Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | ADEODATO BROTAS | ||
| Descritores: | ACÇÃO ESPECIAL DE REVISÃO E CONFIRMAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA INTERESSE EM AGIR UNIÃO ESTÁVEL | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 11/20/2025 | ||
| Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | ACÇÃO ESPECIAL DE REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | Sumário (artº 663º nº 7 do CPC) 1-Não existe interesse em agir se não se verificar a necessidade de uma concreta tutela judicial. Ou dito de outro modo: o interesse em agir é aferido em função da necessidade de tutela judicial, que é apreciada, objectivamente, perante o direito subjectivo alegado pelo autor: o autor tem interesse processual ou interesse em agir se da situação descrita resulta que necessita, efectivamente, de tutela judicial para realizar o seu direito. 2- A necessidade de tutela é apreciada em relação à situação da parte no momento da propositura da acção: só conhecida essa concreta necessidade de tutela se pode aferir o interesse em agir. 3- Não têm interesse em agir as requerentes, vivendo ambas no Brasil, que peticionam a revisão de uma sentença estrangeira que homologou um acordo declaratório de vivência em união estável, celebrado por escritura pública, se na petição inicial dessa acção de revisão de sentença não identificam qual a necessidade dessa revisão, ou qual a finalidade a que, com ela, se propõem. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em Conferência, os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: I-RELATÓRIO 1-1-AA, portuguesa e residente no Brasil e, BB, brasileira e residente no Brasil, instauraram acção especial de revisão de sentença estrangeira, visando seja revista e confirmada a sentença homologatório de acordo declaratório de vivência em união estável - celebrado por escritura pública, em 18/05/2018, no 2º Tabelião de Notas da Comarca de São Paulo – proferida a 16/07/2024, pelo juiz da 8ª Vara da Família e Sucessões do Foro Central Cível da Comarca de São Paulo. 2- Por despacho do ora relator, de 27/05/2025, alertaram-se as requerentes para a necessidade de explicitarem qual o seu interesse em agir para instaurarem esta acção de revisão de sentença estrangeira de homologação de escritura de vivência em união estável. 3- As requerentes vieram invocar que “…entre os requisitos previstos no art.º 980º do CPC, não há nenhum que obrigue as partes em um processo de revisão de sentença estrangeira de concretizarem, a priori, o interesse em agir.”. E que noutros processos de revisão de sentença, semelhantes, que foram decididos por esta 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa não foi suscitada a questão do interesse em agir. Mais alegam, que “… sem prejuízo de outros interesses, as requerentes pedem a revisão para que a sentença estrangeira produza efeitos na ordem jurídica portuguesa, sendo possível apontar situações de ordem imigratória (regularização da estada em território português), situações de ordem fiscal, proteção de natureza habitacional, eventual direito a alimentos ou à indemnização nos termos constante do art.º 496.º n.º 3 do CC, entre outras situações da vida civil…”. 4- Por o ora relator entender que as requerentes não demonstram ter interesse em agir, o que tem por efeito ser julgada procedente essa excepção dilatória, com as consequências daí advenientes, concedeu-se-lhes, nos termos do artº 3º nº 3 do CPC, o prazo de 15 dias para se pronunciarem, querendo. 5- As requerentes reiteraram que “…o interesse de agir repousa sobre a necessidade de uma sentença estrageira ser previamente revista e confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa para ter eficácia perante a ordem jurídica interna.”; e, repetiram o que já haviam anteriormente afirmado “…sendo possível apontar situações de ordem imigratória (regularização da estada em território português), situações de ordem fiscal, proteção de natureza habitacional, eventual direito a alimentos ou à indemnização nos termos constante do art.º 496.º n.º 3 do CC, entre outras situações da vida civil…” e, referem vários acórdãos proferidos por esta 6ª Secção que, segundo dizem, a questão do interesse em agir jamais foi suscitada. 6- Por decisão singular do ora relator, foi decidido: “- Decisão. Em face do exposto, decide-se julgar procedente a excepção dilatória inominada de falta de interesse em agir das requerentes e, consequentemente, abstém-se de conhecer do mérito da acção de revisão de sentença que homologou o acordo das requerentes de vivência em união estável.” 7- As requerentes vieram requerer, nos termos do artº 652º nº 3 do CPC, que sobre a matéria do despacho recaia acórdão. Invocaram os mesmos argumentos já anteriormente alegados. *** II- FUNDAMENTAÇÃO 1-Objecto da Conferência. Coloca-se a questão de saber se há fundamento para manter a decisão singular do relator. *** 2-Matéria de Facto. Com relevância para a decisão, importa considerar a factualidade constante do RELATÓRIO acima. 3- A Questão Enunciada. Antes de mais, importa salientar uma primeira nota: Vem sendo entendido pelo STJ que a reclamação para a Conferência sem invocação de novos argumentos pode ser feita por remissão para a decisão singular (STJ, de 29/04/2021 (46), Catarina Serra, www.dgsi.pt). Assim, passa-se a reproduzir os argumentos expendidos na decisão singular. Como se referiu no despacho de 01/09/2025, proferido nestes autos, o interesse em agir constitui um pressuposto processual e, como tal, não é confundível com os requisitos constitutivos da acção de revisão de sentença estrangeira referidos no artº 980º do CPC. Por isso, o artº 980º não menciona, nem tem de mencionar, o interesse em agir, assim, como não refere a legitimidade, a capacidade judiciária, nem qualquer outro pressuposto processual que são verificados previamente à apreciação do mérito da acção, no saneamento do processo. O interesse em agir pode ser definido como o interesse da parte activa em obter uma tutela judicial. Não existe interesse em agir se não se verificar a necessidade de uma concreta tutela judicial. Ou dito de outro modo: o interesse em agir é aferido em função da necessidade de tutela judicial. E essa necessidade de efectiva tutela judicial é apreciada objectivamente perante o direito subjectivo alegado pelo autor: o autor tem interesse processual ou interesse em agir se da situação descrita resulta que necessita, efectivamente, de tutela judicial para realizar o seu direito. A necessidade de tutela é apreciada em relação à situação da parte no momento da propositura da acção: só conhecida essa concreta necessidade de tutela se pode aferir o interesse em agir. No caso dos autos, não se alcança - nem as requerentes, mesmo quando convidadas, esclareceram - qual a concreta e efectiva necessidade de obterem a sentença peticionada para realizarem o seu direito que carece da prolação dessa sentença. A referência genérica a eventuais finalidades ou interesses que, em abstracto podem, eventualmente, vir a ver satisfeitas com a sentença que peticionam – “…sendo possível apontar situações de ordem imigratória (regularização da estada em território português), situações de ordem fiscal, proteção de natureza habitacional, eventual direito a alimentos ou à indemnização nos termos constante do art.º 496.º n.º 3 do CC, entre outras situações da vida civil…” - não satisfaz a exigência da efectiva necessidade de demonstrarem terem interesse em agir. O artº 20º nº 1 da CRP atribui a todos o direito de acesso aos tribunais e, o interesse em agir, estabelece as condições do exercício desse direito de acção, condicionando o recurso aos tribunais à utilidade/necessidade em obter a tutela judicial requerida. A sua justificação prende-se com razões de economia, porque a administração da justiça é um bem escasso que não deve ser exaurido em apreciação de acções inúteis, ou seja, nas acções em que não está demonstrada a efectiva necessidade de obter a tutela peticionada. Não se pode solicitar a obtenção de uma sentença, para “ficar em carteira” até que surja uma efectiva necessidade de a invocar. Por outro lado, como igualmente se disse no despacho de 27/05/2025, a revisão e confirmação de sentenças/decisões estrangeiras visa conferir eficácia jurídica, na ordem interna, de uma decisão proferida noutro Estado (de Origem), abrangendo, internamente, o reconhecimento dos efeitos dessa decisão. No fundo, trata-se de saber se aqueles actos públicos estrangeiros podem produzir efeitos na ordem jurídica nacional. Ora, de acordo com a Lei portuguesa sobre União de Facto (Lei 7/2001, de 11/05, com diversas alterações, a última pela Lei 71/2018, de 31/12) a união de facto confere Medidas de Protecção, aos unidos de facto, previstas naquela Lei, mormente as constantes nas diversas alíneas do artº 3º nº 1 e no artº 7º: Protecção da casa de morada de família; regime jurídico em matéria de férias, feriados, faltas, licenças e preferência na colocação de trabalhadores; aplicação do regime jurídico do IRS; protecção social no caso de morte; prestações por morte em caso de acidente de trabalho; pensão de preço de sangue; adoção. No caso dos autos, vivendo ambas as requerentes no Brasil, não vislumbramos qual a protecção, conferida pela Lei Nacional aos Unidos de Factos, lhes possa ter aplicação. Vem sendo entendido na doutrina e na jurisprudência que “Ponto é que se verifique relativamente ao pedido de revisão o interesse em agir revelado pelas vantagens que a revisão da sentença possa determinar para o requerente ou requerentes e que não possam ser alcançadas com a mesma segurança por outra via.” (Geraldes/Pimenta/Sousa, CPC anotado, vol. II, pág. 425). Na jurisprudência, vejam-se, entre outros, TRL, de 13/09/2018 (Isoleta Costa); TRC, de 28/04/2015 (Arlindo Oliveira). Do que se expôs, conclui-se que as requerentes não demonstraram terem interesse em agir com a instauração desta acção de revisão de sentença estrangeira. *** III-DECISÃO. Em face do exposto, acordam, por maioria, em conferência, os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, manter a decisão singular do relator e, em consequência julgam procedente a excepção dilatória inominada de falta de interesse em agir das requerentes, abstendo-se de conhecer do mérito da acção de revisão da sentença estrangeira que homologou o acordo das requerentes celebrado por escritura pública declaratória de vivência em união estável. Custas, pelas requerentes, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC (Tabela anexa II, penúltima entrada, do RCP) *** Valor da causa. Em face do pedido deduzido, verifica-se estarmos perante uma acção sobre interesses imateriais. Pelo que, de acordo com o artº 303º nº 1 do CPC, o valor da acção corresponde ao valor da alçada da Relação, acrescida de 0,01€ (actualmente, de 30 000€ - artº 44º nº 1 da Lei 62/2013, de 26/08). Assim, fixa-se à acção o valor de 30 000,01€. Lisboa, 20/11/2023 Adeodato Brotas Cláudia Barata Voto de Vencida. Votei vencida uma vez que entendo que para justificar o interesse em agir em sede de acção de revisão de sentença estrangeira basta a declaração por parte das autoras que pretendem ver reconhecida a sentença para que produza os seus efeitos na ordem jurídica portuguesa. Ao tribunal português a quem é pedida a revisão de sentença estrangeira apenas compete efectuar a verificação dos requisitos necessários para a confirmação enunciados no artigo 980.º do Código de Processo Civil; não lhe compete a apreciação de mérito da sentença estrangeira a confirmar excepto quando o seu reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português. Por outro lado, a excepção dilatória inominada da falta do interesse em agir e a possibilidade do seu conhecimento oficioso radica essencialmente em razões de ordem puramente económica, não devendo ser aplicada de forma a que daí possa resultar uma restrição injustificada - e por isso inconstitucional - ao direito de acesso à justiça e aos tribunais na vertente da obtenção de uma decisão que o cidadão entende carecida de tutela. No caso presente as autoras, suportando os custos económicos da acção, pretendem ver reconhecida e confirmada a sentença brasileira que reconheceu viverem em união estável no Brasil, regime semelhante ao da união de facto em Portugal. Com o pedido de revisão o que as autoras visam é que produza efeitos na ordem jurídica portuguesa a decisão que reconheceu que viviam no Brasil em situação de união de facto. E têm direito a obter o reconhecimento de tal decisão porque a tal não obsta o artigo 980.º do Código de Processo Civil. Vera Antunes |