Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | TERESA BRAVO | ||
| Descritores: | AÇÃO EXECUTIVA ACORDO DE PAGAMENTO ABUSO DE DIREITO PERSI | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 11/20/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PROCEDENTE | ||
| Sumário: | Sumário: 1. O diploma normativo que institui o denominado PERSI visou sedimentar uma política pública de proteção do cliente/consumidor em situação de mora no cumprimento porquanto, o mesmo é entendido como o elo mais frágil, nessa relação contratual com a entidade bancária. 2. Contudo, tal ratio de proteção não obsta a uma hermenêutica que privilegie a substância em detrimento da forma e por isso, há que efetuar uma interpretação adequada sobre o escopo da norma do art.º 18.º, do Decreto-Lei n.º 272/2012, de 25 de outubro, de que resulta a exceção dilatória de omissão do PERSI e que impõe prévia consideração das possibilidades de renegociação e cumprimento antes da instauração da execução. 3. Ora, no caso dos autos, essa finalidade foi materializada num acordo de pagamento prestacional da quantia em dívida, acordo esse celebrado entre a instituição bancária /exequente e o executado, que levou à extinção da instância executiva, sendo essa materialidade de comportamento precisamente, o que o legislador visou com a exigência do PERSI prévio à execução. 4. Age em abuso de direito, na modalidade de venire contra factum próprio o executado que negoceia e giza com a entidade bancária um acordo de pagamento prestacional de quantias devidas (no âmbito do mútuo celebrado ente as partes) e depois se pretende prevalecer da preterição das formalidades do PERSI quando a instância executiva se renova a pedido de um terceiro credor/ reclamante. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa, 1. Relatório BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A., exequente nos autos de execução nº 19446/23.0 T8LSB.L1, em que é executado AA, interpôs o presente recurso de apelação da decisão que declarou extinta a execução e absolveu o executado da instância, por alegadamente, não haver sido demonstrada nos autos o cumprimento do PERSI. * O recurso foi admitido, por despacho proferido em 15.10.2025, com efeito meramente devolutivo. Em sede de alegações, foram invocados os seguintes argumentos: 1. Os autos de ação executiva foram iniciados com base num contrato de mútuo, celebrado através de uma Escritura Pública outorgado em 31 de julho de 2007; 2. Para garantia da quantia exequenda, o executado constituiu a favor do exequente uma hipoteca sobre o imóvel, o qual veio a ser penhorado na pendência de uma ação executiva contra este instaurada; 3. A UNICRE - INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, S. A. apresentou a sua competente reclamação de créditos porquanto tinha registado a seu favor sobre o referido imóvel uma penhora posterior à registada nos presentes autos; 4. Após negociações encetadas entre exequente e executado, foi celebrado um acordo de pagamento nos termos do artigo 806.º do CPC, e declarada extinta a execução; 5. A UNICRE, credor reclamante, apresentou uma comunicação a requerer a renovação da execução; 6. O exequente tendo sido notificado da comunicação a Agente de Execução com a ref. 42663593 apresentada pelo credor reclamante, viu-se forçado a requerer igualmente a renovação da instância nos termos da alínea b) do artigo 809.º do CPC a fim de obviar à perda da sua garantia hipotecária; 7. Foi renovada a execução, tendo o executado alegado que não havia sido integrado no PERSI; 8. O que a ora recorrente confirmou, tendo o tribunal a quo absolvido o executado da instância; 9. O recorrente discorda daquela decisão porquanto, a jurisprudência tem vindo a entender que o escopo do regime legal e a situação fáctica descrita supra – a celebração de acordo de pagamento - impõem uma interpretação restritiva do artigo 18.º do DL 227/2012, no sentido de não se verificar a exceção dilatória de omissão de PERSI quando as finalidades substanciais do procedimento foram atingidas por outra via, consensual entre as partes; 10. Também a atuação do Executado que, após a celebração do acordo nos presentes autos, veio alegar o incumprimento do PERSI constitui abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium; 11. O acordo de pagamento prestacional não foi cumprido e estão, atualmente, em dívida 3.200 euros; 12. Pelo que, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos. *** A Ilustre Mandatária do Executado renunciou ao mandato, foi cumprido o disposto no art. 47º do C.P.C, não tendo sido constituído novo mandatário. *** Não foram produzidas contra-alegações. *** 1.1 Objecto do Recurso: O objecto do recurso é balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos art.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, correspondendo as mesmas à indicação, de forma sintética, dos fundamentos pelos quais se pede a alteração ou anulação da decisão, isto sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso. No caso vertente, uma vez que não foi impugnada matéria de facto, o âmbito do recurso cingir-se-á à matéria de direito. *** Questões a decidir: No âmbito da apelação, são duas as questões a decidir: a) Se o exequente / credor hipotecário, que fez acordo com o executado na pendência da execução para pagamento de quantia certa, está obrigado a enquadrá-lo e a provar a respetiva integração nas formalidades do PERSI; b) Se o executado, após celebração de acordo de pagamento com o exequente pode invocar a falta de integração no PERSI; * 2. Factos Provados: Estão provados os factos constantes do requerimento executivo e documentados nos autos; 1. Por Escritura Pública, outorgada em 31 de julho de 2007, o Banco Exequente concedeu a AA um mútuo sob a forma de empréstimo a prazo, no valor de € 225.000,00 (duzentos e vinte e cinco mil euros), a liquidar em quatrocentas e sessenta e quatro prestações mensais e sucessivas, e remunerada de acordo com a taxa de juros fixada na cláusula terceira do documento complementar do contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca, que constitui o Documento n.º 1; 2. A quantia mutuada, através do contrato referido em 1.º foi efetivamente entregue ao mutuário que, da mesma, se confessou devedor ao banco exequente, por crédito na sua conta de depósitos à ordem n.º …, aberta junto do junto do Banco Comercial Português, S.A., conforme cláusula primeira do documento complementar referido no antecedente n.º 1; 3.O mutuário utilizou e movimentou em proveito próprio o valor resultante desse financiamento, mormente na aquisição da fração autónoma infra descrita. 4. Para garantia do capital mutuado através daquele contrato de empréstimo, e bem assim dos respetivos juros e demais despesas, o mutuário AA constituiu, no seu âmbito, a favor do Banco Exequente uma hipoteca sobre o seguinte imóvel: - Fração autónoma designada pela letra “X”, correspondente ao nono andar esquerdo, com uma box para estacionamento número 32, na primeira cave e uma arrecadação com o número 14 na primeira cave, que faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Avenida 1 sob o n.º ..., da freguesia de Campo Grande, inscrito na matriz sob o artigo ....; 5. Hipoteca essa registada a favor da Exequente através da apresentação 3 de 2007/07/19, conforme certidão predial que constitui o documento 2, junto aos autos de execução; 6. Face ao não pagamento das prestações, o Banco exequente promoveu a interpelação formal do mesmo, através de carta registada com aviso de receção datada de 28 de março de 2023 – cfr. carta de interpelação que foi junta como documento n.º 3; 8.º Apesar da referida interpelação, o executado não efetuou o pagamento ao exequente da totalidade das prestações em atraso, o que levou a que este promovesse a resolução do contrato aludido supra, através carta registada com aviso de receção datada de 12 de maio de 2023 – cfr. carta de interpelação que constitui o documento n.º 4; 9. O executado não pagou a prestação que se venceu a 1 de novembro de 2022, nem as prestações que a seguir se venceram; 10. Assim, tornou-se imediatamente exigível o capital que se encontrava em dívida e que, à data do incumprimento, ascendia a € 145.477,97 (cento e quarenta e cinco mil quatrocentos e setenta e sete euros e noventa e sete cêntimos) - cfr. mapa demonstrativo da dívida, que foi junto e cujo conteúdo constitui o documento n.º 5; 11. O crédito do Banco exequente emergente do contrato de mútuo que perfaz a quantia global de €152.092,28 (cento e cinquenta e dois mil noventa e dois euros e vinte e oito cêntimos), mostra-se discriminado do seguinte modo: a) € 145.477,97, quanto a capital; b) € 6.359,92, quanto a juros de mora calculados entre 01/11/2022 a 01/08/2023; c) € 254,40, quanto a imposto de selo. 12. Em 16.09.2024, a UNICRE- INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, SA, instaurou por apenso à referida execução, uma reclamação de créditos contra o executado, peticionando que fosse inter alia, verificado e reconhecido o respetivo crédito, no montante de € 16.890,40 (dezasseis mil, oitocentos e noventa euros e quarenta cêntimos); acrescido dos juros vincendos à taxa contratual acordada, até efetivo e integral pagamento; 13. No dia 08.05.2025, na pendência da ação executiva instaurada pela aqui recorrente, foi proferida, pela Agente de Execução, a seguinte decisão: “Atento o acordo celebrado entre as partes, a presente execução foi extinta nos termos do disposto no nº 2 do artigo 806ºdo CPC; Nesse seguimento e, nos termos do disposto no Artigo 850.º, nº 2 do CPC, veio o credor, Unicre – Instituição de Crédito, S. A., requerer a renovação da execução; Notificada a exequente do pedido de renovação, veio esta também requerer a renovação da execução; Face ao exposto, decide-se nos termos do disposto no nº 1 e 2 al. b) do Art.º 809º e nº 2 do Art.º 850.º, ambos do CPC, pela renovação da instância, prosseguindo a execução com a venda do bem imóvel penhorado nos autos.” 13. Por requerimento datado de 11.06.2025, Ref. Citius 52592533 veio o Executado arguir o seguinte: “O Exequente BCP, S.A. nunca integrou o Executado no procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (doravante, apenas “PERSI”). (…) o Exequente BCP, S.A. e o Executado celebraram um contrato de mútuo com hipoteca, para aquisição da habitação permanente do Executado. Por conseguinte, tal contrato de mútuo com hipoteca, para aquisição da habitação permanente do Executado, insere-se, no âmbito de aplicação do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro (cfr. art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro).” 14. Por sentença proferida em 03.07.2025 o tribunal a quo declarou extinta a execução, por falta de uma condição objetiva de procedibilidade, i. e a ausência de integração do executado no PERSI. * 3. Enquadramento Jurídico: Entende a apelante que não se encontrava obrigada a desencadear o PERSI, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, relativamente ao executado, dizendo que com este celebrou um acordo de pagamento prestacional das quantias em dívida. Mais alega que, a invocação da falta de integração no PERSI por banda do executado, após a celebração de acordo de pagamento na pendência da ação executiva constitui abuso de direito na modalidade de venire contra factum próprio. Como é sabido, o Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, veio prever acerca do Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI) – entretanto objeto de alteração pelo Decreto-Lei n.º 70-B/2021, de 6 de agosto – um conjunto de “princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários e cria a rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações”. Com este regime jurídico, visou-se proteger o cliente bancário que seja consumidor, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, que celebra contratos de mútuo com entidades bancárias, nos termos do artigo 3.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro. O diploma normativo que institui o denominado PERSI visou sedimentar uma política pública de proteção do cliente/consumidor em situação de mora no cumprimento porquanto, o mesmo é entendido como o elo mais frágil, nessa relação contratual com uma entidade bancária. Assim, no art.º 12.º, do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, determina-se que as instituições de crédito promovem as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito. Por outro lado, no artigo 13.º determina-se que : «[n]o prazo máximo de 15 dias após o vencimento da obrigação em mora, a instituição de crédito informa o cliente bancário do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida e, bem assim, desenvolve diligências no sentido de apurar as razões subjacentes ao incumprimento registado». Resulta do exposto que, o PERSI se aplica a casos nos quais não chegou a existir incumprimento definitivo do contrato e procura-se, com tal procedimento evitar a resolução do contrato por incumprimento. Como se lê no acórdão do TRL, de 02.03.2023, no processo n.º 65/22.4T8SNT-A.L1-2, em que é relator Carlos Castelo Branco: “O regime normativo consagra, essencialmente, dois mecanismos: Um, em momento temporal prévio ao incumprimento contratual do mutuário consumidor, previsto e regulado nos artigos 9.º a 11.º, sob a designação elucidativa de “Gestão do risco de incumprimento”; e, outro, para fazer face à mora dos mutuários no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, previsto nos artigos 12.º a 21.º, onde se regula o denominado “Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI)”. No caso vertente, a sentença recorrida seguiu a jurisprudência do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.02.2023 (Processo n.º 1141/21.6T8LLE-B.E1.S1): «O procedimento PERSI deve ser repetido sempre que ocorra futuro e sucessivo incumprimento: quer a letra da lei, quer o espírito que preside ao DL nº 272/2012, não dão sustento à interpretação que limita a um único PERSI o incumprimento pelo mutuário num contrato de mútuo em que se convencionou o reembolso do capital e juros em prestações mensais, em contratos em que o mutuário fica vinculado a reembolsar o empréstimo por períodos largos de tempo, que podem atingir as dezenas de anos, como sucede nos casos de empréstimos para a habitação. A diversidade de situações justifica o desencadear de diferentes procedimentos»; e ainda o entendimento vertido no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04-05-2023 (Processo n.º 3751/20.0T8MAI.P1): «[A] circunstância da prévia existência de um PERSI, em relação a um dos contratos, por um prévio incumprimento, não obsta, antes o impõe, novamente, a que o mesmo contrato venha, mais uma vez, a ser integrado em um outro PERSI, não estabelecendo o referido diploma limite a número de vezes em que é admissível o recurso ao procedimento de regularização de dívidas, que pressupõe, apenas, a existência de um incumprimento quanto ao pagamento de um crédito». Afigura-se-nos que, de acordo com o regime em vigor, a omissão de tal integração configura uma inobservância dos princípios e finalidades que presidiram à consagração do regime legal e do procedimento em apreço, inviabilizando a possibilidade de se obter a regularização do incumprimento verificado por via consensual. No entanto, o caso vertente assume contornos particulares, isto é, por um lado, o credor hipotecário / ora exequente, já declarou resolvido o contrato de mútuo e, por outro, fez um acordo de pagamento prestacional com o executado na pendência da ação executiva, a qual foi inclusivamente declarada extinta pela AE tal como decidido em 08.05.2025. Tal desiderato só não foi prosseguido porque um outro credor (a UNICRE) requereu, entretanto, a renovação da instância executiva uma vez que veio, por apenso, deduzir reclamação do seu crédito. Não podemos, por isso, deixar de considerar a situação fáctica demonstrada nos autos e o escopo da norma do art.º 18.º, do Decreto-Lei n.º 272/2012, de 25 de outubro, de que resulta a exceção dilatória de omissão do PERSI e que impõe prévia consideração das possibilidades de renegociação e cumprimento antes da instauração da execução. Ora, manifestamente, essa finalidade foi atingida pela materialidade do comportamento da instituição bancária exequente e do executado que desembocou no acordo celebrado entre as duas partes e que levou à extinção da instância executiva, sendo essa materialidade de comportamento aquilo precisamente, que o legislador visou com a exigência do PERSI, prévio à execução. Impõe-se, por isso, privilegiar uma hermenêutica de prevalência da substância sobre a forma. Vejamos: Dispõe o artigo 18.º, n.º 1, do diploma supra referido que, no período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de (…) b) Intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito. Ora, o regime assim estabelecido obsta a que o credor intente ações visando a satisfação do crédito, maxime, acções executivas, na pendência do PERSI. Tal regime, impedindo a instauração das ações para satisfação do crédito até ao termo do PERSI, implica que a integração do cliente no PERSI e a conclusão do procedimento sejam condição de admissibilidade da instauração da ação, no caso, executiva, não podendo prosseguir ação que tenha sido instaurada sem a conclusão do PERSI. Ora, em nosso entendimento, o acordo celebrado entre o banco exequente e o executado, ainda que já na pendência da ação executiva, satisfaz as exigências legais subjacentes ao mencionado regime jurídico. Ou seja, se o legislador pretende comprometer a instituição e crédito com a resolução consensual do litígio e motivar a articulação desta com o devedor/ consumidor, então tal desiderato é atingido quando aquela entidade (re) negoceia e logra obter um acordo de pagamento com o devedor. É esta aliás, a opção jurisprudencial vertida no Acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 08.10.2020, relatado por Ana de Azeredo Coelho: “Em suma, terá de concluir-se por uma interpretação do artigo 18.º de exigência de um procedimento de renegociação suficiente e materialmente efectivo e não de exigência de cumprimento de um iter sacramental de actos formais.” Em suma, o escopo do regime legal e a situação fáctica descrita impõem, acompanhando a jurisprudência citada, uma interpretação restritiva do artigo 18.º do DL 227/2012, no sentido de não se verificar a exceção dilatória de omissão de PERSI, quando as finalidades substanciais do procedimento foram atingidas por outra via, consensual entre as partes Concordamos, por isso, com a argumentação da recorrente. Nessa medida, revogamos a decisão recorrida, e determinamos o prosseguimento dos autos. * b) Se o executado após celebração de acordo de pagamento com o exequente pode invocar a falta de integração no PERSI; Compulsados os autos dos mesmos resulta que o executado, após ter sido notificado da renovação da execução (por iniciativa do credor reclamante UNICRE) veio alegar não ter sido incluído no PERSI. Confrontado com esta alegação, o recorrente arguiu em sede de recurso a figura do abuso de direito (do executado) na modalidade de venire contra factum próprio. Importa, para o efeito, analisar a norma do artigo 334.º do CC, no âmbito da qual se estatui: «É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico de um direito». Nesta sequência, há então que avaliar se o facto de o executado ter renegociado o contrato de mútuo com o Banco/ exequente e posteriormente, quando a execução se renova vir reclamar o suposto incumprimento do PERSI constitui a referida modalidade do abuso de direito. Explica Menezes Cordeiro a estrutura daquele instituto nos seguintes moldes, vide “Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas” in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 2005, ANO 65, Vol. II, Set. 2005: “Estruturalmente, o venire postula duas condutas da mesma pessoa, lícitas em si, mas diferidas no tempo. Só que a primeira — o factum proprium — é contraditada pela segunda — o venire. O óbice que justificaria a intervenção do sistema residiria na relação de oposição que, entre ambas, se possa verificar.” Em face da factualidade dada como provada e considerando a ratio que atravessa todo o regime jurídico do DL 227/2012, não podemos deixar de reputar como abusivo o comportamento do executado no caso concreto. Neste sentido, ainda o supra citado Acórdão do TRL de 08.10.2020, do qual se extrai, com relevância para o caso vertente, o seguinte trecho: “O exercício pelo Executado da posição jurídica consistente em opor-se ao prosseguimento do processo executivo com fundamento na necessidade de, previamente à satisfação coerciva do crédito, a Exequente analisar e avaliar as possibilidade de renegociar o acordo, constitui um manifesto venire contra factum proprium, sendo este a sua participação na renegociação do contrato em incumprimento e a efectiva renegociação dele(…) “ . Destarte, procede também o argumento suscitado pelo recorrente na parte em que se refere ao abuso de direito pelo executado. * 4. Decisão Acordam os Juízes Desembargadores que compõem a 2ª secção cível deste Tribunal da Relação de Lisboa em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e ordenando o prosseguimento dos autos. Custas pelo executado/ recorrido, atento o seu decaimento. Lisboa, 20 de Novembro de 2025 Teresa Bravo João Paulo Raposo Inês Moura |