Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | ANTÓNIO SANTOS | ||
| Descritores: | ACÇÃO ESPECIAL DE REVISÃO E CONFIRMAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA TÍTULO EXECUTIVO TRÂNSITO EM JULGADO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 11/20/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | 4 – Sumariando ( cfr. nº 7, do artº 663º, do cpc ) . 4.1. – Dispondo o artº 706º,nº1, do CPC, que as sentenças proferidas por tribunais ou por árbitros em país estrangeiro só podem servir de base à execução depois de revistas e confirmadas pelo tribunal português competente, nada obsta a que a execução possa de imediato ser instaurada quando existe já uma sentença – apesar de não transitada ainda em julgado – proferida em acção de revisão que confirma a referida sentença estrangeira 4.2. – O referido em 4.1. decorre do disposto no artº 704º,nº1, do CPC, o que reza que “ A sentença só constitui título executivo depois do trânsito em julgado, salvo se o recurso contra ela interposto tiver efeito meramente devolutivo”. 4.3. – A amparar o entendimento referi em 4.1. e 4.2. ,acresce que no âmbito da interpretação de uma norma e na busca da melhor solução aquando da sua aplicação ao caso concreto, pacifico é que o factor da “ unidade do sistema jurídico” é sem dúvida um dos elementos mais importantes - elemento sistemático - porque obriga à ponderação e consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, assim, como à consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). 4.4. - Acresce quinda que, e de resto como é doutrina e jurisprudência consensual nesta matéria, se é verdade que a confirmação de uma sentença estrangeira, após revisão, traduz-se na atribuição pelo Estado do foro, dos efeitos que lhe cabem no Estado de origem, como acto jurisdicional, segundo a lei desse mesmo Estado, ou seja, o efeito de caso julgado e o efeito de título executivo , certo é que o reconhecimento das sentenças estrangeiras, entre nós, dá-se por via do exequatur, controlo ou revisão, o qual não é de mérito [ não pressupondo, por isso, a apreciação dos fundamentos de facto e de direito da mesma ] mas simplesmente formal. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 6ª Secção CÍVEL Do Tribunal da Relação de LISBOA 1.- Relatório. No seguimento de execução [ baseada em sentença arbitral estrangeira arbitral e transitada em julgado ] intentada em 26/4/2025 por Lp Grace Pte, Ldt contra Energy Ecp, Unipessoal, Lda. ( Zona Franca da Madeira ) e com vista à cobrança coerciva da quantia Total de USD 498.231,00, equivalente a €463.578,00 (quatrocentos e sessenta e três mil quinhentos e setenta e oito euros), veio a executada em 3/7/2025 deduzir OPOSIÇÃO por Embargos de Executado, impetrando que uma vez julgados totalmente procedentes por provados os embargos interpostos, seja proferida sentença que : i) Reconheça e declare a invalidade ou nulidade/inexistência do título executivo bastante para a execução, extinguindo-se assim a execução; ii) Sem prescindir, seja decretada a impenhorabilidade do bem imóvel relacionado no auto de penhora elaborado nos autos. 1.1 – A amparar a OPOSIÇÃO deduzida, invocou a executada, em síntese, o seguinte : - Reconhece a executada que mantem um litigio com a exequente que veio a ser sentenciado por tribunal arbitral instituído junto da Refined Sugar Association de Londres, mas, tendo a Exequente promovido o reconhecimento da aludida sentença arbitral junto do Tribunal da Relação de Lisboa, ocorre que a decisão por este último tribunal ainda se encontra pendente de decisão no Supremo Tribunal de Justiça, logo, não transitou ainda em julgado ; - Ora, considerando o disposto no artº 706º, do CPC, disposição legal que afasta a aplicação do regime geral do artigo 704 do CPC, inevitável é considerar que ainda não é legalmente possível executar a decisão aqui dada à execução, pelo menos até ao transito em julgado da competente decisão de confirmação, inexistindo portanto presentemente título executivo bastante para a presente execução ; - Ainda assim, acresce que tendo a execução prosseguido – erradamente - termos, também a penhora do imóvel concretizada no seu decurso não podia ter sido efectuada, desde logo porque incide sobre a sede social da Executada ; - Destarte, e salvo o devido respeito por diversa opinião, deve o imóvel penhorado considerar-se abrangido pelo disposto no artigo 737º, nº 2 ,do CPC, o qual reza que “Estão também isentos de penhora os instrumentos de trabalhos e os objectos indispensáveis ao exercício da actividade ou formação profissional do executado ”. 1.2. – No seguimento da OPOSIÇÃO deduzida pela executada e, conclusos os autos para prolação de despacho liminar [ nos termos do artº 732º, do CPC ], veio o Exmº Juiz titular da Execução proferir de imediato SENTENÇA ( datada de 7/7/2025 ) cujo excerto decisório é do seguinte teor : “ Pelo exposto, indefiro liminarmente os embargos de executado e a oposição à penhora. Custas pela embargante (artigo 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC). Registe e notifique.” 1.3. - Inconformada com o teor da DECISÃO identificada em 1.2., da mesma veio de seguida a executada Energy Ecp, Unipessoal, Lda., apelar, formulando na respectiva peça recursória as seguintes conclusões : A. A Executada é uma pessoa coletiva de direito português, tendo a sua sede em território nacional ( na Zona Franca da Madeira), consubstanciando pessoa coletiva de nacionalidade portuguesa B. Não se questiona que o artigo 704º comporte o regime-regra no que diz respeito à exequibilidade de sentenças em condições normais. C. Por outro lado, olhando ao teor do disposto no artigo 705º do CPC que regula a exequibilidade dos despachos e decisões arbitrais nacionais, o legislador, no fundo, manda aplicar a estas o regime regra do artigo 704º afirmando: “são equiparadas às sentenças…” e “são exequíveis nos mesmos termos em que o são as decisões dos tribunais comuns”… D. Ou seja, desde que cumpridos os demais requisitos legais (a que o artigo 705º alude), também os despachos e decisões arbitrais (nacionais) são exequíveis nos termos regulados pelo artigo 704, por remição expressa da lei que a estas manda aplicar nos mesmos termos aquele regime. E. Mas coisa muito diferente dispõe o artigo 706 do CPC que regula a exequibilidade de decisões arbitrais estrangeiras. F. Se o legislador tivesse pretendido aplicar também a estas decisões o regime regra do artigo 704 do CPC, bastaria ter positivado esta norma em termos semelhantes ao que fez com o artigo 705 afirmando por exemplo “desde que devidamente revistas e confirmadas por tribunal competente, as decisões… são exequíveis nos mesmos termos em que o são as sentenças proferidas pelos tribunais comuns”. G. Mas não foi isto que o legislador fez; o legislador previu verdadeira norma excecional, que dispõe em sentido contrário ao do regime regra do artigo 704º do CPC, aí não prevendo as exceções daquela norma ( designadamente quanto à execução previamente ao trânsito em julgado) e determinando que as sentenças a que alude o artigo 706º só são exequíveis depois de confirmadas e revistas. H. O que serve para significar que tais decisões só são exequíveis em Portugal depois de definitivamente revistas e confirmadas. I. E bem se compreende que assim seja, J. Sentença, para o Estado Português é uma decisão proferida por um juiz no exercício de suas funções num Tribunal, tal como a Constituição o defina. K. O que explica a diferença de regime entre a execução de uma sentença ainda não transitada em julgado e uma decisão de tribunal estrangeiro (ou tribunal arbitral estrangeiro) quando esta não tenha ainda transitado em julgado; é que as primeiras, ainda que não sejam definitivas, são já verdadeiras sentenças – (decisões proferidas por órgãos de soberania) – e as segundas, até que definitivamente revistas e confirmadas, não o são. L. Por outro lado, também a decisão de confirmação – em si mesma – não é uma decisão condenatória, pelo que não será exequível per si. M. Isto porque, nos termos do disposto no artigo 703 do CPC só são título executivo as sentenças condenatórias (artigo 703, nº 1, a) do CPC). N. Ora, mesmo numa leitura abrangente do preceito, sempre se imporá que a decisão tenha uma natureza constitutiva ou injuntiva, alterando a ordem jurídica no sentido de impor uma determinada obrigação ao seu destinatário – o que manifestamente não acontece com a decisão de confirmação de decisão estrangeira. O. Ou seja, tudo conduz à conclusão de que, per si tal decisão não é título executivo, só o será acompanhada da decisão confirmada, sendo que esta, segundo melhor interpretação do disposto no artigo 706 do CPC, só será exequível depois de revista e confirmada, ou seja, definitivamente reconhecida na ordem jurídica interna. P. Pelo que, apesar do que dispõe o regime geral do artigo 704 do CPC, no caso concreto não é ainda legalmente possível executar a decisão aqui dada à execução, pelo menos até ao transito em julgado da competente decisão de confirmação. Q. Inexistindo, presentemente e assim sendo, título executivo bastante para a presente execução. R. Isto para dizer que, porque o argumentário formal da Executada tem, de facto, sustentação legal e factual , não poderá afirmar-se que a sua pretensão está manifestamente e invariavelmente destinada a soçobrar – pelo que os Embargos não poderiam ser considerados manifestamente improcedentes. S. Por outro lado a Recorrente invocou factualidade relevante para ver julgada procedente a sua oposição à penhora… T. O Tribunal a quo julgou também manifestamente improcedentes os embargos nesta parte e, para o efeito, invocou um conjunto de institutos regra/gerais relativos à impenhorabilidade de estabelecimento e sede societária. U. Sucede porém que o caso dos autos, também neste aspeto é extremamente particular, porque a Executada não é, afinal, uma sociedade qualquer – trata-se de sociedade sediada na ZF da Madeira e, por isso, também o estabelecimento que compõe a sua sede não é um estabelecimento qualquer. V. Encontrando-se a atividade da sociedade intrinsecamente ligada ao destino do próprio imóvel em si – de resto como alegado pela Recorrente em sede de embargos – matéria relativamente à qual a Executada indicou prova testemunhal. W. O Tribunal a quo, ressalvado o devido respeito, demarcou-se destas particularidades, ignorou o requerimento probatório apresentado e decidiu indeferir liminarmente os presentes embargos (e também a oposição à penhora), denegando a possibilidade de a Executada fazer prova da factualidade que invocou. X. O imóvel penhorado nos autos consubstancia sede social da Executada. Y. É certo que, em condições normais, este facto não obstaria à sua penhorabilidade. Z. A Executada é uma sociedade com sede na Zona Franca da Madeira. AA. Para girar como parte integrante do Centro de Negócios Internacional da Madeira e beneficiar de apoios e benefícios fiscais relevantes na sua atividade (desde logo no que respeita a IMI, IMT, IRC e IS), a Executada teve que realizar investimento naquela região, designadamente com a aquisição do imóvel ora penhorado. BB. Isto é, para beneficiar de taxas de imposto bonificadas naquela região, a Executada teve que realizar um investimento de pelo menos 75.000€ e criar entre 3 e 5 postos de trabalho. CC. O investimento que se lhe impunha foi realizado através da aquisição do imóvel aqui em causa. DD. Ora, a atividade da Executada só faz sentido no pressuposto de que, realizando aquele investimento – que realizou – e estando licenciada a operar no CINM (porque realizou tal investimento), beneficiaria de redução de impostos nos termos da legislação em vigor. EE. Ora, perdendo o referido imóvel, perderá também a Executada o benefício de que atualmente beneficia e, assim, perderá também a viabilidade da operação que leva a efeito na ZF da Madeira. FF. E por ser assim este imóvel não só é uma ferramenta essencial de trabalho da Executada, como é no fundo verdadeiro pressuposto da sua existência e subsistência com a configuração que atualmente apresenta –sociedade instituída na ZF da Madeira e licenciada a operar no CINM. GG. Sendo que o referido apoio fiscal lhe é concedido, precisamente: i) porque o governo regional entende ser benéfico atrair sociedades para operarem na região e a dinamizarem economicamente dada a sua insularidade; ii) porque não só a Executada investiu diretamente na região como criou postos de trabalho relevantes; HH. Pelo que salvo o devido respeito por diversa opinião, nesta circunstancia, este bens devem considerar-se abrangidos pelo disposto no artigo 737, 2 do CPC. II. Sendo que, se é certo que esta matéria não tem sido especialmente tratada na nossa jurisprudência ( pelo menos não no caso específico de sociedades sediadas na ZF da Madeira com um regime fiscal próprio dependente da manutenção de imóvel / sede naquela região); JJ. Certo é também que, sendo tal matéria, pelo menos, dúbia não se poderá afirmar, sem mais, pela improcedência manifesta (com o significado que a jurisprudência dá a este advérbio de modo no texto da lei) dos embargos e da oposição à penhora. KK. Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou, por erro de aplicação ou interpretação, além do mais, o disposto no artigo 732, nº 1, c) do CPC. 1.5.- Relativamente à apelação identificada em 1.4., veio a exequente Lp Grace Pte, Ldt apresentar contra-alegações, e integrando nestas últimas as seguintes conclusões : A. A Recorrente, notificada da Sentença de indeferimento liminar da Oposição à Execução – deduzida de acordo com os artigos 728.º e seguintes do CPC – e da Oposição à Penhora – deduzida de acordo com os artigos 784.º e 785.º e seguintes do CPC – proferida ao abrigo do presente processo, veio impugnar todo o segmento decisório da mesma. B. A Recorrida deu entrada de ação executiva com vista ao pagamento da quantia total de € 463.578,00 (quatrocentos e sessenta e três mil quinhentos e setenta e oito euros), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, na sequência de reconhecimento e confirmação da decisão arbitral proferida pelo Conselho da Associação da Refined Sugar Association de Londres ao abrigo do processo n.º 1999/24.7YRLSB. C. Não obstante a Recorrente ter vindo a recorrer dessa decisão de reconhecimento e confirmação para o Supremo Tribunal de Justiça, com efeito meramente devolutivo, a Recorrida avançou com a execução da Sentença Arbitral reconhecida e confirmada. D. Na sequência da mesma, que tem vindo a correr os seus trâmites, e da realização da penhora de imóvel, a Recorrente veio deduzir Oposição à Execução e da Oposição à Penhora. E. As mesmas foram objeto de análise liminar pelo Tribunal a quo que, por sua vez, proferiu Sentença de Indeferimento Liminar nos termos do artigo 732.º n.º 1 alínea c) do Código de Processo Civil. F. Perante a notificação da referida sentença, veio a Recorrente apresentar as alegações de recurso que ora se contra-alegam, cabendo, desde já, salientar que não lhe assiste qualquer razão, devendo a Sentença recorrida manter-se inalterada. G. Resumidamente, a Oposição à Execução/Embargos tem como fundamento a inexequibilidade do título executivo (sentença estrangeira reconhecida por tribunal superior português) de acordo com o disposto no artigo 729.º alínea a) do CPC. H. Já a Oposição à Penhora tem como fundamento a alegada impenhorabilidade do bem imóvel penhorado nos autos, de acordo como disposto no artigo 784.º n.º 1 alínea a) do CPC. I. Perante a análise dos fundamentos invocados veio o Tribunal a quo proferir sentença de indeferimento liminar. J. Ora, no que toca à Oposição à Execução, a Recorrente invocou a exceção dilatória de inexequibilidade do título executivo e, para fundamentar este seu entendimento, a Recorrente alega que a decisão subjacente à ação executiva em causa não existe uma vez que não foi devidamente reconhecida e confirmada por tribunal português. K. Não obstante, e conforme se demonstrará, não lhe assiste razão. L. É de salientar que o Supremo Tribunal de Justiça proferiu, no passado dia 02.10.2025, no âmbito do processo 1999/24.7YRLSB.S1, acórdão com a seguinte decisão: “Nega-se a revista e, em consequência, mantém-se o acórdão recorrido.”. M. Assim, a decisão arbitral proferida pela Refined Sugar Association encontra-se, à semelhança do que já ocorria quando o requerimento executivo deu entrada, devidamente reconhecida e confirmada pela ordem jurídica portuguesa (reconhecida e confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa e confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça). N. Importa salientar, no entanto, que o acórdão acima mencionado não transitou em julgado devido à reclamação apresentada nos autos pela ora Recorrente. O. Passemos, assim, à desconstrução da argumentação frágil e, diga-se, um tanto falaciosa, salvo o devido respeito, da Recorrente. P. Estabelece o artigo 704.º n.º 1 do CPC que “a sentença só constitui título executivo depois do trânsito em julgado, salvo se o recurso contra ela interposto tiver efeito meramente devolutivo”. Q. Estabelecem, ainda, os n.º 3 e 5 do mesmo artigo do CPC que “enquanto a sentença estiver pendente de recurso, não pode o exequente ou qualquer credor ser pago sem prestar caução. (…) Quando se execute sentença da qual haja sido interposto recurso com efeito meramente devolutivo, sem que a parte vencida haja requerido a atribuição do efeito suspensivo, nos termos do n.º 4 do artigo 647.º, nem a parte vencedora haja requerido a prestação de caução, nos termos do n.º 2 do artigo 649.º,o executado pode obter a suspensão da execução, mediante prestação de caução, aplicando-se, devidamente adaptado, o n.º 3 do artigo 733.º e os n.os 3 e 4 do artigo 650.º”. R. Daqui resulta que, do ponto de vista da harmonia do sistema, e por forçada distinção dos efeitos entre recurso com efeito suspensivo ou meramente devolutivo (conforme artigo 647.º do CPC), nada obsta à execução de sentença não transitada em julgado desde que ao recurso interposto tenha sido atribuído efeito meramente devolutivo. S. Ora, é exatamente esse o caso dos presentes autos: (i) foi proferida decisão arbitral pela Refined Sugar Association, (ii) que já foi reconhecida e confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa e, agora, (iii) que também foi reconhecida e confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça. T. Acresce que a decisão em causa se trata de uma decisão arbitral que, de acordo com o disposto no artigo 705.º do CPC, é equiparada “ às sentenças, sob o ponto de vista da força executiva, os despachos e quaisquer outras decisões ou atos da autoridade judicial que condenem no cumprimento duma obrigação. As decisões proferidas pelo tribunal arbitral são exequíveis nos mesmos termos em que o são as decisões dos tribunais comuns”. U. Adicionalmente, dispõe o artigo 706.º do CPC que “sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais, as sentenças proferidas por tribunais ou por árbitros em país estrangeiro só podem servir de base à execução depois de revistas e confirmadas pelo tribunal português competente”. V. Ora, da conjugação das normas supra citadas, nada poderá resultar senão a conclusão de que a presente decisão arbitral terá de ser necessariamente considerada como um título executivo válido e exequível e entender de outro modo será colocar em causa o equilíbrio de armas das partes neste tipo de situações. W. Aliás, o próprio Tribunal veio, numa análise breve mas incisiva sobre a presente questão, decidir que “se uma sentença constitui título executivo antes do trânsito em julgado quando o recurso tem efeito meramente devolutivo, por maioria de razão, é igualmente exequível uma decisão proferida por árbitros em país estrangeiro já confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, ainda que o acórdão confirmatório não tenha transitado em julgado, visto que o recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça tem, por imperativo legal, efeito meramente devolutivo (cf. artigos 985.º n.º 1 e 676.º n.º 1 do CPC). A não ser assim, o efeito meramente devolutivo do recurso de revista seria ostensivamente inútil, e não foi certamente essa a intenção do legislador”. X. Assim, não obstante a tentativa vã de argumentação pela Recorrente e de divagações relativas ao conceito de sentença e à definição e âmbito do conceito de sentença condenatória, não poderá o seu raciocínio e, muito menos a sua conclusão, proceder. Y. A título de exemplo, vem a Recorrente conjeturar que só são título executivo sentenças condenatórias (e não de reconhecimento e confirmação), procedendo à dissecação do conceito. Z. No entanto, não poderá a Recorrida aceitar o rumo desta argumentação já que a Recorrente sabe que o título executivo aqui em causa é a sentença arbitral condenatória proferida pela Refined Sugar Association, conjugada com o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa. AA. Ao qual se poderá acrescentar agora, o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça que, por sua vez, veio confirmar o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa. BB. Nestes termos, cumpre julgar improcedente o presente recurso, mantendo a sentença recorrida no que toca ao segmento de indeferimento liminar da Oposição à Execução, o que se requer. CC. Passemos, então, à análise dos fundamentos apresentados pela Recorrente em sede de Oposição à Penhora. DD. Cabe esclarecer que a Recorrente veio deduzir Oposição à Penhora com fundamento na alegada impenhorabilidade do bem imóvel penhorado nos autos, de acordo com o disposto no artigo 784.º n.º 1 alínea a) do CPC. EE. Relativamente a este segmento, a Recorrente veio basear a sua conclusão de impenhorabilidade do imóvel em causa no facto de este se dever considerar, alegadamente, como um instrumento de trabalho e objeto indispensável ao exercício da sua atividade profissional (conforme resulta da conjugação dos artigos 784.º n.º 1 alínea a) e 737.º n.º 2 primeira parte, ambos do CPC). FF. Ora, a teleologia da norma em causa (artigo 737.º n.º 2 primeira parte do CPC, da qual consta que “estão também isentos de penhora os instrumentos de trabalhos e os objetos indispensáveis ao exercício da atividade ou formação profissional do executado”) prende-se com a proteção do Executado pessoa singular que, por motivos atinentes aos mais básicos princípios constitucionais, não se poderá ver privado da possibilidade de exercer a sua atividade ou formação profissional devido à penhora de bens que lhe sejam essenciais. GG. A máxima será de que socialmente é mais enriquecedor um executado que trabalhe e do seu trabalho colha os seus frutos, do que o executado que se vê provado dessa possibilidade de todo em prol do mero pagamento célere ao Exequente – e que poderá causar a sua bancarrota total sem possibilidade de retorno. HH. Parece que a Constituição, conjugada com o CPC na parte em que regula as impenhorabilidades absolutas e relativas, visa garantir, ao abrigo do princípio da dignidade da pessoa humana, que os interesses dos Exequentes sejam satisfeitos tendo em consideração limites socialmente aceitáveis. II. A Recorrente é uma pessoa coletiva… pelo que, a norma cuja aplicação invoca, não lhe parece ser aplicável. JJ. Por fim, não poderá a Recorrida deixar de salientar que, mesmo que assim não se entendesse, o que por mero dever de patrocínio se concede, o imóvel indicado à penhora e penhorado nos autos não é indispensável ao exercício da atividade da Recorrente, mas apenas parece obstar a que esta opere no Centro Internacional de Negócios da Madeira e usufrua de todos os benefícios dessa licença resultantes. KK. A Recorrente decidiu pautar a sua atividade pelo preenchimento dos critérios que lhe permitiam aceder à licença que menciona em sede de alegações, e não cabe à Recorrida colocar essa estratégia em causa. LL. Porém, também não poderá esta última, e outros credores, ficar prejudicados por essa mesma escolha. MM. Nestes termos, e por tudo o exposto, cumpre julgar improcedente o presente recurso, mantendo a sentença recorrida no que toca ao segmento de indeferimento liminar da Oposição à Penhora, o que se requer. NN. Tendo em consideração os argumentos apresentados pela Recorrente e acima analisados, veio o Tribunal a quo indeferir liminarmente a Oposição à Execução e a Oposição à Penhora com fundamento na sua manifesta improcedência – de acordo com o disposto no artigo 732.º n.º 1 alínea c) do CPC. OO. O conceito de manifesta improcedência é um conceito jurídico indeterminado, tendo vindo a ser densificado pela doutrina e pela jurisprudência. PP. Assim tem feito o Tribunal da Relação de Guimarães, quer no acórdão de 23.11.2023 citado em sede de alegações da Recorrente, que no seu acórdão de 17.12.2019, do qual se retira o seguinte: “II- Os embargos de executado são manifestamente improcedentes quando a pretensão de executado/embargante, seja por razões de facto, seja por motivos de direito, está irremediável e indiscutivelmente condenada ao insucesso.” QQ. Ora, à semelhança do que se retira do entendimento jurisprudencial relativamente uniformizado, o Tribunal a quo procedeu à análise preliminar dos argumentos apresentados (todos de direito) e considerou os mesmos inviáveis a alcançar o fim desejado pela Recorrente enquanto Embargante. RR. Esta conclusão e consequente indeferimento liminar reconduzem-se a uma prorrogativa do Tribunal que, ao analisar a argumentação e pretensão da Recorrente, os considerou “condenados ao insucesso”. SS. A Recorrente vem, ainda, argumentar que requereu a “produção de prova testemunhal para a demonstração de um conjunto de factos que, em seu entender, são relevantes para a boa decisão da causa”. TT. Ora, salvo o devido respeito, os argumentos em causa tratam-se de argumentos jurídicos cuja decisão envolverá, apenas, com a interpretação da hermenêutica legal e não com a produção de prova. UU. Não obstante este enquadramento e o facto de estar em causa apenas matéria de direito, vem a Recorrente requerer, por um lado, a prestação de declarações de parte do gerente (residente em São Paulo, no Brasil) e, por outro lado, a inquirição de duas testemunhas, sendo uma delas a ouvir por carta rogatória. VV. Ora, não pode a Recorrida deixar de mencionar o requerimento probatório da Recorrente se trata de um mero expediente dilatório, já que todos os pontos que se encontram em discussão representam, salvo melhor entendimento, matéria de direito. WW. Não se vê, assim, e salvo o devido respeito, a relevância na audição, quer do representante legal da Embargante, quer das testemunhas arroladas, no que toca às problemáticas levantadas pela mesma em sede de Oposição. XX. Nestes termos e por tudo o exposto, cumpre julgar improcedente o presente recurso, mantendo a sentença recorrida, o que se requer. Nestes termos, e nos melhores de direito, negando provimento ao presente recurso de apelação interposto pela Recorrente e mantendo a sentença recorrida, farão V. Exas, Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa, o que é de inteira JUSTIÇA. * Thema decidendum 1.6. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a decidir são as seguintes : I - Aferir se decisão apelada se impõe ser in totum revogada, impondo-se o arquivamento da execução e isto porque à data da instauração da execução não dispunha a exequente de título executivo bastante para a execução ; II – A improceder a questão indicada em I, se ainda assim importa que o Tribunal a quo determine a produção de prova com vista a indagar e apreciar da invocada impenhorabilidade do imóvel que na execução foi penhorado. * 2.- Motivação de Facto A factualidade a atender – como provada - em sede de julgamento do mérito da apelação pela executada interposta é a que se mostra indicada no Relatório do presente Acórdão, e para o qual se remete, acrescentando-se ainda a seguinte [ alguma em parte implicitamente - ainda que não identificada como tal de forma expressa e separada - presente na própria DECISÃO recorrida e, outra, decorrente dos documentos juntos aos autos ] : A) PROVADA 2.1. - Exequente e a Executada celebraram contrato de compra e venda de açúcar cristal branco brasileiro, o qual, na Cláusula 17 do Contrato, com epígrafe “Arbitration”/“Arbitragem”, continha a seguinte convenção arbitral :“ Todos os litígios decorrentes do contrato serão submetidos à apreciação da Refined Sugar Association de Londres, para a resolução em conformidade com as regras de arbitragem da associação.” ; 2.2. - Em 19.12.2023, foi proferida perante a Refined Sugar Association de Londres a Decisão Final (Arbitral) que condenou a Executada a pagar à exequente a quantia total de USD 498.231,00, equivalente a € 463.578,00 (quatrocentos e sessenta e três mil quinhentos e setenta e oito euros) ; 2.3. – Tendo a sentença arbitral identificada em 2.2. transitado em julgado, veio a ora exequente a interpor ação de revisão de sentença estrangeira no Tribunal da Relação de Lisboa [ com o nº 1999/24.7YRLSB ] nos termos do disposto nos artigos 978.º e seguintes do CPC, no dia 02.07.2024. 2.4. – No âmbito da ação identificada em 2.3. foi em 27.02.2025 proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa que, julgando procedente a ação, reconheceu e confirmou a sentença arbitral n.º 2369 de 19/12/2023, proferida em Londres, pelo painel de árbitros da Refined Sugar Association ; 2.5. – Tendo a Energy Ecp, Unipessoal, Lda interposto recurso de REVISTA do Acórdão identificado em 2.4., em 2/10/2025 veio o STJ a proferir Acórdão que julgou a revista improcedente, confirmando o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 27.02.2025 ; 2.6. – Em 10/10/2025 veio a Energy Ecp, Unipessoal, Lda , e com referência ao Acórdão do STJ identificado em 1.5., arguir nulidade e apresentar reclamação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 685, 666 e 616 do CPC; 2.7. – Aos 19/5/2025 e na execução intentada em 26/4/2025 por Lp Grace Pte, Ldt contra Energy Ecp, Unipessoal, Lda., veio a ser concretizada PENHORA que incidiu sobre a Fracção autónoma, destinada a serviços/escritório, do prédio constituído em propriedade horizontal, designada pela letra H, situada no segundo andar, localizada na Rua do Sabão, n.º 65-67, freguesia da Sé, concelho do Funchal, composto por sala e um sanitário, com permilagem de 54,9300, área bruta privativa de 44,0000m2, com o valor patrimonial actual de 73.519,76 Euros, determinado no ano de 2022 avaliado nos termos do CIMI, inscrito na respectiva matriz predial sob o art.º 1373, da freguesia da Sé, concelho do Funchal e descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o n.º 164-H/Sé; 2.8. – De consulta de teor do Registo Comercial decorre que a Executada Energy Ecp, Unipessoal, Lda. (Zona Franca da Madeira), : Comercio, exportação, importação, de commodities desde açúcar, carnes e outros bens alimentares e bebidas, veículos automóveis, baterias, acumuladores de energia inclui a representação e agenciamento de empresas e negócios. Recolha, armazenamento e distribuição de alimentos e respetivos serviços. Prestação de serviços de consultoria e assessoria, de âmbito comercial, financeiro e administrativo, assim como serviços conexos com a atividade. 2.9. – Igualmente de consulta de teor do Registo Comercial decorre que a Executada Energy Ecp, Unipessoal, Lda. (Zona Franca da Madeira), tem a sua SEDE localizada na Rua do Sabão n.º 65-67, 2.º andar, Distrito da Ilha da Madeira ,Concelho do Funchal e Freguesia do Funchal (Sé). *** 3.- Motivação de Direito 3.1. - Se decisão apelada se impõe ser in totum revogada, impondo-se o arquivamento da execução e isto porque à data da instauração da execução não dispunha a exequente de título executivo bastante para a execução . A amparar a revogação da sentença apelada invoca sobremaneira a recorrente/executada o disposto no artº 706º, nº1, do Código de Processo Civil, o qual reza que “Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais, as sentenças proferidas por tribunais ou por árbitros em país estrangeiro só podem servir de base à execução depois de revistas e confirmadas pelo tribunal português competente ”. A referida disposição legal , no entender da apelante, consubstancia uma verdadeira norma excepcional, que dispõe em sentido contrário ao do regime regra do artigo 704º do CPC [ norma esta última que prevê expressis verbis uma exceção quanto à execução de sentença previamente ao respectivo trânsito em julgado ] e determinando que as sentenças proferidas por tribunais ou por árbitros em país estrangeiro só são exequíveis depois de confirmadas e revistas por sentença transitada em julgado [ sentença última esta à qual não se pode , portanto, aplicar o disposto no artº 704, nº1, segunda parte, do CPC ] . Ora, considerando que a execução foi introduzida em juízo a 26/4/2025 e que à data não se mostrava transitado em julgado o Acórdão de 27.02.2025 proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa que julgara procedente a ação pela exequente intentada com vista ao reconhecimento e confirmação da sentença ( estrangeira) exequenda arbitral de 19/12/2023, considera assim a apelante que a execução foi proposta sem que dispusesse a exequente de competente título executivo. Já o tribunal a quo, e a desconsiderar o entendimento pela executada/recorrente sufragado, aduz em síntese na sentença recorrida as seguintes considerações : “ (…) O artigo 704.º n.º 1 do CPC consagra: «A sentença só constitui título executivo depois do trânsito em julgado, salvo se o recurso contra ela interposto tiver efeito meramente devolutivo.» Por seu turno, o artigo 706.º n.º 1 do mesmo diploma dispõe: «Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais, as sentenças proferidas por tribunais ou por árbitros em país estrangeiro só podem servir de base à execução depois de revistas e confirmadas pelo tribunal português competente.» Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa1: «Quando o título executivo seja integrado por uma sentença proferida por tribunal estrangeiro, a sua exequibilidade nunca é automática. Consoante as circunstâncias, tal sentença pode carecer de revisão (n.º 1) obtida através do processo especial previsto nos arts. 978.º e ss. […].» No caso vertente, a decisão arbitral foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 27/02/2025: «Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a ação, reconhecendo e confirmando a sentença arbitral n.º 2369 de 19/12/2023, proferida em Londres, pelo painel de árbitros da Refined Sugar Association.» Embora resulte dos documentos/certidões juntos com o requerimento executivo ter sido interposto recurso de revista desta decisão, com efeito meramente devolutivo, como resulta dos artigos 985.º n.º 1 e 676.º n.º 1 do CPC, nada impedia a dedução da acção executiva, por força do já citado artigo 704.º n.º 1 do CPC, que se conjuga com o artigo 706.º do mesmo diploma, desde logo para assegurar a harmonia do sistema. Se uma sentença constitui título executivo antes do trânsito em julgado quando o recurso tem efeito meramente devolutivo, por maioria de razão, é igualmente exequível uma decisão proferida por árbitros em país estrangeiro já confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, ainda que o acórdão confirmatório não tenha transitado em julgado, visto que o recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça tem, por imperativo legal, efeito meramente devolutivo (cf. artigos 985.º n.º 1 e 676.º n.º 1 do CPC). A não ser assim, o efeito meramente devolutivo do recurso de revista seria ostensivamente inútil, e não foi certamente essa a intenção do legislador. Não tendo apoio legal a argumentação expendida pela embargante, é mister julgar improcedente a excepção dilatória de falta de título executivo, sem prejuízo de eventual extinção/modificação da instância na sequência do que vier a ser decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça (artigo 704.º n.º 2). Observe-se outrossim que o exequente ou qualquer credor não pode ser pago na pendência do recurso sem prestar caução (artigo 704.º n.º 3 do CPC), válvula de segurança que afasta quaisquer dúvidas sobre a conformidade deste regime ao Diploma Fundamental. Devem, pois, ser liminarmente indeferidos os embargos de executado, nos termos do artigo 732.º n.º 1 c) do CPC.” Conhecidas que são as razões que amparam a pretensão recursória da apelante, e , adiantando de imediato o nosso veredicto, estamos em crer que ao decidir como decidiu o tribunal a quo, fê-lo acertadamente, nada justificando a revogação da decisão pelo mesmo proferida. Senão, vejamos. Relacionando-se a questão recursória em análise, claramente, com problema de interpretação da lei, importa começar por atentar que sobre a matéria dispõe o artigo 9º do Código Civil [ sob a epígrafe de “interpretação da lei ” ] que : 1) A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada; 2) Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso; 3) Na fixação e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e só soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Emergindo do supra transcrito nº 1, do artº 9º do CC três factores interpretativos a que o intérprete deve lançar mão na busca da melhor solução aquando da aplicação da norma ao caso concreto, pacifico é que o factor da “ unidade do sistema jurídico” é sem dúvida um dos elementos mais importantes - elemento sistemático - porque obriga à ponderação e consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, assim, como à consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). (1) Neste conspecto e como ensina FRANCESCO FERRARA (2), consensual é que um principio jurídico não existe isoladamente, antes está ligado por nexo íntimo com outros princípios, sendo que o direito objectivo , de facto, não é um aglomerado caótico de disposições legais, mas um organismo jurídico, um sistema de preceitos coordenados ou subordinados, em que cada um tem o seu posto próprio . Ora, perante o acabado de expor, e como bem se salienta na decisão recorrida, mal se compreende – perante o factor da “ unidade/coerência do sistema jurídico” – que uma sentença “nacional” não transitada em julgado possa desencadear de pronto uma acção executiva [ constituindo portanto título executivo nos termos dos artºs 10º,nº5 e 703º, nº1, alínea a), ambos do CPC ] e , já uma sentença “estrangeira” mas cuja “eficácia em Portugal se mostra já reconhecida por sentença judicial nacional não possa igualmente desencadear de pronto uma acção executiva nos mesmos termos da primeira [ ou seja, sem o trânsito em julgado da sentença judicial nacional que lhe confere eficácia em Portugal, nos termos do artº 978º,nº1, do CPC ]. Acresce que, e de resto como é doutrina (3) e jurisprudência outrossim consensual nesta matéria (4), a confirmação de uma sentença estrangeira, após revisão, traduz-se na atribuição pelo Estado do foro, dos efeitos que lhe cabem no Estado de origem, como acto jurisdicional, segundo a lei desse mesmo Estado, ou seja, o efeito de caso julgado e o efeito de título executivo e, ademais, o reconhecimento das sentenças estrangeiras, entre nós, dá-se por via do exequatur, controlo ou revisão, o qual não é de mérito [ não pressupondo, por isso, a apreciação dos fundamentos de facto e de direito da mesma ] mas simplesmente formal. Ou seja, e como bem ensina FERRER CORREIA (5), “ O acto formal de reconhecimento ou de exequatur não é outra coisa, no fundo, senão a condição necessária (conditio juris) para que a sentença estrangeira possa estender ao Estado do foro os efeitos que lhe competem: os seus efeitos de acto jurisdicional. Antes do exequatur, a sentença estrangeira não produz efeitos no Estado do foro, salvo aquele que se traduz na admissibilidade da própria acção de revisão: a sua eficácia encontra-se num estado de pendência. Quanto à sentença de confirmação, ela não tem valor constitutivo, a não ser na medida em que declara que todas as condições às quais a lex fori subordina o reconhecimento das sentenças estrangeiras se encontram preenchidas. O objectivo do processo de revisão não consiste, assim, na obtenção de uma sentença nacional idêntica à sentença estrangeira, mas de uma sentença nacional que permita que a decisão estrangeira opere na ordem jurídica do foro os efeitos que lhe são próprios, de acordo com a lei do estado de origem”. Destarte, perfilhando/consagrando o nosso legislador um sistema de revisão e confirmação de sentenças estrangeiras que é meramente formal, envolvendo tão só, por via de regra, a verificação da sua regularidade formal ou extrínseca, e não também a apreciação dos fundamentos de facto e/ou de direito das mesmas (excluindo-se, assim, a revisão de mérito), mal se compreende [ e atendendo a que , como vimos supra, “ Na fixação e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas” ] a maior exigência para efeitos de exequibilidade mediata – porque direcionada para eficácia de sentença proferida por tribunal estrangeiro - com referência a uma sentença judicial nacional de revisão de sentença proferida em acção regulada nos artºs 978º e segs. do CPC. Em suma, nada justifica considerar que do disposto no artº 706º,nº1, do CPC, resulta uma mens legislatoris de excluir a sentença estrangeira , em termos de exequibilidade, do disposto no artº 704º,nº1, segunda parte [ entendimento este que além de não ter “ na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”, não atende à circunstância de toda e qualquer sentença estrageira, para efeitos de revisão e confirmação, exige à partida “ que tenha transitado em julgado segundo a lei do país em que foi proferida ”– cfr. artº 980º,alímea b), do CPC ], antes decorre tão só a exigência prévia de a sentença estrangeira ser objecto de validação/revisão em acção própria , e sendo esta e só esta a diferença que a distingue da sentença nacional. Por último, é nossa convicção que peca, no mínimo, por algo precipitado o entendimento no sentido de que sem o trânsito em julgado de sentença proferida em acção de revisão de sentença estrangeira como que se verifica o vício a que alude a alínea a), do artº 729º, do CPC [ com a epígrafe de “ Fundamentos de oposição à execução baseada em sentença “]. É que, dispondo a referida alínea a) que “ Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes: a) Inexistência ou inexequibilidade do título ”, certo é que se entende que inexiste título se não há sentença, ou se a execução não se conformar com o título, e ,por outra banda, entende-se que o título é inexequível se a sentença não for condenatória, se não tiver transitado em julgado e ao recurso tiver sido fixado o efeito suspensivo, ou , tendo havido condenação genérica nos termos do art. 609º, nº 2 do CPC, não se tiver procedido a liquidação no processo declarativo ( cfr. art. 704º, nºs 1 e 6 do CPC). (8) Em rigor, e como afirma refere RUI PINTO (9), a inexequibilidade coincide com “a não verificação dos pressupostos dos arts. 703º a 708º do CPC (…) ”, logo ,“será inexequível a sentença que: a. Não contenha uma ordem de prestação ou condenação; b. Não esteja assinada pelo Juiz; c. Esteja pendente de recurso com efeito suspensivo (arts. 704º, nº 1 e 647º, nº 2 a 4 do CPC); d. Tenha sido revogada em recurso, ordinário ou extraordinário; e. Sendo estrangeira não tenha sido revista e confirmada pela Relação ( arts. 978º, nº1 e 979º do CPC) ou não obedeça aos arts. 38º e ss. Reg. (CE) 44/2011…”. Ora, não se verificando in casu qualquer uma das apontadas situações de inexequibilidade, e sendo o recurso interposto do Acórdão do tribunal da Relação de Lisboa [ proferido na acção do artº 978~, do CPC ] apenas suscetível de “beneficiar” de efeito [ cfr. art. 676º do CPC ], inevitável é concluir que a decisão condenatória revidenda se tornou exequível e, nessa medida, não há dúvidas que a exequente podia ter instaurado a execução como instaurou. Concluindo, se como defende AMÂNCIO FERREIRA (9), “Tendo o recurso efeito meramente devolutivo, passam-se as coisas no que concerne à eficácia da decisão, quer no que toca ao andamento do processo, como se o recurso não tivesse sido interposto” (9). Improcede, portanto, a apelação no tocante à questão recursória acabada de analisar *** 3.2. - Se importa determinar que o Tribunal a quo determine a produção de prova com vista a indagar e apreciar da invocada impenhorabilidade do imóvel que na execução foi penhorado. Discorda outrossim a apelante da decisão recorrida na parte em que é desatendido o reclamado levantamento da penhora - de imóvel - concretizada na execução, sustentando que vedado estava ao primeiro grau decidir tal questão [ relacionada com a defendida aplicação ao caso do disposto no artº 737º,nº2, do CPC ] sem antes determinar a produção de prova arrolada no requerimento inicial dos embargos. A amparar da decisão recorrida – na referida parte - , recorda-se, alinhou o tribunal a quo pelos seguintes considerandos : “ (…) Quanto à oposição à penhora, que se cumula com os embargos de executado, o n.º 2 do artigo 737.º do CPC dispõe: «Estão também isentos de penhora os instrumentos de trabalho e os objectos indispensáveis ao exercício da actividade ou formação profissional do executado, salvo se: a) o executado os indicar para penhora; b) A execução se destinar ao pagamento do preço da sua aquisição ou do custo da sua reparação; c) Forem penhorados como elementos corpóreos de um estabelecimento comercial.» Como vem sendo entendido pela jurisprudência e doutrina, esta norma – que visa salvaguardara subsistência do executado e do seu agregado familiar, prendendo-se com o princípio da dignidade da pessoa humana – não é aplicável aos bens de pessoas colectivas/sociedades comerciais. Neste sentido: acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08/04/2025 ( Anabela Marques Ferreira ), acessível em www.dgsi.pt: «O disposto no artº 737º, nº 2, do Código de Processo Civil, que consagra a impenhorabilidade dos instrumentos de trabalho, tendo como pressuposto a dignidade humana e a preservação da subsistência do Executado e seu agregado familiar, não se aplica às sociedades comerciais.» No mesmo sentido, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa: «[U]ma vez que a norma vem responder à necessidade de tutelar os interesses do agregado familiar do executado, em função da a[c]tividade profissional por este exercida, tal isenção já não se aplicará quanto aos bens pertencentes a pessoas cole[c]tivas ou a sociedades comerciais ( RL 19-11-09, 54001/06 e RP 13-10-09,53/08). Ainda que assim não se entendesse, o que se não concede, sempre seria de indeferir liminarmente a oposição à penhora, porquanto, à luz da alegação, a penhora/venda do imóvel não acarreta a impossibilidade total da actividade, mas apenas um óbice ao seu exercício na Zona Franca da Madeira, local cuja escolha se deveu, depreende-se da factualidade invocada, aos benefícios fiscais.” Adiantando de imediato e mais uma vez o nosso veredicto, manifesto é que em face da factualidade provada vertida no presente acórdão, não assiste de todo à apelante o direito de invocar a impenhorabilidade [ relativa, porque de bem se trata que “ pode ser penhorado apenas em determinadas circunstâncias ou para o pagamento de certas dívidas (6) ] do imóvel da respectiva sede e ao abrigo do disposto no artº 737º,nº1, do CPC, desde logo porque enquanto “pessoa privada” [ não sendo portanto uma pessoa coletiva de utilidade pública, requisito indispensável para poder beneficiar da impenhorabilidade plasmada no n.º 1 do preceito referido ] falta-lhe consequentemente o necessário requisito substancial alusivo à circunstância de estar aquele imóvel – no âmbito do exercício da sua atividade - afecto à realização de fins de utilidade pública. Outrossim e sob a alçada do nº 2, do mesmo artº 737º, do CPC, e no seguimento de doutrina e jurisprudência dominante [ v.g a indicada na decisão recorrida ] , não se alcança como sustentável a arguição de impenhorabilidade relativa do imóvel penhorado, não obstante corresponder o mesmo à sede social da executada. De resto, e de acordo com o princípio da especialidade do fim, certo é que todos os bens ou utensílios pertencentes a uma pessoa coletiva estão em princípio, vinculados ao prosseguimento da sua atividade e, consequentemente, caso fosse a referida norma [ do nº2, do artº 737 º, do CPC ] aplicável às pessoas coletivas, então estas entidades veriam o seu património isento de penhora, por todo ele se encontrar, de forma direta ou indireta, adstrito ao prosseguimento da sua atividade comercial , o que não faz qualquer sentido (7). Destarte, tudo visto e ponderado, porque consagra a lei o princípio da patrimonialidade da obrigação e nos termos do qual , em regra, respondem pela obrigação todos os bens do devedor que sejam suscetíveis de penhora ( cfr. os artigos 601º, 817º e 818º , todos do Código Civil , e artº 735/1º do Código de Processo Civil ), eis porque também nesta parte a apelação improcede. É que, perante os considerados supra alinhavados, o prosseguimento dos embargos para produção de prova com vista à resolução da questão da alegada impenhorabilidade relativa do imóvel penhorado implicaria em última análise na realização de actos inúteis, prática que viola o principio da limitação dos actos consagrado no artº 130º, do CPC. Em conclusão, eis porque a revogação da decisão recorrida não se imponha, assim improcedendo a apelação. *** 4 – Sumariando ( cfr. nº 7, do artº 663º, do cpc ) . 4.1. – Dispondo o artº 706º,nº1, do CPC, que as sentenças proferidas por tribunais ou por árbitros em país estrangeiro só podem servir de base à execução depois de revistas e confirmadas pelo tribunal português competente, nada obsta a que a execução possa de imediato ser instaurada quando existe já uma sentença – apesar de não transitada ainda em julgado – proferida em acção de revisão que confirma a referida sentença estrangeira 4.2. – O referido em 4.1. decorre do disposto no artº 704º,nº1, do CPC, o que reza que “ A sentença só constitui título executivo depois do trânsito em julgado, salvo se o recurso contra ela interposto tiver efeito meramente devolutivo”. 4.3. – A amparar o entendimento referi em 4.1. e 4.2. ,acresce que no âmbito da interpretação de uma norma e na busca da melhor solução aquando da sua aplicação ao caso concreto, pacifico é que o factor da “ unidade do sistema jurídico” é sem dúvida um dos elementos mais importantes - elemento sistemático - porque obriga à ponderação e consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, assim, como à consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). 4.4. - Acresce quinda que, e de resto como é doutrina e jurisprudência consensual nesta matéria, se é verdade que a confirmação de uma sentença estrangeira, após revisão, traduz-se na atribuição pelo Estado do foro, dos efeitos que lhe cabem no Estado de origem, como acto jurisdicional, segundo a lei desse mesmo Estado, ou seja, o efeito de caso julgado e o efeito de título executivo , certo é que o reconhecimento das sentenças estrangeiras, entre nós, dá-se por via do exequatur, controlo ou revisão, o qual não é de mérito [ não pressupondo, por isso, a apreciação dos fundamentos de facto e de direito da mesma ] mas simplesmente formal. *** 5.- Decisão. Em face de tudo o supra exposto, acordam os Juízes na 6ª Secção Cível, do Tribunal da Relação de LISBOA, em, não concedendo provimento à apelação de Energy Ecp, Unipessoal, Lda: 5.1. - Confirmar a DECISÃO apelada. *** Custas da apelação pela apelante ( cfr. artº 527º, nº2, do CPC ) . *** (1) Cfr. Acórdão do STJ de 4/5/2011, Proferido no Processo 4319/07.1TTLSB.L1.S1, sendo Relator PINTO HESPANHOL e acessível em www.dgsi.pt. (2) Em Interpretação e Aplicação das Leis, tradução de MANUEL de ANDRADE, 4.ª edição, 1987, pág. 143. (3) Vide JOÃO GOMES DE ALMEIDA, em Revisão de Sentenças Estrangeiras, em Processos Especiais, Vol. I, AAFDL Editora, 2020, pág. 313. (4) Vide v.g. o Ac. do STJ de 14/3/2023, proferido no Processo 1764/22.6YRLSB.S1, sendo Relator ISAÍAS PÁDUA e acessível em www.dgsi.pt. (5) Em Lições de Direito Internacional Privado - Aditamentos, Coimbra, 1973, págs. 45/46. (6) Cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS, em a “Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 6.ª Edição, Coimbra Editora, 2014, páginas 246 . (7) Cfr. MARCO CARVALHO GONÇALVES, em Lições de Processo Civil Executivo, Almedina, 2016 , págs. 251-252. (8) Cfr. Prof. José Alberto dos Reis, in “CPC Anotado”, Vol. I, pág. 201, e Miguel Teixeira de Sousa, em “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, LEX, pág. 217. (9) Em Manual dos Recursos em Processo Civil”, Almedina, pág. 178. *** Lisboa, 20/11/2025 António Manuel Fernandes dos Santos Cláudia Barata Gabriela de Fátima Marques |