Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | PAULO FERNANDES DA SILVA | ||
| Descritores: | RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL PRESCRIÇÃO PROCESSO PENAL INDEMNIZAÇÃO DANOS MORAIS | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 11/20/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
| Sumário: | SUMÁRIO (artigo 663.º, n.º 7, do CPCivil): I. Sob pena de rejeição do recurso da decisão de facto, na impugnação desta o Recorrente tem um triplo ónus: (i) concretizar os factos que impugna, (ii) indicar os concretos meios de prova que justificam a impugnação e impõem uma decisão diversa, sendo que caso tenha havido gravação daqueles deve o Recorrente indicar as passagens da gravação em que funda a sua discordância, e (iii) especificar a decisão que entende dever ser proferida quanto à factualidade que impugna. II. O prazo prescricional do direito indemnizatório fundado em responsabilidade extracontratual interrompe-se com a instauração do processo penal e só começa a correr de novo com a notificação do arquivamento do inquérito. III. O preceituado no referido artigo 72.º, n.º 1, alínea do CPPenal, conferindo ao lesado a possibilidade de instaurar processo civil decorridos oito meses de pendência do processo crime, constitui uma faculdade daquele, não um ónus do mesmo. IV. A responsabilidade civil por facto ilícito pressupõe a ocorrência de um facto voluntário, ilícito, culposo e danoso da parte de uma pessoa. V. Não sendo de todo em todo possível proceder à reparação natural, a indemnização deve ser fixada em dinheiro, segundo critérios de equidade, de razoabilidade em função das circunstâncias concretas apuradas e da justiça relativa, adequada ao caso, quando não se consiga determinar a expressão pecuniária exata do prejuízo sofrido pelo lesado. VI. Os danos morais são insuscetíveis de avaliação pecuniária, embora ressarcíveis monetariamente, como forma de compensar o sofrimento que o facto danoso provocou no lesado. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa, I. RELATÓRIO. Os AA., SECURMÉDICA – SAÚDE, EDUCAÇÃO, QUALIDADE, HIGIENE E SEGURANÇA NO TRABALHO, LDA., e AA intentaram processo comum de declaração contra os RR., BB e CC, pedindo que os RR. sejam condenados a pagar à A. a quantia de €92.851,40 e ao A. o montante de €44.265,00, acrescido de juros moratórios desde a citação. Como fundamento do seu pedido, os AA. alegaram, em suma, que o A. é dono de uma moradia e que os AA. aí guardavam vários pertences seus, assim como vários objetos relacionados com a sua atividade comercial. Referiram também que entre janeiro e 14 de fevereiro de 2018 a R. deu instruções ao R. para proceder à limpeza de várias moradias, entre as quais aquela do A., sendo que para esse desiderato os RR. contrataram os serviços de uma empresa. Mencionaram igualmente que o R. e trabalhadores daquela empresa retiraram valores, inúmeros objetos e diversa documentação da moradia do A., pertencentes aos AA., colocando-os na lixeira, conforme instruções da R., o que causou aos AA. danos patrimoniais e ao A. também danos morais, tudo em valor que computa de €137.116,40. Os RR. deduziram contestação. Arguiram a ineptidão da petição inicial e a prescrição do direito dos AA., assim como alegaram ainda estarem convencidos de que eram proprietários da moradia do A., o qual mantinha a mesma fechada, sem qualquer uso e sem movimento de pessoas desde maio de 2016, termos em que entenderam remodelá-la, conjuntamente com outras moradias confinantes, de que eram donos, e, por isso, contrataram uma empresa para proceder à respetiva limpeza, o que sucedeu, tendo sido assim removidos os mais diversos objetos e lixo, sem qualquer intenção em provocar algum dano e impugnando de todo o modo o alegado quanto aos danos invocados pelos AA. Nestes termos, os RR. concluíram pedindo que a petição inicial seja considerada inepta e, caso assim não se entenda, seja julgada procedente a exceção de prescrição ou, caso assim não se entenda, a ação seja julgada improcedente. Os AA. pronunciaram-se quanto à ineptidão da petição inicial e à prescrição, concluindo pela respetiva improcedência. As partes juntaram documentos e arrolaram prova pessoal. Foi dispensada a audiência prévia, proferido saneador, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova. Procedeu-se a perícia, tendo sido junto o respetivo relatório, o qual teve esclarecimentos complementares. A audiência de discussão e julgamento teve sessões em 06.11.2023, 08.01.2024 e 24.03.2025. Em 10.04.2025 o Juízo Central Cível e Criminal de Ponta Delgada proferiu sentença que julgou procedente a exceção de prescrição e, por isso, absolveu os RR. dos pedidos. Inconformados com tal decisão, os AA. interpuseram recurso, apresentando as seguintes conclusões: «I. O Tribunal recorrido deu como provados os factos constantes dos pontos 18., 19., 26., 35., 36., 45., 52. e 53. da fundamentação de forma incorrecta, com base numa apreciação errada da prova carreada para os autos e, designadamente, da prova produzida em audiência de julgamento, conforme acima detalhado. II. Da conjugação das declarações da testemunha DD, acima transcritas, com o teor da certidão do inquérito n.º 260/18.0PTPDL junta aos autos, resulta claro que aquela testemunha contactou com a PSP logo no dia 14/06/2018, assim que constatou o sucedido na moradia sita na Rua 1 III. Assim, o Tribunal não podia ter dado como provado os factos dos pontos 18. e 19. nos termos em que o fez, devendo, isso sim, dar como provado que o arrombamento da porta daquela moradia e a retirada do seu interior de todos os bens que lá se encontravam foi participado à PSP, logo no dia 14/06/2018, pela testemunha DD. IV. Dos factos dados como provados no ponto 26. da decisão sobre a matéria de facto deve ser eliminado o seguinte: “(…) sendo certo que nessa data já o DD, que foi quem apresentou a denúncia, conhecia todos esses pormenores;”, uma vez que resulta do teor do auto de denúncia junto aos que a testemunha DD relatou os factos que apreendeu directamente e reproduziu a conversa telefónica que tinha tido com a testemunha EE, sem que isso possa constituir uma demonstração de aceitação ou conhecimento do que lhe havia sido relatado. V. Os pontos 35. e 36. da matéria de facto dada como provada não correspondem à verdade, designadamente quando ali se refere que a moradia em questão ficou “fechada, sem qualquer movimento regular de pessoas”, ou “sem qualquer movimento de pessoas, e sem qualquer uso quotidiano”. VI. As declarações das testemunhas DD, FF e GG, todas acima transcritas, demonstram que: aquela moradia passou a ser utilizada como armazém e arquivo, onde se deslocavam sempre que tal era necessário, seja para recolha de material de escritório (papel ou outro), ou de algum equipamento lá existente (equipamento de segurança, máquina fotográfica), seja ainda para a consulta da documentação que lá se encontra guardada (fichas de clientes e outra), o que deveria ter sido dado como provado. VII. Já os factos dados como provados sob os números 52. e 53. não têm qualquer suporte probatório nos autos, não podendo o Tribunal recorrido dá-los como provados com base numa pretensa omissão de impugnação por parte dos Recorrentes/Autores, uma vez que essa obrigação não existe. VIII. Esta decisão do Tribunal, para além do mais, viola o disposto no artigo 574.º do CPC ao tratar os Recorrentes/Autores como Réus a quem se impõe um ónus de impugnação que não existe. IX. Os factos dados como não provados no ponto 57. da decisão sobre a matéria de facto devem ser, pelo contrário, dados como provados uma vez que foi produzida a prova possível e suficiente para o efeito, designadamente através do depoimento da testemunha DD que, com base no inventário contabilístico, verificou os bens da Autora Securmédica que não se encontravam nas instalações da sociedade, nem na casa n.º 5 da Rua 1. X. A perícia realizada nos presentes autos não invalida o valor probatório das declarações desta testemunha, porquanto, nos termos do respectivo relatório e dos esclarecimentos prestados pelo perito, a mesma traduz apenas a realidade contabilística da Recorrente/Autora Securmédica, não sendo o perito capaz de afirmar que bens foram subtraídos à Autora com base nos elementos contabilísticos. XI. O Tribunal recorrido errou igualmente ao não fazer constar dos factos dados como provados que: “A Ré BB reconhece a responsabilidade de indemnizar os danos provocados aos Réus e que está disponível para pagar o que for de direito.”, sem prejuízo de ser feita referência a tal facto na sentença recorrida, na fundamentação da decisão quanto à matéria de facto, nomeadamente no ponto 3.2.1. XII. As declarações prestadas pela Ré/Recorrida HH, acima transcritas, são claras em demonstrar tal reconhecimento da obrigação de indemnizar os Recorrentes/Autores. XIII. Em função do acima exposto, a decisão sobre a matéria de facto deve ser alterada. XIV. Finalmente, sem prejuízo do acima exposto e sempre com o devido respeito pelo Tribunal recorrido, entendem os recorrentes que a sentença de que ora se recorre incorre em violação de lei, desde logo do disposto nos números 1 e 3 do artigo 498.º do Código Civil, conjugados com o disposto na parte inicial do n.º 1 do artigo 306.º e nos n.ºs 1 e 4 do artigo 323.º todos do Código Civil. XV. A pendência do inquérito n.º 260/18.0PTPDL, através do qual os Autores/Recorrentes pretendiam ver apurados os factos e a eventual responsabilidade criminal daí decorrente, tem de ser considerado como causa para a interrupção da contagem do prazo de prescrição nos termos das normas acima mencionadas. XVI. Nunca pretenderam os Recorrentes/Autores beneficiar de um prazo de prescrição nos termos do disposto n.º 3 do artigo 498.º do Código Civil, como afirma, erradamente, o Tribunal recorrido. XVII. Tal como inexiste, na conduta dos Recorrentes/Autores, qualquer fraude à lei, nomeadamente na apresentação da queixa-crime que deu azo ao processo-crime acima referido, sob um pretenso desiderato ab initio dos Recorrentes/Autores de “esticarem” o prazo de prescrição, nomeadamente através da suspensão da sua contagem durante a pendência do inquérito crime. XVIII. Não resultou provado tal elemento subjectivo da conduta dos Recorrentes, nem o mesmo decorre dos factos dados como provados, sobretudo considerando que a queixa-crime foi apresentada dois dias após o conhecimento dos factos e aí foi relatada toda a informação que, à data, se encontrava na posse da testemunha DD. XIX. O acima referido na conclusão XI determinava que o Tribunal recorrido considerasse o reconhecimento/confissão da Recorrida HH como uma renúncia tácita à prescrição, nos termos do disposto nos números 1 e 2 do artigo 302.º do Código de Processo Civil, caso fosse de admitir já ter decorrido o prazo prescricional, como o fez o Tribunal recorrido. Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso, sendo a sentença recorrida revogada e substituída por outra que altere a decisão quanto à matéria de facto nos termos supra expostos, e que considere verificadas as violações de lei acima apontadas e, em consequência, condene os Recorridos a indemnizar os Recorrentes pelos danos causados. Assim se fará a costumada, JUSTIÇA». Os RR. contra-alegaram, sustentando a manutenção da sentença recorrida. Colhidos os vistos, cumpre ora apreciar a decidir. II. OBJETO DO RECURSO. Atento o disposto nos artigos 663.º, n.º 2, 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPCivil, as conclusões do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de questões que devam oficiosamente ser apreciadas e decididas por este Tribunal da Relação. Nestes termos, atentas as conclusões deduzidas pelos AA., não havendo questões de conhecimento oficioso, nos presentes autos está em causa apreciar e decidir: • A impugnação da decisão de facto, • A prescrição do direito indemnizatório em causa, • A responsabilidade civil extracontratual dos RR. e • O montante indemnizatório adequado, Sendo que a apreciação da responsabilidade civil dos RR. pressupõe que não ocorra prescrição do direito de indemnização e a fixação do montante indemnizatório implica que previamente se conclua pela responsabilidade civil aquiliana dos RR. Na parte final das suas alegações de recurso os AA./Recorrentes suscitam também a nulidade da sentença recorrida, conforme artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPCiivl, por omissão de pronúncia. Trata-se, contudo, de matéria que omitem nas conclusões, termos em que não constitui objeto de recurso, limitado que está este às conclusões apresentadas, conforme designadamente referidos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil. Por outro lado, embora a decisão recorrida não tenha apreciado o direito indemnizatório invocado pelos AA., por tal matéria ter ficado prejudicada em razão da declaração de prescrição do mesmo direito, os AA. concluem em sede recursiva pela não prescrição de tal direito e pela condenação dos Recorridos no pagamento de indemnização «pelos danos causados», ao passo que os RR./Recorridos concluem pela improcedência de «todas as conclusões formuladas no recurso interposto pelos AA. (…), mantendo-se integralmente a sentença recorrida», termos em que a eventual apreciação por este Tribunal da Relação de Lisboa do direito indemnizatório em causa e do respetivo montante indemnizatório, por funcionamento da regra da substituição ao tribunal recorrido, não depende da prévia audição das partes, conforme artigo 665.º, n.º 3, do CPCivil. Assim. III. DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO. 1. Segundo o disposto no artigo 640.º, n.º 1 e 2, alínea a), do CPCivil, «1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes». Ou seja, sob pena de rejeição do recurso da decisão de facto, na impugnação desta o Recorrente tem um triplo ónus: (i) concretizar os factos que impugna, (ii) indicar os concretos meios de prova que justificam a impugnação e impõem uma decisão diversa, sendo que caso tenha havido gravação daqueles deve o Recorrente indicar as passagens da gravação em que funda a sua discordância, e (iii) especificar a decisão que entende dever ser proferida quanto à factualidade que impugna. Como refere Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, edição de 2018, páginas 163, 168 e 169, em anotação ao referido artigo 640.º, com a reforma processual-civil de 2013 «foram recusadas soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição dos julgamentos, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recurso genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, (…), tendo o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente1». «(…) A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão de facto deve verificar-se em algumas das seguintes situações: (…) «a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635.º, n.º 4, e 641.º, n.º 2, al. b)); (…) b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640.º, n.º 1, al. a)); (…) c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); (…) d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; (…) e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação. (…) As referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo (…)». No mesmo sentido, Lebre de Freitas, Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, edição de 2022, páginas 97 e 98, em anotação ao referido artigo 640.º do CPCivil, referem que «[v]ê-se que o recorrente é destinatário de exigentes ónus legais, na medida em que está obrigado a indicar sempre os concretos pontos de facto que considera terem sido incorretamente julgados, indicando-os na fundamentação da alegação e sintetizando-os nas conclusões, bem como a identificar os concretos meios de prova, constantes do processo ou que tenham sido registados, que, do seu ponto de vista, impunham decisão diversa da recorrida (cf. art. 662-1). Tem assim o recorrente, sob cominação da rejeição do recurso na parte em que estes ónus não tenham sido observados, de demonstrar o erro na fixação dos factos materiais em causa, resultante da formação de uma convicção assente num erro na apreciação das provas que ao juiz cabe livremente apreciar (art. 607, n.ºs 4 e 5), recorrendo às presunções judiciais concretamente mais adequadas, de acordo com as regras da experiência (…). Tem, por isso, também o recorrente o ónus de indicar ao tribunal “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de factos impugnadas”». «(…) Não ficam por aqui os ónus das partes». «A gravação da produção de prova (…) tem como consequência, de acordo com o n.º 2, que o recorrente (…) tem de indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de poder proceder à sua transcrição. Se não o fizer, o recurso é rejeitado (…)». Na matéria, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.02.2024, processo n.º 7146/20.7T8PRT.P1.S1, in www.dgsi.pr/jstj, refere que «a rejeição do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto apenas deve verificar-se quando falte nas conclusões a referência à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, através da referência aos «concretos pontos de facto» que se considerem incorretamente julgados (alínea a) do n.º 1 do artigo 640.º), sendo de admitir que as restantes exigências (alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo. 640.º), em articulação com o respetivo n.º 2, sejam cumpridas no corpo das alegações». 2. No caso vertente. Os AA./Recorrentes impugnam os factos dados como provados 18., 19., 26., 35., 36., 45., 52. e 53., o facto não provado 57. e pretendem que seja aditado um facto ao elenco dos provados. Apreciemos. 2.1. Dos factos provados 18. e 19. (Conclusões I. a III. e XIII. das alegações de recurso). O Tribunal recorrido deu como provado com os n.ºs 17. a 19. o seguinte: «17. DD, no dia 14.6.2028, em visita que fez à moradia do n.º 5 aqui em causa, detetou que a fechadura estava mudada, coisa que fez com que a estroncasse para aceder ao interior da mesma, altura em que percebeu que o que nela estava contido, propriedade dos AA., dali tinha sido removido; 18. Logo nessa altura contactou o filho da R. BB, EE, confrontando-o com a descoberta referida em 17., logo dele recebendo a indicação que tinha acontecido em erro lamentável e que os bens que estavam na moradia n.º 5 foram removidos por uma empresa para esse fim contratada pela progenitora; 19. Mau grado o que se aponta em 18., no dia 16.6.2018, em representação de AA, proprietário da empresa Securmédica - Saúde, Educação, Qualidade, Higiene e Segurança no Trabalho, Lda., DD apresentou denúncia pelo crime de furto do recheio que existiria no interior da moradia n.º 5, bem como de bens pessoais de seu referido pai, o que deu origem ao inquérito n.º 260/18.0PTPDL». Os AA./Recorrentes pretendem que seja dado como provado que o «arrombamento da porta» da «moradia [n.º 5] e a retirada do seu interior de todos os bens que lá se se encontravam foi participado à PSP logo no dia 14/06/2018 pela testemunha DD», conforme conclusão III. do respetivo recurso, com negrito da autoria dos aqui subscritores. Para tal invocam excerto do depoimento daquela testemunha e a certidão do inquérito n.º 260/18.0PTPDL. Por sua vez, com fundamento em tais elementos probatórios, bem como no depoimento da testemunha EE, os RR./Recorridos aceitam que «em 14/06/2018» foi «dado conhecimento à PSP» dos factos em causa, embora «o ato de participação» tenha ocorrido «apenas no dia 16/06/2018». Ora, embora a matéria em causa revista uma relevância residual ou mesmo nula no desfecho da causa, atento o documento n.º 1 junto com a petição inicial, certidão extraída do referido processo n.º 260/18.0PTPDL, do qual consta o «Auto de Denúncia» de «2018-06-16», e considerando os depoimentos das testemunhas DD, designadamente 07:40 a 13:20 e 27:55 a 29:14 minutos, e EE, designadamente 08:32 a 10:38 minutos, que este Tribunal da Relação ouviu a partir do medio studio do citius, parece claro que a participação criminal, o «Auto de Denúncia», data de 16.05.2018, embora dois dias antes DD tenha contactado a PSP, dando conta do sucedido na moradia n.º 5, o que deve ser aditado ao facto provado n.º 18, devendo este, por isso, passar a ter a seguinte redação: 18. Logo nessa altura contactou a PSP, dando conta da mudança de fechadura e da ausência de bens, bem como contactou igualmente o filho da R. BB, EE, confrontando-o com a descoberta referida em 17., logo dele recebendo a indicação que tinha acontecido um erro lamentável e que os bens que estavam na moradia n.º 5 foram removidos por uma empresa para esse fim contratada pela progenitora. 2.2. Do facto provado 26. (Conclusão I., IV. e XIII. das alegações de recurso). O Tribunal recorrido deu aí como provado que: «26. Com a denúncia apontada em 19., os AA., tal como referiram, pretendiam ver esclarecidas as circunstâncias em que os bens de sua pertença e que se encontravam na moradia sita à Rua 1, na freguesia de São José, concelho de Ponta Delgada, foram de lá retirados, por quem e que destino os mesmos tiveram, sendo certo que nessa data já o DD, que foi quem apresentou a denúncia, conhecia todos esses pormenores». Os AA./Recorrentes insurgem-se contra aquele último segmento, referindo, em suma, que não se pode aceitar que aquela testemunha tenha aceite o relatado por EE. Por sua vez, os RR./Recorridos entendem que o facto provado em causa deve ser mantido nos seus precisos termos. Analisemos. Não sendo o referido DD parte nos presentes autos é absolutamente irrelevante o conhecimento que o mesmo tem dos factos em causa. De todo o modo, da análise do «Auto de Denúncia» de 16.05.2018 e do depoimento das testemunhas DD e EE, já referidos, decorre que aquela testemunha relatou o que esta lhe disse, o que deve ser acrescentado no facto agora em causa, o qual deve assim passar a ter a seguinte redação: 26. Com a denúncia apontada em 19., os AA., tal como referiram, pretendiam ver esclarecidas as circunstâncias em que os bens de sua pertença e que se encontravam na moradia sita à Rua 1, foram de lá retirados, por quem e que destino os mesmos tiveram, sendo certo que nessa data já o DD, que foi quem apresentou a denúncia, conhecia todos esses pormenores na versão de EE. 2.3. Dos factos provados 35. e 36. (Conclusões I., V., VI. e XIII. das alegações de recurso). O Tribunal recorrido deu então como provado que: «35. E, os próprios AA., deixaram de exercer nas casas n.ºs 5 e 7 qualquer atividade, entregando a casa n.º 7 à proprietária, ficando a casa n.º 5 fechada, sem qualquer movimento regular de pessoas, transferindo a R. Securmédica - Saúde, Educação, Qualidade, Higiene e Segurança no Trabalho, Lda. a sua atividade, ao que se sabe em maio de 2016 para a Rua 2 36. A partir de meados de 2016, as seis casas baixas telhadas situadas na Rua 3 com os n.ºs 1 a 11, todas seguidas, ficaram sem qualquer movimento de pessoas, e sem qualquer uso quotidiano». A partir de excertos do depoimento das testemunhas FF e GG, os AA./Recorrentes entendem que a moradia n.º 5 «era utilizada como armazém e arquivo» e que os seus colaboradores «se deslocavam sempre que era necessário, seja para recolha de material de escritório (papel ou outro) ou de algum equipamento lá existente (equipamento de segurança, máquina fotográfica), seja ainda para a consulta de documentação que lá se encontra[va] guardada (fichas de clientes e outra), o que deveria ter sido dado como provado», conforme conclusão VI. das alegações de recurso. Por sua vez, os RR./Recorridos entendem de manter a apontada factualidade dada como provada que entendem de todo o modo irrelevante à decisão da causa. Apreciemos. O dano invocado pelos AA./Recorrentes como causa de pedir dos seus pedidos indemnizatórios funda-se na perda de diversas coisas móveis, bem como em danos morais sofridos pelo A., não na afetação da respetiva atividade profissional, pelo que revela-se impertinente saber da utilização dada pelos AA./Recorrentes à moradia n.º 5. Por outro lado, as referências a «papel», «equipamento de segurança», «máquina fotográfica» e «fichas de clientes» revelam-se de tal forma vagas, genéricas, que por si só são também inócuas para aquilatar da pretensão indemnizatória em causa, sendo certo que os factos provados 10. a 13., 44., 45., 48., 51., 52. e 53. explicitam matéria pertinente à decisão do caso, sem necessidade da pretendida alteração dos factos provados 35. e 36. ora em causa, termos em que improcede a pretensão dos Recorrentes nesta sede. 2.4. Do facto provado 45. (Conclusão I. das alegações de recurso). Os Recorrentes impugnam o facto provado n.º 45. Contudo, não indicam nem os concretos meios probatórios que impõem uma decisão diversa, nem a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre a questão de facto impugnada, incumprindo, pois, nesta sede os indicados ónus constantes do referido artigo 640.º, n.º 1, alíneas b) e c), do CPCivil, pelo que o recurso nesta parte deve ser rejeitado. 2.5. Dos factos provados 52 e 53. (Conclusões I., VII., VIII. e XIII. das alegações de recurso). O Tribunal recorrido deu aí como provado que: «52. Qualquer equipamento informático e/ou software, ou equipamentos elétricos ou eletrónicos, como computadores comprados em 2004, Office 2003 comprado em 2004 ou um Office 2007 comprado em 2008, aparelhos de ar condicionado adquiridos há mais de dez anos, estão completamente obsoletos, não têm qualquer utilidade; 53. A listagem de publicações que o A. AA faz constar dos autos, são publicações antigas, na sua maioria com mais de dez anos de publicação, estando obsoletas e sem qualquer valor científico ou utilidade prática em 2018 e depois, estando completamente desatualizadas quer à legislação vigente sobre medicina, segurança e higiene no trabalho, ou em qualquer outro ramo da medicina». O Tribunal recorrido fundamentou tal factualidade nos seguintes termos: - A testemunha «FF referiu ser enteada do A. AA e trabalhar para a Securmédica. (…) Em maio de 2016 mudaram-se para as instalações que hoje ocupam e para lá levaram o que precisavam ficando na casa do n.º 5 os bens que não eram necessários para o funcionamento no dia a dia. Entre outros na casa aqui em causa ficaram os diplomas do AA, vários frascos de farmácia, a biblioteca integrada por várias publicações, enciclopédias e manuais da medicina e segurança, tal como o arquivo ali ficou e o equipamento informático obsoleto. Também lá ficou mobiliário, nomeadamente a secretária do AA, na qual ele tinha guardados bens pessoais, como fotos, dinheiro em dólares, canetas e ouros. Na casa ficaram também os programas informáticos e outros dossiês. Também lá ficaram alguns instrumentos de segurança no trabalho que não consegue explicitar. Os equipamentos eram em parte obsoletos e outros eram usados de forma esporádica. Não tem ideia se foi necessário adquirir outros equipamentos para substituir os que desapareceram. (…)». - A testemunha «II… referiu que é proprietária da empresa de mudança 1001 serviços. (…) O pessoal da sua empresa faz sempre uma lista do que retiraram da casa, contudo, ao tempo que já passou é documento que já não guardam. Recorda-se que dessa lista constavam estantes velhas, partidas, caixas e dossiês vazios. (…)»; - A testemunha «JJ, referiu que trabalha em mudança para a 1001 serviços. Recebeu ordens da patroa para irem fazer um serviço numas casas que eram para desocupar. No dia dos factos quando chegaram ao local estava lá CC que lhes entregou as chaves das casas e foi-se embora. Foram abrindo as casas com as chaves que lhes tinham sido dadas e retirando delas o que continham, perceberam que numa delas tiraram móveis, estantes, caixas, secretárias, cadeiras partidas e papéis, não se tendo apercebido de quaisquer computadores ou outros utensílios. Não viram quaisquer ouros, dinheiro ou outros bens pessoais, não se tendo apercebido de lá terem encontrado fotografias ou diplomas. Eram quatro homens a trabalhar e todos entraram nas casas, uma a uma, e só quando limpavam uma passavam para outra. Não lhes deram qualquer indicação para cuidarem de quaisquer bens, apenas lhes dizendo que era tudo para o lixo. Não viu quaisquer eletrodomésticos na copa/cozinha. O trabalho terá durado, segundo pensa, um dia. Das demais casas retiraram também alguns móveis velhos. O serviço levou o dia inteiro a fazer»; - «Analisando de forma crítica o depoimento do A. AA, logo percebemos que desconhecia, em grande medida, o que tinha sido deixado na casa aqui em apreço. Para lá dos bens de natureza pessoal que lá tinha deixado e que nomeou ainda que sem capacidade para lhes dar um qualquer valor à exceção dos dólares, nesta parte sendo credível, não conseguiu dar nota clara do mais que lá estaria e muito menos do valor desses bens, mostrando, nesta parte comprometimento com o pedido da A. Securmédica - Saúde, Educação, Qualidade, Higiene e Segurança no Trabalho, Lda. sem que das demais provas se retire corroboração nesta particular. Assim, o seu depoimento será considerado nesta exata medida»; - «Os AA. juntaram longas listas de bens que afiançam ali se encontrarem àquela data, sendo certo que nenhum dos declarantes, AA, DD, FF e GG, tiveram o condão de confirmar essa lista, fazendo, nos seus depoimentos, uma alusão geral remetendo para as listas, apontando apenas alguns bens, ou melhor, a sua natureza, sem, no entanto, referirem a sua utilidade ou valor. Só AA foi capaz de elencar que bens pessoais seus ali estavam e que desapareceram. Pegando na versão da testemunha FF a maior parte dos bens pertenceriam à Securmédica - Saúde, Educação, Qualidade, Higiene e Segurança no Trabalho, Lda. e estaria obsoleta e sem qualquer valor…e esta realidade não foi infirmada por qualquer outro declarante. Se, doutra banda, pegarmos nos depoimentos das testemunhas KK, II, JJ e EE, logo vemos que não é possível alcançar aquilo que as listas juntas pelos AA. querem transparecer. Efetivamente, estas últimas testemunhas, que estiveram no local e que deitaram olhos e mãos aos bens que estavam na casa, apenas referem algumas estantes, velhas e enferrujadas, móveis, designadamente cadeiras partidas e caixas com documentos, tudo em muito mau estado e imprestável. Por tudo o que vem de se dizer se determinou a realização da perícia acima falada e dela, tal como ali se concluiu e se reafirmou na peça dos esclarecimentos, não estavam na casa, de acordo com os elementos contabilísticos acedidos, quaisquer bens pertencentes à Securmédica - Saúde, Educação, Qualidade, Higiene e Segurança no Trabalho, Lda. Dizem os AA. que com a conduta dos RR. nos encontramos numa situação de inversão do ónus da prova a que se refere o n.º 2 do artº.344º do CC…coisa que não pode colher. Aos AA.2 cabia terem tomado nota dos bens que estavam armazenados e, quanto à Securmédica - Saúde, Educação, Qualidade, Higiene e Segurança no Trabalho, Lda., tê-los inscritos na sua contabilidade, coisa que não sucedeu ao arrepio daquilo que são as normas da contabilidade empresarial e essa não é coisa que venha da responsabilidade dos RR. Não foram os RR. que tornaram impossível a prova que cabe aos AA. produzir, foi antes a falha destes, nomeadamente da Securmédica - Saúde, Educação, Qualidade, Higiene e Segurança no Trabalho, Lda. que obliterou da sua contabilidade dos bens que afirma estriam na casa aqui em causa, não podendo, por essa razão, beneficiar da exceção que esta norma3 contempla. Aqui chegados, era aos AA. que cabia, como decorre do art.º 342º, n.º 1 do CC, fazer a prova dos bens que tinham guardados na casa aqui em causa e do seu valor, coisa que não conseguiram à exceção dos dólares que enfaticamente foram dados como certos na casa e levados pela mão dos trabalhadores contratados pela R. BB. Os demais bens que o A. AA apontou, ainda que lhes tenha sido avançada utilidade, a verdade é que nenhum valor lhes foi firmado para lá da estima que quanto aos mesmos aquele sentia». (Negritos da autoria dos aqui subscritores). Perante tal motivação da factualidade aqui em causa, para a impugnar, os AA./Recorrentes limitaram-se a alegar que «[o]s factos dados como provados sob os n.ºs 52 e 53 não têm qualquer suporte probatório nos autos», sem, contudo, a partir da prova produzida, minimamente colocarem em crise a convicção do Tribunal recorrido e muito menos justificarem uma decisão diversa da tomada pelo Tribunal, termos em que também aqui se impõe a rejeição do recurso da matéria de facto. 2.6. Do facto não provado 57. (Conclusões I., IX. e X. e XIII. das alegações de recurso). Com o n.º 57 o Tribunal recorrido deu como não provado que: «57. A A. Securmédica tinha na moradia em questão mobiliário de escritório; artigos de decoração; computadores e respetivos programas operativos e demais programas de trabalho; monitores; impressoras; equipamento de comunicações; equipamento de áudio e vídeo; sistema de ar condicionado; equipamentos de medição; eletrodomésticos; sistema de alarme; equipamentos de fotografia; fotocopiadores, tudo conforme listagem junta em anexo». O Tribunal recorrido fundamentou a factualidade apurada nos seguintes termos: «Quanto ao que não se provou e está em 54. a 61., vem da incongruência desses factos com os provados e vem das razões que estão claramente expostas na perícia, para a qual se remete sem necessidade de aqui as repetir. Efetivamente, mau4 grado o IES da Securmédica - Saúde, Educação, Qualidade, Higiene e Segurança no Trabalho, Lda. - fls. 90 a 119 verso, os documentos que os AA. intitulam de inventário dos ativos patrimoniais e outros de cariz contabilístico - fls. 126 a 148, os IES da Securmédica - Saúde, Educação, Qualidade, Higiene e Segurança no Trabalho, Lda. relativo ao ano de 2018, modelos 32 do IRC dos anos de 2015 e 2018 e balancetes da mesma dos anos de 2015 e 2018 - fls. 158 verso a 193 verso, a verdade é que não se descortina na contabilidade da A. Securmédica - Saúde, Educação, Qualidade, Higiene e Segurança no Trabalho, Lda. a falha de quaisquer bens registados na sua contabilidade e por essa razão não lhe pode ser devotada a falta dos que avança. Para lá disso, sendo verdade que as testemunhas II, JJ e EE perceberam na casa a presença de alguns bens…a verdade é que os mesmo se lhes apresentaram sem valia, partidos e enferrujados, razão pela qual não denunciaram a sua presença na casa à mandante do serviço e os deitaram para o lixo». (Negrito da autoria dos aqui subscritores). Os AA./Recorrentes entendem que o indicado facto 57 deve ser dado como provado, fundamentando tal no depoimento da testemunha DD, cujos excertos pertinentes transcrevem. Por sua vez, os RR./Recorridos entendem de manter a decisão recorrida. Vejamos. Da audição dos indicados excertos transcritos pelos AA./Recorrentes, os quais este Tribunal da Relação ouviu a partir do medio studio do citius, 14:40 a 17:40 minutos, resulta o modo de elaboração da Lista junta com a petição inicial, alegadamente correspondente a bens que se encontravam na moradia n.º 5 aquando da desocupação da mesma: a Lista, feita pelo próprio depoente DD, partiu do «inventário feito pela (…) contabilidade» relativo aos bens da A./Recorrente Securmédica e dela excluiu os bens adquiridos após 14.06.2018, bem como os bens existentes nas instalações daquela sociedade. Digamos que a Lista decorre de um apuramento por exclusão de partes, olvidando que pelas mais diversas razões não é certo que os bens não excluídos integrassem o recheio da moradia n.º 5 aquando da desocupação. Na matéria em causa, importa também considerar o Relatório Pericial junto em 18.11.2024, com os Esclarecimentos juntos a 31.01.2025. Daquele Relatório decorre que os bens alegadamente subtraídos à A./Recorrente Securmédica integravam contabilisticamente o património desta nas contas da mesma de 2018, pelo que, afinal, nesses termos, não se tiveram como subtraídos, antes integrando o acervo patrimonial da A./Recorrente Sociedade, a qual não compreendia instalações na moradia n.º 5 em causa. Como se refere naquele Relatório de 18.11.2024 «(…) 8 Quanto aos bens [do] referido “documento 3” (…) como fazendo parte e incluídos nos documentos oficiais da contabilidade da empresa [Securmédica] e com o valor total de 125.502,93€ e que foram postos no lixo (supostamente), apraz-me dizer o que encontrei registado no IES do ano de 2015 e 2018, nos balancetes do Ativo Fixo Tangível da empresa de 2015 e 2018 e nos Mapas Modelos oficiais n.º 32 dos anos de 2015 e 2018, foi que pelos dados contabilísticos, nada desapareceu. 9 A relação dos bens patrimoniais que totaliza 125.502,93€ e que numerei com os números 1/2/3, todos estes bens ainda estão registados como bens existentes na contabilidade dos anos 2015 e 2018. Não foi elaborado nenhum abate contabilístico e fiscal na contabilidade dos anos de 2015 e 2018. 10 Era obrigatório, se de facto os bens da relação n.º 1/2/3 desapareceram, de se ter efetuado o abate na relação do património da empresa SECURMÉDICA, LDA, bem como no balancete da contabilidade, que iria se refletir na informação financeira relatada no IES dos anos 2015 a 2018 e isto não foi feito nem abatido os bens. 11 Tanto nas contas da empresa dos anos de 2015 e 2018, no IES na folha 55. é mencionado que o relatório de gestão e as contas do exercício 2015 e 2018 foram elaborados e foram assinados com aprovação pelos membros da gerência como estando corretas e sem qualquer menção e abates do Ativo Fixo Tangível. 12 No anexo “R” do lES do ano 2015 e 2018 nas folhas 62 e 63 é mencionado que a empresa só tem um estabelecimento sito Rua 4, nunca se referindo a outro estabelecimento ou armazém ao serviço da empresa. 13 No Balanço do IES do ano 2015 e 1018 (folha 5 do IES) o valor relatado de todo o Ativo Fixo Tangível está de acordo com os balancetes finais da contabilidade de 2015 e 2018, não refletindo nenhum abate por desaparecimento de bens do património da empresa. 14 Nos quadros obrigatórios do IES referentes ao Ativo Fixo Tangível dos anos 2015 e 2018 (folhas do IES 20 e 21) nas diminuições - ABATES - linha A5634, nada foi referenciado e bem, porque na contabilidade nada foi registado como desaparecido ou abatido. 15 Todas as minhas conclusões e relatos estão suportadas pelos documentos oficiais que me forneceram e que inúmero as folhas mais pertinentes do n.º 1 ao n.º 23, tanto para dados dos anos 2015 e 2018. 16 Quanto aos restantes bens ou materiais que possam ter sido postos no lixo e que não fazem parte da relação dos bens do Ativo Fixo Tangível, o que poderei informar é que, valor financeiro de relato não têm, conforme imana o SNC - Sistema de Normalização Contabilístico, que os bens e serviços gastos ou usados no período fiscal e civil do respetivo ano, devem ser lançados nas contas de gastos. Se o período de vida do bem ou do serviço realizado vai para além do ano fiscal vigente, deve ser registado numa conta de Ativo Fixo Tangível ou Intangível e deve ser depreciado conforme os anos de uso e trabalho. 17 Se o contabilista da empresa registou de acordo com os dados informações e documentos recebidos da gerência da empresa e a gerência da empresa não discordou das contas apresentadas e até assinando no Relatório de Gestão que estava tudo de acordo, leva-me a concluir que os bens estão todos no estabelecimento da Rua 4, mesmo que inativos, ou, o C.C., Contabilista Certificado e a gerência não foram devidamente cautelosos e rigorosos e não relataram como abate dos bens entretanto desaparecidos ou postos no lixo, noutro local registado como não pertencente à empresa, nem alugado, nem como um possível contrato de Comodato, para ser usado pela empresa SECURMÉDICA, LDA. (…)». (Negrito da autoria dos aqui subscritores). Do mesmo modo, conclui-se nos Esclarecimentos juntos em 31.01.2025 que: «(…) (29) (…) apraz-me reforçar que não ponho em causa que tenham desaparecido bens, mas que não foram bens do património da empresa pelos documentos oficiais analisados e por tudo o que já referi acima em todos os itens que respondi. (…)». Do confronto crítico de tais elementos probatórios, com as regras da experiência comum e da lógica, não estando sequer registada na contabilidade da A./Recorrente Sociedade o uso por esta de instalações na moradia n.º 5, nem qualquer abate de bens no reporte do ano de 2018, revela-se manifestamente insuficiente o depoimento da testemunha DD na matéria, pelo que não pode concluir-se nos termos pretendidos pelos AA./Recorrentes, termos em que improcede nesta sede o recurso. 2.7. Do aditamento. (Conclusões I., XI., XII. e XIII. das alegações de recurso). Fundados em excerto das declarações da R. HH que transcreve, bem como na motivação da decisão de facto recorrida, os AA./Recorrentes pretendem que seja aditado ao elenco dos factos provados o seguinte: «A R. BB reconhece a responsabilidade de indemnizar os danos provocados aos Réus e que está disponível para pagar o que for de direito”. Os RR./Recorridos entendem que tal facto não deve ser aditado. Ora, o facto em causa, em si mesmo, é absolutamente inócuo. Trata-se de um facto sem qualquer significado no desfecho dos autos: a R. pagará se se mostrar devida alguma quantia. Dito de outro modo, se for condenada pelo Tribunal a tal, o que nada acrescenta à matéria em causa. Diversamente do que alegam os AA./Recorrentes não se afigura que o facto cujo aditamento pretendem constitua uma «renúncia da prescrição», mesmo que tácita, pois a indicada forma condicional justifica que se entenda que havendo prescrição a R. não está disposta a indemnizar os AA./Recorrentes: parece-nos que o «pagar o que for de direito» não implica ressarcir um direito prescrito, na medida em que a indemnização em causa já não é exigível. Improcede, assim, o aditamento factual em causa. * * * Nestes termos, este Tribunal da Relação de Lisboa tem, pois, como provada a seguinte factualidade: 1. O A. AA é proprietário da casa sita à Rua 1, concelho de Ponta Delgada; 2. Até junho de 2018, o A. AA guardava vários pertences seus na moradia acima identificada; 3. Em data concreta não apurada, mas entre janeiro de 2018 e 14 de junho de 2018, a R. BB deu instruções ao R. CC, seu filho, para que fosse entregar um molho de chaves5 ao representante da empresa que iria proceder à limpeza de várias moradias de que era proprietária sitas à Rua 1, freguesia de S. José, concelho de Ponta Delgada; 4. Nessa sequência, o R. CC, recebeu um molho de chaves e com elas a indicação de quais os números de porta das moradias que haveriam de ser “limpas”, nomeadamente os n.ºs 1, 3, 5 e 7 da Rua 1; 5. Para proceder a tal limpeza, a R. BB contratou os serviços da empresa 1001 Serviços Lda., a qual atuou em todo o processo segundo as instruções daquela; 6. O R. CC acompanhou os trabalhadores da empresa 1001 Serviços Lda., apontando-lhes as moradias onde haveriam de entrar e limpar e que estão referidas em 4.; 7. Como nenhuma das chaves de que o R. CC estava munido permitiu a abertura de qualquer porta das moradias apontadas em 4., foram todas elas estroncadas e mudadas, incluindo a da moradia n.º 5, a qual havia ali sido colocada pelo A. AA; 8. Uma vez no interior da moradia n.º 5, os trabalhadores da empresa 1001 Serviços verificaram a existência de alguns bens, propriedade do R. AA, que decidiram dali remover; 9. Os objetos removidos nos termos apontados em 8., foram destruídos (queimados) ou levados para o lixo pelos trabalhadores da empresa 1001, Serviços, Lda.; 10. A A. Securmédica - Saúde, Educação, Qualidade, Higiene e Segurança no Trabalho, Lda., guardava na moradia apontada em 8., documentação relativa à sua atividade, tal como fichas médicas dos trabalhadores dos seus clientes, faturas e recibos; 11. Na moradia n.º 5 da Rua 1 existiam vários bens pessoais do A. AA, que acabaram por ser levados e destruídos, a saber: . Diplomas académicos e certificados de formação; . Impressos de receitas médicas; . 1.500,00 dólares dos EUA; . Uma coleção de moedas antigas e de canetas, designadamente uma em ouro; . Um esfigmomanómetro de pé com rodas antigo; . Fotografias da família e respetivos negativos; . Livros, revistas, newsletters, manuais e outras publicações; e . Fichas clínicas de clientes com notas; 12. O diploma de licenciatura do A. AA em Medicina encontrava-se assinado pelos seus pais, o que o mesmo valorizava imenso, como fonte de felicidade, orgulho e memória dos seus pais, há muito falecidos, coisa que é insubstituível; 13. Também as fotografias e seus negativos que foram removidas da moradia aqui em causa são insubstituíveis e possuem um valor intangível para o A. AA, pois correspondem a registos de aniversários, festas de Natal, viagens de família, momentos do quotidiano do A. AA e sua família, e, em parte delas constava o filho do A. AA entretanto falecido; 14. A destruição destes bens, dos pontos 11. a 13., causou e causa no A. AA um profundo pesar, um sentimento de perda incomensurável, que o transtornou; 15. O humor do A. AA alterou-se profundamente desde que constatou o desaparecimento dos bens acima referidos, pontos 11. a 13., passando a estar mais introvertido, pesaroso, sem a alegria que habitualmente demonstrava quer na atividade profissional, quer no convívio com familiares e amigos; 16. O A. AA ficou triste e angustiado com a situação e assolado de um profundo sentimento de injustiça, que o perturbou no dia-a-dia durante várias semanas; 17. DD, no dia 14.6.2028, em visita que fez à moradia do n.º 5 aqui em causa, detetou que a fechadura estava mudada, coisa que fez com que a estroncasse para aceder ao interior da mesma, altura em que percebeu que o que nela estava contido, propriedade dos AA., dali tinha sido removido; 18. Logo nessa altura contactou a PSP, dando conta da mudança de fechadura e da ausência de bens, bem como contactou igualmente o filho da R. BB, EE, confrontando-o com a descoberta referida em 17., logo dele recebendo a indicação que tinha acontecido um erro lamentável e que os bens que estavam na moradia n.º 5 foram removidos por uma empresa para esse fim contratada pela progenitora; 19. Mau grado o que se aponta em 18., no dia 16.6.2018, em representação de AA, proprietário da empresa Securmédica - Saúde, Educação, Qualidade, Higiene e Segurança no Trabalho, Lda., DD apresentou denúncia pelo crime de furto do recheio que existiria no interior da moradia n.º 5, bem como de bens pessoais de seu referido pai, o que deu origem ao inquérito n.º 260/18.0PTPDL; 20. Em consequência da denúncia apontada em 19., em 15.4.2019 o R. CC foi constituído arguido e prestou declarações, tendo sido informado dos factos que lhe eram imputados, com a respetiva qualificação dos respetivos crimes de “furto” com imputação dos factos, sem que tivesse sido notificado judicialmente de que os AA. pretenderiam ser indemnizados por quaisquer danos, nem sequer disso foi informado aquando da respetiva diligência; 21. Quer na denúncia, quer nas posteriores intervenções do procurador dos queixosos, os aqui AA., no inquérito, não manifestaram ou declararam6 a intenção da pretensão dos seus representados serem indemnizados; 22. O inquérito referido em 19., foi arquivado por não se verificarem os requisitos tipificadores de crime, coisa que foi notificada aos AA. por via postal registada de 24.2.2020 e 26.2.2020, com o qual se conformaram, não requerendo a abertura da instrução, nem apresentando reclamação hierárquica; 23. A presente ação deu entrada em juízo no dia 19.5.2023; 24. A R. BB não foi tida nem achada no inquérito apontado em 19.; 25. Os RR. BB e CC foram nesta causa citados, por cartas registadas com AR, assinados em 23.5.2023, sendo, quanto ao R. CC, remetida a notificação a que se reporta o artº.233º do CPC, em 25.5.2023; 26. Com a denúncia apontada em 19., os AA., tal como referiram, pretendiam ver esclarecidas as circunstâncias em que os bens de sua pertença e que se encontravam na moradia sita à Rua 1, foram de lá retirados, por quem e que destino os mesmos tiveram, sendo certo que nessa data já o DD, que foi quem apresentou a denúncia, conhecia todos esses pormenores na versão de EE; 27. O pai da R. BB, avô do R. CC, CC, foi o proprietário dos imóveis de casas de habitação com os n.ºs 1, 3, 5, 7, 9 e 11 da Rua 1, em Ponta Delgada, respetivamente inscritas na Matriz Predial urbana da freguesia de São Sebastião sob os artigos 4, 5, 6, 7, 8 e 9, todas casas baixas, de porta e 1 ou 2 janelas, com a área total de 57 m2 e com na área coberta de 35 m2, que apenas dispunham de um sótão com altura inferior a um homem normal em pé; 28. Em partilha por óbito daquele, os imóveis com os n.ºs de polícia 5, 7, 9 e 11 foram adjudicados à herdeira, viúva, LL, e os imóveis 1 e 3 foram adjudicados à R. BB; 29. Aquela LL veio a legar em testamento à R. BB o usufruto das casas com os nºs de polícia 7, 9 e 11, legando a nua propriedade das mesmas ao R. CC; 30. Acontece que todas aquelas casas estiveram ao longo do tempo arrendadas, nomeadamente as n.ºs 5 e 7, que estiveram arrendadas aos RR., onde era exercida a atividade de “medicina no trabalho”; 31. Tendo o arrendamento da casa n.º 7, ao que se pode ajuizar no ano de 2016, cessado e fechada a porta que dava acesso interior da casa 7 para a 5 e vice-versa; 32. A R. BB e o R. CC estavam convencidos de que eram os proprietários, em plena propriedade ou em usufruto da primeira e nua propriedade do segundo, de todas aquelas casas apontadas em 27. e 28.; 33. Porém, entretanto, a já referida LL vendeu ao A. AA o imóvel com o n.º 5 de polícia; 34. Entretanto, ao longos dos anos, designadamente durante a primeira década deste século, os arrendatários foram deixando aquelas casas desocupadas, ficando assim sem quaisquer pessoas a residir em nenhuma delas; 35. E os próprios AA. deixaram de exercer nas casas n.ºs 5 e 7 qualquer atividade, entregando a casa n.º 7 à proprietária, ficando a casa n.º 5 fechada, sem qualquer movimento regular de pessoas, transferindo a R. Securmédica - Saúde, Educação, Qualidade, Higiene e Segurança no Trabalho, Lda. a sua atividade, ao que se sabe em maio de 2016 para a Rua 2 36. A partir de meados de 2016, as seis casas baixas telhadas situadas na Rua 3 com os n.ºs 1 a 11, todas seguidas, ficaram sem qualquer movimento de pessoas, e sem qualquer uso quotidiano; 37. As casas com os n.ºs 1, 3, 9 e 11 foram também desocupadas, assim se mantendo sem qualquer alteração até junho de 2018, altura em que a R. BB decidiu recuperá-las e dar-lhes um uso normal; 38. Como decorre da dimensão dos imóveis, os arrendatários moradores dos imóveis n.ºs 1, 3, 9 e 11 eram constituídos por agregados familiares de parcos recursos económicos; 39. Os arrendamentos foram cessando ao longo dos anos, ficando as casas desocupadas, tendo ficado na maioria deles diversos bens móveis, designadamente mobílias e vestuário, sem valor comercial, e muito lixo, quer no interior das habitações, quer nos quintais; 40. Em 2018, até 14 de junho desse ano7, estando a R. BB nos Estados Unidos acompanhando seu marido em tratamento oncológico, foi alertada por seu filho da existência de queixas de vizinhos próximos, de maus odores, ratazanas e uso das casas abandonadas por toxicodependentes; 41. Por isso, decidiu remodelar as casas da Rua 1 que lhe pertenciam em propriedade plena e em usufruto, tendo instruído seu filho, o R. CC (proprietário da nua propriedade das casas n.ºs 7, 9 e 11) para contratar a empresa 1001 Serviços para proceder à limpeza do que existia no interior e quintal dessas casas, para posteriormente proceder à sua recuperação e remodelação; 42. Não se tendo apercebido, nem a R. BB, nem nenhum de seus filhos, que a casa com o n.º 5 de polícia não era sua propriedade nem detinha sobre ela8 o direito de usufruto; 43. Seguindo as instruções de sua mãe, em antes de 14 junho de 2018 o R. CC contactou aquela empresa para proceder à remoção dos objetos que existiriam naquelas casas, sendo certo que, para entrada na casa com o n.º 5 de polícia, contactou KK (casa das chaves), para substituir a fechadura, uma vez que não possuía a chave que abrisse a porta da casa, sempre na convicção que a mesma era propriedade ou objeto de usufruto de sua mãe (com nua propriedade sua), tal como as restantes casas que lhes haviam sido legadas; 44. Aberta a porta da casa n.º 5, tal como contratado, os trabalhadores da empresa 1001 Serviços procederam à remoção dos objetos mais variados e lixo que se encontravam em todas as referidas casas e quintais; 45. Os objetos que se encontravam naquela casa com o n.º 5 apresentavam-se como velharias, sem sinais de qualquer utilização e ou valor, e com aspeto de abandono, não foi colocada qualquer restrição, presumindo-se tratar-se de bens que haviam ali sido deixados por anterior arrendatário, foram igualmente removidos e depositados na lixeira; 46. Como se pode retirar do despacho de arquivamento do inquérito n.º 260/18.0PTPDL, não houve da parte dos RR. qualquer intenção em provocar algum dano aos AA. 9, apenas ocorrendo a remoção dos objetos existentes na casa do A. AA, por lamentável erro de conhecimento por parte dos RR.; 47. A R. BB não entrou nos últimos anos em qualquer daquelas casas, tudo se passando enquanto permanecia nos Estados Unidos da América; 48. O R. CC entrou apenas uma vez na casa pertencente ao A. AA, aquando da substituição da fechadura da porta, não tendo visto nela os bens que vêm apontados pelos AA. quando acompanhava os trabalhadores da 1001 Serviços, ali descortinando apenas duas cadeiras (uma delas quebrada), uma secretária, duas estantes em metal enferrujado, com diversos dossiers âmbar (verdes) sem sinais de serem utilizados e um CPU antigo ainda com ranhura para disquetes, tudo em estado de elevada degradação, para além de diversos papéis amontoados; 49. Os RR. não foram informados nem pela gerência da empresa 1001 Serviços, nem pelos seus trabalhadores que prestaram o serviço da existência de bens de valor, designadamente livros, dinheiro estrangeiro, moedas ou quaisquer outros, os quais, questionados após a apresentação da queixa-crime, informaram tratar-se tudo de objetos sem qualquer valor comercial ou com utilidade; 50. Os ditos trabalhadores referidos em 49., estão instruídos para alertarem a gerência da empresa e os clientes da existência de quaisquer bens com algum valor económico, designadamente qualquer tipo de valor em moedas ou notas; 51. A casa com o n.º 5 aqui em causa, servia, há cerca de dois anos à data dos factos, apenas de arquivo/depósito de objetos que não eram utilizados na atividade que diariamente era desenvolvia na Rua 2, e onde os AA. ou alguém por eles se deslocavam em espaços de vários meses; 52. Qualquer equipamento informático e/ou software, ou equipamentos elétricos ou eletrónicos, como computadores comprados em 2004, Office 2003 comprado em 2004 ou um Office 2007 comprado em 2008, aparelhos de ar condicionado adquiridos há mais de dez anos, estão completamente obsoletos, não têm qualquer utilidade; 53. A listagem de publicações que o A. AA faz constar dos autos, são publicações antigas, na sua maioria com mais de dez anos de publicação, estando obsoletas e sem qualquer valor científico ou utilidade prática em 2018 e depois, estando completamente desatualizadas quer à legislação vigente sobre medicina, segurança e higiene no trabalho, ou em qualquer outro ramo da medicina; * Este Tribunal da Relação de Lisboa considera que não ficou provado: 54. Que na moradia aqui em causa a A. Securmédica - Saúde, Educação, Qualidade, Higiene e Segurança no Trabalho, Lda. desenvolvia parte da sua atividade comercial; 55. Na mesma moradia, a A. Securmédica - Saúde, Educação, Qualidade, Higiene e Segurança no Trabalho, Lda. guardava vários objetos relacionados com aquela atividade10; 56. No interior da moradia n.º 5, o R. CC e os trabalhadores da empresa 1001 Serviços verificaram a existência de inúmeros bens; 57. A A. Securmédica tinha na moradia em questão mobiliário de escritório; artigos de decoração; computadores e respetivos programas operativos e demais programas de trabalho; monitores; impressoras; equipamento de comunicações; equipamento de áudio e vídeo; sistema de ar condicionado; equipamentos de medição; eletrodomésticos; sistema de alarme; equipamentos de fotografia; fotocopiadores, tudo conforme listagem junta em anexo; 58. Na casa aqui em causa estava a demais documentação contabilística, nomeadamente, a que se refere aos bens constantes do documento n.º 03; 59. Que o valor dos bens da A. Securmédica - Saúde, Educação, Qualidade, Higiene e Segurança no Trabalho, Lda.,11 totaliza o montante de €125.502,93; 60. Que o A. AA guardava na moradia aqui em causa cheques de diversos bancos e máquinas de escrever antigas e 61. Que foi em razão do que aqui está em causa que o A. AA abandonou o projeto que acalentava há vários anos de escrever as suas memórias quando se reformasse, pois, a maioria dos registos que o auxiliariam nessa empreitada encontravam- se na moradia que foi esvaziada pelos RR. V. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO (Conclusões XIV. a XIX. das alegações de recurso). Os AA./Recorrentes fundamentam a sua pretensão indemnizatória na responsabilidade civil extracontratual, ao passo que os RR./Recorridos alegam que o direito dos AA. encontra-se prescrito. Analisemos. 1. Quanto à prescrição do direito indemnizatório em causa. Segundo o artigo 498.º, n.º 1, do CCivil, em sede responsabilidade extracontratual, na parte que aqui releva, «[o] direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos (…)». Nos termos do artigo 306.º, n.º 1, igualmente do CCivil, na parte aqui pertinente, «[o] prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido (…)». O artigo 323.º, n.ºs 1 e 4, também do CCivil, preceitua que «[a] prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente», sendo «equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do ato àquele contra quem o direito pode ser exercido». Por sua vez, o artigo 326.º, n.º 1, ainda do mesmo CCivil, no que tem aqui se tem por relevante, «[a] interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo (…)». Conforme artigos 71.º e 72.º, n.º 1, alínea a), do CPPenal, por força do chamado princípio da adesão, «[o] pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei», designadamente quando «[o] processo penal não tiver conduzido à acusação dentro de oito meses a contar da notícia do crime (…)». No que aqui interessa, da conjugação das apontadas disposições legais decorre que o prazo prescricional do direito indemnizatório fundado em responsabilidade extracontratual interrompe-se com a instauração do processo penal e só começa a correr de novo com a notificação do arquivamento do inquérito. O preceituado no referido artigo 72.º, n.º 1, alínea do CPPenal, conferindo ao lesado a possibilidade de instaurar processo civil decorridos oito meses de pendência do processo crime, constitui uma faculdade daquele, não um ónus do mesmo, termos em que a interrupção em causa não cessa decorridos oito meses da notícia do crime, mas com a notificação do lesado do desfecho do respetivo inquérito. Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.12.2023, processo n.º 858/19.0T8EVR.E1.S1, in www.dgsi.pr/jstj, aquele Venerando Tribunal «tem afirmado, constantemente, que o artigo 323.º, n.ºs 1 e 4, do Código Civil deve articular-se com o artigo 71.º do Código de Processo Penal: O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei». «(…) Ora, articulando o 323.º, n.ºs 1 e 4, do Código Civil com o artigo 71.º do Código de Processo Penal deve considerar-se que o prazo de prescrição se interrompe desde o início12 e durante a pendência13, até ao termo do processo penal». «“(…) [A] contagem do prazo de prescrição do direito de indemnização não se inicia antes de proferido o despacho de acusação / de arquivamento, em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.º 1, do Código Civil”14». No mesmo sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de 22.05.2018, processo n.º 2565/16.6T8PTM.E1.S2, in www.dgsi.pr/jstj, no qual se sumariou o seguinte: «curando da responsabilidade civil conexa com a criminal, o art. 71.º do CPP consagra o princípio da adesão da acção civil à acção penal que, mais do que uma mera interdependência das acções, arrasta o pedido de indemnização civil de perdas e danos para a jurisdição penal». «Não obstante as diversas salvaguardas à obrigatoriedade de o direito à indemnização ser exercido no procedimento penal, plasmadas no art. 72.º do CPP, assiste ao lesado o direito de aguardar o termo do inquérito criminal, com o seu arquivamento ou com a dedução da acusação, se, perante qualquer das situações abarcadas em tais ressalvas, não quiser recorrer, logo, à acção cível em separado». Também no mesmo sentido, mais recentemente, em acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 23.01.2024, processo n.º 1832/22.4T8CSC-A.L1-7, in www.dgsi.pr/jtrl, refere-se que «a instauração de processo penal interrompe o prazo prescricional que se encontre em curso para a dedução do pedido de indemnização cível junto da jurisdição civil, e o novo prazo prescricional não se inicia enquanto o inquérito não for arquivado ou nele for deduzida acusação (…)». «(…) [A] adesão do pedido civil ao processo penal é normalmente obrigatória (normalmente, o sujeito fica obrigado a deduzir o pedido indemnizatório no processo penal) e, excecionalmente, facultativa (excecionalmente, não existe aquela obrigação, podendo o sujeito deduzir o pedido indemnizatório, em separado, nos tribunais cíveis)». «Mas mesmo nas situações excecionais em que o lesado pode deduzir pedido civil em separado, em causa está mera faculdade, entendendo-se que assiste ao lesado o direito de aguardar o desfecho do procedimento criminal (…)». A referida interrupção do prazo prescricional do direito indemnizatório decorre do apontado regime legal, designadamente da consagração legal do princípio da adesão, fundado designadamente em motivos de economia processual e concentração de meios, não tendo, por isso, nada a ver com o invocado «entendimento de que a simples apresentação da queixa-crime já expressa claramente a intenção de exercer o direito à indemnização cível», termos em que a inconstitucionalidade invocada pelos Recorridos carece de qualquer sentido, sendo certo que, de todo o modo, os mesmos limitam-se a invocar normas constitucionais, sem explicitar o sentido que delas têm como violado. Na situação vertente. Apurou-se que: • Os AA./Recorrentes tiveram conhecimento da factualidade em que fundam a responsabilidade civil extracontratual dos RR./Recorridos entre 14 e 16.06.2018, conforme factos provados 17 e 19; • Em 16.06.2018, relativamente a tais factos, apresentaram denúncia pelo crime de furto, o qual deu origem ao inquérito n.º 260/18.0PTPDL, facto provado 19; • Tal inquérito foi arquivado, tendo os AA. sido disso notificados por via postal registada de 24 e 26.02.2020, facto provado 22; • A presente ação deu entrada em juízo no dia 19.05.2023, facto provado 23; • Os AA. foram citados em 23.05.2023, tendo sido enviado ao R. António notificação a que se reporta o artigo 233.º do CPCivil, facto provado 25. É manifesto que entre a notificação do arquivamento do inquérito e a citação dos RR. na presente ação declarativa decorreram mais de três anos, conforme prescrito no referido artigo 498.º, n.º 1, do CCivil. Contudo, o direito indemnizatório reclamado pelos AA./Recorrentes nesta ação não se encontra prescrito em razão das denominada Leis COVID-19 que suspenderam o prazo de prescrição em causa entre 09.03 e 02.06.2020 e entre 22.01 e 05.04.2021, conforme designadamente artigos 7.º, n.º 3, e 10.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, 6.º da Lei n.º 16/2020, de 29.05, 6-B, n.ºs 1 a 4, e 4.º da Lei n.º 4-B/2021, de 01.02, 5.º, 6.º e 7.º da Lei n.º 13-B/2021, de 05.04. Ou seja, uma vez que aquele prazo de suspensão é superior ao prazo que decorre entre os três anos da notificação do arquivamento do inquérito e a citação dos RR. na presente ação declarativa, o direito indemnizatório dos AA. não está prescrito. Diversamente do entendimento do Tribunal recorrido e dos RR./Recorridos, não vislumbramos que a propositura da presente ação constitua uma «fraude à lei» ou «uma grave violação da boa fé e dos bons costumes». Tais entendimentos partem do pressuposto que os aqui Recorrentes apresentaram queixa-crime bem sabendo da insubsistência desta, num propósito de ganhar tempo para a propositura da ação cível. Ora tal não ficou demonstrado. Conforme factos provados 18. e 19., o que se provou é que à data da queixa-crime os AA. conheciam a versão de EE quanto aos factos em causa, não que estivessem convencidos dela. 2. Da responsabilidade civil extracontratual dos RR. Nos termos do artigo 483.º, n.º 1, do CCivil, «[a]quele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação». A responsabilidade civil por facto ilícito pressupõe, assim, a ocorrência de um facto voluntário, ilícito, culposo e danoso da parte de uma pessoa. Explicitando, em termos muito sintéticos. O facto é voluntário na medida em que seja dominável pela vontade humana e, pois, imputável a uma pessoa, por ação ou omissão desta. A ilicitude constitui um juízo de desvalor do facto assente basicamente na violação de direitos subjetivos alheios ou na violação de norma destinada à proteção de interesses de terceiro. A culpa exprime um juízo de censura relativamente ao agente em termos tais que se conclua que o mesmo podia e devia ter atuado de forma diversa, sendo que tal imputação pode ser efetuada a título doloso ou negligente. O dano exprime a supressão de uma vantagem tutelada pelo direito, podendo a mesma ter natureza patrimonial ou não patrimonial Finalmente, a responsabilidade civil por facto ilícito pressupõe ainda a existência de um nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano: este deve constituir uma consequência do facto. Em suma, como refere Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume I, edição de 2018, página 283, «[o] art. 483º vem estabelecer uma cláusula geral de responsabilidade civil subjectiva, fazendo depender a constituição da obrigação de indemnização da existência de uma conduta do agente (facto voluntário), a qual represente a violação de um dever imposto pela ordem jurídica (ilicitude), sendo o agente censurável (culpa), a qual tenha provocado danos (dano), que sejam consequência dessa conduta (nexo de causalidade entre o facto e o dano». No caso em apreço. Ficou demonstrado que: • O A. AA é dono da moradia n.º 5, facto provado 1.; • Até 2018, os AA. guardavam naquela moradia vários pertences seus, factos provados 2., 8., 10., 11., 45., 48, 51. e 52; • Antes de 14.06.2018, a mando dos RR., a porta da moradia n.º 5 foi arrombada e daí retirados todos os pertences dos AA. e depositados na lixeira, factos provados 3. a 11., 17. e 43. a 45.; • Os RR. assim procederam convencidos de que a moradia n.º 5 lhes pertencia, factos provados 18., 27. a 33., 42. e 43. e 46; • Os pertences da A. Securmédica removidos da moradia n.º 5 não revestiam valor económico, factos provados 10., 44., 45., 48., 51. e 52.; • Na moradia n.º 5, além de outros pertences sem valor, o A. AA detinha bens que foram removidos por atuação dos RR., a saber, - Diplomas académicos e certificados de formação, sendo que o seu diploma de licenciatura em medicina encontrava-se assinado pelos seus pais, o que o mesmo valorizava imenso, como fonte de felicidade, orgulho e memória dos seus pais, há muito falecidos; - Mil e quinhentos dólares dos EUA, - Uma coleção de moedas antigas e de canetas, designadamente uma em ouro, - Um esfigmomanómetro de pé com rodas antigo, - Fotografias de família e respetivos negativos, referentes a registos de aniversário, festas de Natal, viagens de família, momentos do quotidiano do A. AA e sua família, em particular do seu filho, entretanto, falecido, Sendo que a destruição de tais bens causou e causa ao A. AA um profundo pesar, um sentimento de perda incomensurável, que o transformou, tendo o seu humor se alterado profundamente desde que constatou o desaparecimento de tais bens, passando a estar mais introvertido, pesaroso, sem a alegria que habitualmente demonstrava quer na atividade profissional, quer no convívio com familiares e amigos, ficou triste e angustiado com a situação e assolado de um profundo sentimento de injustiça que o perturba no dia-a-dia durante várias semanas, - tudo conforme factos provados 9., 11. a 16., 44., 45., 48. e 51. a 53. Considerando tal factualidade é manifesta a ilicitude e a culpa dos RR./Recorridos: estes invadiram a propriedade do A./Recorrente AA e destruíram objetos deste e da A./Recorrente Securmédica, infringindo assim o disposto no artigo 1305.º do CCivil, de forma absolutamente descuidada, leviana, negligente, sendo-lhes exigível atuação bem diversa, que acautelasse o direito de propriedade dos AA., o que podiam e deviam ter realizado, não invadindo propriedade de outrem, nem destruindo bens que não lhes pertenciam. A danosidade da conduta dos RR./Recorridos é também manifesta quanto ao A./Recorrente AA: em razão da conduta dos RR./Recorridos aquele A./Recorrente ficou sem bens que tinham valor económico e afetivo, bem como teve sofrimentos. O A./Recorrente AA sofreu, pois, danos patrimoniais e não patrimoniais, cujo montante se apreciará adiante. O mesmo não se diga quanto à A./Recorrente Sicurmédica. Embora tenham sido subtraídos objetos a esta, os mesmos não tinham valor económico, conforme decorre da factualidade apurada indicada em 10., 45., 48., 51. e 52. Cumprindo à A./Recorrente Securmédica provar os prejuízos que lhe advieram da eliminação de bens, conforme artigo 342.º, n.º 1, do CCivil, os quais computou em €92.841,40 na petição inicial, o certo é que a respetiva factualidade integradora não resultou provada, conforme factos não provados 57. e 59. Nestes termos, por não provado, improcede o pedido indemnizatório deduzido pela A./Recorrente Securmédica. 3. Do montante indemnizatório do A. AA. Conforme já se deixou dito, estão aqui em causa danos patrimoniais e danos não patrimoniais. Quanto aqueles primeiros. Nos termos dos artigos 562.º e 564.º, n.º 1, ambos do Código Civil, «[q]uem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação», sendo que «[o] dever de indemnização compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão». Por outro lado, segundo o artigo 566.º, n.ºs 1 e 3, do mesmo diploma legal, «[a] indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível (…)» e «[s]e não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados». Ou seja, não sendo de todo em todo possível proceder à reparação natural, a indemnização deve ser fixada em dinheiro, segundo critérios de equidade, de razoabilidade em função das circunstâncias concretas apuradas e da justiça relativa, adequada ao caso, quando não se consiga determinar a expressão pecuniária exata do prejuízo sofrido pelo lesado. Ora, na sua petição inicial o A. AA reclama o pagamento de €29.265,00 a título de danos patrimoniais: €14.265,00 quanto a «publicações» removidas e destruídas e €15.000,00 referente ao «demais». Conforme facto provado 53, apurou-se que tais publicações eram «antigas», «obsoletas e sem qualquer valor científico ou utilidade prática em 2018», «estando completamente desatualizadas quer à legislação vigente sobre medicina, segurança e higiene no trabalho, ou em qualquer outro ramo da medicina», termos em que improcede de todo o pedido indemnizatório de €14.265,00 deduzido nessa sede. No «demais», os diplomas académicos e certificados de formação, e as fotografias de família não tem expressão pecuniária, mas valor afetivo, sentimental, pelo que melhor devem ser considerados nos danos morais, nas repercussões apuradas nessa sede. Quanto aos mil e quinhentos dólares dos EUA é possível fixar a respetiva indemnização em dinheiro, conforme conversão daquela moeda em euros. Nesse domínio, da consulta do site do Banco de Portugal, www.bportugal.pt/page/conversor-de-moeda, resulta que a cotação do dólar face ao euro tem variado entre 0,92524 à data da propositura da presente ação, em 19.05.2023, 0,922217 em 19.05.2024, 0,88794 em 19.05.2024 e 0,86550 no início do corrente mês, em 01.11.2025, pelo que aos mil e quinhentos dólares tem correspondido uma quantia variável entre €1.298,25 (1.500 x 0,86550) e €1.387,86 (1.500 x 0,92524). Dado o seu desaparecimento, a coleção de moedas antigas, as canetas, uma das quais em ouro, e o esfigmomanómetro de pé com rodas antigo não é possível avaliar e com base em tal fixar uma indemnização em dinheiro. Sem mais elementos probatórios nessa sede e não se afigurando que possam decorrer novos elementos na matéria e, pois, relegar a liquidação para execução deste acórdão, conforme artigo 609.º, n.º 2, do CPCivil, urge julgar com recurso à equidade, conforme referido artigo 566.º, n.º 3, do CCivil. Procedendo dessa forma, incluindo já os indicados dólares desaparecidos, tem-se por razoável arbitrar em €3.000,00 a indemnização por danos patrimoniais do A. AA. No que respeita aos danos morais. Em causa estão ora prejuízos insuscetíveis de avaliação pecuniária, embora ressarcíveis monetariamente, como forma de compensar o sofrimento que o facto danoso provocou no lesado. Nos termos dos artigos 496.º, n.ºs 1 e 4, e 494.º, ambos do Código Civil, «na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito», sendo que «o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso» «o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso». Conforme refere Gabriela Páris Fernandes, Comentário ao Código Civil, Direitos das Obrigações, Das Obrigações em Geral, edição de 2018, UCE, página 359, em anotação ao artigo 496.º, «a gravidade do dano afere-se, no entendimento da jurisprudência e da doutrina, segundo critérios objetivos – de acordo com um padrão de valorações ético-culturais aceite numa determinada comunidade, num determinado momento histórico, e, tendo em conta o circunstancialismo do caso (…). O recurso a um critério objetivo na apreciação da gravidade do dano justifica-se para negar as pretensões ressarcitórias por meros incómodos, contrariedades ou prejuízos insignificantes, que cabe a cada um suportar na vida em sociedade, evitando-se, deste modo, uma extensão ilimitada da responsabilidade». Ora, com relevância ao caso, recorda-se que por causa da conduta ilícita e culposa dos RR. o A/Recorrente AA - Ficou sem diplomas académicos e certificados de formação, sendo que o diploma de licenciatura em medicina encontrava assinado pelos seus pais, já falecidos, - Ficou igualmente sem fotografias de família e respetivos negativos, referentes a registos de aniversário, festas de Natal, viagens de família, momentos do quotidiano do A. AA e sua família, em particular do seu filho, entretanto, falecido, Sendo que a desaparecimento de tais bens causou e causa ao A. AA um profundo pesar, um sentimento de perda incomensurável, que o transformou, tendo o seu humor se alterado profundamente desde que constatou o desaparecimento de tais bens, passando a estar mais introvertido, pesaroso, sem a alegria que habitualmente demonstrava quer na atividade profissional, quer no convívio com familiares e amigos, ficou triste e angustiado com a situação e assolado de um profundo sentimento de injustiça que o perturba no dia-a-dia durante várias semanas. A gravidade de tais danos morais justifica indubitavelmente a tutela do direito: em causa estão objetos irrecuperáveis, com elevadíssimo valor afetivo e repercussões na pessoa do A./Recorrente AA. Os RR./Recorridos atuaram com negligência inconsciente, embora de uma forma muito descuidada e, por isso, igualmente bastante censurável. Não se encontraram na jurisprudência nacional situações similares ao caso. Na sua petição inicial o A. AA reclama uma indemnização de €15.000.00 a título de danos morais. Tudo ponderado, recorrendo também aqui à equidade, julga-se adequado arbitrar a indemnização de €12.500,00, termos em que os RR./Recorridos devem ser condenados a pagar ao A. AA o montante de €12.500,00 a título de danos não patrimoniais. Uma vez que as indemnizações fixadas a título de danos patrimoniais e não patrimoniais reportam-se à presente data, a ela acrescem juros moratórios à taxa legal anual supletiva de 4%, desde a presente data até integral e efetivo pagamento, conforme artigos 566.º, n.º 2, 805.º, n.º 3, 806.º, n.º 1, e 559.º do CCivil, AUJ n.º 4/2002, DR República, Série I-A, de 27.06.2022, e Portaria n.º 291/2003, de 08.04. * Quanto a custas da ação e recurso. Segundo o disposto nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil e 1.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, o recurso é considerado um «processo autónomo» para efeito de custas processuais, sendo que a decisão que julgue a ação e o recurso «condena em custas a parte que a elas houver dado causa», entendendo-se «que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção que o for». Ora, in casu improcede a pretensão da A./Recorrente Securmédica, que peticionava uma indemnização de €92.851,40, e procede em parte a pretensão do A./Recorrente AA, pois dos €44.265,00 peticionados este Tribunal da Relação de Lisboa reconhece-lhe o direito a uma indemnização de €15.500,00 (€3.000,00 + €12.500,00), decaindo, pois, quanto ao restante €28.765,00 (€44.265,00 - €15.500,00). Feitas as devidas proporções, as custas da ação e do recurso devem ser suportadas pela A./Recorrente Securmédica, pelo A./Recorrente AA e pelos RR./Recorridos nas percentagens de 68% (€92.851,40 de €137.116,40), 21% (€28.765,00 de €137.116,40) e 11% (€15.500,00 de €137.116,40), respetivamente. V. DECISÃO Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o presente recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida e condena-se os RR./Recorridos a pagarem ao A./Recorrente AA a indemnização de €15.500,00 (quinze mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal anual supletiva de 4%, contados sobre aquela quantia, desde a presente data até integral e efetivo pagamento, absolvendo-se no mais os RR./Recorridos do pedido. Custas da ação e do recurso pela A./Recorrente Securmédica, pelo A./Recorrente AA e pelos RR./Recorridos nas percentagens de 68%, 21% e 11%, respetivamente. Lisboa, 20 de novembro de 2025 Paulo Fernandes da Silva António Moreira (1.º Adjunto, em regime de substituição, conforme artigo 661.º, n.º 2, do CPCivil, na redação da Lei n.º 56/2025, de 24.07) João Severino _______________________________________________________ 1. Tal pode envolver, em casos-limite, a totalidade da matéria de facto mas, ainda assim, exige-se a concretização e a motivação das alterações relativamente a cada facto ou conjunto de factos. Mas não legítima a invocação de um generalizado erro de julgamento justificativo da reapreciação global dos meios de prova». 2. Na decisão recorrida refere-se «RR.», o que constitui um manifesto lapso. 3. Na decisão recorrida refere por manifesto lapso «noema». 4. Na decisão recorrida consta «nau», por manifesto lapso de escrita. 5. Acrescentou-se a expressão «um molho de chaves», a qual não constava da decisão recorrida, embora nos pareça fazer sentido nela se incluir, em consonância com o facto provado 4. e com os artigos 13.º e 14.º da petição inicial. 6. A decisão recorrida refere por manifesto lapso «declaram». 7. A decisão recorrida refere por manifesto lapso «de ano». 8. A decisão recorrida refere por manifesto lapso «ele». 9. A decisão recorrida refere por manifesto lapso «RR.». 10. Acrescentou-se a expressão «com aquela atividade» como decorrência lógica do referido em 54 e para dar sentido aos «vários objetos relacionados», conforme, aliás, alegado no artigo 12.º da petição inicial. 11. Eliminou-se a expressão «apontados em 15.» por constituir um lapso de escrita. 12. «4. Vide, por todos, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Maio de 2013 — processo n.º 2024/05.2TBAGD.C1.C1 —, em cujo sumário se escreve: “II — Considerando o princípio da adesão consagrado no artigo 71.º do CPP, a pendência de processo crime representa uma interrupção contínua ou continuada (artigo 323.º, nºs 1 e 4 do CC) do prazo de prescrição contemplado no artigo 498.º, n.º 1 do CC. III - Tal interrupção persiste desde a participação dos factos e perdura até que o lesado seja notificado do despacho final do processo crime, designadamente por arquivamento ou em decorrência de despacho que remete as partes civis para os meios comuns. IV - São interruptivos da prescrição, à luz do artigo 303.º do CC, a constituição de assistente e dedução de acusação ou a dedução de pedido cível em processo crime”». 13. «Vide, por todos, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Janeiro de 2007 — processo n.º 06A4620 —, em cujo sumário se escreve: “A pendência do processo-crime interrompe o prazo de prescrição do nº 1 do artigo 498º CC, quer para o lesante quer para os responsáveis civis pela reparação dos danos, interrupção que só cessará quando o mesmo terminar por arquivamento”». 14. «Vide, p. ex., o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Janeiro de 2007 — processo n.º 06A4620». |