidão da execução nº …/15.6T8PRT), invocando: “O único fundamento, de teor jurídico, em que o recorrente baseia as suas alegações não havia sido até agora invocado, o que implica que a A., ora recorrida, traga aos autos elementos que até agora não haviam sido necessários e, ao abrigo do artº. 651º., nº. 1, do Código de Processo Civil, requeira, sob doc. nº. 1, a junção de certidão extraída da ação executiva que, sob o nº. …/15.6T8PRT, corre termos pelo Juízo de Execução do Porto – Juiz 2. O R. recorrente sustenta as suas alegações apenas na impossibilidade da execução específica operar perante a penhora que recai sobre o imóvel, sem desconhecer, no entanto, que essa penhora assegura um crédito da própria A. – pelo que cai com a presente ação - e que o Banco hipotecário, a Caixa Geral de Depósitos, não tem legitimidade para prosseguir a execução, porquanto não existe incumprimento do contrato de mútuo, e até já declarou não se opor à desistência da penhora por parte da exequente” Ao preparar a entrada em juízo da presente ação, a A. foi confrontada com a existência de um arresto sobre a metade do imóvel de que o R. era proprietário, o qual foi depois convertido em penhora no âmbito da ação executiva que, sob o nº. …/15.6T8PRT, corre termos pelo Juízo de Execução do Porto – Juiz 2, para pagamento de uma dívida de € 93.000,00, de que era credora a ex-mulher dele, C – pontos 21 a 23 dos Factos Provados. Citada na qualidade de credora hipotecária, a Caixa Geral de Depósitos, ainda que inexistindo qualquer incumprimento no pagamento das prestações do mútuo, reclamou, como se impunha, a totalidade do crédito garantido. Os embargos de terceiro deduzidos pela aqui recorrida não foram julgados procedentes (ponto 24 dos Factos Provados), pelo que, para assumir o controlo da execução, se viu na contingência de comprar o crédito da primitiva exequente e habilitar-se processualmente no lugar dela (ponto 31 dos Factos Provados). Para impedir que a execução prosseguisse com a venda judicial do imóvel, que é a sua casa de morada de família, a A. foi aos autos desistir da penhora sobre a metade do executado, explicando que, a obter ganho de causa na presente ação, acabaria por ser paga à custa de um bem que era, afinal, dela (cfr. doc. nº. 1). O pedido de desistência da penhora foi indeferido pelo Senhor Agente de Execução (cfr. doc. nº. 1). Inconformada, a A. reclamou daquele ato, mas, na própria reclamação, acabou por requerer, preferencialmente à desistência da penhora sobre a quota-parte do imóvel, a suspensão da instância até à decisão a proferir nos presentes autos, alegando que os mesmos constituíam causa prejudicial face à execução (cfr. doc. nº. 1). Na verdade, Se, por força da execução específica, a metade do imóvel fosse transmitida à ora recorrida, como sucedeu, não faria qualquer sentido prosseguir com a penhora dessa quota-parte. Porém, A improceder a presente ação, a A. ficaria prejudicada por não poder contar com aquele bem para a satisfação do seu crédito, em virtude de ter desistido da respetiva penhora. Esta lógica foi acolhida pela Mma. Juíza do Juízo de Execução do Porto que, justificando não aceitar a desistência da penhora por causa da existência de créditos reclamados pela Caixa Geral de Depósitos, decidiu, no entanto, o seguinte: “Quanto ao pedido de suspensão da execução quanto à quota penhorada, uma vez que pende. ação para execução especifica do contrato, declaro suspensa a instância quanto àquela- artº 270º, do C.P.C.” (cfr. doc. nº. 1). Notificada do despacho, que suspendeu a instância quanto à quota penhorada, mas não aceitou a desistência da penhora, a Caixa Geral de Depósitos foi aos autos comunicar não se opor à desistência da penhora, mais declarando inexistir incumprimento do contrato de mútuo e apenas ter reclamado o crédito em virtude da penhora do imóvel, pelo que não tem interesse na sua manutenção (cfr. doc. nº. 1)” Ou seja, Nem a aqui A. tem interesse na penhora a partir do momento em que proceda a presente ação, porque o bem penhorado passa a ser dela, nem a credora hipotecária, a Caixa Geral de Depósitos, tem fundamento para prosseguir autonomamente com a execução, dado inexistir incumprimento do mútuo. Por essa razão, os acórdãos citados pelo recorrente não são aplicáveis in casu, pois as situações factuais que lhes estão subjacentes são diferentes, na medida em que contemplam interesses de terceiros a acautelar, o que aqui não se verifica”. Analisando os fundamentos inerentes ao pedido de junção de documento, verifica-se que logo na petição inicial a autora alegou ter sido surpreendida com um arresto sobre a metade do imóvel de que o réu era proprietário, que se converteu em penhora, e ainda que os embargos de terceiro que deduziu, opondo-se a tais atos, improcederam, vendo-se na contingência de adquirir o crédito exequendo (factos alegados nos artigos 31º, 31º, 32º e 34º). Mais alegou ter aguardado pelo desfecho dos embargos para intentar a presente ação (artigo 35º). Tais factos foram transpostos para os factos provados sob os números 12, 22, 24 e 31 da decisão recorrida. Com as alegações de recurso – que suportou no documento em questão -, a autora veio ainda invocar que naquela execução (…/15.6T8PRT) desistiu da penhora (sobre a “metade” do executado na fração em causa), conforme requerimento ali apresentado em 04-01-2024, desistência que não foi aceite atenta a existência de credor reclamante (a Caixa Geral de Depósitos), por decisão do Agente de Execução de 20-02-2024, confirmada por despacho judicial de 18-04-2024. Refere ainda que essa mesma decisão judicial determinou a suspensão daquela execução com base na existência de causa prejudicial (a presente). Por fim, alega que a CGD (credora reclamante) já comunicou naqueles autos não se opor à desistência da penhora e ao cancelamento do seu registo (conforme requerimento ali apresentado em 19-04-2024). O documento que a autora pretende juntar com as suas contra-alegações constitui certidão judicial da referida execução (pendente no Juízo de Execução do Porto), documentando vicissitudes processuais que só em parte foram consideradas provadas nos presentes autos (sendo que as restantes, por não terem sido antes alegadas, não foram naturalmente consideradas na sentença). Estabelece o nº 1 do artigo 651º, CP que: “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”. Ponderando ainda o que resulta do artigo 425º, CPC (“Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”), conclui-se que a junção de documentos em fase de recurso pode ocorrer se não tiver sido possível até então. Ou seja, pode tal junção ocorrer em situações de superveniência objetiva (reportada à anterior inexistência do documento) ou subjetiva (relativa à impossibilidade de a parte ter procedido anteriormente à sua junção), ou ainda quando se tornou necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância. Regressando ao caso, deverá sintetizar-se que as vicissitudes processuais da execução …/15.6T8PRT que a autora pretende documentar com as alegações de recurso são as seguintes: - Desistência da penhora sobre a “metade” do executado na fração em causa (por requerimento ali apresentado em 04-01-2024); - Indeferimento de tal desistência (pelo Agente de Execução por decisão 20-02-2024, confirmada por despacho judicial de 18-04-2024), por existência de créditos reclamados pela Caixa Geral de Depósitos; - Suspensão da execução tendo por base a relação de prejudicialidade com a presente ação (decisão de 18-04-2024); - Declaração apresentada pela credora reclamante (Caixa Geral de Depósitos) de não oposição à desistência da penhora e ao cancelamento do seu registo (conforme requerimento ali apresentado em 19-04-2024). Certo é que todas essas vicissitudes processuais ocorreram depois da instauração da presente ação (em 11-07-2021) e antes do encerramento da discussão (28-1-2025, data em que ocorreu a audiência de discussão e julgamento). Nessa conformidade, embora a certidão tenha sido emitida (a solicitação da recorrida) em 12-09-2025, forçoso é concluir que não constitui documento superveniente (objetiva ou subjetivamente). Por outro lado, não se afigura que constitua documento cuja junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância, tanto mais que a decisão recorrida, sem a sua ponderação (nem, obviamente dos factos que documenta), deu provimento à ação. Afigura-se, por isso, que não se verificam os pressupostos de que a lei faz depender a – excecional – junção de documentos em sede de recurso, o que impõe que se indefira a junção. Pelo exposto, indefere-se a junção do documento apresentados pela recorrida com as alegações, com custas pela apresentante que se fixam no mínimo legal – cfr. artigo 651º, CPC a contrario e artigo 27º RCP. II – QUESTÕES A DECIDIR O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso pelo tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, nos termos do disposto nos artigos 608, nº 2, parte final, ex vi artigo 663º, nº 2, 635º, nº 4, 636º e 639º, nº 1, CPC. Inexistindo questões de apreciação oficiosa e não tendo sido ampliado o objeto do recurso, constitui questão a decidir a de saber se deve ser determinada a execução específica do contrato promessa em causa nos autos, como decidido em primeira instância. * II - Fundamentação A - Factos provados 1. A. e R. adquiriram, em regime de compropriedade e na proporção de metade para cada um, a fração autónoma designada pela letra “…”, correspondente ao primeiro andar esquerdo do Bloco …, do prédio sito na Rua …, nº…., em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº. … da freguesia de Santa Maria dos Olivais e inscrito na matriz predial da freguesia de Parque das Nações sob o artº. …, conforme informação predial simplificada com o código de acesso IS-…-…-…-…582 e caderneta predial que se juntam sob docs. nºs. 1 e 2. 2. Tendo casado posteriormente no regime da comunhão de adquiridos, o casal separou-se de facto no final de 2011 e veio a divorciar-se por sentença de 12 de outubro de 2012, transitada em julgado na mesma data, decidindo os cônjuges, nesse ínterim, o destino a dar àquela que era a casa de morada de família. 3. A A. pretendia arrendar o imóvel e relegar a venda para momento em que o mercado se mostrasse mais favorável, proposta que não foi aceite pelo R., que queria vendê-lo de imediato. 4. O R. ainda chegou a afirmar ter encontrado comprador, mas nunca o apresentou. 5. A A. propôs ao R. adquirir a parte dele. 6. O R. aceitou vender a sua parte do imóvel à A. 7. A. e R. atribuíram à fração autónoma o valor que à data se encontrava em dívida à Caixa Geral de Depósitos (€ 608.951,72) e fixaram o preço da metade que a A. iria adquirir R. em metade daquele valor, ou seja, € 304.475,86. 8. A. e R. celebraram o contrato-promessa junto aos autos como doc. nº. 3 da PI, e aqui se dá por integralmente reproduzido, dele constando, designadamente que: a. Cláusula1ª: 1. Pelo presente contrato, O PRIMEIRO OUTORGANTE promete vender à SEGUNDA que promete comprá-la, a sua quota-parte da fração autónoma identificada no Considerando A) supra. 2. A promessa é feita sob condição de ser obtido o divórcio, sem o qual não é possível o seu cumprimento. b. Cláusula 2ª: Para aquisição da fração autónoma identificada no Considerando A) supra, os OUTORGANTES contraíram empréstimo, no valor de € 649.000, junto da Caixa Geral de Depósitos, dos quais, se encontram em dívida, nesta data, € 608.951 ,72. c. Cláusula 3ª: A referida fração autónoma encontra-se onerada com hipoteca a favor da Caixa Geral de Depósitos, a título de garantia do contrato de mútuo celebrado para a respetiva aquisição. d. Cláusula 4ª: 1. O preço da compra e venda ora prometidas é de € 304.475,86, correspondente a metade do valor atualmente em dívida à CGD. 2. Como forma de pagamento, a SEGUNDA OUTORGANTE assume todas as prestações e todos os encargos decorrentes do mútuo que se vencerem a partir de 1 de março de 2012. e. Cláusula 5ª: 1. O PRIMEIRO OUTORGANTE obriga-se a desocupar a fração autónoma objeto dos presentes autos até ao final do presente mês de março. 2. Se o prazo acima referido não for respeitado pelo PRIMEIRO OUTORGANTE, este obriga-se a suportar sozinho e na íntegra todas as prestações e demais encargos associados que se vencerem. 3. Às prestações e encargos acima referidos, acrescem as despesas de condomínio, que seguirão o mesmo regime quanto à responsabilidade atribuída a cada um dos OUTORGANTES. f. Cláusula 6ª: A partir da data em que o PRIMEIRO OUTORGANTE desocupar a fração e as prestações e demais encargos devidos à CGD forem por ela assumidos, a SEGUNDA OUTORGANTE pode, nos termos legalmente permitidos, dar ao imóvel o uso que entender, inclusive arrendá-lo sem que aquele possa opor-se. g. Clausula 7ª: A escritura de compra e venda ora prometida deverá ser celebrada no prazo de 30 dias a contar da data do trânsito em julgado da decisão que decretar o divórcio. h. Clausula 8ª: 1. Para que não haja alteração das condições em que o empréstimo foi concedido aos mutuários pela CGD, o PRIMEIRO OUTORGANTE consente em continuar obrigado no contrato de mútuo celebrado com aquela entidade, sem prejuízo do direito de regresso que venha a deter sobre a SEGUNDA OUTORGANTE por força do presente contrato-promessa. 2. Caso seja, entretanto, possível, sem agravamento das condições contratuais, desobrigar o PRIMEIRO OUTORGANTE do contrato de mútuo celebrado com a CGD a SEGUNDA OUTORGANTE obriga-se a diligenciar de imediato nesse sentido.” 9. A A. tentou junto da Caixa Geral de Depósitos a desvinculação do R. dos empréstimos, entregando o pedido que ora se junta sob doc. nº. 4 e aqui se dá por reproduzido, no qual oferecia até, como compensação pela saída de um mutuário, fiança a prestar pelos seus pais como reforço da garantia. 10. E fê-lo logo no dia 25 de outubro de 2012, já com o parecer positivo do seu gestor de conta sobre os termos da carta a entregar, ficando a aguardar a resposta para proceder à marcação da escritura. 11. Com data de 19 de novembro de 2012, o R. enviou à A. a carta que se junta sob doc. nº. 5, na qual solicitava a marcação da escritura, sob pena de proceder ele à mesma. 12. A resposta da Caixa Geral de Depósitos ao pedido de desoneração dos mútuos bancários foi negativa – doc. nº. 6. 13. A A. contactou o Cartório Notarial da Dra. …, com vista à preparação e marcação da escritura, vindo a mesma a ser agendada para o dia 4 de janeiro de 2013, pelas 12 horas. 14. A A. enviou à notária, Dra. AA – doc. nº. 7 -, de onde se infere que a escritura estava marcada e que o R. já avisara que não iria, provavelmente, comparecer, como, de facto, não compareceu. 15. A A., aconselhada pelo seu gerente de conta, voltou a tentar junto da Caixa Geral de Depósitos a desvinculação do R. e do pai dele, este na qualidade de fiador, desta vez limitando o pedido ao empréstimo principal para aquisição de habitação própria, no valor de € 472.000 e que obteve, desta vez, desfecho favorável - docs. nºs. 8 e 9, 16. Subsistindo os empréstimos Multiopções, que sofreriam um agravamento substancial das prestações mensais com a alteração, mas de que não foi descartada a possibilidade de nova tentativa dali a um tempo. 17. Com o R. já patrocinado por outro mandatário, iniciaram-se as diligências para nova marcação da escritura, que chegou a estar agendada para o dia 24 de maio de 2013 - docs. nºs. 10 e 11 da PI. 18. Na véspera da escritura, o mandatário do R. comunicou à mandatária da A. que este só aceitava celebrá-la desde que devidamente autorizado pelo Banco para o efeito com as decorrentes desvinculações, pelo que não estavam reunidas as condições para que a outorgasse. 19. Numa altura em que o R. não estava patrocinado por advogado, a mandatária da A. interpelou-o diretamente através do mail, com data de 30 de janeiro de 2015, que se junta sob doc. nº.12, 20. Tendo, de imediato, recebido em resposta o mail que constitui doc. nº. 13 desta peça processual, no qual o R. reafirmava, como condição para a realização do negócio prometido, a sua desvinculação de todos os empréstimos bancários. 21. A A. foi surpreendida com a existência de um arresto da metade do R. no imóvel, decretado no âmbito dos autos que, sob o nº. …/15.1T8PVZ, corriam termos pela então 2ª. Secção – J5 da Instância Central da Póvoa de Varzim, registado sob a Ap. … de …(cfr. doc. nº. 1), 22. Arresto que se converteu em penhora, pela Ap. … de …, e processo que transitou para o Juízo de Execução do Porto – Juiz 2, onde lhe foi atribuído o …./15.6T8PRT (cfr. doc. nº. 1); 23. Processos instaurados pela então ainda mulher do R., Senhora Dra. C, para pagamento da quantia de € 93.000,00 24. A A. deduziu embargos de terceiro, primeiramente ao arresto e depois à penhora, mas as instâncias decidiram que a sua posse não era boa para embargos e, consequentemente, estes não procederam. 25. Desde a assinatura do contrato-promessa, tem sido a A. a suportar na íntegra todas as despesas com o imóvel – prestações bancárias, seguros, condomínio, IMI, taxas de saneamento -, assim cumprindo aquilo a que estava e está obrigada. 26. E é também ela quem tem tido a posse efetiva do imóvel. 27. Tendo-o dado de arrendamento durante um período. 28. Em agosto de 2017 havia um comprador interessado em adquirir o imóvel, pertença de A. e R., pelo valor de 900.000,00€ mas a A. recusou vender a sua parte. 29. O pai do Réu era fiador nos contrato de mútuo e pretendia ficar desonerado da fiança. 30. O Réu sempre enviou para a Autora as liquidações de IMI emitidas em seu nome para que ela procedesse ao pagamento. 31. Por escritura realizada no dia 01/09/2023 foi cedido à A. o crédito detido pela exequente no processo executivo n.º 22903/15.6T8PRT, ficando a A. habilitada naqueles autos na posição da cedente BB. Factos não provados a.A data e local da escritura foram comunicados diretamente pela A. ao R. e por mail da mandatária do A. enviado, em 28 de dezembro de 2012, ao colega que ao tempo o representava, Senhor Dr.D. b. O R. fez saber que não iria estar presente, alegando inicialmente motivo de doença e, quando instado a sugerir data alternativa, acabou por “confessar” que exigia ser desobrigado dos mútuos. c. O R. só equacionou a venda à A. na condição de ficar desvinculado dos contratos de mútuo. d. Na sequência dessa recusa, em 15.03.2018, por via de email e por carta, o R. comunicou à A. a perda e interesse no cumprimento do contrato prometido, invocando o incumprimento do contrato promessa de compra e venda (doc. 4 e 5 da cont.) e. A A. realizou obras no imóvel para voltar a habitá-lo. * B – Execução específica Como se alcança do disposto no artigo 410º, nº 1, CC o contrato-promessa consiste na convenção “pela qual ambas as partes ou apenas uma delas, se obrigam, dentro de certo prazo ou verificados certos pressupostos, a celebrar determinado contrato” – Antunes Varela (Das Obrigações em geral, Vol 1, 10ª edição, pág. 308). A promessa gera, pois, para ambos os outorgantes (se bilateral), ou para um deles (quando unilateral), uma obrigação de facto positivo que consiste em “emitir a declaração de vontade correspondente ao contrato prometido” (obra e autor citado, pág. 309). A celebração do contrato prometido é relegada para momento ulterior, atenta a existência de qualquer obstáculo à sua celebração imediata, ou meramente por razões de conveniência dos outorgantes. O contrato-promessa constitui, assim, um acordo funcionalmente instrumentalizado à futura conclusão do contrato prometido, cujo conteúdo essencial ali fica previamente definido. No caso, a autora considera que o réu está em mora no que se reporta à obrigação que assumiu relativamente à celebração do contrato definitivo, pretendendo obter a execução específica do contrato. Tal pretensão, reconhecida pelo tribunal recorrido, mereceu a oposição do réu, que defende que a penhora do seu direito sobre a metade indivisa da fração em causa na execução n.º …./15.6T8PRT inviabiliza a execução específica, tanto mais que ali foi graduado, com preferência sobre o crédito exequendo, crédito hipotecário. Celebrada a promessa, quando um dos promitentes recusa emitir a declaração negocial inerente ao contrato prometido, pode o outro requerer a sua execução específica, intentando a ação (constitutiva) prevista no artigo 830º, CC, obtendo, em caso de procedência, uma sentença pela qual é transmitido o prédio objeto da promessa. Efetivamente, do nº 1 desta norma resulta: “Se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida.” A “convenção em contrário” pode estar expressamente clausulada ou extrair-se da existência de sinal ou da fixação de uma pena para o cumprimento, como se explicita no nº 2 da norma citada. Porém, nunca pode ser afastada a execução específica “nas promessas a que se refere o nº 3 do artigo 410º” (cfr. nº 3 do artigo 410º, CC). Estas reportam-se a promessas cujo contrato prometido visa a constituição ou transmissão de direito real, sobre edifício construído ou a construir, devendo, para o efeito, proceder-se ao reconhecimento presencial da assinatura dos promitentes e ser obtida a certificação pelo notário de licença de utilização ou de construção. Com relevo para apuramento do regime do contrato em análise, salienta-se que podem as partes, nos termos previstos no artigo 413º, CC, atribuir à promessa eficácia real, desde que verificados os requisitos aí previstos, ou seja: - O objeto do contrato prometido seja a transmissão ou constituição de direitos reais; - Os referidos direitos reais versem sobre bens imóveis ou móveis sujeitos a registo; - A declaração de atribuição de eficácia em relação a terceiros conste de declaração expressa nesse sentido; - O contrato-promessa conste de escritura-pública ou documento particular autenticado, ou, nos casos em que a lei não exige aquela forma para o contrato prometido, de documento particular com reconhecimento da(s) assinatura(s) do(s) promitente(s); - Seja inscrita no registo a referida promessa (artigo 2º, n.º 1, alínea f) do Código do Registo Predial). Nesta hipótese, diz-se que o contrato é eficaz relativamente a terceiros (erga omnes), tudo se passando “como se o contrato prometido já houvesse sido realizado; o direito do promissário prevalece sobre todos os direitos que se possam constituir em relação à coisa” – Susana Pereira e Susana Sousa Machado (Contrato Promessa com Eficácia Real - A Execução Específica e o Regime da Venda Direta, revista Julgar online, outubro de 2020, pág. 9). Revertendo ao caso, verifica-se que a execução específica não foi afastada por convenção expressa em contrário, assim como não foi fixado sinal, nem qualquer pena para o incumprimento. Pelo que, nos termos já enunciados, numa primeira aproximação ao regime consagrado nos nºs 1 e 2 do artigo 830º, CC, não se alcança a existência de qualquer obstáculo à execução específica. Porém, sendo manifesto que à promessa em causa nos autos não foi conferida eficácia real (não tendo sido observados os requisitos já enunciados, previstos no artigo 413º, CC), interessa definir se os direitos da promissária (a autora/recorrida) podem prevalecer, com a celebração do contrato prometido, não obstante a apurada existência de arresto, entretanto convertido em penhora na execução …/15.6T8PRT (que corre termos no Juízo de Execução do Porto), incidente sobre a parte do réu no prédio em questão. Aqui reside a discordância do recorrido, enunciada de forma sintética na conclusão G) das suas alegações, ao referir: “(…) o facto de existir uma penhora registada sobre a metade indivisa da fração autónoma, que é objeto da ação de execução específica, inviabiliza o decretamento da ação de execução específica contrato promessa de compra e venda, na medida em que o Recorrente não pode dispor de tal bem”. Consequentemente, na perspetiva do recorrente, se ele próprio não pode dispor da fração autónoma que é objeto da execução específica, também ao tribunal recorrido não seria lícito substituir a sua declaração negocial com vista à celebração do contrato prometido. Na sentença recorrida, depois de resolvidas outras questões colocadas em 1ª instância e cuja apreciação não foi renovada no recurso, refere-se com interesse para a questão em análise: “Importa ainda referir que sobre a quota parte do imóvel pertencente ao R., objeto do contrato promessa, se encontra, desde 18/10/2017, registada uma penhora. Porém, a existência da penhora não obsta à pretendida execução específica, que não se mostra afastada pelo facto de o imóvel se encontrar onerado, sendo que a credora pignoratícia é, neste momento a A (facto n.º 31). Aliás, sobre o imóvel, e consequentemente sobre a quota parte pertencente ao R. encontra-se já registada a hipoteca voluntária que se manterá com a transmissão face ao direito de sequela de que goza (art.º 686º do Código Civil). (…) Nesta conformidade, impõe-se verificar que estão reunidos os pressupostos para a execução específica do contrato em causa.” A factualidade pertinente para a decisão da questão suscitada reporta-se à existência de um arresto “da metade do réu no imóvel”, registado sob a Ap. … de …, que se converteu em penhora, pela Ap. … de …, no âmbito do processo pendente no Juízo de Execução do Porto (nº …/15.6T8PRT) – cfr. factos provados sob os nºs 21 e 22. Em tal execução foi indicada como quantia exequenda a de € 93.000,00, e o crédito aí detido pela exequente foi cedido à autora, que ficou habilitada naqueles autos na posição de exequente (facto provado nº 31). Sendo manifesto que o requerido é titular, em compropriedade e na proporção de metade, da fração autónoma designada pela letra “…”, correspondente ao primeiro andar esquerdo do Bloco …, do prédio sito na Rua …, nº …, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº … da freguesia de Santa Maria dos Olivais e inscrito na matriz predial da freguesia de Parque das Nações sob o artigo …, interessa então de definir se a penhora do seu direito obstaculiza a pretendida execução específica. Trata-se, afinal, de indagar se a indisponibilidade inerente ao registo da penhora inviabiliza a celebração do contrato prometido, seja por via voluntária ou coativa, tendo em conta, designadamente, que desde o registo da penhora (após conversão do arresto), o direito penhorado (metade indivisa da fração) passou a estar afetado à satisfação do crédito exequendo na execução …/15.6T8PRT. É sabido que estão sujeitos a execução todos os bens do devedor “suscetíveis de penhora” que, quando incide sobre bens imóveis, deve ser objeto de registo- cfr- artigos 721º, nº 1, CPC e 2, nº 1, alínea o) do Código de Registo Predial. Consiste a penhora em “providência judicial integrada no processo de execução e consistente na apreensão jurídica de direitos do executado, para com o produto da sua venda se pagar ao executor e a outros credores que porventura concorram à satisfação dos seus créditos (…)” – José Lebre de Freitas (Registo Predial: Direitos Indisponíveis, R.O.A., 1964/1965, pág. 315). Indagando quais os efeitos da penhora e, designadamente, se podem retirar, em absoluto, o poder de disposição dos bens ao seu titular, refere o autor citado que o poder de disposição do executado fica limitado pela incidência de um novo direito que o onera, dado que “o ato de disposição do direito pelo executado não é nulo, mas apenas ineficaz, enquanto a penhora eventualmente não venha a suspender-se ou a ficar sem efeito por qualquer outro motivo máxime o pagamento. E poderá mesmo pensar-se em ir um pouco mais longe, admitindo que o negócio dispositivo seja desde logo plenamente válido e eficaz, transmitindo-se o direito-onerado – para terceiro, que terá então de suportar as consequências da existência do direito real do exequente nos mesmos termos em que suportaria a incidência sobre um bem próprio dum direito real de penhora ou hipoteca “(ob cit. pág 316 e 317). Defende o autor citado que não pode afirmar-se a total indisponibilidade do bem penhorado, considerando que o executado pode dispor do bem desde que não coloque em causa a satisfação do direito do credor exequente e outros credores reclamantes (pág. 318). Consequentemente, deverá concluir-se que a penhora atribui ao titular do bem ou direito penhorado uma indisponibilidade relativa, dado impedir que dele disponha em prejuízo da satisfação do direito do credor que beneficia do seu registo. Neste sentido, estabelece o artigo 819º, CC, a ineficácia, em relação ao exequente, dos atos de disposição ou oneração dos bens penhorados (“Sem prejuízo das regras do registo, são inoponíveis em relação à execução os atos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados”). Mas como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 27-04-2023 (proferido no processo nº 9764/18.4T8SNT-B.L1-8, disponível em www.dgsi.pt), se o terceiro adquiriu um bem onerado com uma penhora, “a penhora mantém-se e o bem pode ser executado sem que o terceiro tenha que ter intervenção no processo de execução (…) a alienação é plenamente eficaz, passando o bem a pertencer ao património de um terceiro, mas o credor continua a poder realizar o seu direito de crédito à custa da coisa onerada, na medida em que a prévia constituição da garantia, a penhora, fez nascer sobre o imóvel um vínculo de natureza real que é oponível erga omnes.” Consequentemente, o bem previamente penhorado na execução responderá pela dívida exequenda, nos termos do princípio geral consagrado no artigo 817º, CC, sendo inoponível ao exequente (que beneficia de penhora previamente registada) a transmissão do bem. No mesmo sentido se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 12-01-2012 (proferido no processo nº 121/09.4TBVNG.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt), sumariando-se, com interesse para a questão ora em debate: “A penhora de um bem não importa a indisponibilidade jurídica dele por parte do executado; o que acontece é que, se o executado o fizer, essa alienação não produz efeitos em relação ao exequente, que continua a gozar da garantia resultante da penhora anteriormente materializada”. Também no Acórdão da Relação de Lisboa de 05-12-2024 (proferido no processo nº 747/96.4TACSH-H.L2-2, disponível em www.dgsi.pt) debatendo-se a proteção conferida pelo registo da penhora, considerou-se: “nos termos do estatuído no artº. 819º, do Cód. Civil, que prevê acerca da disposição ou oneração de bens penhorados, concretizada a penhora, não fica o titular do bem privado de dispor do seu direito, podendo, nomeadamente, praticar atos de disposição, os quais, todavia, de forma a não comprometerem a função da penhora, são inoponíveis à execução, não afetando a subsistência da mesma penhora e o facto do bem penhorado continuar a responder pelo pagamento da quantia exequenda perante os credores.” Deverá, pois, concluir-se que, sem prejuízo da preferencial afetação do bem penhorado à satisfação dos fins da execução, nada obsta à sua alienação, desde que seja respeitada aquela preferencial afetação decorrente da penhora, com a prioridade que lhe é conferida pelo seu prévio registo. Julgamos que idêntico raciocínio deve ser afirmado para a execução específica de bem previamente penhorado, que não deve ser obstaculizada por tal penhora, sem prejuízo da prioridade de pagamento dos créditos executivo e reclamados/graduados na execução onde a penhora foi realizada. Também nessa hipótese, o promitente comprador que obtém sentença favorável em ação de execução específica ficará onerado a ver prioritariamente satisfeitos tais créditos pelo produto da venda do bem objeto da promessa (e transmitido). Tal entendimento é o que melhor corresponde ao conceito jurídico de inoponibilidade plasmado no artigo 819º CC, traduzida na indisponibilidade (relativa) do bem transmitido com o ónus de penhora previamente inscrita no registo predial. No caso presente, este entendimento sai ainda reforçado pelo facto da autora, promitente compradora, ter sucedido na posição de exequente, e logo titular da penhora efetuada, pela aquisição (cessão) do crédito executado no processo executivo. Ou seja, a própria autora, promitente compradora, e que peticiona nestes autos a transmissão forçada do bem (por execução específica do contrato promessa), é concomitantemente a credora do crédito que está em execução no processo executivo em que o bem foi objeto de arresto (convertido em penhora). Logo, o beneficiário da garantia da penhora será a própria adquirente do bem, pelo que nenhum prejuízo advirá da procedência da ação de execução específica. E assim sendo, é manifesto que no caso em apreço a existência de penhora incidente sobre o direito que se pretende adquirir por via de execução específica não obsta à plena procedência, e até imediata eficácia, desta. A posição do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/02/2010 (proferido no processo nº 788/08.0TCSNT.L1-2, disponível em www.dgsi.pt. citado pelo recorrente), respeita a um caso de registo provisório de uma aquisição e em que se pretendia fazer retroagir a eficácia da posterior aquisição à data do registo provisório, anterior ao registo do arresto, situação que nada tem a ver com o caso dos autos, pelo que não vale contra a posição aqui assumida. A solução adotada pelo tribunal recorrido é a que corresponde à interpretação dos preceitos legais acima citados, traduzindo ainda, no caso concreto, a justa composição do litígio (ponderando sobretudo a identificação que existe in casu entre a promitente compradora e a exequente titular da penhora, que são uma e única pessoa). Embora não conste da factualidade provada (e, por conseguinte, não podendo ter a virtualidade de impedir a procedência da ação nestes autos), mas tendo sido referida por ambas as partes em sede de alegações, o facto de existir credor hipotecário reclamante também não obstaria ao decretamento da execução específica. De facto, como anteriormente referido, tal garantia real acompanhará o bem, salvaguardando-se plenamente os direitos do credor hipotecário. Por outro lado, deverá ainda referir-se que a solução adotada não é colocada em crise pelos restantes acórdãos invocados pelo recorrente. De facto, no Acórdão da Relação do Porto de 16-12-2015 (proferido no processo nº 1167/15.9T8PVZ.P1, disponível em www.dgsi.pt), debatia-se questão diversa, relativa à possibilidade de um condomínio ser titular de uma hipoteca voluntária. Com interesse para as questões em debate nestes autos, aí se refere que, em rigor, a penhora não constitui direito real de garantia, “resumindo-se a um ato processual que visa criar a indisponibilidade dos bens adstritos à execução, mediante a produção dos mesmos efeitos substantivos das garantias reais: a preferência e a sequela”, definindo-se, ao invés, a hipoteca como direito real de garantia, “conferindo ao credor o direito de se pagar do seu crédito, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo”. Mas nada aí se afirma no sentido de ficar inviabilizada a execução específica de contrato promessa em caso de anterior registo de penhora ou hipoteca. No também citado pelo recorrente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-10-2007 (proferido no processo 07B2968., disponível em www.dgsi.pt), é certo que se negou a execução específica a promitente comprador que a requereu, mas que solicitara que fosse declarada a venda tal como lhe fora prometida “livre de ónus e encargos”. Assim, aquele pedido improcedeu dado que se concluiu que apenas lhe poderia ser transmitido o bem onerado com os créditos hipotecários que o acompanhavam, o que não correspondia ao pedido deduzido. Afigura-se, pois, nos termos expostos, que nem o prévio registo de hipoteca, nem o prévio registo de penhora, inviabilizam a execução específica, nos termos determinados em 1ª instância. Conclui-se, pois, pela manutenção da decisão recorrida e pela improcedência do recurso. O recorrente, que ficou vencido, suportará as custas do recurso. – cfr. artigo 527º, CPC. * III – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes desta 2ª secção cível em julgar, improcedente o recurso interposto pelo réu, mantendo a decisão recorrida. Custas do recurso pelo réu/recorrente – cfr. artigos 527º e 529º, CPC. D.N. Lisboa, 20 de novembro de 2025 Rute Sobral Laurinda Gemas Pedro Martins |