Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | CARLOS M. G. DE MELO MARINHO | ||
| Descritores: | PROPRIEDADE INTELECTUAL PATENTE RECONVENÇÃO SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 11/12/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | I. A avaliação, em sede de recurso, do exercício do poder discricionário de determinar a suspensão da instância por ocorrer motivo justificado não pode incidir, nunca, sobre o mérito do decidido; II. No que tange à legalidade da decisão, aí sim abre-se a possibilidade de controlo recursório; III. Não há, a este nível, especificidade do Direito da propriedade intelectual. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção de Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa: * I. RELATÓRIO BRISTOL-MYERS SQUIBB HOLDINGS IRELAND UNLIMITED COMPANY, SWORDS LABORATORIES e BRISTOL-MYERS SQUIBB FARMACÊUTICA PORTUGUESA, S.A., todas com os sinais identificativos constantes dos autos, instauraram acção «declarativa de condenação» contra TAW PHARMA (IRELAND) LIMITED, neles também melhor identificada, em cujo âmbito formularam o seguinte pedido: Nestes termos, a presente ação deverá ser julgada procedente e, consequentemente, a Ré deverá ser condenada a: a) abster-se, no território português ou com vista à comercialização nesse território, de explorar (por si própria e/ou permitindo que terceiros o façam ao abrigo das AIMs identificadas no artigo 74.º) o produto protegido pelo CCP 456 e, nomeadamente, de importar, fabricar, armazenar, utilizar, colocar no mercado, vender e/ou oferecer, os Genéricos Apixabano identificados no artigo 74.º da Petição Inicial, enquanto o CCP 456 estiver em vigor; b) abster-se, no território português ou com vista à comercialização nesse território, de explorar (por si própria e/ou permitindo que terceiros o façam ao abrigo de quaisquer AIMs para quaisquer medicamentos compreendendo apixabano como substância ativa) produto protegido pelo CCP 456 e, nomeadamente, de importar, fabricar, armazenar, utilizar, colocar no mercado, vender e/ou oferecer quaisquer produtos que compreendam apixabano como substância ativa, enquanto o CCP 456 estiver em vigor. Requer-se ainda, nos termos do artigo 829.º-A do Código Civil, que a Ré seja condenada a pagar uma sanção pecuniária compulsória no valor de €1,22 por cada unidade de comprimido de Genérico Apixabano, por cada dia de atraso no cumprimento da condenação que vier a ser proferida, de acordo com o acima exposto. Face a pedido formulado pela TAW PHARMA (IRELAND) LIMITED no sentido da suspensão da instância, o Tribunal «a quo» proferiu a decisão judicial que aqui ora se transcreve: Taw Pharma Ireland Limited, Ré, nos presentes autos e em que são autoras Bristol-Myers Squibb Farmacêutica Portuguesa S.A., Bristo-Myers Squibb Holdings Ireland Unlimited Company e Swords Laboratories, vem requerer a suspensão da instância nos termos do disposto no artigo 272.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, alegando, em síntese, que se encontra pendente junto deste Tribunal da Propriedade Intelectual uma acção declarativa para a declaração de nulidade da patente EP415 e CCP456, que está a correr termos no Juiz 1 sob o processo n.º 209/22.6YHLSB. As Autoras BRISTOL-MYERS SQUIBB HOLDINGS IRELAND UNLIMITED COMPANY, SWORDS LABORATORIES e BRISTOL-MYERS SQUIB FARMACÊUTICA PORTUGUESA, S.A. pronunciaram-se, pugnando pela não suspensão da instância. Cumpre apreciar e decidir. Dispõe o artigo 272.º, nº 1, do Código de Processo Civil que “1. O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado”. Existe causa prejudicial quando esta tem por objecto uma pretensão que constitui pressuposto da formulada (cf. J. Lebre de Freitas, C. de processo Civil Anotado, vol. I, Coimbra Editora, 1999, p. 501). No caso em apreço, é nosso entendimento que não está em causa uma causa prejudicial, na medida em que a pretensão formulada na acção n.º 209/22.6YHLSB não constitui um pressuposto da decisão da presente acção – atendendo a que a Patente invocada em sede de causa de pedir encontra-se em vigor e pode ser invocada erga omnes –, podendo apenas ter como efeito a eventual improcedência desta, caso se venha a decidir pela nulidade da patente, mediante decisão judicial transitada em julgado. Em todo o caso, afigura-se-nos que existe motivo justificado para, ao abrigo da parte final do artigo 279.º, n.º 1, do Código de Processo Civil decretar a suspensão da instância até decisão final a proferir no processo nº 209/22.6YHLSB. Com efeito, na referida acção, instaurada contra as aqui Autoras é peticionada a declaração de nulidade da Patente EP415 e do CCP456, alegando, em síntese, que esta não preenche os requisitos de patenteabilidade da CPE na medida em que: 1. O objecto da EP415 carece de actividade inventiva devido à falta de efeito técnico e de contribuição para o estado da técnica e devido ao carácter óbvio face a Du Pont; 2. O objecto da EP415 carece de falta de novidade; 3. A EP415 não divulga a invenção de forma suficientemente clara e completa para que um perito na matéria a possa executar; 4. A matéria adicionada nas reivindicações 1 a 29 da EP 415 não estavam incluídas no pedido de patente internacional WO’652, sendo que a nulidade da patente afecta a validade do CCP 456 nos termos do parágrafo 15/1/c do Regulamento do CCP. A referida acção encontra-se em fase de julgamento. Entra as duas acções existem pontos de contacto objectivamente relevantes que importa acautelar, uma vez que naquela acção está em causa um pedido de nulidade da patente e nesta acção, além de servir de fundamento ao pedido formulado pelas AA., mostra-se excepcionada a respectiva nulidade. A suspensão da presente acção até decisão transitada em julgado daquele processo mostra-se justificada, conveniente e conforme ao princípio da economia processual, na medida em que, caso este venha a ser julgado procedente, os pedidos formulados pelas Autoras nos presentes autos decaem integralmente, sendo inútil a apreciação dos fundamentos da acção. Neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.05.2024, proferido no âmbito do proc. n.º 362/22.9YHLSB, disponível em www.dgsi.pt. - Deve ser declarada a suspensão da instância se existirem duas ações susceptíveis de dar origem a decisões com resultados incompatíveis e/ou inconciliáveis; Ocorre motivo justificado para suspender a instância quando existe uma acção anterior onde se discute a validade da patente que, nesta ação, serve de fundamento ao pedido formulado pelos autores; - A litispendência ocorre quando o pedido reconvencional admitido numa acção mais não é que a repetição da ação anteriormente interposta pela agora Reconvinte. Neste Acórdão entendeu-se que … é indubitável que os pedidos formulados pelas partes aos tribunais, porque coincidentes na parte que diz respeito à validade da patente que nesta acção serve de fundamento às pretensões das AA., podem despoletar decisões com resultados incompatíveis e/ou inconciliáveis que, julgamos, importa acautelar. Aliás, assim será se naquele processo tiver provimento o pedido de nulidade da patente e neste tiver provimento o pedido formulado pelas AA que pressupõe, como referido, a validade da mesma patente, assim, como, também ocorrerá se naquele processo for julgado procedente o pedido de nulidade da patente e neste improcedente o pedido. Em ambos os casos, estaríamos perante decisões inconciliáveis e, nessa medida, prejudiciais para as partes e para a justiça. Aqui chegados, não se afigura que a suspensão possa prejudicar a posição processual das Autoras, na medida em que, enquanto o CCP 456 estiver em vigor – e consequentemente, na pendência da suspensão –, é-lhe garantido o exclusivo da exploração da invenção. Pelo exposto, nos termos do artigo 272.º, n.º 1, in fine, do Código de Processo Civil, determino a suspensão da instância até à prolação de decisão final no processo 209/22.6YHLSB, que corre termos neste Juiz 1, do Tribunal da Propriedade Intelectual. É dessa decisão que vem o presente recurso interposto por BRISTOL-MYERS SQUIBB HOLDINGS IRELAND UNLIMITED COMPANY SWORDS LABORATORIES e BRISTOL-MYERS SQUIBB FARMACÊUTICA PORTUGUESA, S.A., que alegaram e apresentaram as seguintes conclusões: A. ENQUADRAMENTO: A presente ação foi intentada pela BMS contra a Taw ao abrigo do artigo 3.º, n.º 1 da Lei 62/2011, na sequência da publicação, na página oficial do INFARMED, dos pedidos de AIM da Taw para medicamentos genéricos contendo apixabano como substância ativa, formulados em 31.07.2023, na qual as Autoras invocam os seus direitos de propriedade industrial emergentes do CCP 456 (e correspondente patente de base EP ‘415). B. Na Contestação, a Taw (para o que ora releva), deduziu pedido reconvencional com vista à declaração de nulidade da EP ‘415 e do CCP 456, tendo as Autoras replicado sustentando a improcedência do pedido reconvencional deduzido na presente ação. C. Posteriormente, a Ré requereu a suspensão da instância, tendo sustentado o seu pedido na pendência da Ação de Nulidade – correndo entre as ora Autoras e outra sociedade sob o n.º de processo 209/22.6YHLSB –, alegando que a mesma constituiria causa prejudicial relativamente ao caso em apreço. D. Não obstante a oposição das Autoras e a sugestão de uma suspensão alternativa (a que abaixo regressaremos), o TPI proferiu o Despacho Recorrido a 24.03.2025, determinando a suspensão da instância por existência de “motivo justificado” até à prolação de decisão final na Ação de Nulidade, com base na errada assunção de a suspensão não prejudicar a posição processual das Autoras (porque, enquanto o CCP 456 estivesse em vigor, estaria garantido o exclusivo da exploração da invenção) e à suposta prossecução do princípio da economia processual. Esta suspensão levou ainda ao cancelamento do julgamento agendado para maio. E. MÉRITO DO RECURSO – INEXISTÊNCIA DE MOTIVO JUSTIFICADO – A INJUSTIFICAÇÃO DA ECONOMIA PROCESSUAL: O Despacho vem ancorado no Acórdão do TRL de 20.05.2024, proferido no âmbito do processo. n.º 362/22.9YHLSB, que suspendeu a instância por existência de “motivo justificado”. Apesar de existirem semelhanças entre os processos, estes decorrem sob circunstâncias relevantemente distintas, que tornam totalmente intransponíveis as conclusões do Tribunal da Relação de Lisboa no processo n.º 362/22.9YHLSB para este caso. F. Desde logo, a Ação de Nulidade e o pedido reconvencional do Processo n.º 362/22.9YHLSB eram exatas cópias uma da outra. Nessa medida, foi decretada a litispendência do pedido reconvencional formulado no processo n.º 362/22.9YHLSB – o que não ocorreu neste processo. G. Nesta sequência, e pretendendo-se, nas palavras do Tribunal no Processo n.º 362/22.9YHSLB, “assegurar o direito à Defesa da Ré Reconvinte” foi decretada a suspensão da instância. Ou seja, o motivo justificativo aí encontrado (que se pode questionar) nada tem que ver com este caso em que existe, por uma Parte diferente, um pedido reconvencional diferente, que não foi objeto de exceção de litispendência e, portanto, indeferido. H. Ao aplicar este motivo justificado encontrado no processo n.º 362/22.9YHLSB ao presente caso, o Tribunal a quo está a extinguir por completo a tutela jurisdicional preventiva dos titulares de direitos de patentes (que se presumem válidas) decorrente da Lei 62/2011 – e, atentos os fundamentos usados, a de todo e qualquer direito de propriedade intelectual até. I. Na prática, qualquer ação de nulidade levará à suspensão de todo e qualquer exercício judicial da patente ao abrigo da Lei 62/2011, tornando-a, assim, letra morta. J. A preocupação que o Tribunal a quo pretendia acautelar – “a economia processual” – fica totalmente comprometida com a suspensão da instância: os Autores das ações da Lei 62/2011, com a sua suspensão, são obrigados a aguardar passivamente e a ter de requerer uma providência cautelar caso os genéricos em causa pratiquem, na vigência da suspensão decretada, qualquer ato infrator, assim duplicando em tudo os seus esforços e ainda tendo de aguardar entre 10 meses a 1 ano até ver a sua providência decidida. Tudo isto enquanto se dissipa o seu exclusivo. K. Esta é já uma realidade atual, e não uma mera ficção – foi precisamente o que ocorreu no processo n.º 362/22.9YHLSB, citado pelo Despacho recorrido, em que no mês imediatamente a seguir à suspensão da instância, a Ré desse processo iniciou a comercialização dos seus medicamentos genéricos, forçando as Autoras a requerer uma providência cautelar. O julgamento dessa providência cautelar foi em tudo semelhante ao que teve, entretanto, lugar na Ação de Nulidade, com a mesma duração e o mesmo grau de profundidade. Portanto, na prática, a suspensão da instância não fez rigorosamente nada pela economia processual do litígio. L. Por outro lado, a preocupação do Tribunal fica também proporcionalmente garantida pelos efeitos da declaração de nulidade, decorrentes do artigo 68.º da CPE, e dos próprios pedidos formulados, sempre por referência à vigência do CCP 456. M. Importa ter presente que os direitos exercidos beneficiam de uma presunção de validade consagrada no artigo 4.º, n.º 2 do CPI (emergente do valor jurídico dos atos registrais e do facto de a verificação do preenchimento das condições de concessão serem previamente aferidas pelo órgão competente da Administração) que se esvazia plenamente caso seja mantido o entendimento dos tribunais inferiores. N. Por beneficiar desta presunção legal, o titular de uma patente/CCP pode opô-los a quaisquer terceiros e deles exigir o respeito pelo direito exclusivo emergente dos referidos direitos até ao momento em que caduquem ou sejam julgados inválidos por decisão transitada em julgado. O. A solução que oferece o Acordo para o Tribunal Unificado de Patentes (“ATUP”) – um Tribunal relevantíssimo no panorama jurídico do direito de patentes e que resulta de anos de negociações – demonstra que 1) o TUP pode entender bifurcar as ações ele próprio e 2) a ação de infração bifurcada (quando o pedido reconvencional é remetido para a Divisão Central, nos termos do artigo 33.º, n.º 3, al. b) do ATUP) só deve ser suspensa na pendência de uma ação de nulidade quando exista uma "elevada probabilidade" de a patente invocada ser inválida – artigo 37.4 Regras de processo do TUP. P. O tribunal inferior não conduziu um juízo nem sequer superficial da bondade dos argumentos aduzidos na Ação de Nulidade que justificasse a suspensão. Q. Na verdade, a suspensão da instância não é a solução mais equilibrada para salvaguardar “a economia processual”, que nos parece estar assegurada pelo regime jurídico vigente (os efeitos de declaração de nulidade), existindo ainda outra via muitíssimo mais proporcional: a suspensão parcial. R. O Tribunal a quo não procurou “dividir a ação”, suspendendo a matéria excecionada e prosseguindo com a ação de infração (ancorada na presunção de validade e nos propósitos da Lei 62/2011), o que poderiam ter feito ao abrigo do artigo 547.º do CPC, não sendo esta solução estranha ao regime do ATUP, mas nem à jurisprudência nacional – cf. Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 22.10.2020 (Processo n.º 26302/02TVLSB.L1-6) e de 17.06.2010 (Processo n.º 1471-J/1994.L1-2) e decisões do TPI nos Processos n.º 319/19.7YHLSB (Despacho de 11.12.2020 – Ref.ª 420866) e n.º 314/19.6YHLSB (Despacho de 17.02.2022 – Ref.ª 472537). S. Em suma, para que se pudesse concluir pela existência de um motivo para o decretamento da suspensão da presente instância, seria necessário que esse motivo fosse justificado, o que implica que a suspensão integral da instância fosse a única solução possível de acautelar os interesses identificados e que ela não pusesse em crise outros interesses merecedores de tutela. T. Porém, (i) inexiste incompatibilidade entre as duas decisões a proferir, (ii) a solução adotada põe irremediavelmente em crise o direito das Recorrentes a uma tutela preventiva, (iii) desfigura totalmente os propósitos da Lei 62/2011, (iv) esvazia por completo a presunção de validade e (v) havia uma solução mais consentânea e proporcional de salvaguardar todos os interesses em presença. U. Pelo que a admitir-se alguma suspensão, com base nas preocupações que levanta o TRL teríamos uma suspensão parcial da presente instância (da matéria de exceção da validade da EP ‘415), devendo prosseguir quanto ao mais, na senda da jurisprudência do TPI e do TRL e das regras do ATUP. V. MÉRITO DO RECURSO – INEXISTÊNCIA DE MOTIVO JUSTIFICADO – A (NÃO) PREJUDICIALIDADE DA SUSPENSÃO: O Tribunal a quo, entendeu que a posição processual das Autoras não ficaria prejudicada com a suspensão da instância, na medida em que, enquanto o CCP 456 estiver em vigor, lhes é garantido o exclusivo da exploração da invenção. W. Desde logo, diga-se, esse pressuposto levaria ao encerramento de todo e qualquer tribunal. É evidente que as partes só podem exercer direitos que lhes sejam conferidos por lei, mas é por a lei ser incumprida que os tribunais existem para os efetivar. X. Por outro lado, a presente ação foi proposta ao abrigo da Lei 62/2011, a qual tem como propósito a análise da infração dos direitos de propriedade industrial dos titulares de patente farmacêuticas e que a consequente condenação inibitória ocorra em momento anterior à consumação da prática de atos ilícitos por parte das empresas de genéricos. Y. A Lei 62/2011 e os seus propósitos gravitam em torno de um princípio fundamental e que a suspensão da presente instância desvirtua de uma forma avassaladora: a presunção de validade da EP ‘415. Z. Admitir-se a suspensão da instância com fundamento na pendência de uma ação de nulidade no TPI conduz, na prática, à denegação da tutela preventiva da BMS (esgotando os propósitos da Lei 62/2011) e ao esvaziamento da presunção de validade estabelecida no artigo 4.º, n.º 2 do CPI de que gozam os direitos exercidos. AA. Não faz qualquer sentido que o legislador tenha expressamente previsto e regulado uma ação especial que visa o reforço da tutela preventiva dos titulares dos direitos de propriedade industrial, e, ao mesmo tempo, que a jurisprudência permita a suspensão da instância com fundamento na mera pendência de uma ação de nulidade. Na verdade, esta normalização da suspensão da instância abre portas a atuações concertadas por parte das empresas de genéricos. BB. A posição processual das Recorrentes é particularmente prejudicada pelo facto de a instância ter sido suspensa até à prolação de decisão final na Ação de Nulidade, a qual ainda se encontra em fase de julgamento, sendo altamente expectável que que seja qual for a parte vencida, ela recorrerá a todas as instâncias recursórias possíveis. CC. Como tal, até que exista uma decisão final transitada em julgado, a suspensão da instância pode prolongar-se durante meses ou até anos, constituindo uma verdadeira paralisação da tutela jurisdicional das Recorrentes e uma completa e total abolição do direito à tutela jurisdicional efetiva preventiva. Esta paralisação é manifestamente intolerável, uma vez que em causa estão direitos fundamentais de natureza temporária – cuja caducidade ocorre já no ano de 2026. DD. É pedra basilar do nosso ordenamento jurídico o direito de obter uma decisão sobre seu o litígio em prazo razoável e mediante processo equitativo, nos termos do artigo 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (“CRP”). EE. Ensina-nos GOMES CANOTILHO que “ao demandante de uma proteção jurídica deve ser reconhecida a possibilidade de, em tempo útil («adequação temporal», «justiça temporalmente adequada»), obter uma sentença executória com força de caso julgado - «a justiça tardia equivale a uma denegação da justiça»”. FF. Acrescenta o n.º 5 do referido artigo 20.º da CRP que, “para defesa dos direitos, liberdades e garantias, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos”. GG. Estes dois princípios assumem, no caso dos autos, singular acuidade, uma vez que estamos perante direitos fundamentais (de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantidas, oponíveis erga omnes), de natureza temporária, que caduca no seu termo de vigência. Assim, entendem as Recorrentes que o seu direito de obter uma decisão sobre o litígio em prazo razoável, mediante processo equitativo não está a ser cumprido e, por isso, o decretamento da suspensão da instância afigura-se manifestamente inconstitucional. HH. Veja-se o exemplo do Processo n.º 362/22.9YHLSB, previamente mencionado, cuja suspensão prejudicou manifestamente a posição processual das Autoras (ora, Recorrentes), porque a Ré, no mês seguinte, iniciou a comercialização dos seus medicamentos genéricos e a tutela das Autoras (que teve de recorrer a procedimentos cautelares) continua suspensa até hoje. II. Este facto levou a uma impressionantíssima quebra de vendas do Eliquis, no espaço de apenas 3 meses, de 85% por força da entrada dos medicamentos genéricos da Teva, como resulta da prova produzida em julgamento nos autos cautelares que correm por apenso ao processo n.º 362/22.9YHLSB, prestada pela testemunha AA. A suspensão da instância traduziu-se numa paralisação da tutela jurisdicional das ora Recorrentes, pondo em causa de forma clara a proteção plena dos direitos de propriedade industrial emergentes do CCP 456 (e respetiva patente de base EP ‘415) e a exploração do seu exclusivo que, note-se, é temporário. JJ. Determinar também neste processo a suspensão da instância é abrir portas para que a atuação adotada pela Teva seja normalizada e replicada, neste caso pela Taw, fazendo assim letra (e tutela) morta da Lei n.º 62/2011. KK. Em suma, requer-se que este Venerando Tribunal ad quem revogue, por violar os artigos 4.º, 6.º, 7.º e 272.º, todos do CPC, bem como o artigo 20.º da CRP, o Despacho Recorrido e o substitua por outro que: ordene o prosseguimento dos autos ou, subsidiariamente, ordene a suspensão do pedido reconvencional com vista a invalidade do CCP 456 e o prosseguimento dos autos no restante. TAW PHARMA (IRELAND) LIMITED respondeu às alegações de recurso e, em tal sede, sem apresentar conclusões, sustentou a total improcedência do recurso. Cumprido o disposto na 2.ª parte do n.º 2 do art. 657.º do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir. Dado que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes (cf. arts. 635.°, n.° 4, e 639.°, n.° 1, ambos do Código de Processo Civil) – sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.°, n.° 2, por remissão do art. 663.º, n.° 2, do mesmo Código) – são as seguintes as questões a avaliar: 1. Ao decidir nos termos impugnados, o Tribunal a quo extinguiu por completo a tutela jurisdicional preventiva dos titulares de direitos de patentes e a de todo e qualquer direito de propriedade intelectual deixando a economia processual totalmente comprometida, sendo que a decisão impugnada viola o estabelecido nos artigos 4.º, 6.º, 7.º e 272.º, todos do CPC, bem como o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa? 2. O direito das recorrentes a obter uma decisão sobre o litígio em prazo razoável, mediante processo equitativo, não é cumprido ao decretar-se a suspensão da instância? 3. A admitir-se alguma suspensão, ela deveria ser parcial? II. FUNDAMENTAÇÃO Fundamentação de facto Relevam, nesta sede, os factos processuais acima descritos e seus conteúdos. Fundamentação de Direito 1. Ao decidir nos termos impugnados, o Tribunal a quo extinguiu por completo a tutela jurisdicional preventiva dos titulares de direitos de patentes e a de todo e qualquer direito de propriedade intelectual deixando a economia processual totalmente comprometida, sendo que a decisão impugnada viola o estabelecido nos artigos 4.º, 6.º, 7.º e 272.º, todos do CPC, bem como o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa? É fundamental, na avaliação da impugnação judicial ora apreciada, ter presente que a mesma não pode incidir, nunca, sobre o mérito do decidido. A tal limitação se atenderá em virtude do encadeado de razões que lançámos no acórdão deste Tribunal Superior proferido em 02.05.2025 no recurso de apelação n.º 2/24.1YQSTR.L1. Relevam aqui, sobretudo, por ser a mesma a razão de decidir, as seguintes afirmações aí feitas: Já quanto ao concretamente decidido, essa temática só poderia ser objecto de recurso caso se patenteasse a inexistência de poder discricionário porquanto, nos termos do disposto no n.º 4 do art. 152.º do mesmo Código, tal poder corresponde à «vis» de fazer escolhas à luz do «prudente arbítrio do julgador», o que corresponde a uma noção que atende e repeita à subjectividade da eleição do julgador ao qual apenas se exige prudência. No que tange à legalidade da decisão, aí sim abre-se a possibilidade de controlo recursório, sob pena de se denegar o efectivo direito ao juiz enunciado, designadamente, no art. 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e no art. 6.º da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. E o controlo de legalidade é, in casu, a avaliação do respeito pelo n.º 4 do art. 152.º e no n.º 1 do art. 272.º, ambos do Código de Processo Civil. A decisão impugnada foi proferida ao abrigo do estabelecido na última parte do n.º 1 do artigo 272.º do CPC. (…) Estamos, no apontado quadro, situados num espaço de aferição da natureza do poder do tribunal de suspender a instância por «outro motivo justificado», conforme viabilizado pela segunda parte do n.º 1 do artigo 272.º do Código de Processo Civil. No caso apreciado, encontramo-nos diante de um despacho proferido no uso legal de um poder discricionário baseado no n.º 4 do artigo 152.º do CPC, por envolver decisão incidente sobre matéria confiada ao prudente arbítrio do julgador, já que estão verificados os respectivos pressupostos processuais acima enunciados. Contrariamente aos despachos de conteúdo vinculado, a lei não impõe, aos depachos proferidos no uso legal de um poder discricionário, um sentido decisório específico, permitindo ao tribunal decidir ou não decidir. Conforme se referiu no despacho que admitiu o recurso, «independentemente da irrecorribilidade dos termos do exercício do (assim maioritariamente considerado) poder discricionário concedido ao juiz do processo pela parte final do n.º 1 do art. 272.º do CPC, deve sempre admitir-se o controlo de legalidade da utilização dessa faculdade de suspensão». Nestes contornos e pressupostos e apenas neles se avaliará o recurso ora sob ponderação, não sendo objecto de resposta as questões que extravasem a matéria da legalidade do exercício do poder discricionário (designadamente quanto à vertente «motivo justificado» do n.º 1 do art. 272.º do CPC e aos pressupostos negativos do n.º 2 do mesmo artigo), excluindo-se, pois, a análise dos contornos desse exercício e do cuidado e adequação a ela associados. Está, assim, afastada a averiguação da coincidência do decidido com a solução processual tida por mais apontada à acertada resolução do litígio e pacificação e recomposição do tecido social. Mostra-se certa e alinhada com o dito a menção já lançada no Acórdão deste Tribunal n.º 20/20.9YQSTR.L1, in http://www.dgsi.pt, no sentido de que «a regra da irrecorribilidade desse despacho, prevista no artigo 630.º n.º 1 do CPC, na prática é afastada na medida em que a legalidade do uso dos poderes discricionários pode ser impugnada mediante recurso, no qual seja invocada a ausência dos pressupostos previstos na lei, ou se alegue que o despacho em crise extravasa o quadro das possibilidades legais». Compreendida no âmbito desta caracterização, a situação apreciada surge assinalada por o Tribunal «a quo» poder ordenar ou não a suspensão em função do seu reflectido e sensato juízo. Que assim é resulta com nitidez do uso da palavra «pode» no n.º 1 do art. 272.º do CPC, no seio da expressão «O tribunal pode ordenar a suspensão». Está aqui consagrada uma faculdade e não uma obrigação, pelo que tem que se concluir que tanto a suspensão como a manutenção do curso dos autos são lícitas desde que exista um motivo justificado para a imobilização de curso processual ou esse motivo seja inexistente. Não parece afastar a discricionaridade a referência normativa a um «motivo justificado», indiciadora de um poder legalmente balizado, já que as condições ou pressupostos do exercício do poder de intervenção não podem ser confundidas com a sua natureza, que se extrai dos contornos que se vêm enunciando. Aliás, aqui, «motivo justificado» é outra forma de dizer esteio do «prudente arbítrio» já que, à míngua de indicação legal esclarecedora e de sentido diverso, a justificabilidade do motivo só à luz desse «prudente arbítrio» pode ser determinada. A não ser assim, quais seriam, afinal, os concretos critérios vinculativos definidores da intervenção jurisdicional? Ainda que se importassem, neste ponto, os limites ou requisitos negativos definidos no n.º 2 do art. 272.º quanto à prejudicialidade (acção prejudicial intentada unicamente para se obter a suspensão ou estado adiantado da causa em termos geradores de superiores prejuízos), apenas estaríamos, nesse contexto, perante uma maior densificação da forma de exercício do «prudente arbítrio» e não face a elementos descaracterizadores da discricionariedade e geradores de vinculatividade. No quadro apreciado, tem que se concluir, face ao dito, que a decisão que se quis impugnar constitui um despacho discricionário apenas podendo, pois, ser sindicado quanto à legalidade da sua prolação e não já quanto à forma de exercício do dito «prudente arbítrio» face ao disposto no n.º 1 do art. 630.º do Código sempre sob referência. É neste quadro que importa responder à questão proposta. Parte substancial das referências lançadas no recurso revela, subjacente, a indignação das Recorrentes perante a admissibilidade de dedução de pedido reconvencional em sede do processado erigido pelo Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, e a exasperação das mesmas perante o que aparentam ver como um quadro agravado de dificuldades de recurso ao regime daquele diploma por força da dação de relevo à reconvenção. Porém, não é esta a sede para avaliar a admissibilidade de tutela reconvencional no quadro daquele diploma que, afinal, visa afirmar o já afirmado pelo próprio processo de atribuição da patente (permitindo ao titular de patente «invocar o seu direito de propriedade industrial – cf. o n.º 1 do art. 3.º do apontado diploma legal), ou seja, os direitos já emergentes das patentes, num quadro que não é estritamente cautelar e que, para alguma jurisprudência, até prescinde do interesse em agir bastas vezes não divisado em tais acções apesar de sempre reclamado nas lides judiciais e do respectivo carácter de pressuposto processual não explícito. A questão é, pois, apenas, a de saber se, tendo que ser avaliada de forma concomitante com o pedido a pretensão reconvencional, suspender o processo por se entender existir motivo justificado corresponderia a extinção «total» da tutela jurisdicional (ou da sua possibilidade). A este propósito, não se podendo nem devendo entrar na avaliação do mérito da decisão proferida no exercício do poder discricionário de se suspender a instância por se divisar existir «motivo justificado», importa referir que não existe aqui especificidade que torne tal suspensão proscrita e diferente de qualquer outra em qualquer outro processado, sendo que o art. 272.º do Código de Processo Civil convive e integra-se num sistema que admite suspensões. Quer isto dizer que o processado erigido pela Lei n.º 62/2011 não tem menores condições para ser suspenso do que qualquer outro. Esta conclusão surge acentuada na sua adequação se for considerada admissível a dedução de pedido reconvencional nesse processo e que nela se venha brandir com a nulidade da patente estando a validade desta em vias de esclarecimento numa outra acção, declarativa, de objecto coincidente mas mais avançada no tratamento da questão (e, eventualmente, marcada por melhores condições temporais, organização de meios e focagem do debate). Num tal contexto, não é compreensível que se acene «ad terrorem», com a falência da tutela jurisdicional. Aliás, se tão dramático risco existisse, tendo o legislador tanto acarinhado aquele processo em que se pede ao Tribunal que diga o que já diz a patente e afirme a tutela que ela já afirmava, então sempre o mesmo teria proscrito as suspensões da instância relativamente a esse processado e tal não ocorreu estando, pois, aquele encadeado de actos processuais tão exposto a suspensões vinculadas ou discricionárias como qualquer outro. Não há, a este nível, especificidade do Direito da propriedade intelectual. Não sendo central para a solução do problema, sempre terá que se ter presente, ao fazer uma afirmação da gravidade da que se aprecia, que, efectivamente, nem a patente fica beliscada pela suspensão nem os direitos que dela emergem deixam de poder ser exercícios na sua plenitude. Se nem compressão do Direito ao juiz e à tutela judicial emerge na situação apreciada, menos é legítimo usar a hipérbole para convocar apoio conceptual. É muito sério falar em extinção «total» da tutela jurisdicional (e do Direito a ela) quando ela prossegue a sua senda no mesmo sistema judicial ainda que no seio de um processo com outro número. Outra coisa é certa: admitindo-se o pedido reconvencional cuja admissibilidade não vem aqui posta em crise, nunca será decidido o pedido sem o esclarecimento da procedência da reconvenção. Não o fazer, isso sim constituiria denegação do Direito ao juiz e à tutela jurisdicional efectiva de consagração no Direito internacional pactício, da União Europeia e Constitucional. Ao considerar, no âmbito do exercício de um poder discricionário, existir motivo justificado para a suspensão da acção, o Tribunal «a quo», seguramente, não colocou em crise o direito de aceder aos tribunais, em termos parcelares e ligeiros ou com o proposto efeito de ablação «total». Quanto ao clamado compromisso da economia processual, importa ter bem presente a técnica associada. Na definição de ANDRADE, Manuel A. Domingues, lançada na sua obra Noções Elementares de Processo Civil, a págs. 387 e 388, Coimbra Editora, Coimbra, 1979, a economia processual corresponde a «uma aplicação do princípio de menor esforço ou economia de meios. Deve procurar-se o máximo resultado processual com o mínimo emprego de actividade; o máximo rendimento com o mínimo custo». Na versão do Código de Processo Civil objecto de invocação por aquele distinto Professor, o correspondente princípio teria aí consagração expressa para proscrever tanto os actos inúteis como as formalidades supérfluas. Actualmente, o mesmo encontra consagração no art. 130.º do Código de Processo Civil de 2013 através da singela menção: «Não é lícito realizar no processo actos inúteis». Neste quadro, sempre salvaguardando o respeito devido, é manifesto que isto nada tem a ver com o que se aprecia. Ao invés, a suspensão, com o fundamento indicado pelo Tribunal antes convoca uma das vertentes do princípio sob referência que é a relativa à economia de meios (economia de actos e formalidades) já que visa que o mesmo sistema judicial possa obviar a ser forçado, com assimetria temporal e em paralelo, a dirimir a mesma questão. Ou seja, as Recorrentes invocam como obstáctulo o que, afinal corresponde a relevante factor de recomendação do judicialmente definido. Com a decisão proferida, e vistas já as razões alinhadas, não fica minimamente beliscado o Direito de «invocar» referenciado na Lei n.º 62/2011 (com vista a que o Tribunal reafirme o já afirmado pela patente, prescindindo-se da materialização de violação ou do risco efectivo desta e, neste contexto, de interesse em agir), nem o fica, também, o de tutelar os direitos emergentes da dita patente, aí sim já num quadro comum de protecção declarativa, executiva e cautelar. Ao procurar-se uma estratégia de eficácia e adequação com vista a conhecer uma das questões de ponderação obrigatória, não há violação do princípio da igualdade das partes. Nenhum pedido está olvidado; ambos merecem igual atenção; um deles reclama suspensão com vista à não duplicação de esforços; o outro não é menosprezado ao procurar-se esclarecer problemática pressuponente da sua avaliação. Não há qualquer violação do art. 4.º do Código de Processo Civil. Não há, da mesma forma, desrespeito do estabelecido no respectivo art. 6.º. Ao suspender, o juiz está, precisamente, a actuar no âmago do exercício do seu dever de gestão processual. Face ao dito e apreciado, não revela a menor adequação tentar enquadrar qualquer dos aspectos da problemática analisada numa potencial violação do princípio da cooperação enunciado no art. 7.º do encadeado de normas sob referência. Estamos perante a prática de um acto jurisdicional discricionário não secante com o exercício de qualquer actividade de cooperação (a menos que se entendesse que as partes tinham funções consultivas ou decisórias na prolação dessa decisão, o que não ocorre à luz do Direito contituído). Quanto ao art. 272.º do mesmo Código, as circunstâncias associadas e o conteúdo da decisão revelam o exercício legítimo de poderes discricionários e fundamentação sustentada na referida norma, pelo que nenhuma violação pode ser encontrada à luz desse que foi, afinal, o preceito de suporte da actividade realizada e posta em crise no recurso. Neste quadro, de manutenção incólume da tutela concedida pelo sistema judicial – não só no Tribunal convocado mas também, de forma complementar e em subsídio decisório, no Tribunal em que corre a acção de nulidade – como poderia ficar atingido o Direito das Recorrentes de acederem aos Tribunais para a defesa dos seus interesses legitimamente protegidos conforme enunciado no art. 20.º da Lei Fundamental? Não tem sentido nem adequação o alegado a este nível. Não existe, consequentemente, também, a pretendida inconstitucionalidade. É integralmente negativa a resposta que se dá à questão ora apreciada. 2. O direito das recorrentes a obter uma decisão sobre o litígio em prazo razoável, mediante processo equitativo, não é cumprido ao decretar-se a suspensão da instância? Ao decretar a suspensão, o Tribunal «a quo» está a convocar uma análise profunda, no seio de um juízo específico e focado incidente sobre a eventual nulidade da patente mencionada na acção especial em que se originou o recurso. Ao não estar questionada a admissibilidade de reconvenção em processado do jaez do referida, vem aceite e assente que há duas linhas de avaliações judiciais a aí realizar: uma relativa à invocação da patente e a outra à impeditiva arguição da sua nulidade. Neste contexto, o processo não pode terminar sem ambas as questões serem avaliadas. Uma poderá obviar à procedência da outra. Têm pois, ambas, que ser ajuizadas. Nada nos permite concluir, nesse quadro, que surja por via da suspensão um obstáculo à avaliação em prazo razoável das duas questões. Aliás, encontrando-se a acção de nulidade em fase mais avançada e sendo certo e seguro que naquela em que se gerou o recurso teriam que ser avaliadas questões coincidentes e, com toda a probabilidade, idênticos meios instrutório, não tem acerto brandir com compromisso para a produção de solução em prazo, recordando-se que esse prazo não é o que as Recorrentes gostaria que fosse alocado para exclusivamente decidir o que pediram em juízo em sede de exercício da faculdade de «invocar» da Lei 62/2011 mas, antes, o de avaliação dessa pretensão e da de declaração de nulidade. Acresce que o tempo da razoabilidade não é o tempo subjectivo das partes mas o reclamado pelas normas de direito adjectivo aplicáveis e pelo esforço jurisdicional a realizar no seu âmbito, sempre distinto no contexto particular de cada acção. Nesta, há que esclarecer o que se pede em sede de tutela reconvencional e, também à luz desse esclarecimento, ajuizar do pedido da acção. E esse esclarecimento não é indiciado como sendo atrasado pela suspensão já que a reconvenção estará, afinal, a ser esclarecida pelo sistema judicial com aparente vantagem temporal. Nem se diga que na acção de nulidade poderá haver recurso. Claro que poderá haver. Mas também o mesmo poderá acontecer nesta acção, como, aliás, se pode confirmar pelo encarniçamento que trouxe a este Tribunal Superior a singela questão intercalar da suspensão, pelas «mãos» das próprias Requerentes que se declaram interessadas na celeridade ao nível de não admitir suspensões, sequer para aproveitar esforço jurisdicional avançado, focado e incidente sobre questão reconvencional que nunca seria por esta via que poderiam evitar. Desconhece-se por que razão poderia a suspensão beliscar a equidade quando a mesma aposta justamente na simetria processual ao querer aproveitar esforço pendente de produção de juízo incidente sobre a inevitável arguição de nulidade. Equidade faltaria, isso sim, se se decidisse a acção sem apreciar a reconvenção, como as Recorrentes parecer propor e será apreciado no âmbito do tratamento da questão seguinte e derradeira. 3. A admitir-se alguma suspensão, ela deveria ser parcial? Ao sugerir a suspensão parcial, as Recorrentes parecem estar a sugerir o julgamento da acção, que prosseguiria sem conhecimento da reconvenção, ficando esta aguardando a decisão no processo referenciado no despacho de suspensão. Tem-se dificuldade em sequer compreender esta proposta decisória, sobretudo da parte de quem, na mesma peça processual, parece defender a igualdade e equidade processual e o direito de acesso aos Tribunais e aos juízes. A um nível menos pungente, já à margem do central travejamento do sistema, também não se vê como poderia falar-se em economia processual ao, pura e simplesmente, apagar-se a estratégia da defesa e o direito de solicitar tutela a um Tribunal, «saltando» sobre ela e suas pretensões. O legislador não partilha, claramente, esta técnica de anulação e supressão do adversário. Tanto assim é que de tal forma acarinha a lide reconvencional que estatuiu, no n.º 2 do art. 286.º do Código de Processo Civil que «A desistência do pedido é livre mas não prejudica a reconvenção, a não ser que o pedido reconvencional seja dependente do formulado pelo autor». Só não seria assim, se o que as Recorrentes quisessem afinal que se decidisse a acção e, mais tarde, conhecido o resultado da reconvenção, se fizesse um «acerto de contas» jurisdicional. Porém, não tem sentido a aparente tese do processo a dois tempos e dois ritmos. Tal carece não só de normas de sustentação mas também de sentido. Seguro é que as Recorrente não podem, porque não têm o direito de o fazer, tentar suprimir e cancelar a reconvenção a pretexto da decisão de uma mera questão de suspensão da instância. Tal agrediria direitos fundamentais da Recorrida, particularmente os direitos à acção e a um Tribunal imparcial referidos no art. 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e o direito a um processo equitativo enunciado no art. 6.º da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (e, inevitavelmente, o direito de essência constitucional de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, que chamaram à colação – o consagrado no art. 20.º da Constituição da República Portuguesa). Também esta questão reclama, de forma muito manifesta, por uma resposta negativa. III. DECISÃO Pelo exposto, julgamos improcedente o recurso e, em consequência, negando-lhe provimento, confirmamos a sentença impugnada. Custas pelas Apelantes. * Lisboa, 12.11.2025 Carlos M. G. de Melo Marinho Mónica Maria Bastos Dias Armando M. da Luz Cordeiro |