Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | FÁTIMA REIS SILVA | ||
| Descritores: | CONTRATO DE ARRENDAMENTO FALTA DE PAGAMENTO DE RENDA ÓNUS DA PROVA CONFISSÃO FORÇA PROBATÓRIA TERCEIRO MASSA INSOLVENTE | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 11/11/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | Sumário[1] 1 - É inadmissível a utilização do disposto no art. 590º nº4 do CPC para induzir a parte a suscitar uma nova (ou distinta) causa de pedir ou uma nova ou diferente exceção. 2 – A força probatória plena prevista no art. 376º nº2 do CC apenas vale nas relações entre declarante e declaratário, mas não no confronto de terceiros. 3 – A massa insolvente é terceiro em relação a contrato celebrado pelo devedor antes da declaração de insolvência, não estado vinculada por declaração de quitação emitida pelo insolvente. [1] Da responsabilidade da relatora – art. 663º nº7 do CPC. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam as Juízas da Secção de Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa 1. Relatório Massa insolvente de Vetesa Sul – Nutrição Animal, SA, intentou, em 30/06/2023, a presente ação declarativa de processo comum contra IGI – Indústria de Gessos Ibéricos, Lda, pedindo seja: a) Declarada a caducidade do contrato de arrendamento do prédio registado na Conservatória do Registo Predial da Azambuja sob o n.º 129 e artigo matricial 466 e cancelado o respetivo registo; b) Ordenada a tomada de posse da Massa Insolvente; c) A Ré, caso não comprove a liquidação do montante das rendas, ser aqui condenada a pagar o montante de 120.000,00€, acrescido do montante de 9.500,00 € (nove mil e quinhentos euros), bem como, das rendas vencidas e as que se vierem a vencer na pendência da ação, até entrega efetiva do locado, a liquidar em sede de execução de sentença; Subsidiariamente: d) Declarada a resolução do contrato de arrendamento do prédio registado na Conservatória do Registo Predial da Azambuja sob o n.º 129 e artigo matricial 466 e cancelado o respetivo registo; e) Declarada a cessação da situação jurídica do locado aqui em apreço, em virtude da resolução do contrato com fundamento em mora no pagamento de rendas largamente superior a três meses; f) A Ré Condenada a desocupar do imóvel locado, devendo entregá-lo à Massa Insolvente, livre de pessoas e bens, imediatamente e nas condições em que o recebeu; g) A Ré, caso não comprove a liquidação do montante das rendas, ser aqui condenada a pagar o montante de 120.000,00€, acrescido do montante de 9.500,00 € (nove mil e quinhentos euros), bem como, das rendas vencidas e as que se vierem a vencer na pendência da ação, até entrega efetiva do locado, a liquidar em sede de execução de sentença; Alegou, em síntese, que a Insolvente deu de arrendamento parcial à Ré (antes denominada Seral – Industria de Gessos, Lda) no dia 1 de Novembro de 2001, com aditamentos subsequentes, 13.600,00m2 do prédio registado na Conservatória do Registo Predial de Azambuja sob o n.º 129 e artigo matricial 466, com data de termo em 31 de outubro de 2021, e com uma renda mensal de 500,00€, renda que alegadamente, estaria já liquidada, renovável por iguais períodos de 20 anos. O Sr. Administrador da Insolvência interpelou a R. para comprovar o pagamento das rendas e procedeu à oposição à renovação do contrato de arrendamento requerendo a restituição do imóvel, devoluto. A carta veio devolvida e apurou-se que se teria iniciado a respetiva dissolução, o que implica a caducidade do contrato de arrendamento. Caso assim não se entenda tem direito à resolução do contrato dado nenhuma renda ter sido liquidada desde outubro de 2021. Citada a R., contestou, pedindo a sua absolvição de todos os pedidos e a declaração de que o contrato de arrendamento se encontra válido e em vigor. Alegou em síntese não ter sido extinta e desconhecer a oposição à renovação do contrato dado não ter recebido tal comunicação, que não foi endereçada para a sua sede. Procedeu ao depósito de 42 rendas mensais no montante de € 21.000,00, acrescida da indemnização de 20% prevista no art. 1041º do Código Civil, num total de € 25.500,00. Mais alega que o administrador da insolvência sempre reconheceu a validade do contrato de arrendamento. A A. veio responder à contestação invocando o disposto no art. 3º nº3 do CPC. Em 01/05/2025 foi proferida a seguinte sentença: “Deste modo, julgo a ação procedente e em consequência: - Declaro a resolução do contrato de arrendamento do prédio registado na Conservatória do Registo Predial da Azambuja sob o n.º 129 e artigo matricial 466 e o cancelamento do respetivo registo; - Em consequência, deve a Ré desocupar o imóvel locado, devendo entregá-lo à Massa Insolvente, livre de pessoas e bens, imediatamente e nas condições em que o recebeu; - Condeno a Ré a pagar o montante de rendas de 120.000,00€ (rendas até outubro de 2021) acrescido do montante de 9.500,00 € (rendas desde outubro de 2021), bem como das demais rendas vencidas e vincendas até entrega efetiva do locado, descontando-se o montante depositado a título de rendas e indemnização. Custas pela Ré, atento o decaimento integral. Registe e notifique.” Inconformada apelou a R., pedindo a revogação da sentença proferida e a sua substituição por outra que julgue o contrato de arrendamento existente, não resolvido, por inexistirem até à presente data, rendas em mora, e válido até ao dia 31 de outubro de 2046, dada a ausência de válida oposição à sua renovação. apresentando as seguintes conclusões: “I - Emerge o presente recurso essencialmente da discordância do recorrente no que à matéria de facto dada como provada diz respeito, dado que, perante a prova documental constante dos autos, deverão ser aditados outros factos à referida matéria dada como provada, e da discordância quanto à consequente aplicação do direito, pois perante a matéria de facto que deveria ter sido dada como provada, impunha-se decisão de direito diversa. II - Caso o Tribunal a quo tivesse feito uma correta valoração da prova documental constante dos autos, não poderia deixar de dar como provado o pagamento das rendas vencidas desde o dia 1 de Novembro de 2001, até ao dia 31 de Outubro de 2021, nem considerar validamente cessado o contrato de arrendamento, no termo do seu prazo, dada a sua renovação. III – Da prova documental junta aos autos (anúncios de venda do locado e aditamento ao contrato de arrendamento), resulta de forma direta e inquestionável, que as rendas se encontravam pagas até ao dia 31de Outubro de 2021, e que o contrato de arrendamento vigente, tem o seu termo a 31 de outubro de 2046. IV - O contrato de arrendamento e seus aditamentos, bem como o seu conteúdo, foram dados como provados, sem qualquer reserva (Ponto 3. Da matéria de facto dada como provada). V – A Autora confessou a referida factualidade, nos anúncios publicados e na sua PI. VI – A Ré invocou a referida confissão, e consequente pagamento das rendas vencidas até ao dia 31 de Outubro de 2021. VII – A Ré não recebeu a comunicação que lhe foi endereçada pela Autora, comunicando-lhe a posição à renovação do contrato de arrendamento, por exclusiva responsabilidade da Autora, que a dirigiu para morada errada. VIII - Consequentemente, deverá ser aditada à matéria de facto dada como provada, a seguinte factualidade: “13. O imóvel locado à Ré encontra-se com as rendas pagas, até ao dia 31 de Outubro de 2021; “14. O Contrato de arrendamento celebrado com a Ré, vigora até ao dia 31 de Outubro de 2046, por a Ré não ter sido notificada da oposição à sua renovação automática.” IX - Ainda que não fosse de concluir pela prova da referida matéria de facto, sempre a referida matéria seria matéria controvertida. X - Sendo matéria controvertida, não poderia a Sentença a quo, sem mais, dar a referida matéria de facto como não provada, sem antes permitir a produção de prova em sede de julgamento. XI - Ao decidir de forma diferente, a Sentença a quo, fez uma incorreta valoração da prova documental, uma incorreta valoração dos factos alegados na PI pela Autora (confissão), e dos alegados pela Ré na sua Contestação. XII - Ainda que assim não fosse, a sentença a quo fez uma incorreta aplicação das normas constantes dos nº 2 alínea b), nº 3 e nº 4 do artigo 590º, e alínea b) do nº 1 do artigo 595º, ambos do Código Processo Civil, ao não ter convidado a Ré a suprir aperfeiçoar o seu articulado, caso entendesse que o pagamento das rendas não estava suficientemente concretizado, e ao ter proferido de imediato despacho saneador, julgando do mérito da causa, sem a produção de qualquer prova adicional. XIII – Do aditamento ao contrato de arrendamento e dos anúncios de venda do locado, consta expressamente que as rendas se encontram pagas até dia 31 de outubro de 2021. XIV - O senhor Administrador Judicial, não se limitou a referir a existência de um contrato de arrendamento, declarou, de forma a informar os interessados, que o mesmo é válido até 31 de Outubro de 2046, e que as rendas devidas até 31 de Outubro de 2021, estão pagas! XV - Conjugando a matéria de facto dada como provada que deverá ser aditada, com a restante matéria de facto dada como provada, nomeadamente no ponto 12., e com os pagamentos efetuados pela Ré após a apresentação da sua contestação (Docs. 1 a 3), é forçoso concluir que não existem atualmente rendas em mora, dado que após a apresentação da sua contestação, a Ré, tem pago escrupulosamente as rendas por si devidas. XVI - Não existindo rendas em mora, não podia a Sentença a quo ter considerado resolvido o contrato de arrendamento, por falta de pagamento de rendas. XVII - Ao decidir de forma diversa, a Sentença a quo fez uma errada aplicação do direito, aos factos quer deverão considerar-se provados. XVIII - O Contrato de arrendamento ao abrigo do qual a Ré ocupa o locado, vigora até ao dia 31 de Outubro de 2046, por a Ré não ter sido notificada da oposição à sua renovação automática, conforme resulta de forma direta e inquestionável dos anúncios de venda do locado, e do facto de a Ré não ter rececionado qualquer comunicação da Autora, opondo-se à sua renovação automática. XIX - Está dado como provado (Pontos 8. E 9. da matéria de facto) que “A carta com a comunicação de oposição à renovação não foi recebida e veio devolvida com indicação dos CTT de encerramento, e que a mesma foi endereçada para morada que não corresponde à sede da Ré. XX – É da exclusiva responsabilidade da Autora, a Ré não ter recebido a comunicação que aquela lhe pretendia endereçar. XXI - Os CTT não referiram que a morada era desconhecida ou insuficiente, porque não era esse o caso, a morada correspondente ao código postal indicado pelo Senhor Administrador Judicial, representante da Autora, não era nem insuficiente, nem desconhecida, apenas se encontrava encerrada, mas essa não era a morada da Ré, nem a morada correspondente à sua sede. XXII - A sede da Ré nunca esteve encerrada, nem tal matéria de facto resulta como provada. XXIII - Não tendo a referida comunicação sido recebida pela Ré, por exclusiva responsabilidade da Autora, não pode a mesma ser suscetível de produzir os efeitos pretendidos pela Autora. XXIV - A decidir de forma diversa, a Sentença a quo, fez uma incorreta interpretação dos factos dados como provados, e aplicou o direito em contradição com os factos dados como provados. XXV - Não tendo a Ré sido notificada, pela Autora, da não renovação automática do contrato de arrendamento, por facto imputável à Autora, o mesmo renovou-se por igual período, até ao dia 31 do mês de Outubro de 2046, conforme a própria Autora reconheceu e anunciou, nos anúncios por si publicados.” A A. Massa insolvente., contra-alegou, pedindo a manutenção da decisão recorrida, formulando as seguintes conclusões: A. A sociedade VETESA SUL – NUTRIÇÃO ANIMAL foi declarada Insolvente no dia 8/07/2013, no âmbito do processo que corre termos no Tribunal Judicial do Cartaxo, 2.º Juízo de Cartaxo, sob o n.º 1724/12.5TBCTX. B. No âmbito do referido processo, todo o património da sociedade comercial VETESA foi apreendido, passando a integrar a Massa Insolvente. C. Nomeadamente o prédio alegadamente dado de arrendamento parcial à Recorrente, no dia 1 de Novembro de 2001, com data de términus em 31 de outubro de 2021, e com uma renda mensal de 500,00 €. D. O referido contrato previa a sua renovação por iguais períodos de 20 anos salvo ocorrendo oposição à renovação, sendo que por adenda, as partes acordaram alargar o prazo do contrato para 25 anos. E. Ora, analisada a contabilidade da Insolvente entendeu o Senhor Administrador que não estava comprovado o pagamento da totalidade das rendas até Outubro de 2021 (no montante de 120.000,00 €), nem as que a seguir a essa data se venceram. F. Sendo totalmente evidente que o referido contrato nos termos e condições em que foi elaborado serviria apenas para afastar potenciais interessados na compra do imóvel, uma vez que o contrato se manteria válido até 2046. G. Face ao exposto, interpelou o Sr. Administrador a Ré para apresentar o comprovativo do pagamento das rendas e veio expressamente proceder à Oposição à renovação do contrato de arrendamento em causa, com términus a 31 de Outubro de 2021. H. A Comunicação dirigida à Recorrida veio devolvida com indicação de que a empresa se encontra encerrada. I. Todavia, não havendo nenhuma renda liquidada assiste à recorrida, o direito à resolução do contrato, ao abrigo dos Art.ºs 1083º, n.º 1 e 3 do C.Civil. J. A Recorrente por seu turno veio então invocar que se mantem em funcionamento e confessa que está em mora no pagamento das rendas apenas a partir de Outubro de 2021, tendo assim lançado mão da faculdade prevista o nº 1 do artigo 1048º do Código Civil. K. Em conformidade, a Recorrente procedeu ao depósito de 42 rendas mensais no montante de € 21.000,00, acrescida da indemnização de 20% prevista no nº 1 do artigo 1041º do Código Civil, tudo num total de € 25.200,00. L. Quanto ao pagamento da totalidade das rendas até Outubro de 2021 (no montante de 120.000,00 €) nenhuma prova fez da referida liquidação. M. Uma vez que a Recorrida peticionou o pagamento dos € 120.000,00 respeitante à totalidade das rendas desde o início do contrato de arrendamento até outubro de 2021, (art. 8.º da petição) bem como, N. O pagamento de € 9.500,00 respeitante às rendas devidas desde outubro de 2021 (artigo 16.º da petição), O. O pagamento operado pela Recorrente foi insuficiente para colocar termo à mora, não tendo feito qualquer prova de pagamentos anteriores! P. Nestes termos andou bem o douto Tribunal a quo quando decidiu que “Atentas as regras sobre ónus de alegação e prova, a alegação e prova do facto relativo ao pagamento de rendas, enquanto exceção perentória, facto que extingue o direito que o A. pretende invocar, incumbe ao Réu (art. 342.º, n.º 2, do Código Civil e art. 571.º, n.º 2, do Código de Processo Civil). Incumbia à Ré a alegação de que as rendas foram integralmente pagas e junção dos comprovativos de pagamento, como aliás aludido na alínea c) do pedido formulado na petição, “…caso não comprove a liquidação do montante das rendas…”. Q. Nestes termos o pagamento que a Recorrida fez na pendência destes autos, confessando-se devedora, não foi suficiente para por fim à Mora pois conforme a Massa Insolvente alegou expressamente, não foi localizado na contabilidade da Insolvente qualquer registo do pagamento de rendas realizado anteriormente à data da declaração de insolvência. R. Comprovativos de Pagamento que facilmente a Requerida poderia vir, se de boa fé estivesse, juntar aos autos. S. Tais elementos prontamente demonstrariam que estava em cumprimento à data da Insolvência e portanto que nenhuma mora existe que legitime a resolução do contrato. T. Sucede, que a Requerida nunca o fez, precisamente porque o referido contrato nos termos e condições em que foi elaborado serviu apenas para onerar o imóvel, uma vez que este contrato se manteria válido até 2046. U. Com o devido respeito não é da responsabilidade do douto Tribunal vir solicitar aperfeiçoamento à contestação da Recorrente para que ela faça prova do pagamento, conforme a mesma invoca nas suas alegações de recurso. V. Assim, o poder dever de convite ao aperfeiçoamento existe, mas não afasta o ónus que cabe às partes de alegar os factos essenciais que integram a causa de pedir e daqueles em que se baseiem as exceções invocadas, e que a falta dessa alegação ou prova pode comportar consequências irreparáveis. W. Nestes termos andou bem o douto Tribunal quando julgou declarada a resolução do contrato de arrendamento e em consequência, a desocupação do imóvel locado, devendo entregá-lo à Massa Insolvente, livre de pessoas e bens, imediatamente e nas condições em que o recebeu, condenando ainda a Recorrente a pagar o montante de rendas de 120.000,00€ (rendas até outubro de 2021) acrescido do montante de 9.500,00 € (rendas desde outubro de 2021), bem como das demais. X. Ademais, considerou a cessação do contrato no termo do prazo válida e eficaz com a remessa da carta de oposição à renovação pelo Administrador da Insolvência para a sede da Ré, pois conforme se demonstrou a Recorrente não rececionou a comunicação por se encontrar encerrada, conforme foi atestado pelos serviços postais, pelo que o facto de a carta não ter sido recebida não poderá ser imputável à Recorrida. Y. Vem então a Recorrente em sede de alegações de recurso invocar que discorda da douta sentença alegando que deverão ser aditados outros factos à referida matéria dada como provada, e da discordância quanto à aplicação do direito. Z. O primeiro facto a aditar seria “13. O imóvel locado à Ré encontra-se com as rendas pagas, até ao dia 31 de Outubro de 2021;” AA. Em primeiro lugar é totalmente falso que tenha sido a própria Autora/Recorrida a confessar o pagamento das rendas vencidas até ao dia 31 de Outubro de 2021. BB. Vide os Artigos 8.º da PI “Nestes termos, entendeu o Senhor Administrador que além de não estar devidamente comprovado o pagamento da totalidade das rendas até Outubro de 2021 (no montante de 120.000,00 €), o referido contrato nos termos e condições em que foi elaborado serviria apenas para afastar potenciais interessados na compra do imóvel, uma vez que o contrato se manteria válido até 2046 (conforme estabelecido na alínea e) do aditamento vide DOC 4 de 8/04/2006). CC. Face ao exposto, interpelou o Sr. Administrador a Ré para apresentar o comprovativo do pagamento das rendas até ao términus do contrato. DD. Bem como, peticionou que caso a Recorrente não comprove a liquidação do montante das rendas, seja condenada a pagar o montante de 120.000,00€, acrescido do montante de 9.500,00 € (nove mil e quinhentos euros), bem como, das rendas vencidas e as que se vierem a vencer na pendência da ação, até entrega efetiva do locado, a liquidar em sede de execução de sentença; EE. Nestes termos a Autora Recorrida sempre alegou e peticiou o pagamento das rendas desde o início do contrato, nunca tendo alegado em momento algum que apenas estavam em mora a rendas a parir de 31 de Outubro de 2021. FF. Mais se diga que é falso que o Senhor Administrador sempre reconheceu a validade do contrato de arrendamento com os efeitos pretendidos pela Requerida. GG. Na realidade, o Senhor Administrador da insolvência tomou as diligências judicialmente necessárias com vista ao cancelamento do ónus registado na ficha predial do imóvel, sem o qual é impossível á Massa Insolvente transmitir o imóvel livre de ónus e encargos, HH. Encargo que apesar de registado, nunca foi demonstrada a sua correspondência com a realidade. II. Ademais alega a Recorrente que a Massa Insolvente ao publicitar a venda do imóvel assumiu o contrato de arrendamento e as rendas liquidadas, ora, conforme veio o douto Tribunal a considerar tal menção era essencial para informar os interessados sobre a situação do prédio, que se encontra onerado, e não tem qualquer relação com o pagamento ou falta de pagamento das rendas. JJ. Quanto ao segundo facto a aditar: “14. O Contrato de arrendamento celebrado com a Ré, vigora até ao dia 31 de Outubro de 2046, por a Ré não ter sido notificada da oposição à sua renovação automática.” KK. A Recorrente pretende vir transparecer que continuou a laborar em pleno e que a sua sede permaneceu aberta e em plena atividade, o que não é verdade! LL. Basta atender a que nem o douto Tribunal conseguiu citar a Recorrente na referida sede, tendo de a citar na pessoa do Mandatário. MM. Ademais, após apreensão do imóvel para a Massa Insolvente ocorreram inúmeras deslocações da encarregada de venda, existindo no local evidentes sinais de abandono, nunca se tendo logrado encontrar ninguém no seu interior. NN. Assim também os serviços postais certificaram o encerramento das instalações da Requerida. OO. Reiterasse que caso existisse alguma divergência referente à morada indicada (nomeadamente a troca de um dígito no código postal), a certificação teria de ser outra, nomeadamente: “desconhecido”, “endereço insuficiente”, ou “não existe”. PP. Uma vez mais o ónus da prova cabia à Recorrente que nenhum documento juntou a comprovar que a sua atividade se mantém ativa no referido imóvel, juntando prova documental, nomeadamente, de contratos de prestação de serviços naquele local. QQ. Nestes termos, é totalmente falacioso vir alegar que nenhuma comunicação foi recebida por erro na morada, quando de facto a requerida já se encontrava encerrada e sem possibilidade de receber correspondência na sua sede. RR. Nestes termos andou bem o douto Tribunal a Quo quando decidiu que: “De qualquer modo, sempre se diga que a cessação do contrato no termo do prazo, sem renovação, se tem de considerar válida e eficaz com a remessa da carta de oposição à renovação pelo Administrador da Insolvência para a sede da Ré, pois um mero lapso de um dígito no código postal não determinou extravio da missiva. Daí que os CTT não tenham feito menção a “endereço desconhecido ou insuficiente”, mas a encerramento do estabelecimento. O facto de a carta não ter sido recebida não é imputável ao remetente e não tem efeitos jurídicos, pois a cessação produz efeitos pelo mero envio da carta para a morada da sede.” SS. Face ao exposto deverá manter-se considerar válida e eficaz a oposição á renovação automática do contrato de arrendamento, não permitindo assim que o mesmo vigore até ao dia 31 do mês de Outubro de 2046. TT. Por tudo o exposto, e sem necessidade de mais amplas considerações, deverá o presente recurso ser igualmente julgado improcedente e, consequentemente, confirmar-se a decisão proferida pelo douto Tribunal a Quo cuja sentença fez um julgamento exímio da matéria de facto provada e da aplicação das normas legais tendo as mesmas sido estritamente obedecidas e devidamente aplicadas, não apresentando o presente recurso qualquer fundamento legal.” * O recurso foi admitido por despacho de 11/07/2025 (ref.ª 165855089). Foram colhidos os vistos. Cumpre apreciar. * 2. Objeto do recurso Como resulta do disposto nos arts. 608º, n.º 2, aplicável ex vi art. 663º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4, 639.º n.ºs 1 a 3 e 641.º n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio e daquelas cuja solução fique prejudicada pela solução dada a outras, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso. Frisa-se, porém, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5º, nº3 do mesmo diploma. Consideradas as conclusões acima transcritas são as seguintes as questões a decidir: - ampliação da matéria de facto; - resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas; - oposição à renovação do contrato de arrendamento. * 3. Fundamentos de facto Foram os seguintes os factos considerados na decisão recorrida: “1. A Vetesa Sul – Nutrição Animal, SA foi declarada insolvente em 8/7/2013 e a insolvência publicitada através de anúncio e edital datados de 9/7/2013 (cfr. atos do processo principal). 2. No âmbito do referido processo, foi apreendido para a massa insolvente o prédio registado na Conservatória do Registo Predial da Azambuja sob o n.º 129 e artigo matricial 466. 3. A Insolvente havia dado de “arrendamento” parcial à Ré (antes denominada SERAL – INDUSTRIA DE GESSOS, LDA.) no dia 1 de Novembro de 2001, com aditamentos subsequentes, 13.600,00m2 do prédio registado na Conservatória do Registo Predial de Azambuja sob o n.º 129 e artigo matricial 466, com data de términus em 31 de outubro de 2021, e com uma renda mensal de 500,00€. 4. Arrendamento que inclusivamente se encontra registado por AP. 2 de 2002/01/17. 5. O referido contrato previa a sua renovação por iguais períodos de 20 anos salvo ocorrendo oposição à renovação. 6. Não sendo o contrato cessado, este manter-se-ia válido até 2046, conforme estabelecido na alínea e) do aditamento de 8/04/2006. 7. Por carta remetida à Ré, o Administrador da Insolvência solicitou a esta a apresentação de comprovativo do pagamento das rendas até ao término do contrato e comunicou proceder à oposição à renovação do contrato de arrendamento em causa, com término a 31 de outubro de 2021, requerendo a restituição do imóvel devoluto de pessoas e bens. 8. A carta com a comunicação acima referida não foi recebida e veio devolvida com indicação dos CTT de encerramento. 9. A missiva referida no ponto anterior foi remetida para a morada da sede, mas menção ao código postal “2050-534 Vila Nova da Rainha” em vez de “2050-524 Vila Nova da Rainha”. 10. Teve início processo de dissolução administrativa da Ré, mas não houve registo do encerramento da liquidação (cfr. certidão permanente). 11. Os anúncios de venda do imóvel publicados pelo Administrador mencionavam o contrato de arrendamento acima referido. 12. A Ré procedeu ao depósito de €21.000 e indemnização de 20%, num total de €25.200, para fazer cessar a mora.” * 4. Fundamentos do recurso 4.1. Ampliação da matéria de facto provada A recorrente pretende sejam aditados à matéria de facto provada – que não impugna – os seguintes pontos: “13. O imóvel locado à Ré encontra-se com as rendas pagas, até ao dia 31 de Outubro de 2021; “14. O Contrato de arrendamento celebrado com a Ré, vigora até ao dia 31 de Outubro de 2046, por a Ré não ter sido notificada da oposição à sua renovação automática.” Alega que, quanto ao pagamento das rendas até outubro de 2021, tal resulta dos anúncios de venda – juntos com a contestação - e do alegado pela A., no art. 16º da petição inicial, onde se alega estarem em mora apenas as rendas vencidas desde outubro de 2021. O pagamento resulta do aditamento ao contrato de arrendamento celebrado em 08/04/2006, documento junto pela A. com a petição inicial e dado como provado, onde consta “d) a segunda outorgante liquidou as rendas da totalidade do contrato, a que a primeira outorgante dá plena quitação”. Ainda que assim se não entenda, atento o teor do art. 15º da contestação, sempre deve considera-se que tal matéria seria controvertida e não ser simplesmente dada como não provada. Mais alega que, se assim não se entendesse, sempre deveria o tribunal ter convidado a R. a aperfeiçoar o seu articulado de contestação, tendo sido feita uma incorreta aplicação dos nº 2 alínea b), nº 3 e nº 4 do artigo 590º, e alínea b) do nº 1 do artigo 595º, ambos do CPC. No tocante à vigência do contrato até outubro de 2046, invoca novamente o texto dos anúncios de venda do locado conjugados com o facto dado como provado nos pontos 8 e 9 da matéria de facto provada, entendendo que não se pode considerar que tenha sido notificada da oposição à renovação. A A., nas suas contra-alegações aponta que alegou, no art. 8º da PI, o não pagamento as rendas anteriores a outubro de 2021, tendo, em consequência, pedido a condenação da R. no pagamento das rendas vencidas desde o início do contrato. Os anúncios tinham que conter a menção a um ónus registado, o arrendamento, sem qualquer relação com o pagamento de rendas. Alega que a sede da R. tinha evidentes sinais de abandono e que cabia à R. a prova de que tinha atividade. Apreciando: O pedido de ampliação da matéria de facto provada analisa-se numa impugnação da matéria de facto, dado que implica a alegação de que factos relevantes deveriam ter sido dados como provados (ou não provados), sem que o tribunal se tenha sobre eles pronunciado. Nos termos do disposto no nº1 do art. 640º do CPC, quando seja impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Nos termos do nº2, al. a), do referido preceito legal, no caso previsto na alínea b), deve também o recorrente, quando os meios probatórios tenham sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de transcrição dos excertos considerados importantes, sob pena de imediata rejeição. Nos termos da alínea b) do mesmo nº2, cabe ao recorrido desenvolver a mesma indicação em sentido inverso, ou seja, indicar as concretas passagens que infirmam as conclusões do recorrente, e querendo proceder à sua transcrição, sem prejuízo, porém, dos poderes de investigação oficiosa do tribunal. Como refere Abrantes Geraldes[1] a verificação das exigências previstas neste preceito deve ser feita à luz de um critério de rigor, já que decorre do princípio da autorresponsabilidade das partes e apenas assim se impede que este tipo de impugnação resvale no mero inconformismo. Importa, porém, não exponenciar os requisitos formais em violação do princípio da proporcionalidade, denegando a reapreciação da matéria de facto “…com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador.” É, pois, um exercício de equilíbrio que se pede, sendo necessário rigor ancorado no texto da lei, mas sem excessivo formalismo, garantindo o efetivo conhecimento em impugnação de matéria de facto, sempre que as partes cumpram, efetivamente o seu ónus. Tal como se refere no Ac. STJ de 17/12/19[2] é “…orientação consolidada da jurisprudência deste Supremo Tribunal no sentido da atenuação do excessivo formalismo no cumprimento dos ónus do art. 640º do CPC, designadamente em todos aqueles casos em que o teor do recurso de apelação se mostre funcionalmente apto à cabal identificação da impugnação da matéria de facto e ao respectivo conhecimento sem esforço excessivo. Cfr., a este respeito, entre muitos, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 08-02-2018 (proc. n.º 8440/14.1T8PRT.P1.S1), de 15-02-2018 (proc. n.º 134116/13.2YIPRT.E1.S1), consultáveis em www.dsgi.pt, e os acórdãos de 17-04-2018 (proc. n.º 1676/10.6TBSTR.E2.S1) e de 24-04-2018 (proc. n.º 3438/13.0TBPRD.P1.S1), cujos sumários se encontram disponíveis em www.stj.pt.” Recorde-se que, relativamente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o art. 640º já citado, tem como solução para o seu incumprimento (diversamente da previsão do art. 639º nº3) a rejeição do recurso, total ou parcialmente, não existindo possibilidade de despacho de aperfeiçoamento - cfr. arts. 635º nº4, 640º nº2, al. a) e 641º nº1, al. b), ambos do CPC. Analisando a alegação da recorrente à luz das exigências do artigo 640º do CPC e mantendo presente que a menção à impugnação da matéria de facto e a identificação dos concretos pontos de facto erradamente julgados devem constar das conclusões [cfr. 635º nº4, 641º, nº2, al. b) e 640º nº1, al. a), todos do CPC] e que a especificação dos meios probatórios, a indicação das passagens da gravação e a posição expressa sobre o resultado pretendido devem constar da motivação[3], constatamos que: - a recorrente identifica como erradamente julgados, os factos que entende provados e não constam da matéria de facto provada; - indica, na motivação e nas conclusões, qual a decisão que no seu entender deve ser proferida, ou seja, que factos devem ser dados como provados; - indica, na motivação e nas conclusões, os concretos meios probatórios que impunham diversa decisão – confissão da A., os anúncios de venda e o texto do contrato e seus aditamentos. A recorrente cumpriu, assim, o disposto no art. 640º do CPC, pelo que se passará a apreciar o requerido aditamento da matéria de facto. Analisando a petição inicial, como foi referido na sentença sob recurso, não é possível retirar da mesma qualquer reconhecimento de pagamento das rendas pela R. até outubro de 2021. Nos artigos 5º e 8º da petição inicial a A. refere que alegadamente[4], ou seja, segundo o alegado pela R., a renda mensal devida estaria paga até 31/10/2021, mas que o administrador da insolvência entendeu “não estar devidamente comprovado o pagamento da totalidade das rendas até Outubro de 2021 (no montante de 120.000,00 €). E no art. 9º da petição inicial acrescentou que interpelou a R. para apesentar o comprovativo do pagamento das rendas até ao termo do contrato. No artigo 16 da petição inicial alegou-se que as rendas desde outubro de 2021 não foram pagas, sendo devido o respetivo montante, de € 9.500,00. E na alínea c) do pedido principal fez constar: “A Ré, caso não comprove a liquidação do montante das rendas, ser aqui condenada a pagar o montante de 120.000,00€, acrescido do montante de 9.500,00 € (nove mil e quinhentos euros), bem como, das rendas vencidas e as que se vierem a vencer na pendência da ação, até entrega efetiva do locado, a liquidar em sede de execução de sentença;” Não é possível interpretar esta petição inicial como alegando que os montantes devidos a título de renda até outubro de 2021 tinham sido pagos. Nem face aos arts. 5º e 8º, nem conjugando os mesmos com o pedido formulado. A R. aceitou a matéria de facto constante dos nºs 1 a 7 da petição inicial (art. 3º da contestação), o que inclui o art. 5º, onde, muito claramente, não se invoca o pagamento das rendas por parte da R. – como o demonstra o uso do advérbio “alegadamente”. Este é o único exercício possível – verificação de que factos foram alegados e quais foram aceites pela R., uma vez que, dadas as caraterísticas da presente ação, não é possível a confissão de factos pelo A. na petição inicial. Há ainda que ponderar o teor dos anúncios juntos pela R. na contestação – e que correspondem aos anúncios juntos no apenso de liquidação (requerimento refª 16268453, de 06/02/2025, no apenso F). Foi dado como provado, sem impugnação, que “Os anúncios de venda do imóvel publicados pelo Administrador mencionavam o contrato de arrendamento acima referido.” – facto nº11. E de facto ali consta “arrendamento parcial: de 13.600,00m2 do artigo 466 – c/ início em 01 de novembro de 2001 e términus em 31de outubro de 2046, c/ renda mensal de 500,00€.”, sem qualquer referência a pagamento de rendas. A referência “rendas pagas até 31 de outubro de 2021” – doc. 4 junto com a contestação – não consta dos anúncios, mas sim de um print tirado de sítio da onefix, a leiloeira que tratou do leilão eletrónico e remetido por correio eletrónico por um remetente identificado “A” para um destinatário designado por “B”. Ou seja, não se trata de qualquer afirmação ou descrição que possamos atribuir ao Sr. Administrador da Insolvência para o eventual efeito de se considerar que este aceitou que tais pagamentos estavam efetuados. A cláusula constante do aditamento ao contrato de arrendamento na qual consta a quitação está abrangida pela matéria de facto provada (3 a 6), pelo que terá que ser analisado em sede de fundamentação jurídica e não em atividade de sindicância da matéria de facto provada. Também o demais alegado – que o facto permanece controvertido ou que o tribunal deveria ter convidado a R. a aperfeiçoar o seu articulado, extravasam a impugnação da matéria de facto e devem ser conhecidos na sede própria, ou seja, na apreciação jurídica. Nestes termos, e sem prejuízo da análise da cláusula d) do aditamento de 08/04/2006, em sede de fundamentação jurídica, não procede a pretendida ampliação da matéria de facto quanto ao pagamento das rendas vencidas até 31/10/2025. No tocante à matéria que a recorrente pretende aditar sob o nº14, começaremos por referir que, de forma evidente, a proposta de redação do ponto 14 contém uma formulação conclusiva stricto sensu, que não se poderá manter mesmo que a matéria factual ali contida – o não recebimento da notificação -, se venha a considerar apurada. A validade do contrato até 2046 é uma conclusão jurídica a extrair da matéria de facto provada e não um facto em si, até porque, a ser dado como provado, como pretende a recorrente, resolveria na matéria de facto praticamente uma das questões jurídicas a solucionar. O facto de o contrato ter sido mencionado nos anúncios como tendo termo em 31/10/2046, não torna o contrato vigente até 2046. Para atingirmos essa conclusão teríamos, caso se justifique, que saber se foi validamente exercida a oposição à renovação pela massa insolvente, caso em que o contrato não se renovou, ou se, pelo contrário, tal não sucedeu e o contrato vigorará até 2046. E essa questão, que, na economia do decidido e do recurso interposto, passa pela análise da eficácia da comunicação dirigida pelo Sr. Administrador da Insolvência à R. já devidamente especificada nos pontos 8 e 9 da matéria de facto provada, não é matéria de facto a aditar, mas sim análise, à luz das regras jurídicas aplicáveis, da matéria de facto já dada como provada e não impugnada pela recorrente. A peticionada ampliação da matéria de facto provada é, nestes termos, integralmente improcedente. * 4.2. Fundamentação jurídica 4.2.1. Resolução por falta de pagamento de rendas O contrato de arrendamento de imóvel urbano cuja resolução foi decretada nos presentes autos foi celebrado em 01/11/2001 e aditado em 08/04/2006, isto é, antes da entrada em vigor da Lei nº6/2006 de 27 de fevereiro[5]. O contrato manteve-se em vigor após a entrada em vigor da NRAU, a referida Lei 6/2006 e suas alterações, designadamente a Lei nº 31/2012 de 14/08 e Lei nº 13/2019, de 12 de fevereiro. A sentença recorrida aplicou à análise da questão da resolução do contrato as normas vigentes – arts. 1022º e ss. do CC na sua atual redação – o que se mostra correto face à regra do art. 12º do CC. Efetivamente, no que toca aos fundamentos de resolução, a aplicação da lei no tempo, na inexistência de regra em contrário, determina que os fundamentos resolutivos ocorridos e completados no domínio de vigência da lei anterior continuarão a ser regidos por ela; os fundamentos resolutivos, iniciados durante a vigência da lei anterior e que se prolonguem na vigência da lei nova submetem-se a esta e os factos resolutivos integralmente ocorridos na vigência da lei nova são regidos pela lei nova[6]. No caso o tribunal considerou a falta de pagamento de rendas entre 2001 e 2021, pelo que estamos ante factos resolutivos iniciados no domínio da lei anterior que se prolongaram na vigência da lei nova, sendo esta a aplicável. Cabe agora analisar o argumento também adiantado pela recorrente – deveria este facto (não pagamento) ser considerado controvertido, o que determinaria o prosseguimento dos autos para instrução e julgamento? A resposta a esta questão depende da análise de se a R., na sua contestação alegou o pagamento destas rendas. Há que manter presente a distribuição do ónus de alegação e prova no presente enquadramento, ou seja, numa ação de resolução de arrendamento por falta de pagamento de rendas. Como melhor se sintetizou no Ac. TRL de 30/05/2023 (Luís Filipe Pires de Sousa – 14114/21)[7]: “Numa ação de resolução de contrato de arrendamento com fundamento na falta de pagamento de rendas pelo locatário, compete ao senhorio demonstrar a existência do contrato e alegar o não pagamento, não lhe competindo, contudo, fazer prova desse não pagamento. Conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26.5.2022, Laurinda Gemas, 11093/20: O facto do não pagamento de rendas, também invocado como fundamento de resolução do contrato de arrendamento (cf. art.º 1083.º, n.º 3, do CC), não carece de ser provado pelo autor, senhorio, cabendo, ao invés, à ré arrendatária o ónus de alegar e provar o facto do pagamento ou outra matéria relevante para o caso, como seja a atinente à mora do credor (cf. art.º 342.º do CC). Ou seja, é ao arrendatário que incumbe o ónus da prova do pagamento das rendas - Art.º 342º, nº2 do Código Civil; cf. Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 7.5.98, Abrantes Mendes, BMJ nº 477, p. 584; Ac. da Relação de Coimbra de 26.10.2006, Gaito das Neves, acessível em www.dgsi.jtrc/pt; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18.11.2021, Gabriela Marques, 4072/19. Conforme se refere em Luís Filipe Sousa, Direito Probatório Material Comentado, 2ª ed., Almedina, 2021, p. 23: «Nas obrigações de dar e fazer, e sendo o pedido formulado de exigência de cumprimento ou de exercício do direito, cabe ao credor alegar a constituição da obrigação e o seu incumprimento ou cumprimento defeituoso, mas só lhe cabe provar que a obrigação nasceu e está vencida, ou seja, só lhe cabe o ónus de alegação quanto ao incumprimento, que não o da sua prova. Ao devedor incumbe provar a realização da prestação (o cumprimento da obrigação como facto extintivo do crédito) ou que não cumpriu por causa legítima (cabe ao réu provar outro facto extintivo, impeditivo ou modificativo do reclamado crédito do autor). Isto porque as obrigações de dar e fazer se mantêm inalteráveis no caso de não serem cumpridas, reportando-se a este propósito alguma doutrina italiana ao princípio da presunção da persistência do direito.»” Já vimos que a massa insolvente A. alegou o não pagamento. A R., porém, a quem cabia alegar e provar o pagamento, não o fez, tendo-se limitado (arts. 14 e 15 da contestação)[8] a alegar que o administrador da insolvência reconheceu o pagamento das rendas, não alegando o que lhe competia, ou seja, que pagou. Argumenta igualmente a recorrente que a sentença fez uma incorreta aplicação das normas constantes dos nº 2 alínea b), nº 3 e nº 4 do artigo 590º, e alínea b) do nº 1 do artigo 595º, ambos do Código Processo Civil, ao não ter convidado a Ré a aperfeiçoar o seu articulado, caso entendesse que o pagamento das rendas não estava suficientemente concretizado. Sucede que a R. não cometeu qualquer imprecisão na exposição ou concretização da matéria de facto alegada que carecesse de aperfeiçoamento. A R. optou por não alegar o pagamento, preferindo alegar que esse pagamento estava reconhecido. Se a R. tivesse alegado o pagamento de forma genérica, poder-se-ia considerar tratar-se de uma imprecisão e ser dirigido um convite à concretização. Mas não foi o que sucedeu, sendo que o pagamento era um facto essencial a alegar e provar pelo devedor. Nos termos dos preceitos citados cabe ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada. Como refere Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida[9], “cumpre ao juiz convidar qualquer das partes ao suprimento de insuficiências ou imprecisões na concretização da matéria de facto, ou seja, a um correto cumprimento do ónus da alegação, afirmação ou dedução da matéria de facto (artº 590º, nº 4). Insuficiências, se faltarem elementos necessários à completa integração fáctica da causa de pedir ou da exceção concretamente invocada ou alegada (articulados incompletos). (…). Imprecisões, se estiverem em causa afirmações produzidas relativamente a alguns desses elementos de facto de modo conclusivo (abstrato ou jurídico) ou equívoco (articulados inexatos ou incorretos). (…). O despacho de aperfeiçoamento pode, pois, ter lugar, quer em face do autor (para completar ou retificar a causa de pedir), quer em face do réu (para completar ou retificar uma exceção ou um pedido reconvencional), considerado o conjunto dos articulados por cada deles apresentado. Constitui um remédio no sentido da clarificação dos factos alegados por autor ou réu (destinados a substanciar a causa de pedir ou as exceções (…)”. Uma condição impõe a lei a este respeito: «o despacho de aperfeiçoamento e o subsequente articulado da parte deverão conter-se no âmbito da causa de pedir ou exceção invocada». É inadmissível a sua utilização para induzir a parte a suscitar uma nova (ou distinta) causa de pedir ou uma nova ou diferente exceção (o réu deve confinar-se aos limites da defesa); isto é, não pode, por esta via, suprir-se uma ineptidão da petição (…). Também Abrantes Geraldes, Luís Filipe Pires de Sousa e Paulo Pimenta[10] ensinam que “o convite ao aperfeiçoamento dos articulados supõe que estes contenham um limite fáctico mínimo, além do qual não é possível diligenciar no sentido desse aperfeiçoamento.”. O juiz, previnem, deve guiar-se por grande rigor e sobriedade, não podendo imiscuir-se nas opções assumidas pelas partes[11]. Ora, exatamente, foi opção da R. confrontada com um pedido de resolução por falta de pagamento de rendas, não alegar o respetivo pagamento, não podendo o juiz convidá-lo a alegar uma exceção de pagamento. Não foi assim, violado o disposto no art. 590º nº2, al. b) e nº4 do CPC. Como já bastamente referido, ao A. que pede a resolução, no caso judicial, por falta de pagamento de rendas apenas incumbe alegar e provar a existência do contrato de arrendamento e alegar o não pagamento, cabendo ao R. provar o pagamento. O A. alegou o incumprimento do dever de pagamento de rendas por parte da R. entre 2001 e outubro de 2021 e desde outubro de 2021, sendo que a R. admitiu o incumprimento desde outubro de 2021 e procedeu ao depósito nos termos referidos em 12 da matéria de facto provada, nos termos previstos no art. 1048º nº1 do CC[12]. Discorda, porém, da conclusão atingida pelo tribunal a quo que considerou que “Não tendo sido alegado e provado pela Ré o pagamento à Massa das rendas devidas desde o início do contrato até à entrada da ação, a Arrendatária está em mora superior a três meses.” E, em consequência, nos termos do art. 1083º, nº3 do CC, dado o depósito efetuado não cobrir todas as rendas em dívida, decretou a resolução do contrato. No aditamento ao contrato celebrado em 08/04/2006, as partes, além de preverem prazo diverso para a renovação do contrato[13] consignaram, na alínea d): “a segunda outorgante liquidou as rendas da totalidade do contrato, a que a primeira outorgante dá plena quitação.” A recorrente entende que esta cláusula por si demonstra o pagamento das rendas. Estamos ante um documento particular cuja força probatória está regulada no art. 376º do CC, o que significa que, nos termos do nº1 deste preceito, quanto às declarações atribuídas às partes faz prova plena, dado que não foi questionada a autoria. Ou seja, o documento comprova que a insolvente declarou dar quitação das rendas devidas pela totalidade do contrato. Nos termos do nº2 do art. 376º do CC «Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão.» Não temos qualquer dúvida de que esta declaração era contrária aos interesses da insolvente, pelo que, quanto a ela, o documento faz prova plena e vincula a insolvente. No entanto, esta força probatória plena prevista no art. 376º nº2 do CC apenas vale nas relações entre declarante e declaratário, mas não no confronto de terceiros[14]. Como se escreveu no Ac. STJ de 29/10/2019 (Graça Amaral – 1012/15), tirado num caso em que, precisamente, se analisava a eficácia probatória de uma declaração de quitação produzida pela insolvente, previamente à insolvência, em relação à massa insolvente, mostra-se estabelecido neste preceito “o mesmo princípio que está na base do instituto da confissão. Com efeito, a confissão repousa na regra da experiência segundo a qual ninguém afirma um facto contrário ao seu interesse se ele não for verdadeiro, mas a força vinculativa da mesma só regula para as relações entre o confitente e a pessoa a quem é dirigida a confissão (a parte contrária de que fala o art. 352.º do CCivil), posto que esta última saia efetivamente favorecida. Em relação a terceiros não há, por definição, qualquer confissão que se lhes possa opor obrigatoriamente, pois que eles não são a parte contrária do confitente. Quanto aos terceiros apenas se concebe a confissão extrajudicial que lhes seja feita, mas neste caso é a confissão apreciada livremente/ pelo tribunal, como, de resto, decorre do n.º 3 do art. 358.º do CCivil[4].”[15] Ora a massa insolvente, nos termos do nº1 do art. 46º do CIRE, é um património de autónomo destinado à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, em linha com a finalidade do processo de insolvência, seja mediante recuperação, seja mediante liquidação – cfr. art. 1º nº1 do CIRE. A massa insolvente não se confunde com o insolvente, que aliás, no processo, mantém a sua intervenção (81º nº5 do CIRE) e o facto de o administrador da insolvência, representar também o devedor para efeitos patrimoniais (81º nº4 do CIRE), igualmente não gera qualquer identidade, dado que esta representação é, precisamente, ordenada à finalidade do processo de insolvência e não aos interesses do devedor. A massa insolvente é terceiro nesta relação jurídica que se estabeleceu entre a insolvente e a aqui R. e a declaração de quitação constante da al. d) do aditamento o contrato não a vincula. Na improcedência de todos os argumentos, de facto e de direito, esgrimidos pela recorrente, verifica-se a correção da decisão recorrida, na parte em que decretou a resolução do contrato e condenou a R. no pagamento das rendas devidas. * 4.2.1. Oposição à renovação do contrato de arrendamento A decisão recorrida fez consignar que, não obstante a procedência do pedido de resolução “a cessação do contrato no termo do prazo, sem renovação, se tem de considerar válida e eficaz com a remessa da carta de oposição à renovação pelo Administrador da Insolvência para a sede da Ré, pois um mero lapso de um dígito no código postal não determinou extravio da missiva. Daí que os CTT não tenham feito menção a “endereço desconhecido ou insuficiente”, mas a encerramento do estabelecimento.” Considerou, assim, que a massa insolvente se opôs validamente à renovação do contrato, pelo que o mesmo cessou no termo da sua vigência inicial. A posição da massa insolvente – que formulou a título principal o pedido de declaração de caducidade (ou seja, de declaração de cessação por oposição à renovação) e subsidiariamente o pedido de resolução do contrato de arrendamento – era a de que este contrato cessou em 31/10/2021. A decisão recorrida, sem censura de qualquer das partes, optou por conhecer primeiro do pedido subsidiário, e, pese embora a posição assumida quanto à oposição à renovação, decretou a resolução do contrato, e não a sua extinção. Tal torna inútil a apreciação dos argumentos do recurso que se dirigem à questão da extinção – no essencial a receção da declaração de não oposição, face a um erro no código postal – porquanto, mesmo que o tribunal julgue procedentes as razões da recorrente e considere que não houve oposição eficaz à renovação do contrato, tal não é suscetível de alterar a decisão proferida – e que se confirma – de resolução deste mesmo contrato. * A apelante, porque vencida, suportará integralmente as custas do presente recurso que, in casu se traduzem apenas nas custas de parte devidas, porquanto se mostra paga a taxa de justiça devida pelo impulso processual do recurso e este não envolveu diligências geradoras de despesas – arts. 663.º, n.º 2, 607.º, n.º 6, 527.º, n.º 1 e 2, 529.º e 533.º, todos do Código de Processo Civil[16]. * 5. Decisão Pelo exposto, acordam as juízas desta Relação em julgar integralmente improcedente a apelação. Custas de parte na presente instância recursiva pela recorrente. Notifique. Lisboa, 11 de novembro de 2025 Fátima Reis Silva Paula Cardoso Manuela Espadaneira Lopes _______________________________________________________ [1] Cfr. Abrantes Geraldes em Recursos no Novo Código de Processo Civil, 7ª edição, Almedina, 2022, pgs. 201 e 202. [2] Relatora Maria da Graça Trigo, processo nº 363/07, disponível, como todos os demais citados sem referência, em www.dgsi.pt. [3] Abrantes Geraldes, local já citado, pgs. 200 e 202 e jurisprudência ali citada e, no sentido de que a decisão alternativa não tem que constar das conclusões, o AUJ nº 12/2023, de 14/11, publicado no DR. Iª série de 14/11/2023. [4] Sublinhado nosso. [5] Que entrou em vigor em 27/06/2006, nos termos do seu art. 65º. [6] Ver por todos os Ac. TRP de 13/09/2010 (Ana Paula Amorim – 2460/07). [7] No mesmo sentido, entre muitos outros, TRL de 26/04/14 (Isabel Fonseca – 2218/09), TRC de 12/07/11 (Manuel Capelo – 1806/04) e STJ de 22/03/18 (Maria do Rosário Morgado – 67525/14). [8] Nos seguintes termos: “14º Por último, vem a Autora peticionar a quantia de € 120.000,00, não se percebendo a que título peticiona tal quantia, dado que a mesma confessa / reconhece, estarem apenas em dívida as rendas desde o mês de outubro de 2021 – Artigo 16º da PI. 15º Acresce, que não obstante o alegado suposto entendimento do Sr. Administrador Judicial, do qual não retira consequências, certo é que o mesmo, sempre reconheceu a validade do contrato de arrendamento e respetivos aditamentos, bem como o pagamento das rendas até ao mês de outubro de 2021, conforme resulta dos diversos anúncios publicados por ordem do Sr. Administrador Judicial, com vista à venda do locado (Docs. 4 e 5).” [9] Direito Processual Civil, Volume II, 2019, pgs. 202 e 204. [10] Em Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª edição, Almedina, 2022, pg. 731. [11] Local citado, pg. 732. [12] Depósitos que continuou a fazer e a documentar nos autos. [13] Que era de 20 anos, nos termos da cláusula 3ª. [14] Luís Filipe Pires de Sousa em Direito Probatório Material Comentado, Almedina, 2020, pg. 164. [15] Citando o Ac. STJ de 12/02/2019 (José Rainho – 882/14), tirado igualmente num caso de insolvência. No mesmo sentido, entre outros, o Ac. STJ de 18/09/2018 (José Rainho - 1210/11) e TRL de 16/10/2014 (Anabela Calafate – 179/06). [16] Vide neste sentido Salvador da Costa in Responsabilidade das partes pelo pagamento das custas nas ações e nos recursos, disponível em https://blogippc.blogspot.com/. |